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O documento discute o "fetiche do dolo eventual" na sociedade contemporânea, onde há uma demanda por punições mais severas para crimes de trânsito. O autor argumenta que a mídia e o público pressionam por interpretar esses crimes como dolosos, ao invés de culposos, para justificar penas maiores. No entanto, isso contradiz os princípios do Direito Penal sobre a distinção entre culpa e dolo. O autor defende o uso da teoria e da pesquisa para fundamentar decisões jurídicas, em vez de sol
Descriere originală:
Texto relativo ao assunto de Direito Penal e Processual penal no âmbito das ciências criminais criminais.
O documento discute o "fetiche do dolo eventual" na sociedade contemporânea, onde há uma demanda por punições mais severas para crimes de trânsito. O autor argumenta que a mídia e o público pressionam por interpretar esses crimes como dolosos, ao invés de culposos, para justificar penas maiores. No entanto, isso contradiz os princípios do Direito Penal sobre a distinção entre culpa e dolo. O autor defende o uso da teoria e da pesquisa para fundamentar decisões jurídicas, em vez de sol
O documento discute o "fetiche do dolo eventual" na sociedade contemporânea, onde há uma demanda por punições mais severas para crimes de trânsito. O autor argumenta que a mídia e o público pressionam por interpretar esses crimes como dolosos, ao invés de culposos, para justificar penas maiores. No entanto, isso contradiz os princípios do Direito Penal sobre a distinção entre culpa e dolo. O autor defende o uso da teoria e da pesquisa para fundamentar decisões jurídicas, em vez de sol
Para que servem os livros? Para que servem as teorias? Para que servem as pesquisas cientficas? Infelizmente, as indagaes parecem admitir, como lastimvel resposta, um sonoro para nada. Sculos de desenvolvimento terico, incontveis horas de estudo e pginas de pesquisa parecem ter perdido sua utilidade diante de uma vontade incontrolvel de criar solues que satisfaam um anseio pessoal ou social por justia. Justia, nesse caso, entre aspas, eis que, em uma sociedade dominada pela cultura do medo, impera a ideia de que somente se faz justia por meio da punio. Absolvio impunidade; direitos e garantias fundamentais so obstculos para que se faa justia. A mdia, que vive uma relao de simbiose com a violncia, narra que a sociedade sangra, fomenta o pnico e induz revolta. Sempre existiram a manipulao da verdade e o direcionamento tendencioso da notcia, postos a servio de um lucrativo sensacionalismo. Atualmente, porm, desapareceu qualquer resqucio de timidez: todas as notcias sobre crimes so levianamente comentadas. No bastassem os falsos especialistas, com seu mantra punitivo, temos os ncoras e as apresentadoras de programas de culinria e de futilidades do mundo artstico que julgam e condenam sumariamente, arriscando-se, inclusive, a usar expresses tcnicas que lhes so absolutamente estranhas. A sociedade, acuada e, agora, supostamente consciente dos constantes riscos a que est submetida, passa a ter a obrigao de exigir das autoridades medidas cada vez mais drsticas. No basta a lei penal; espera-se uma lei cada vez mais severa. No basta a pena; espera-se uma pena cada vez mais alta. No basta a condenao; espera-se a punio exemplar. Se os crimes ocupam capas de revistas e muitas folhas de jornal, tomam boa parte do tempo nos telejornais e constituem tema especfico de programas abjetos, vemos que os delitos de trnsito, h algum tempo, tm recebido grande destaque. Os homicdios culposos na direo de veculo automotor, em especial, tm se revelado uma pedra no sapato. Principalmente os que envolvem a conduo sob efeito de lcool e as disputas automobilsticas no autorizadas (pegas ou rachas). No se questiona a necessidade de repensar a poltica criminal referente a tais delitos de trnsito. Afinal, de fato, cuidamos de infraes frequentes e que so dotadas de grande poder ofensivo. Nem por isso, porm, toda e qualquer medida se afiguraria legtima. No se pode, a pretexto de incrementar a segurana no trnsito, desconsiderar premissas que embasam o Direito Penal. Depois, um equvoco depositar todas as expectativas na punio. Nenhuma medida penal compensar a falta de fiscalizao preventiva, por exemplo.
Mas o fato que, impelida por um discurso miditico terrorista, a sociedade
exige (contraditoriamente) respostas rpidas e eficazes (entre aspas, pois, aqui, a eficcia diretamente proporcional intensidade da punio). essa, para os profissionais e estudiosos do Direito, a hora da deciso: manter-se fiel tcnica e usar a cincia para formar solues slidas e fundamentveis ou ceder presso da mdia e da sociedade para apresentar respostas imediatistas que, apesar de ilusrias, contam com altos ndices de adeso em funo de seu (exagerado) rigor punitivo? O primeiro caminho mais lento e, s por isso, j parece desagradar. Passa pela crtica racional da lei em vigor e tem como resultado mximo a sugesto de alteraes legislativas. Sugerimos, por exemplo, a criao de majorante ou qualificadora para as hipteses em que o homicdio culposo tenha sido cometido em contexto de embriaguez ou rachas etc. At que a lei mude, todavia, por fora do inafastvel Princpio da Legalidade, teremos que arcar com aquilo que parece ser uma proteo deficiente. O segundo caminho, por sua vez, instantneo: basta desprezar premissas tericas basilares para aplicar tipos penais cujas sanes sejam mais graves. um atalho sedutor. Nada de morosos trmites legislativos. Para penas imediatamente mais severas, s preciso chamar de doloso aquilo que culposo. A impresso a de que, se a conduta que punida com pena mxima de 04 anos de deteno passar a ser punida com recluso de 06 a 20 anos, o Estado estar levando a srio o valor da vida e a segurana no trnsito. por isso que se criaram algumas frmulas mgicas. Confiveis e fceis de compreender, expressam a fome punitiva caracterstica da sociedade contempornea: direo + lcool = dolo eventual ou direo + excesso de velocidade = dolo eventual. fcil ver que se desenvolve, paralelamente crescente demonizao do condutor embriagado, um fetiche pelo dolo eventual. A partir disso, tudo dolo eventual. Tudo importa em assumir o risco. Atualmente, parece difcil criar exemplos crveis de homicdio culposo na direo de automvel. Beber, correr, ultrapassar, avanar sinal... Tudo isso assumir o risco de matar. Mas s de matar? Ningum tem medo de morrer? Ser que todo condutor inconsequente est efetivamente preparado para assumir seu pacote de desgraas? No apenas a morte do outro, mas a sua prpria; no apenas a morte do desconhecido, mas a do seu prprio filho ou cnjuge, que o acompanha. Isso, alm das perdas financeiras e dos diversos aborrecimentos policiais e judiciais que sero enfrentados. Esse condutor, pior que um psicopata, um psicopata suicida. E seria ele to estranho a ns? No so nossos amigos ou nossos parentes? No somos ns mesmos? O que se tem, mais que um pensamento temerrio, por embasar as decises condenatrias em presunes absolutas, uma convico mentirosa. Se no nos identificamos com o estuprador, o latrocida, o corrupto, certamente no devemos nos esquecer de que somos, quase todos, condutores. Ser que todos condutores exemplares?
A leviana popularizao do dolo eventual fruto de um misto de malcia,
ignorncia e hipocrisia. Malcia da mdia, ignorncia do destinatrio e hipocrisia de todos os que se arvoram paladinos da segurana. E o discurso apelativo. Difcil combat-lo com tcnica e teoria. Que ele ganhe espao entre os leigos, parece ser inevitvel. Mas como justificar seu crescente prestgio entre os profissionais e estudiosos do Direito? claro que o apego teoria no pode engessar o Direito, brecar sua evoluo ou a sua adaptao realidade. O Direito est a servio da sociedade. As teorias jurdicas no devem romper com a realidade prtica de modo a desatender os prprios fins para os quais foram construdas. Alis, a transitoriedade das premissas e a revogabilidade das concluses uma caracterstica essencial de qualquer cincia. S que a mutao terica algo que se espera que seja feito com responsabilidade. preciso que seja precedida de pesquisa e de profunda reflexo a respeito de seus impactos sobre o sistema. Se no se pode paralisar o Direito por apego excessivo teoria, evidente que no possvel abandon-la totalmente, sob pena de criar-se um sistema cujas instituies se fundam no vazio. Repelir pilares tericos para dar solues que expressem uma viso pessoal de justia, sem que se busque fundamentar cientificamente o raciocnio empregado, representa uma tendncia megalomanaca. Ao arrepio de qualquer teoria, margem de qualquer conhecimento cientfico e acima da lei que (pelo menos, supostamente) sobre eles se erigiu, reina, absoluta, a paixo pelo poder de fazer justia imediata. claro que o Direito deve estar aberto a novas posies. evidente que a reviso conceitual deve ser algo sempre possvel. s assim que se pode evoluir e assegurar que o Direito cumpra suas funes. inegvel, por exemplo, a importncia do papel da jurisprudncia na construo, na atualizao e na submisso do Direito realidade. Se o julgador no est obrigado a repetir os conhecimentos tericos tradicionais, no est livre, de outro, para desprezar por completo a teoria. Eis aqui o problema: segundo a Teoria do Delito, se o agente, apesar de plenamente consciente dos riscos de causar certo resultado lesivo, pratica a conduta, acreditando sinceramente que tal no se produzir, atua com culpa consciente. A diferena para o dolo eventual tnue e difcil de ser identificada em muitos casos prticos, mas ela existe, e, nos casos em que prevalecer a dvida, evidente que ela se resolver em favor do acusado. O Direito Penal no aquilo que queremos que ele seja. Ele um sistema, possui princpios, conceitos e premissas que norteiam sua estruturao e seu uso. Quem dirige veculo automotor em condio de embriaguez, excesso de velocidade ou disputando rachas, mesmo sabendo da probabilidade de causar a morte de algum (e a sua prpria), mas acreditando (ainda que estupidamente) que tal resultado no ocorrer (parece ser a regra, a menos que partamos do raciocnio do psicopata suicida), age com culpa consciente. A menos que se prove a assuno do risco, no se pode afirmar o dolo eventual.
Se essa prova difcil, esse no um problema do ru, tampouco algo que
possa ser usado em seu desfavor. No af de dar respostas aceitveis, somos tentados a encurtar caminhos e criar atalhos. Recente deciso do STF (HC 101.698/RJ),(1) que associou o dolo eventual ao racha, pode representar esse atalho. S lembramos que a deciso, em que pese a respeitabilidade de seu prolator, no representa verdade absoluta. Felizmente, no vinculante. E esperamos que no seja seguida, acriticamente, por todos os membros do judicirio. Que os juzes decidam conforme suas conscincias e convices, mas que no se esqueam de abrir um bom livro antes. E se quiserem inovar, decidindo contrariamente teoria, que o faam somente aps explorar as regies ridas e enfrentar as questes espinhentas da dogmtica penal. No se pode decidir sem robusto amparo terico. Afinal, para que servem os livros? Para que servem as teorias? Para que servem as pesquisas sobre a Cincia do Direito? NOTAS (1) HC 101.698/RJ - Relator Min. Luiz Fux j. 18.10.2011 - publicao em 30.11.2011.
Israel Domingos Jorio
Professor de Direito Penal da FDV, da Escola da Magistratura do ES e da Escola do Ministrio Pblico do ES. Advogado. Fonte: http://www.ibccrim.org.br/boletim_artigo/4529-O-Fetiche-do-Doloeventual
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