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FACULDADE DE EDUCAÇÃO
Porto Alegre
2004
2
Porto Alegre
2004
3
BANCA EXAMINADORA:
__________________________________________
Profa. Dra. Valdemarina Bidone de Azevedo e Souza
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
Faculdade de Educação
(Orientadora)
__________________________________________
Prof. Dr. Juan José Mouriño Mosquera
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
Faculdade de Educação
Faculdade de Letras
__________________________________________
Prof. Dr. Roberto Ramos
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
Faculdade de Comunicação Social
4
amigos e incentivadores.
5
AGRADECIMENTO
Este trabalho tornou-se possível e foi realizado com o auxílio do CNPq, e com
A CURA
Lulu Santos
Existirá!
Em todo porto tremulará
A velha bandeira da vida.
Acenderá!
Todo o farol iluminará
Uma ponta de esperança.
E se virá,
Será quando menos se esperar,
De onde ninguém imagina.
Demolirá
Toda certeza vã.
Não sobrará
Pedra sobre pedra.
Enquanto isso,
Não nos custa insistir
Na questão do desejo
Não deixar se extinguir.
Desafiando de vez a noção
Na qual se crê
Que o inferno é aqui.
Existirá!
E toda raça então experimentará
Pra todo mal
A cura.
7
RESUMO
estudo de caso exploratório (YIN, 2001) – um curso intensivo de língua inglesa desenvolvido
aprendizagem de inglês como língua estrangeira em sala de aula passa pelo processo de
com o professor.
ABSTRACT
complex conception (NICOLESCU, 2002; MORIN, b2002), and its repercussions both in
scientific investigation and in formal educational processes. After setting this base, the
dissertation seeked to found the principles of a transdisciplinary approach for education and,
more specifically, for the process of teaching and learning English as a foreign language in
the classroom. After the theoretical investigation that set the foundations of transdisciplinary
dialogical (MORIN, a2002) perspective, was constituted by an exploratory case study (YIN,
transdisciplinary principles – in which the data collection was done through the use of semi-
structured interviews answered by the participants before and after the course, evaluations
written by the participants during the course and the participant observation of the
researcher and also teacher of the course. The case study was then evaluated in relation to
its pedagogical potential in the proposed approach. The data, interpreted through content
teaching and learning a foreign language in the classroom can be made possible by the
conception of the classes as educational and interactional events and the construction the
notion of the whole through the establishment of bonds among the students and between the
Key words: transdisciplinarity, complexity, dialogic, education reform, case study, teaching
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 10
1 O DESAFIO DO AUTO-QUESTIONAMENTO 14
2 DE ENSINAR INGLÊS A FORMAR PESSOAS:
UM PERCURSO DO DISCIPLINAR AO TRANSDISCIPLINAR 20
2.1 Uma breve história dos métodos e abordagens 21
para o ensino de línguas estrangeiras
2.2 A abordagem transdisciplinar 39
2.2.1 Os pressupostos da transdisciplinaridade 42
2.2.2 A atitude transdisciplinar 52
2.2.3 Uma abordagem transdisciplinar para a educação 56
3 OS MOVIMENTOS DO PERCURSO 68
3.1 A opção metodológica 68
3.2 Um delineamento para a metodologia do curso 71
3.3 O planejamento do estudo de caso 75
3.4 As entrevistas preliminares
e a revisão dos pressupostos metodológicos do curso 82
3.5 A coleta de dados da realidade, a triangulação e a interpretação 88
3.6 Tecendo a espiral:a transdisciplinaridade no processo
de ensino e aprendizagem de língua inglesa em sala de aula 93
4 OS ESTUDANTES EM SEU PROCESSO DE AUTO-FORMAÇÃO,
AUTO-CONHECIMENTO E REVISÃO DE POSIÇÕES 99
5 AS AULAS COMO EVENTOS EDUCACIONAIS E INTERACIONAIS 116
6 A TEIA DE RELAÇÕES ENTRE AS PARTES
E A CONSTRUÇÃO DA CONSCIÊNCIA DO TODO 142
RUMO A UM MUNDO TRANSDISCIPLINAR:
O CAMINHO CONSTRUÍDO ATRAVÉS DA EDUCAÇÃO 159
REFERÊNCIAS 169
APÊNDICE A – O plano de ensino do curso 174
ANEXO A – A carta da transdisciplinaridade 176
10
INTRODUÇÃO
O ser humano parece estar, nas últimas décadas, redescobrindo sua complexidade,
humanidade, a unidade do conhecimento parece cada vez mais inviável. Sabemos cada vez
mais sobre o que fazemos e cada vez menos sobre quem somos, cada vez mais sobre o
universo exterior e cada vez menos sobre o sentido de nossas vidas e de nossas mortes.
podemos suspeitar que a consciência humana não evoluiu ao mesmo tempo e na mesma
pessoas que nos cercam, ou nós mesmos. A impossibilidade de superarmos muitas das
tensões e conflitos que vivenciamos – a deterioração das normas sociais e das relações
parecem não saber como lidar com os desafios que temos de enfrentar, mesmo quando são
auxiliados pelos grandes especialistas formados pela humanidade. Segundo Edgar Morin,
os avanços disciplinares que temos vivido nos últimos dois séculos provocaram a
informações sobre o mundo com que nos acostumamos a conviver sufoca nossas
discutidos por entidades anônimas e superiores aos indivíduos, não estão ao alcance dos
11
cidadãos comuns, o que torna difícil discuti-los, criticá-los, e refletir sobre suas
de nossa história, além de muitas vezes ter se tornado incompreensível para boa parte das
pessoas, parece ter contribuído pouco na construção de um mundo mais conciliador e mais
feliz.
contribuir para essa falta de compreensão, ao destacar os objetos do meio em que estão
da realidade, e entre a realidade e nós mesmos. Segundo Morin, o problema não reside no
fato de que existem diferentes áreas no conhecimento humano, mas sim na maneira pouco
solidária como lidamos com essas áreas. Como nossa educação nos tem ensinado a
nos pouco cientes das conexões e das interações entre eles. E é assim que aprendemos a
um após o outro, numa ordem dita “didática”, pouco considerando as relações que existem
humano, por sua vez – mais que um cérebro e um corpo – é um todo formado por
diferentes instâncias que se relacionam estreitamente, sempre em mutação. Além disso, ser
que fazem o conjunto ser humano-realidade ser mais complexo que a simples justaposição
suas partes – propiciou enormes avanços científicos e tecnológicos nos últimos dois
séculos. Nesse sentido, seu valor não pode ser desprezado. Esse reducionismo e a
12
conseqüente fragmentação, no entanto, levou a humanidade a saber cada vez mais sobre
mundo está na raiz das crises morais, políticas e sociais que nos assolam em escala
mesmos, da realidade e da relação que estabelecemos com ela se faz urgente neste início
de século. “Somente uma forma de inteligência capaz de abarcar a dimensão cósmica dos
elaborar abordagens pedagógicas voltadas para a construção de autonomia por parte dos
pelo ensino de conteúdos programáticos de sua área, mas também pela qualidade da
empreender esta investigação e a relevância que seus resultados podem assumir no ensino
dados da realidade, dos quais emergiram três categorias, que são: os estudantes em seu
trabalho.
1 O DESAFIO DO AUTO-QUESTIONAMENTO
prática como educadora. Ao longo de minha prática como professora de língua inglesa,
tenho buscado construir, junto a meus estudantes e colegas de trabalho, fundamentos para
envolvidas no processo. Busco atuar de modo que meus estudantes e eu saiamos de cada
aula levando conosco não apenas novos conceitos e procedimentos, mas também pontos
de referência para a construção de novas visões de nós mesmos, dos outros e de nossa
realidade. Ao longo dos últimos anos, passei a me questionar sobre o quanto eu estava
articuladas com nossos projetos de vida, pois já não me sentia tão segura de que era capaz
em uma profunda reflexão sobre minha postura perante o mundo e sobre a maneira como
tento apreendê-lo, e também auxiliar meus estudantes a fazê-lo. Passei, então, a buscar
uma postura pessoal e uma abordagem profissional que modificasse essa mirada, de modo
Foi ainda no último ano do curso de graduação em Pedagogia que tive contato pela
primeira vez com os trabalhos de Edgar Morin sobre a busca da religação dos saberes e
com algumas idéias difusas sobre transdisciplinaridade. Com o intuito de aprofundar esses
outubro de 2002.
seleção para o Mestrado, entre outubro e dezembro de 2002, com estudos bibliográficos
Nicolescu, e nas articulações entre elas, acredito que tenha encontrado um rumo para
realidade, imposta pelos paradigmas científico e educacional que vigoraram durante os dois
últimos séculos, e ao defender uma religação dos saberes, explicitou o que considera ser o
mestrado, percebi que minha inquietação inicial não era uma situação que eu deveria
sei, sinto e sou, e das repercussões que isso tem em minha atuação como educadora.
inacabado e provisório mesmo depois de sua finalização. Hoje já não sinto a urgência de
superar minhas dúvidas e vencer minhas inquietações, pois percebo que elas me motivam a
continuar aprendendo, o que considero prática essencial para quem quer continuar
ensinando.
aproximações têm sido de grande valia para professores de idiomas, que vêm trabalhando
indivíduo uma formação mais abrangente e, ao mesmo tempo, mais sólida” (p. 148). Assim,
que lhes permitirão construir conhecimentos essenciais que contribuirão para sua formação
dada sua difusão ao redor do mundo, esse caráter facilitador de inserção no mundo
que integram a área. “Ao conhecer outra(s) cultura(s), outra(s) forma(s) de encarar a
realidade, os estudantes passam a refletir, também, muito mais sobre a sua própria cultura
e ampliam a sua capacidade de analisar o seu entorno social com maior profundidade,
forma de ser, agir, pensar e sentir e a de outros povos, enriquecendo a sua formação” (p.
152).
construa as habilidades necessárias para também reconhecer o que reside entre, através e
além dos diversos saberes, e entre eles e sua realidade, o que se configura em um dos
áreas do saber, as diferentes culturas e também entre as pessoas, sem que isso signifique
idioma estrangeiro pode contribuir para uma importante mudança de perspectiva, na medida
em que passe a promover o ensino da língua não mais como um fim em si mesmo, mas
integração de um ao outro.
pressupostos transdisciplinares?
· propor pontos de referência para o ensino da língua inglesa baseados nos fundamentos
da abordagem transdisciplinar;
pedagógico.
Escrevo este trabalho em primeira pessoa. E nessa decisão sou apoiada por Rubem
Alves, que afirmou em seu clássico Conversas com quem gosta de ensinar (1984):
Espero que essa decisão não seja interpretada como prepotência, mas, ao contrário,
como uma mostra da consciência das possibilidades e limitações deste trabalho ao âmbito
pessoais. Este estudo se configura em uma investigação qualitativa e, como tal, não
intensas trocas com meus professores, colegas, estudantes e também com os autores que
das propostas aqui expressos. Assim, compartilho a construção da autoria desse trabalho
Morin (a2002), nos chama a atenção para um importante fenômeno referente aos
professores responsáveis pelo ensino das diferentes disciplinas – entre elas as línguas
estrangeiras – para estudantes das últimas séries do ensino fundamental e para o ensino
médio. O autor afirma que, via de regra, as sociedades não atribuem a esses profissionais a
suas disciplinas, geralmente sem considerar as conexões que elas possam apresentar com
outras áreas do conhecimento e sem incluir em seus planos de curso outros conteúdos que
procedimentos e atitudes, deixam um vácuo onde deveria ocorrer uma parte significativa da
juventude. Desse modo, denuncia Morin, esses professores – entre eles os de língua
atuar como instrutores dos conteúdos que lhes cabe ministrar. Isso significa que a segunda
metade do ensino fundamental e os anos de ensino médio não ocupam, em boa parte das
período de instrução.
línguas estrangeiras, especialmente a língua inglesa – com a situação descrita por Morin.
Ao nos conclamar a refletir sobre nossas atribuições como educadores e sobre nossa parte
autor nos mobiliza também a encontrar caminhos para tornar nossa prática docente, mesmo
21
que específica e limitada à nossa área de atuação, mais significativa nas vidas de nossos
estudantes.
idiomas estrangeiros ao longo da história até seu estado atual, e proponho pressupostos
educação, que acredito ser uma via possível na transformação do ensino da língua inglesa
em sala de aula com vistas a uma formação mais integral dos envolvidos no processo.
passou por mudanças bastante profundas ao longo do século XX. Dada a importância que o
língua tomou força e impactou as práticas de ensino, também confrontadas com um elevado
pessoas aprendem uma língua estrangeira, ainda não sabemos ao certo como o processo
ocorre (HARMER, 1991). Por isso, essa prática de ensino – embora permanentemente
com uma metodologia de trabalho que garanta o sucesso dos professores e a satisfação
continuar a nos oferecer insights sobre a busca constante de um trabalho cada vez mais
repleto de significado.
utilizados no ensino de línguas ao longo dos últimos séculos e indica seu legado para as
22
O Método Clássico
(HOWATT, 2000). No estudo das línguas clássicas, o foco estava não no uso da linguagem
Nos séculos XVIII e XIX, quando línguas estrangeiras modernas passaram a ser
parte do currículo escolar, o método clássico estendeu sua tradição para o ensino do
parte dos estudantes com a dinâmica do método, “lembrado com desgosto por milhares de
experiência entediante” (RICHARDS, RODGERS1, 1986 citados por BROWN, 2001, p. 17).
Mesmo assim, apesar das mudanças nos objetivos para o aprendizado de outros idiomas, o
1
RICHARDS, Jack C., RODGERS, Theodore S. Approaches and methods in language teaching: a
description and analysis. Cambridge: Cambridge University Press, 1986.
23
facilidade de sua aplicação. “Ele requer poucas habilidades especializadas por parte dos
professores” (p. 17). O autor se embasa em outros estudos, porém, para argumentar que o
método clássico não tem defensores. “É um método para o qual não há teoria. Não há
literatura que ofereça uma racionalização ou uma justificativa para ele ou que tente
exploração de textos – sejam eles clássicos ou não – no idioma que se está aprendendo,
uma vez que essa prática não só pode auxiliar os estudantes a conhecer melhor a cultura
do povo que fala aquela língua, como também pode estimular a reflexão, o espírito crítico e
a elaboração própria. O problema a respeito do método clássico é que ele se limita a essas
oral. Ele é, assim, insuficiente para conduzir os estudantes a uma utilização competente do
idioma estrangeiro em situações que exijam interação genuína, seja ela oral ou escrita.
O Método Direto
Por volta de 1875, o professor francês de latim François Gouin viajou para
segundo o método que utilizava para ensinar seus estudantes (HOWATT, 2000). Gouin se
e mesmo da memorização de obras clássicas, apenas para constatar que não conseguia se
tentativas frustradas de aprender a nova língua através do método clássico, Gouin voltou
para a França.
três anos havia aprendido a falar naquele intervalo de tempo, o que o fez ponderar que
(BROWN, 2001). A partir dessa premissa, ele publicou em 1880 o manual A arte de
aprender e ensinar línguas (GOUIN2, 1992 citado por HOWATT, 2000), em que elaborou
série de frases contextualizadas e conectadas entre si. Esse método encontrou muitas
respeitado Método Direto, idealizado por Charles Berlitz em 1878 (HOWATT, 2000).
ocorria de modo similar ao aprendizado da língua materna. Assim, as aulas contavam com
interação oral e uso espontâneo da linguagem. Não havia tradução e pouca ou nenhuma
Método direto podem ser resumidos nos seguintes pontos (BROWN, 2001):
2
GOUIN, F. The art of teaching and studying languages. London: George Phillip, 1992. (Originalmente
publicado em Paris, 1880).
3
A abordagem indutiva se apóia sobre o raciocínio indutivo, que parte de dados particulares (fatos,
experiências, enunciados empíricos) e, por meio de uma seqüência de operações cognitivas, chega a
leis ou conceitos mais gerais, indo dos efeitos à causa, das conseqüências ao princípio, da
experiência à teoria (HOUAISS, 2001). A indução não tem valor demonstrativo. Seu âmbito de
validade abrange apenas os casos em que essa validade foi efetivamente constatada. Assim, não se
25
em escolas privadas de idiomas estrangeiros na Europa. Nas escolas públicas, ele foi
adotado de modo tímido, por ser considerado difícil em sua aplicação prática. As principais
ser utilizado com o elevado número de estudantes nos grupos, ao tempo necessário para o
trabalhar com o método (HOWATT, 2000). As críticas mais importantes, no entanto, vieram
particulares dos professores do que a uma sustentação teórica. Mesmo assim, após um
período de declínio nos anos 30 do século XX, esse modelo acabou inspirando o movimento
O Método Áudio-Visual
O Método Direto nunca gozou, nos Estados Unidos da América, do mesmo prestígio
que obteve na Europa. Por um lado, era difícil encontrar professores nativos de línguas
européias no país. Por outro lado, dado seu relativo isolamento, havia pouca necessidade,
A eclosão Segunda Guerra Mundial fez emergir nos Estados Unidos a necessidade
urgente de se tornar proficiente – principalmente nos aspectos orais – nas línguas dos
povos aliados e também dos inimigos (HOWATT, 2000), o que abriu caminho para uma
constitui em ciência, uma vez que a ciência é necessariamente demonstrativa (ABBAGNANO, 2000).
26
verdadeira revolução nas metodologias de ensino de idiomas no país. Para esse fim, o
Método Direto foi adaptado para dar origem ao chamado “Método do Exército”, que devido a
sua comprovada eficácia, tornou-se muito popular. A partir dos anos 50 do século XX, com
adaptações realizadas para atender a estudantes em geral, ele passou a ser conhecido
estágios: estímulo, resposta e reforço (positivo ou negativo). Em seu livro Verbal Behavior,
depende em grande parte dos reforços positivos ou negativos que recebemos dos adultos
reforço positivo ou negativo, com o objetivo de formar nos estudantes o “hábito” de usar a
língua estrangeira de maneira correta. Outras características desse método são: o uso
objetivo dos trabalhos é fazer com que cada estudante se expresse sem erros na língua
necessitamos para ensinar e aprender uma língua estrangeira (BROWN, 2001). Além disso,
a rotina estreita e repetitiva dos trabalhos em sala de aula pode tornar o método entediante
ensino de idiomas estrangeiros. No entanto, como todo método, o áudio-visual está sujeito a
críticas severas e apresenta limitações que não podem ser ignoradas. Foi o estudo dessas
partir dos trabalhos do lingüista americano Noam Chomsky, cuja teoria se opôs ao
dizer coisas que nunca ouviu antes? Para Chomsky (1959), a linguagem é um sistema de
sistema. Sua premissa básica era que, ao aprendermos o finito número de regras existentes
28
na língua, podemos então produzir um infinito número de frases. Assim, o que uma criança
adquire ao aprender a língua materna não é um hábito, mas competência no manejo das
regras gramaticais, o que lhe permite, inclusive, ser criativa no uso da linguagem, dizendo
conhecer a estrutura subjacente à língua para, com base nela, desenvolver a capacidade de
As abordagens humanísticas
Uma perspectiva que desde o início dos anos 80 do último século tem atraído muita
pessoas. Essas abordagens têm como objetivo, além do ensino da língua estrangeira, o
Em 1978, Gertrude Moskowitz publicou seu Caring and Sharing in the Foreign
estrangeiros.
29
testados, e atraíam cada vez mais o interesse de professores ávidos por inovações. Embora
o tempo tenha mostrado que nem sempre eles cumpriam a promessa de levar os
uma etapa importante na história do ensino de idiomas estrangeiros, por terem introduzido
Abaixo, estão brevemente descritos alguns dos mais conhecidos métodos que focaram
relacionamentos.
Learning Approach elaborada por Charles Curran4, que por sua vez se inspirou na visão
estrangeira o que gostariam de falar, e usarem essa fala para estabelecer uma
4
O sacerdote católico Charles A. Curran, também professor de psicologia clínica da Universidade de
Loyola, em Chicago, construiu a counseling learning (aprendizado por aconselhamento) ao longo dos
anos 70 do século passado como resultado de seu trabalho como professor e psicólogo. Considerada
uma das várias abordagens humanísticas para o aprendizado de línguas e para a educação em geral,
sua principal característica é a preocupação com a construção da auto-estima e da autonomia dos
estudantes, proporcionada por uma atitude de apoio e aprovação por parte do professor (STEVICK,
1990).
5
A palavra “rogeriana” deriva do nome do psicólogo Carl Rogers, que idealizou uma abordagem
educacional não-diretiva em que professor e estudantes trabalham cooperativamente para promover o
aprendizado em um contexto problematizador porém não ameaçador que privilegia o desenvolvimento
das potencialidades de cada indivíduo do grupo (ROGERS, 1990).
30
criar na sala de aula uma atmosfera de apoio e confiança que diminua a ansiedade
· Suggestopedia: Criado pelo psicólogo e educador búlgaro Georgi Lozanov, esse sistema
relaxado que cria condições para as “experiências” dos estudantes com a linguagem.
estrangeira.
· The Silent Way: Apoiado mais em fundamentos cognitivos que afetivos, esse método
facilitados pela utilização de objetos concretos como mediadores, pela descoberta, pela
do TTT, o teacher talking time, ou seja, o tempo de fala do professor em sala de aula.
· Total Physical Response: O conhecido TPR foi desenvolvido pelo psicólogo americano
James Asher a partir da premissa de que a memória é ativada pela atividade física, e
ouvir os adultos e responder ao que ouvem com ações (STEVICK, 1990). Asher
acreditava que antes de se iniciar nas habilidades produtivas da língua – falar e escrever
– os estudantes deveriam ter tempo suficiente para experienciar sua recepção – ouvir e
método logo demonstrou suas limitações: a diretividade, que obriga o uso quase
transição do exercício das habilidades receptivas para as produtivas. Porém, dado seu
No início dos anos 80 do último século, as pesquisas sobre como as pessoas usam
conhecimento sobre a língua. Nessa perspectiva, a aquisição da linguagem seria mais bem
estrangeira deveria ocorrer do modo mais semelhante possível à maneira como uma
criança adquire sua língua materna. Segundo o autor, não se ensina a língua à criança. O
que ocorre é que ela está exposta ao uso da língua diariamente, por muitas horas, e
também está colocada em situações de comunicação com adultos. Sua construção gradual
32
pouco acima do que eles podem produzir mas ainda dentro dos limites de sua
compreensão. Essa é, de acordo com sua visão, a maneira como os pais se comunicam
com seus filhos, tendendo a adequar sua linguagem ao nível de entendimento do bebê, e
tornando-a mais complexa à medida que a criança amadurece. Ao promover esse tipo de
aplicação em sala de aula. Uma das principais críticas ao modelo se refere à dificuldade
aprendizado inconsciente, não como o fundamento principal de seus estudos, mas como
estrangeiro.
6
Input é um termo usado, neste contexto, para designar a linguagem que os estudantes ouvem ou
lêem, em sala de aula ou fora dela, durante seu processo de aprendizagem.
33
A abordagem comunicativa
noções e funções tiveram origem nos trabalhos de Van Ek e Alexander (1975) para o
Conselho da Europa7, que se dedica, desde o final dos anos 50 do século XX, a promover a
trabalho, os autores partiram dos conceitos de noção e de função. Noções são contextos ou
quanto a atividade executada pelas pessoas nos dados contextos. Assim, na noção geral de
A característica mais marcante dos CNF é o uso das noções e funções da língua
critério representou uma quebra de paradigma, pois até então cursos e materiais se
É importante ressaltar que os CNF não foram propostos como método de trabalho,
mas sim como um fundamento para a estrutura dos currículos em língua estrangeira. Nos
cursos organizados segundo esse princípio, uma unidade de estudo parte de uma situação
para propor uma combinação bastante variada entre atividades, tais como práticas
7
O Conselho da Europa é a organização política mais antiga do continente. Fundado em 1949, o
Conselho reúne hoje 46 países europeus, e tem como objetivos defender os direitos humanos, a
democracia parlamentar e o governo através de leis; promover acordos para padronizar as práticas
sociais e legais dos países-membros; promover a consolidação de uma identidade européia baseada
em valores compartilhados através das diferentes culturas (Council of Europe Portal, 2004).
34
final dos anos 70 e o início dos 80 do século passado, quando pesquisadores e professores
individuais presentes em suas salas de aula e nos distintos estilos de aprendizagem que
os estudantes a desenvolver estratégias que lhes permitissem fazer o melhor uso possível
dedicaram a estudar, ao longo dos anos 80 do último século, as estratégias adotadas pelos
estudantes de uma segunda língua, e seu trabalho foi decisivo para esse esforço. Seus
aprendizagem, interagem com ele e a ele respondem” (KEEFE9, 1979, citado por BROWN,
8
A competência comunicativa foi definida pela primeira vez pelo antropólogo da Universidade de
Indiana Dell Hymes, que se inspirou nos trabalhos de Noam Chomsky para produzir, em 1964, a obra
The ethnography of communication. O autor sustenta que, para se comunicar com sucesso, uma
pessoa necessita dominar mais do que os aspectos gramaticais da língua. Ela precisa saber como os
membros daquela comunidade usam o idioma para atingirem seus objetivos. O conceito de
competência comunicativa foi mais tarde discutido e refinado por muitos outros autores, e hoje se diz
que são quatro seus principais aspectos: gramatical (formal), sócio-lingüístico (apropriação da fala ao
contexto social), discursivo (coerência na fala) e estratégico (compensatório) (SAVIGNON, 1991).
Brown (2001) inclui nesse conjunto o elemento funcional, que se refere à habilidade de escolher a
função da linguagem adequada ao objetivo e à necessidade que se apresenta. É importante
mencionar, como ressaltam os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (1999), que
colocam a competência comunicativa como um objetivo a ser alcançado pelo ensino de idiomas
estrangeiros na rede regular de ensino, que esses componentes não podem ser entendidos como
independentes, mas como elementos que se inter-relacionam no ato comunicativo.
9
KEEFE, J. W. Student learning styles: diagnosing and prescribing programs. Reston: National
Association of Secondary School Principals, 1979.
35
outras necessitam interagir com o conteúdo, e assim por diante. Segundo os estudiosos do
estudantes, eles têm melhores condições de planejar atividades de modo a auxiliar cada
tomam consciência do modo como aprendem, eles podem planejar e desenvolver métodos
sócio-afetivas têm a ver com a qualidade da interação com o professor e com os colegas.
ação – o conhecimento dos estilos e estratégias e de como fazer uso deles permitiu que os
abordagem comunicativa.
36
Assim, entre o final dos anos 80 e o início dos 90 do século XX, iniciou-se o rápido
mundo real utilizando a língua estrangeira como instrumento. Foi o início da busca do que
sala de aula. O autor oferece, para fins de clareza, seis características principais do ensino
· A preparação dos estudantes para se comunicar na língua estrangeira nas mais variadas
· O professor colocado como facilitador e condutor dos processos em sala de aula, e não
ao mesmo tempo em que são avanços significativos em relação a elas. Essa abordagem
aprendem e como podem fazer melhor uso de seu estilo de aprendizagem. O trabalho com
como também estar teórica e tecnicamente preparado para tomar as decisões inesperadas
ser seguida, o professor necessita desenvolver um perfil reflexivo e observador para realizar
não quer dizer que o professor tem uma atuação menor em sala de aula, mas sim que sua
observa seus estudantes e decide quando e como é necessário intervir. Após, é uma de
suas atribuições fornecer um feedback que possa conscientizar os estudantes sobre suas
Como pudemos observar ao longo dessa breve narrativa, no período de pouco mais
estudantes. Ao final dos anos 80 do último século, após a explosão de estudos, pesquisas e
À medida que cada método mostrava suas limitações, o próprio conceito de método
prática em qualquer situação – foi sendo questionado, e a busca por uma metodologia de
trabalho ideal foi dando lugar à observação de cada grupo de estudantes e a reflexões
possam dar conta das especificidades de cada grupo de estudantes e de cada contexto
institucional e social. Nossa profissão atingiu um nível de maturidade que nos permite
2001). Além disso, estamos preocupados com sua conscientização a respeito de seu estilo
aprendizado.
Como foi colocado no início, não sabemos ao certo como realizar esse trabalho.
confrontando teorias com nossas práticas e experiências, e refletindo sobre esse confronto.
devem continuar.
Segundo Brown (2001), cada professor de língua estrangeira hoje deve estar
consciente de que cabe a ele desenvolver sua própria abordagem para planejar e promover
disposição para planejar as aulas para cada contexto particular” (BROWN, 2001, p. 40).
Suas especificidades não residem nas técnicas de trabalho utilizadas, mas no objetivo que
propõem para os trabalhos de sala de aula: a busca – assumida por este trabalho – de uma
O pensador francês Georges Gudsdorf afirma que reivindicações pela unificação dos
conhecimento, já que a unidade foi inerente à ciência desde seu surgimento (GUDSDORF,
1995). Foi apenas no século XIX que a expansão sem precedentes do trabalho científico
disciplinas. Foi também nessa época, devido à consolidação da reputação das metodologias
científicas analíticas e preditivas, que o conhecimento deixou de ser uma relação com a
evidentemente causou um divórcio entre a realidade e a visão que a ciência tem dela.
lançamos mão da transdisciplinaridade, que tem como finalidade reintegrar o que está
dividido e compartimentalizado.
primeiro entender o que é disciplinaridade, pois é a partir desta noção que podemos propor
possam existir entre aquele ramo do saber e as demais diferentes áreas da ciência. Cada
características e distintivas.
disciplinas ao mesmo tempo. Esse processo, pelo cruzamento das análises de vários
chega a ultrapassar as disciplinas, mas sua finalidade ainda é manter a divisão disciplinar.
O termo “transdisciplinaridade” não pode ser considerado novo. Ele foi usado pela
primeira vez por Jean Piaget em um colóquio sobre a interdisciplinaridade em 1970, em que
especializadas, situaria essas relações em um sistema global, onde não existiriam fronteiras
simultaneamente entre, através e além das disciplinas, reconhecendo nelas o que existe de
ultrapassa as barreiras entre as disciplinas para tentar uma compreensão mais inclusiva da
modifica as disciplinas como também faz emergir novas idéias e novos conhecimentos
específica do conhecimento.
mundo, e para isso, é necessário que encaremos tanto o conhecimento quanto o ser
explorarmos as fronteiras existentes entre as disciplinas, para que possamos almejar uma
podemos questionar a existência de qualquer coisa que esteja presente entre, através e
além das disciplinas. Do ponto de vista do pensamento ocidental clássico, por exemplo, não
saber. Este âmbito é dado como vazio e, como tal, não apresenta o que ser explorado. Se
(HERBERT, 1985). Do mesmo modo, o que existe nos limites entre as áreas de
10
O estudioso da transdisciplinaridade Nicolescu utiliza em seus trabalhos a expressão “níveis de
realidade”, (niveaux de réalité nos originais em francês). Neste estudo, optei pela expressão
“instâncias de realidade”, por acreditar que essa expressão evita a imagem de camadas sobrepostas
que a palavra “níveis” poderia invocar.
43
lógica do terceiro incluído (NICOLESCU, 1997). À primeira vista, esses postulados podem
nos causar intenso impacto, pois parecem estar em desacordo com o mundo como nós o
perceber que eles não só fazem sentido, como também têm enorme potencial para nos
No início do século XX, jovens físicos europeus deram início ao que passou a ser
considerada a maior revolução científica dos últimos cem anos: a revolução quântica, que
deixou grandes impressões não só no mundo científico quanto na epistemologia, uma vez
que foi a partir do desenvolvimento da teoria quântica que filósofos da ciência como Karl
Popper iniciaram sua própria revolução, que originou o que hoje é conhecido como o
1980).
Aqueles jovens físicos – entre eles Max Planck, Niels Bohr, Albert Einstein, Werner
Heisenberg, Wolfgang Pauli, Paul Dirac, Erwin Schrödinger e Max Born – concluíram,
componentes, é regida por leis diametralmente diferentes das leis obedecidas pela física
obedecerem às mesmas leis de funcionamento, convivem de modo tão coeso que sequer
nos apercebermos das enormes diferenças entre elas. Estava ali estabelecida a presença
De acordo com Nicolescu (1985), a realidade pode ser definida como o que oferece
Enquanto o real é aquilo que é, a realidade se caracteriza como o que resiste à nossa
experiência. Morin reitera essa visão ao afirmar que a realidade não é o que “se deixa
absorver pelo discurso lógico mas o que resiste a ele”. (c2002, p. 141). Assim, enquanto a
nossa capacidade cognitiva, não se desvela por inteiro – pelo menos não para nós.
realidade são diferentes quando, na passagem de uma para a outra, há uma ruptura das
interação.
número é finito ou infinito, mas é importante que reconheçamos que há múltiplas instâncias
11
A instância das supercordas, por enquanto, não tem comprovação empírica, ou seja, ela existe
apenas no âmbito teórico. A teoria das supercordas, desenvolvida a partir dos anos 60 do último
século, tem sido considerada pelos físicos contemporâneos como a textura última do universo. De
acordo com essa teoria, os objetos básicos formadores do universo não são partículas, mas
entidades que possuem apenas uma dimensão, o comprimento, como uma corda infinitesimalmente
fina. Na teoria das cordas, o que hoje é visto como partícula passaria a ser concebido como onda que
se desloca ao longo da corda (GREENE, 2000).
45
objeto transdisciplinar.
intuição13 e a espiritualidade14, entre outras que ainda estão para ser descobertas.
nossas diferentes instâncias de percepção permite que tenhamos uma visão mais
unificadora e global da realidade sem, porém, jamais esgotá-la. Permite também que
12
As diferentes instâncias de percepção foram definidas e estudadas por Edmund Husserl e outros
pesquisadores. Husserl, em seu Méditations Cartésiennes (HUSSERL, 1966 citado por NICOLESCU,
1997) afirma que o sujeito-observador, ou seja, a pessoa, conta com diferentes instâncias de
percepção na sua tentativa de compreender a realidade. (HUSSERL, Edmund. Méditations
Cartésiennes: introduction à la phénoménologie. PARIS: Vrin, 1966.)
13
A palavra “intuição” vem do latim intuire, que significa “ver por dentro”. É, dessa forma, uma
sabedoria interior que nos permite resoluções ou elaborações. Para Kaplan, a intuição é, uma
condensação de diferentes linhas de pensamento racionais num único momento, em que a mente
reúne rapidamente uma gama de conhecimentos e passa de imediato para a conclusão. Muitas
vezes, a intuição condensa anos de experiência e de aprendizado num clarão instantâneo
(ABBAGNANO, 2000). É nesse sentido que a palavra “intuição” está sendo usada neste trabalho.
14
A palavra “espírito” deriva do termo latino spiritus, que significa sopro de vida. Podemos, desse
modo, definir espírito como a energia e a vitalidade que anima os seres vivos, fazendo com que eles
atuem no mundo, relacionando-se com ele. Em seu significado original, espírito não constitui uma
fração do ser distinta do corpo, mas uma parte integral do ser enquanto sentido e força vital. A partir
dessa definição de espírito, podemos conceituar espiritualidade como uma vivência mais integral da
dinâmica da vida, a consciência do ânimo e da energia de cada ser, em seu movimento e suas
relações no universo. A espiritualidade é, podemos afirmar, uma maneira mais plena e integrada de
nos colocarmos no mundo, de percebê-lo e compreendê-lo como um todo do qual fazemos parte, e
que, por sua vez, faz parte de nós. Dalai-Lama definiu espiritualidade como aquilo que produz no ser
humano uma mudança interior. Leonardo Boff define esse tipo de mudança como “verdadeiras
transformações alquímicas, capazes de dar um novo sentido à vida ou de abrir novos campos de
experiência e de profundidade rumo ao próprio coração e ao mistério de todas as coisas” (BOFF,
2001, p. 17 e 18). Essas transformações interiores conduzem, por sua vez, a uma rede de
transformações no exterior: “na comunidade, na sociedade, nas relações com a natureza e com o
universo inteiro” (p. 36).
15
Cabe aqui incluir a diferenciação feita por Morin (a2002, b2002) entre racionalização e racionalidade.
Para o autor, a racionalização é um sistema lógico e abstrato de explicação de fenômenos, destituído
de fundamento empírico, enquanto que a racionalidade é a busca de coerência nas experiências que
vivenciamos. Enquanto a racionalidade nos protege contra os erros e ilusões decorrentes das
limitações de nosso aparato cognitivo, a racionalização, por constituir um sistema lógico
aparentemente completo, se fecha à crítica e à revisão de suas concepções. O termo “racional”
empregado acima corresponde ao conceito de racionalização em Morin.
46
unidade dos dois em sua diversidade. Essa unidade é considerada aberta porque ela é
necessário que ampliemos nossa visão de mundo para nela integrar a concepção de
autor coloca que a compreensão da realidade transdisciplinar pode marcar “um novo
estreitamente tramado por infinitos fios, o que parece descrever a realidade tal como é vista
na abordagem transdisciplinar.
relacionem entre si, produzindo, nesses relacionamentos, efeitos que retroajam sobre os
processo, desordens e incertezas. Morin se inspira em Pascal para afirmar que, sob a ótica
ajudados, mediatos e imediatos, e que estão conectados entre si por um fio comum que as
torna partes de um todo. A partir desse ponto de vista, em que os componentes do todo se
mundo, coloca três concepções principais que fundamentam a visão complexa do mundo,
Max Planck, em seus experimentos no início do século XX, descobriu que a energia
emitida pelas partículas microscópicas não tinha uma estrutura contínua, mas era
campo da física (HERBERT, 1985). Até então, acreditava-se que as leis da física eram, em
é global. Isso quer dizer que as causas e os efeitos não se conectam em uma cadeia mas
em uma teia, em que cada elemento é ao mesmo tempo causa e efeito em relação ao que
16
Em A Cabeça Bem Feita, Morin (a2002) descreve os princípios complementares e interdependentes
que caracterizam a relação complexa existente entre os diferentes elementos da realidade. Esses
princípios – sistêmico, hologrâmico, do circuito retroativo, do circuito recursivo, da autonomia-
dependência, dialógico e da reintrodução do conhecimento em todo conhecimento – serão descritos e
discutidos mais adiante neste trabalho.
48
muito importantes não só para a física, mas também para a epistemologia, pois introduz a
idéia da conexão que pode existir entre entes que estão aparentemente separados.
de entidades que influenciam e são influenciadas pelo que quer que esteja em seu entorno.
Essas entidades interagem numa relação dialógica (MORIN, a2002) que marca outra
fundamentais.
Outra das leis da macrofísica que a mecânica quântica desafiou foi o determinismo,
pode determinar sua trajetória. As partículas, assim, se caracterizam por uma certa
combinação de seus atributos físicos – tais como suas velocidades e posições – cada uma
significa o fim do previsível, mas apenas sua limitação a sistemas dinâmicos simples e
Ao definir o elétron como sendo ao mesmo tempo onda e partícula, a teoria quântica
também fez ruir um dos mais caros pressupostos da física clássica, que é objetividade, ou a
mostraram aos cientistas que cada elétron se comporta como uma onda entre as
estabelecendo a relação estreita que existia entre o sujeito que observava e o objeto
observado.
remolda a própria tessitura da realidade, que reage à nossa presença nela. Werner
nossas concepções em relação a ele (HERBERT, 1985). Isso nos leva a compreender que
não estamos apartados de nossa realidade. Estamos nela, assim como ela está em nós, e
na cultura e na ciência ocidentais até o início do século XX, consagrou três axiomas lógicos,
que são:
· O axioma do terceiro excluído17: não pode haver um terceiro objeto T que seja, ao
entre opostos contraditórios não pode haver meio-termo, uma vez que, como afirmou
Aristóteles, a contradição é a oposição em que uma das partes está presente na outra
(ABBAGNANO, 2000).
17
De acordo com o Dicionário de Filosofia (ABBAGNANO, 2000), o filósofo alemão Alexander G.
Baumgarten em seu trabalho Metaphysica, de 1739, foi o primeiro pensador a nomear esse axioma,
considerando-o como independente do princípio da não-contradição.
50
poderia estar separada da contradição. Foi apenas após a idade média que Leibniz, em
seus trabalhos sobre filosofia natural, pôs em questão pela primeira vez a correspondência
entre os dois axiomas. Apesar do posterior estabelecimento da diferença entre eles, até
hoje muitos pensadores consideram que o segundo e o terceiro princípios dizem o mesmo,
axiomas origina o que é conhecido como a lógica aristotélica, que, pelo método da indução
provar que um determinado objeto T pode ser A e não-A ao mesmo tempo, ao descobrir
Enquanto do ponto de vista da física clássica corpúsculo e onda são entidades diferentes, e
não poderia haver outra entidade que fosse as duas ao mesmo tempo, a microfísica
O terceiro incluído – ou seja, a entidade que é partícula e onda ao mesmo tempo – só vai se
tornar possível na realidade microfísica. Dizemos, assim, que o terceiro incluído se torna
Assim, se sob a ótica clássica, que considera a existência de apenas uma instância
importante deixar claro que a lógica multivalente do terceiro incluído não torna falsa a lógica
51
binária clássica do terceiro excluído. Ela restringe sua aplicabilidade e seu domínio de
Embora esse possa parecer um problema interessante apenas para físicos, lógicos e
filósofos, Nicolescu (2002) lembra que a lógica que governa o conhecimento também dita as
normas do que é considerado verdadeiro – ou válido, uma vez que a palavra verdade
quotidiana. Segundo o autor, há uma lógica escondida por detrás de cada uma de nossas
concepções e ações. “Uma lógica nunca é inocente. Ela pode até mesmo causar milhões de
se torna possível sob a lógica do terceiro incluído (NICOLESCU, 2002; MORIN, 1996).
Embora entidades continuem contraditórias, a tensão entre elas pode oportunizar sua
mundo.
quanto nas esferas sociais e políticas, desde que, para isso, estejamos dispostos a nos
18
Coube a Stéphane Lupasco, em seu livro Le principe d’antagonisme et la logique de l’énergie, de
1951 (Lupasco, 1987 citado por NICOLESCU, 1997) a tarefa de demonstrar que a lógica do terceiro
incluído é uma lógica verdadeira, formalizável e formalizada, constituída como multivalente e não
contraditória (LUPASCO, S. Le principe d’antagonisme et la logique de l’énergie. Paris: du Rocher,
1987. Originalmente publicado em Paris, 1951).
52
A atitude transdisciplinar foi conceituada pela primeira vez em 1991 pelo poeta
argentino Roberto Juarroz (NICOLESCU, 2002) e se caracteriza pela aptidão para manter a
sujeito, de objeto e de realidade que emergem desses três princípios. A relação dialógica
pensar e também de agir que, ao nos fazer repensar a realidade e nós mesmos, pode
descontínuas, permanecem ligadas por zonas de não resistência, origina uma visão
não como um ente fragmentado e dividido em áreas, mas como uma unidade complexa e
coerente que emerge da interação entre as diferentes instâncias, e que deve ser abordada
tentativa de reduzir a realidade a um único nível, regido por uma única forma de lógica, não
19
A Carta da Transdisciplinaridade foi redigida durante o Congresso da Arrábia, acontecido no
Convento da Arrábia, Portugal, em novembro de 1994, com apoio da UNESCO. Esse congresso é
considerado como a primeira manifestação mundial da transdisciplinaridade. Redigida sob a
coordenação de Lima de Freitas, Edgar Morin e Basarab Nicolescu, a Carta foi publicada como
apêndice do Manifesto da Transdisciplinaridade (NICOLESCU, 2002)
53
do conhecimento sem, contudo, abandonar o rigor científico com que elas são tratadas.
também descontínuas, porém unidas por sua zona de não resistência – determina uma
como uma unidade multifacetada, porém coesa, emergente da relação dialógica (MORIN,
formal do que é um ser humano e de submeter o ser humano a análises redutivas restritas
a estruturas formais, sejam elas quais forem, é incompatível com a visão transdisciplinar”,
conhecimento não é exterior ao sujeito que se dispõe a conhecer, e também não é interior a
estabelecendo que o conhecimento é ao mesmo tempo interior e exterior aos sujeitos. Essa
encontraríamos o terceiro incluído que uniria essas entidades antagônicas em uma instância
de realidade diferente. Porém, essa teoria seria temporária, porque a descoberta de novos
54
descobertas.
A realidade sob o ponto de vista transdisciplinar é, assim, considerada sob uma ótica
gödeliana20, que implica a impossibilidade de formularmos, algum dia, uma teoria completa
e final sobre o mundo. Assim, podemos concluir que o conhecimento, sob a abordagem
transdisciplinar, evolui eternamente, com a descoberta de leis cada vez mais gerais, sem
chegar a uma verdade final. O conhecimento está, assim, ao mesmo tempo indeterminado e
ressalta que a atitude transdisciplinar exige que reconheçamos que sabemos pouco sobre o
mundo, e que não podemos conhecê-lo de maneira total. Ele menciona em seus trabalhos a
lógica do terceiro incluído – que permite a congregação de opostos – faz emergir o que
relevantes em nossas vidas. Segundo ele, assim como nenhuma disciplina ou grupo de
disciplinas tem mais valor do que a outra, nenhum ponto de vista é uma posição privilegiada
20
O termo “gödeliana” deriva do nome do matemático austríaco radicado nos Estados Unidos Kurt
Gödel. Gödel, em seus estudos da lógica matemática, formulou uma sintaxe lógica da aritmética no
âmbito da própria aritmética, concluindo que um sistema suficientemente abrangente de axiomas leva
inevitavelmente a resultados ou irresolúveis, ou contraditórios, o que torna impossível a constituição
de um sistema completo. Sua conclusão ficou conhecida, a partir de 1931, como o Teorema de Gödel
(WANG, 1995).
55
para avaliarmos ou julgarmos qualquer outro. E isso inaugura um novo modo de olhar as
nosso mundo.
Essa percepção indica que não há nacionalidade, sistema político, cultura ou religião
privilegiado para avaliar os outros a partir de si. Nenhuma dessas “transentidades” significa,
sistemas políticos, culturas e religiões. A percepção de que cada um deles tem seu local e
tempo específicos, e incorpora visões, valores, crenças e costumes de seres humanos que
também pertencem a seu próprio local e tempo constitui uma atitude transdisciplinar.
trans-humanismo (NICOLESCU, 2002), uma busca do que existe entre, através e além de
cada grupo humano e de cada indivíduo. Segundo a visão transdisciplinar, “não há lugar
que seja mais degradante que qualquer outro, ou lugar mais invejável que qualquer outro. O
único lugar que nos convida é nosso próprio lugar, e ele é único, à medida que cada um de
nós é único” (NICOLESCU, 2002, p. 93). O trans-humanismo, assim, ofereceria a cada ser
humano as bases para seu desenvolvimento integral e para uma realização mais plena em
sua presença no mundo, numa atitude de respeito por si mesmo, pelas outras pessoas e
pelo universo.
valores podem nos oferecer uma nova maneira de concebermos a nós mesmos e a nossa
realidade. E, como diz Nicolescu, “quando nossa perspectiva a respeito do mundo muda, o
uma cultura transdisciplinar que, através de uma compreensão mais global do mundo –
exterior e a interação que existe entre esses dois universos (NICOLESCU, 2002) – pela
busca do diálogo entre os conhecimentos e do conhecimento com o ser humano, possa ter
a esperança na progressiva redução das tensões que ameaçam a vida em nosso planeta e
Nicolescu (2002) afirma que nossa vida individual e social é estruturada pela
educação. Central em nosso devir, a educação tem o poder de moldar o futuro através de
nossa formação presente. A percepção geral das sociedades atuais, porém, é a de que a
desafios da pós-modernidade, uma vez que os princípios e métodos sobre os quais está
contemporâneo. Esse tem sido o tema de inúmeros estudos sobre educação, em que se
57
tenta formular propostas para a escola do futuro. Um dos resultados mais proeminentes
Século XXI, encomendado pela UNESCO e relatado por Jacques Delors (2000).
membros da comissão enfatizam quatro pilares que sustentam a proposta de um novo tipo
espírito científico baseado na recusa de qualquer conhecimento que nos seja apresentado
como pronto e esgotado. Propiciar o desenvolvimento desse espírito não significa, segundo
de integralização da realidade.
práticos que nos permitam desempenhar uma profissão – embora essas sejam construções
essenciais em nossa sociedade – e também não pode estar restrito à especialização. Dado
o ritmo acelerado com que o mundo se transforma, aprender a fazer significa construir um
direções, caso uma mudança de área de atuação seja necessária. Nicolescu afirma também
aprendizagem para que possamos desenvolver estratégias que nos permitam não apenas
aprender a fazer.
de nós mesmos na face do outro (NICOLESCU, 2002, p. 135). Aprender a viver juntos
58
mencionada, que permite que compreendamos melhor nossa própria nação, cultura,
sistema político e orientação religiosa sem, contudo, adotar qualquer posição totalitária.
O autor acrescenta que aprender a viver juntos significa não apenas respeitar as
normas que governam a vida coletiva mas, acima de tudo, compreendê-las para que
possamos vivenciá-las com convicção, em vez de mera obediência. Nessa perspectiva, uma
atitude atenta e participativa em relação a essas normas se torna fundamental. Uma vez
que – para que nossa vivência com os demais seja significativa – necessitamos não só
aceitar mas acreditar nas regras sociais, é fundamental que possamos participar de sua
construção, e estar prontos para questioná-las e negociar com nossos pares para
apontado no artigo 13 da Carta: “a ética transdisciplinar rejeita qualquer atitude que recuse
espécie. Da mesma forma, significa agregar o sujeito ao objeto, termos que aqui assumem
significado especial. Segundo o autor, o outro permanecerá sendo sempre um objeto para
nós se não realizarmos o projeto transpessoal, que é a busca da essência que reside entre,
através e além de cada pessoa, e que permite o próprio viver juntos. Assim como o
(BRENNER, 2000).
59
humanidade não pode mais aprender pela destruição, pelo choque ou pela mera adaptação
a novas circunstâncias que emergem sem que nos tivéssemos apercebido de seus sinais.
incertezas inerentes a esse processo – com base nas circunstâncias presentes, e de para
na preparação para o futuro proposta pelo quinto pilar. Em outras palavras, cada um de nós
tem parte da responsabilidade pela procura de soluções viáveis para os desafios que se nos
impõem. Uma vez que ações e iniciativas individuais não são suficientes e, principalmente,
porque a tarefa de tornar o mundo um lugar melhor não pode estar sob responsabilidade
mesmo tempo pessoal e conjunto, tendo em vista a complexa relação existente entre nós e
a realidade.
realidade, a proposta transdisciplinar para a educação prevê uma transrelação que unifica,
sem homogeneizar, os seis pilares (ou quantos mais outros vierem a ser propostos, uma
vez que esta proposta deverá estar, coerentemente com a visão gödeliana, para sempre em
aberto) que são, em última alçada, “o fundamento de nossa constituição como seres
UNESCO solicitou a Edgar Morin que expressasse sua visão sobre a educação que se faz
necessária para o século XXI. A proposta de Morin está concretizada em Os Sete Saberes
educacional do autor solidifica e amplia os pilares propostos pelo relatório Delors, e também
educação in vivo, confrontando-a com a educação disciplinar tradicional que ele intitula in
QUADRO COMPARATIVO:
A EDUCAÇÃO DISCIPLINAR E A EDUCAÇÃO TRANSDISCIPLINAR
pretende excluir a proposta disciplinar, uma vez que elas não são antagônicas, mas
mas tem como objetivo abrir todas as disciplinas para o que elas compartilham e para o que
21
Quadro construído a partir do apresentado por Nicolescu no Congresso Internacional Que
Universidade para o Amanhã? Em busca de uma evolução transdisciplinar para a universidade, em
Locarno, na Suíça, em 1997.
61
Sua racionalidade aberta pressupõe uma relação dialógica (MORIN, a2002) entre o rigor, a
abertura e a tolerância.
considerar que uma educação transdisciplinar se configura em uma vivência que contribui
dos indivíduos que dela participam. É importante ressaltar que, coerentemente com a
concepção complexa de realidade, essas características não existem nem são postas em
vista por inteiro, sem fragmentações artificiais), a seus sujeitos (também em sua totalidade
disciplinas se tornam mais tênues, ao mesmo tempo em que se busca o rigor disciplinar
de seres e eventos reais, vivos e significativos para aqueles que se dispõem a compreendê-
la. Portanto, um dos focos de tal educação é tornar os conteúdos expressivos para os
outro de seus focos é a totalidade aberta que é cada pessoa. Assim, envolvendo em suas
aspectos do ser humano e busca oferecer aos estudantes subsídios para que possam
buscar coesão em si mesmos, refletir sobre quem e como são e sobre os posicionamentos
formação transdisciplinar busca também uma integração das pessoas entre si, concebendo
modificação.
estar conscientes, ao mesmo tempo, tanto da onipresença das incertezas quanto do estado
permanentemente limitado de nosso saber. Não temos plenas certezas sobre nosso mundo,
sobre os outros, e mesmo sobre nós mesmos. Necessitamos, assim, aprender a conviver
com essas incertezas e com o risco inerente a qualquer passo que dermos. Necessitamos
(RAJU, 2003), que pode ser definida como a atitude inflexível frente tanto ao que
interiores das pessoas. Embora não possamos esgotar a realidade, podemos sempre re-
elaborar nossos conhecimentos sobre ela, e esse movimento de expansão sem ponto de
chegada caracteriza uma formação transdisciplinar. Desse modo, essa é uma formação que
Como as pessoas estão em interação dinâmica com sua realidade, uma formação
igrejas, os locais onde encontramos lazer e diversão são tempos e espaços educativos, que
nesses lugares e trazidos para a sala de aula, tornando-os subsídios para discussão e
artigo 11 da Carta: “A educação autêntica não pode valorizar a abstração sobre outras
Para que cada instante de nossas vidas seja potencialmente educativo e formador,
tornarem mais autônomos e mais responsáveis não só por seu próprio processo de
mesmos, de nossa realidade, do modo como nos relacionamos com ela, e das emergências
66
dessa relação. Acreditamos que essa compreensão pode ser propiciada pelo que Nicolescu
serem esgotados. Para que isso possa ocorrer, sua formação necessita lhes oferecer
desafios prazerosos que instiguem sua curiosidade e sua criatividade e que lhes impulsione
– frente aos outros e à realidade, nos permite encontrar o que Nicolescu chama “nosso
próprio lugar no mundo (um dos aspectos do que denominamos felicidade)” (NICOLESCU,
2002, p. 89) e nossa auto-realização como parte dele. A realização de nós mesmos e a
transdisciplinaridade.
mudança e da modificação do modo como nos relacionamos com ela. Não só acreditamos
que, como diz Nicolescu (2002), transformamos o mundo ao mudar nosso olhar sobre ele,
dinâmica que emerge de nossa interação com a realidade, e nosso poder sobre ela, poder
chama de “o bem-pensar” (MORIN, b2002, p. 100): o modo de pensar que permite que
a libertação, uma educação que permite e estimula a religação das pessoas, dos eventos, e
das pessoas aos eventos. Podemos ir além dessa esperança, confiando que essa é uma
proposta que poderá permitir que as pessoas redescubram o prazer e a alegria que existem
Também pode ser a proposta que viabilize a reapropriação do mundo e de si mesmas pelas
22
O Dicionário de Filosofia (ABBAGNANO, 2000) oferece, como uma definição geral de ética, a
reflexão a respeito da essência das prescrições, regras e valores presentes em uma sociedade. Já a
Carta da Transdisciplinaridade (NICOLESCU, 2002) coloca a ética como uma postura
permanentemente aberta para o diálogo e para a discussão. Em seu Ética para um Jovem, Fernando
Savater define a ética como “procurar um certo saber viver [ou arte de viver] que nos permita acertar”
(SAVATER, 1991, p. 24). Neste trabalho, o termo “ética” assume o significado de reflexão,
questionamento e negociação de posturas, idéias e valores assumidos, com vistas à realização de
escolhas conscientes que nos permitam viver e conviver em uma atitude de respeito por nós mesmos
e pelo que nos rodeia.
68
3 OS MOVIMENTOS DO PERCURSO
(2002), uma pesquisa qualitativa estabelece uma realidade local e não-exaustiva que deve
fenômeno, e procura, segundo a lógica do terceiro incluído, uma via que integre de maneira
complementarem.
O rigor, ao levar em conta os dados existentes, se configura como uma garantia – tanto
quanto possível – de validade. Holliday (2002) afirma que, mesmo que levemos em conta a
disciplina que são essenciais à cientificidade. O autor afirma que esse rigor e essa disciplina
residem, em grande parte, no modo como a pesquisa é relatada. Ele recomenda, então,
Morin (a2002) como referência para uma compreensão da realidade em seus múltiplos
aspectos, suas relações e conexões com seu entorno. Esses princípios são apresentados
resumidamente a seguir:
conhecimento do todo e indica que o todo resultante pode se constituir em algo maior ou
menor do que a soma das partes, dependendo das condições em que o sistema ou
organização opera;
· Princípio hologrâmico, que propõe que a parte está contida no todo, do mesmo modo
que, de alguma forma, está contida nessas partes. Esta totalidade, ao transformar-se,
idéia de uma causalidade circular, em que a causa age sobre o efeito, e o efeito age
· Princípio do circuito recursivo, que indica que os produtos e os efeitos são produtores e
produção e auto-organização;
ser compreendida.
fundamentar este estudo por se constituir em uma busca de ruptura com o modo de pensar
(1987) afirma que uma das simplificações mais contundentes é aquela que tenta manipular
71
existentes nas relações entre os eventos e entre eles e seu ambiente, essas simplificações
experiência.
Este trabalho, ao longo de sua realização, esteve em aberto. E continua sujeito a releituras
e reinterpretações, podendo ser questionado e revisto à medida em que for considerado sob
atitudes e de meus pressupostos teóricos. Esse compromisso fez com que eu necessitasse
avaliação.
A partir dos estudos bibliográficos realizados principalmente com base nas obras de
Nicolescu e Morin que constituíram o referencial teórico preliminar deste estudo, o trabalho
pontos de referência para uma prática transdisciplinar de ensino da língua inglesa, em duas
Ernst von Glasersfeld em seu Radical Constructivism de 1995. Utilizei também meus
fecundá-lo com novos valores: os valores transdiciplinares. O autor lembra que nas
profundezas de cada disciplina residem elementos transdiciplinares que lhes dão seu
pesquisador e do educador devem se dirigir para fazer com que esses elementos emerjam
durante os trabalhos.
Desse modo, o curso teve como objetivos promover, a partir de uma abordagem
competência comunicativa de nível básico da língua inglesa, com vistas a contribuir para a
formação integral dos envolvidos no processo. Para que esses objetivos se realizassem, os
três critérios principais, propostos pela teoria da mediação de Feuerstein e coerentes com
estar relacionados com a realidade vivida dos estudantes, incluindo oportunidades para a
poder ser transpostos para outras situações de suas vidas; e os objetivos para seu
73
aprendizado deveriam ser claros para os estudantes. O curso também almejou estabelecer,
em seus diferentes aprenderes (DELORS, 2000; BRENNER, 2000) – conhecer, fazer, viver
juntos, ser, antecipar e participar – e nos saberes recomendados por Morin (e2002) – as
gênero humano.
compartilhar informações pessoais, participar de uma reunião social, entre outras. A partir
– textos, fotografias, figuras, compact disks e fitas cassete de áudio – que apresentassem
sobre o mundo.
que seu aprendizado não estava terminado ao final da aula ou do curso. Assim, o
74
oportunidades de envolver sua mente, seu corpo, suas emoções e seu espírito de modo
curso e dos materiais de apoio seriam revistos após as entrevistas preliminares com os
De acordo com Hadley (1993), “um plano de curso bem elaborado é um componente
necessário para uma experiência de aprendizagem bem sucedida, tanto do ponto de vista
do professor quanto dos estudantes. Para o professor, o plano de curso oferece orientação
estudante o plano de curso fornece uma visão geral do perfil do trabalho a ser desenvolvido
e também das expectativas quanto aos resultados desse trabalho” (p. 485). Esse
pensamento justifica minha decisão de adotar um plano de curso que, no entanto, esteve
Conceber e Avaliar Materiais Escolares, Gerard e Roegiers (1998), para quem o material
didático se configura como um dos recursos, junto a muitos outros, a ser utilizado de
maneira crítica pelo professor em sua atuação profissional. O material é um facilitador e não
um condutor; uma sugestão e não uma receita. Optei, assim, pelo uso de um material de
apoio durante o curso principalmente devido à sua característica de auxílio nos estudos
individuais dos estudantes (GRANT, 1988). Confiei, também, que a participação dos
próximo passo foi em direção aos estudos necessários para o planejamento de um estudo
de caso. Segundo Robert Yin (2001), essa estratégia de investigação permite que nos
suas relações com seu ambiente de ocorrência e com seus participantes (BRESSAN, 2000).
Nessa intervenção, os comportamentos dos sujeitos envolvidos não são manipulados, mas
O estudo de caso permite também que, com base em uma teoria inicial a respeito do
que definamos critérios para a análise de seus resultados (YIN, 2001). Este estudo, com
MORIN, b2002), teve como propósito inicial elaborar uma abordagem para o ensino e o
potencial pedagógico dessa abordagem. Uma vez que eu pretendia explorar uma
intervenção na realidade cujos resultados não podiam ser considerados simples ou claros,
realizei um estudo de caso de tipo exploratório, como indicado por Robert Yin (2001), de
76
e2002).
tais como experiências compartilhadas, interesses e percepções das pessoas, que – por
A unidade de análise do caso (YIN, 2001), isto é, a definição do caso em si, foi um
curso básico de língua inglesa com carga horária de 30 horas, para um grupo de seis
nenhuma experiência anterior no estudo da língua inglesa. Desses seis participantes, três
eram estudantes. William e Vanessa haviam passado para a oitava série do ensino
assistente de biblioteconomia.
a sexta-feira, de duas horas-aula, divididas dois blocos de uma hora, com uma pausa de
quinze minutos entre eles. O local selecionado para o curso foi a instituição de ensino de
língua inglesa em que trabalho desde janeiro de 1997, em Uruguaiana, no Rio Grande do
Sul.
Optei por um programa intensivo, com encontros diários de duas horas-aula porque
Essa percepção é corroborada por autores como Peter Grundy, que afirma que os
progresso de seu aprendizado. Grundy afirma também que, nos cursos superintensivos, o
professor, por se concentrar em um mesmo grupo de modo intenso, mesmo que seja por
coletados durante o estudo. Estive ciente das limitações inerentes a um curso de 30 horas
do ponto de vista da variedade dos conteúdos que poderia desenvolver e dos temas que
conseguiria abordar nas aulas. Por esse motivo, procurei estabelecer como primazia não os
profundidade com que cada tema era explorado pedagogicamente. Ao colocar em segundo
tópico, e a integração dos temas estudados entre si, com as experiências, as expectativas e
Minha proposta era a de estudar um grupo pequeno que permitisse, nesta primeira
cognitivo quanto afetivo. O grupo deveria, no entanto, ter um número de integrantes que
entre outros.
Vários autores sobre o ensino de língua inglesa para níveis elementares afirmam
que não existem estudantes que sejam iniciantes absolutos neste aprendizado. Dado o
estatuto ocupado pelo idioma como uma “língua do mundo”, e também a maciça difusão da
cultura de língua inglesa, mesmo quem não estuda o idioma sabe pelo menos algumas
características da língua (GRUNDY, 1994). Assim, podemos dizer que a maioria das
pessoas que inicia seus estudos de língua inglesa, mesmo sem saber, é um “falso iniciante”
Muitos já haviam tido aulas de inglês na escola. Um dos estudantes, já na entrevista inicial,
demonstrou estar ciente de seus conhecimentos prévios: “a gente até já tem uma idéia
porque o inglês está incluso dentro da vida, do quotidiano. [...] Então tu acabas
descobrindo, sabendo de alguma forma como é que é, para que é, ou para que serve”.
familiaridade com o idioma, construída a partir de seu contato com filmes, músicas e jogos
em língua inglesa, e seus conhecimentos prévios puderam ser ativados já nas primeiras
aulas.
geralmente têm objetivos claros para estudar um idioma estrangeiro, que ultrapassa o
aprendizado em si. Eles podem estar se preparando para uma ocupação futura,
autor sugere que o professor procure se inteirar dos propósitos de seus estudantes.
objetivos. “O inglês é muito importante e pode abrir portas”, afirmou Helly, confirmando a
79
posição apresentada pelo autor. “É uma língua que se afina muito com minha profissão”,
corroborou Fernando. Mesmo o estudante mais jovem reconhecia que saber falar inglês
seria importante em seu futuro. Esses estudantes, segundo Grundy, tendem a ser
também de seu estágio de conhecimento prévio. Mesmo apresentando uma certa bagagem
resultados de aprendizagem são facilmente percebidos tanto pelo professor quanto pelos
estudantes. Quis ter e oferecer aos estudantes uma vivência de intenso aprendizado, em
que as mudanças fossem observadas a cada dia, devido ao caráter acelerado do curso.
Também quis que essas modificações não estivessem aparentes apenas para mim, mas
para a promoção da educação internacional fundada em 1950 na cidade de São Paulo, com
o compromisso de difundir valores de cidadania global, praticados tanto nas salas de aula
tem também uma atuação significativa em projetos sociais, tais como formação de
com inglês, espanhol, francês e alemão, além de português para estrangeiros, apoiadas por
1997. Na época em que o curso ocorreu, a escola contava com um quadro de 190
estudantes, com idades entre oito e 48 anos, nos níveis básicos, intermediários e
cursos têm uma carga horária de 35 horas semestrais, distribuídas em dois encontros
semanais de uma hora. Esses cursos se apóiam nos materiais didáticos produzidos pela
complementares.
escola, nos meses de julho, janeiro e fevereiro, e têm uma procura estável. Normalmente
são abertos dois ou três grupos em cada mês, com uma média de seis estudantes em cada
antiga casa restaurada de 190 metros quadrados de área construída, contando com uma
sala de recepção, um centro de recursos com uma pequena biblioteca e quatro estações de
multimeios, três salas de aula, a sala da orientação pedagógica, a sala dos professores, a
sala de estar dos estudantes e uma pequena cozinha, além de um jardim com mesas,
A sala de aula em que o curso ocorreu, uma área retangular de quinze metros
quadrados, é montada de acordo com os padrões das franquias. As 12 carteiras móveis são
sala, há uma mesa alta móvel para uso do professor. A sala é acarpetada e as paredes
texturizadas para evitar eco. As cores selecionadas para o carpete, as paredes e os móveis
escola. Eu trabalho nesta franquia desde sua fundação. Uma das gerentes administrativas é
2004. A equipe da escola é coesa e nossa comunicação pode ser considerada eficiente. O
estilo de administração da franquia pode ser descrito como democrático e participativo, uma
vez que as decisões importantes – desde o destino de verbas até ajustes no processo de
Morin (a1999) afirma que a apreciação crítica de nosso ser, nosso saber e nosso
fazer deve vir principalmente do interior, e que nossos esforços de investigação da realidade
conexões com a equipe da escola, com o espaço físico, com os materiais pedagógicos, com
existente entre as visões dos diferentes participantes do estudo auxiliou a evitar pelo menos
parte dos erros causados pelas cegueiras decorrentes de, entre outros, ilusões, falsa
Após sua inscrição no curso, foi realizada com cada estudante uma entrevista semi-
outras);
objetivo principal obter informações sobre as vivências anteriores dos estudantes com o
inglesa, e seus objetivos e expectativas em relação ao curso que se iniciava. Além disso,
tinha como meta realizar uma avaliação das pré-concepções dos estudantes sobre o
processo de ensino e aprendizagem de uma segunda língua em sala de aula como ponto de
referência para a avaliação dos avanços conceituais. As entrevistas iniciais foram gravadas
expectativas, pré-concepções dos alunos – serviram como insumos para uma revisão do
As entrevistas revelaram que a maioria dos estudantes – todos exceto Helly – havia
com os professores. “Não era o que eu esperava”, disse Vanessa. “A gente não aprendeu
nada, [...] só tinha que cumprir os horários, os períodos. [...] Sinto um pouco de dificuldade”,
criticou Anderson, para acrescentar logo a seguir: “a professora deixava a desejar”. Grundy
(1994) afirma que o estudante que já se dedicou a aprender um outro idioma desenvolveu,
por um lado, estratégias de aprendizado que lhe permite realizar transposições de sua
prática anterior para a nova oportunidade de aprendizado. Por outro lado, diz o autor, esse
podem ser positivas como negativas, e o professor deve estar atento a essas percepções.
aprendizado de inglês, admitindo não gostar do idioma e ter medo de não serem capazes
de aprendê-lo. “Não gostava de inglês nem de espanhol”, revelou Anderson. “Tenho medo
84
de na hora não saber escrever, não saber falar. [...] Estou apavorada”, admitiu Fabiane.
que eu gosto, e eu tenho interesse nele”, disse Vanessa. Já Fernando revelou saber a
aprendizado: “Tem que gostar para poder querer aprender alguma coisa”. Os Parâmetros
Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (1999) atestam essa atitude geral dos
comunicar, como também, muitas vezes, devido a seu caráter repetitivo e monótono,
mostraram bastante tradicionais, apesar das críticas que faziam a esse tipo de aula. “Uma
sala de aula, um atrás do outro, nada de diferente, nada de interessante” era o que
esperava Fabiane. “A matéria no quadro, a professora explica. Se não entendeu vai para
casa e estuda. Depois chega aqui e faz um trabalho de avaliação”, concordava Anderson.
Porém, a maioria dos estudantes afirmou esperar mais do curso que se iniciava do que
havia experienciado anteriormente. “[Eu espero] um ensino mais puxado, que é até melhor
para o estudante”, afirmou Vanessa. “Os conteúdos têm que ser bem mais explicados”,
sugeriu Anderson.
estudantes, de modo geral, pareceram não ter clareza sobre o que esperavam aprender.
“Eu não tenho uma definição do que eu espero aprender aqui. Eu espero aprender inglês.
Ou pelo menos os iniciais do inglês”, afirmou Anderson. Eles tinham, porém, uma
percepção um pouco mais clara em relação a como esperavam aprender. “O curso tem
estrutura, tu tens o livro, uma didática, te ensinam por partes, tu não vais pegando assim
sem saber como ou aprendendo de forma errada”, esperava Fernando, acrescentando logo
85
a seguir: “eu quero aprender de forma correta e com outras pessoas”, uma fala que parece
Grundy (1994) adverte que os estudantes geralmente trazem para a sala de aula
processo de aprendizagem que já estão bem estabelecidas e podem ser difíceis de mudar.
Mais uma vez, o autor sugere que o professor esteja atento a essas visões. Em relação aos
tem que ser exigente em relação ao estudo” disse Anderson. “Não adianta ser professor e
não dar bola para o aluno. Tem que fazer com que ele aprenda”, acrescentou Vanessa.
Além disso, os estudantes esperavam que a professora explicasse os conteúdos “tudo bem
com calma, porque é com calma que eu consigo aprender”, segundo Fabiane.
respostas não foram tão claras. “Eu não parei para pensar [nisso]”, admitiu Helly. “[O
estudante] tem que se esforçar e tem que dar um jeito de estudar e aprender”, acreditava
professor. “Acredito que tu tenhas que chegar em casa, [...] ficar estudando, te dedicar ao
estudo. Na realidade isso não acontece porque se tu não és estimulado ao inglês, se tu não
és estimulado a gostar do inglês, a ver o inglês de forma diferente, ou para que serve, aí tu
não vais fazer isso”. Assim, embora os estudantes soubessem que tinham uma função a
desempenhar no processo, não pareciam estar seguros a respeito de que ela consistia.
todo, as visões demonstradas pelos estudantes foram, em geral, negativas. “Seria bom se
todos gostassem”, disse Vanessa, para logo acrescentar que isso não era o que sua
experiência escolar mostrava. Já Fabiane revelou temer a atuação do grupo: “na escola às
vezes tu não sabes falar uma palavra todo mundo já começa a vaiar”, e Anderson receava
86
as discrepâncias entre os membros do grupo: “alguns sabem mais e outros sabem menos,
uns têm experiência e outros não têm”. Os estudantes revelaram, assim, temores em
Apesar das inseguranças e até mesmo das descrenças reveladas pelos estudantes
geral, demonstraram disposição para uma mudança de atitude e para uma reavaliação de
suas concepções. “Já que eu não sei, então vamos estudar”, entusiasmou-se Fabiane.
“Vamos ver se inglês era isso que eu tive no colégio, ou se vai me surpreender”, ponderou
significativa no curso que se iniciava, e era a partir dessa confiança que eu esperava
trabalhar.
língua inglesa, que havia se revelado baixa nas entrevistas iniciais e também com uma
grupo.
para os trabalhos de aula. Optei, assim, por buscar um planejamento de cada aula, e cada
atividade, simultaneamente como uma unidade em si e como uma parte do curso, por
acreditar que esse modo de organização pudesse possibilitar aos estudantes, ao final da
continuidade, com seus avanços e rupturas, que caracteriza um curso. Essas atividades e
aulas deveriam, além disso, estar conectadas entre si como que por uma trama de fios que
Planejei também atividades a serem realizadas em casa, entre as aulas, para que os
haviam lidado com elas. Esse seria, assim, um momento diário de avaliação do trabalho e
interação entre os elementos da sala de aula não pode ser dado como certo nem pode ser
garantido pelo planejamento exaustivo” (1991, p. 18-19), uma vez que a interação resulta de
um esforço cooperativo de cada um dos membros do grupo, acreditava que haveria maiores
apresentadas pelos estudantes em aula, naquilo que Gudsdorf (1987) denomina o equilíbrio
deveriam servir de insumo para o planejamento dos próximos encontros, que era feito logo
Essas anotações diárias, realizadas com base no referencial teórico e com o auxílio
busca das coincidências e – especialmente – dos desvios. Pouco a pouco, fui revendo
principalmente – sobre como propiciar um ensino coerente com essa abordagem em sala
de aula. Essas retomadas eram fruto de uma atitude atenta, crítica e questionadora em
88
relação às minhas próprias concepções, em seu confronto com as idéias dos autores de
limitações, com minhas ilusões e cegueiras e também com minha incapacidade de mudar
de posição no momento em que isso seria necessário. Nesse sentido, o ato de ensinar
diversas formas e instrumentos de coleta e tratamento de dados. Neste estudo, optei por
depois da realização do curso, pareceres escritos que os estudantes realizavam após cada
nos materiais didáticos de apoio. As notas de campo, por sua vez, serviram também como
pano de fundo do estudo, como subsídios para a elaboração do roteiro das entrevistas finais
e também como insumos para uma interlocução com as falas dos estudantes. Já os
89
saberes, atitudes e crenças dos estudantes, com base em seus conhecimentos prévios e
autonomia, num processo em que a reflexão sobre o que e como pensavam, sentiam e se
campo.
comentários realizados diariamente, após cada aula, sobre a experiência concreta vivida,
que incluíram descrições de pessoas, eventos, ações, falas literais ou resumidas dos
(1999), procurei, durante a realização dessas notas, não excluir o que parecia discrepante
em relação a minhas expectativas, o que não era compreendido e/ou o que surpreendia,
uma vez que dessas aparentes contradições poderiam emergir compreensões ainda mais
desenvolvido.
descrita no referencial teórico, elaborei uma lista de vinte e três itens a serem observados
em cada aula, com o objetivo de confrontar a prática diária com os princípios fundadores da
proposta.
sobre minhas convicções e visões, e estabeleci uma prática de diálogo comigo mesma,
interpretação pode conter erros e ilusões decorrentes de nossa maneira particular de ver o
mundo.
desempenho dos participantes do estudo – o seu próprio, o dos colegas e o meu – a partir
dos propósitos do curso registrados no plano de curso e de suas próprias reflexões. Este
porém, que estejamos cientes de que quando ouvimos alguém, não estamos isentos de
nossas opiniões ou posições prévias sobre o conteúdo da narrativa. Mas é importante que
própria postura.
posteriores ao curso e nos pareceres semanais dos estudantes com os registros obtidos a
teórico. Os dados foram comparados e complementados uns pelos outros, entrando, assim,
levaram ao aprofundamento dos informes obtidos. Também pela triangulação, tentei dar ao
estudo o aspecto circular defendido por Morin (a2002). Ao fazer interagir relatos
Bardin (1977) com adaptações de Engers (1987), e também com base em Moraes (2003):
· leituras sucessivas dos dados, com a reunião das transcrições das entrevistas, dos
e significados;
· leitura horizontal dos itens de cada documento e leitura vertical de cada item para todos
· remontagem dos textos ao redor das categorias estabelecidas e das relações entre elas;
23
Segundo Moraes (2003), a pluralidade de sentidos contida em qualquer texto pode originar
diferentes tipos de leituras. Algumas dessas leituras – denominadas leituras do explícito, ou do
manifesto – estão relativamente aparentes no texto e podem ser facilmente compartilhadas entre
diferentes leitores. Já a leitura do implícito, ou do latente, exige uma interpretação mais aprofundada,
bastante subjetiva e, por isso, não tão facilmente compartilhada entre diversos leitores.
93
· refinamento do ciclo, uma vez que no estudo dos dados apareciam contradições e
Uma vez realizada a interpretação dos dados, o próximo estágio do trabalho, como
construído.
profundidade e detalhes” (p. 208). A elaboração dessa comunicação se constitui como fonte
construção dos conhecimentos que estão expressos nos capítulos seguintes deste estudo,
Um aspecto relevante a ser ressaltado aqui diz respeito ao que Morin chama a
conviver com essa incerteza, desde que estejamos dispostos a reconhecer sua presença
constante. Assim, é importante lembrar que as precauções que tomei para tornar a coleta
de dados rigorosa e confiável e para atribuir validade a este estudo não fizeram
estão contidos nos textos das entrevistas prévias e posteriores ao curso realizadas com os
“processo auto-organizado” (p. 192) que se dê ao longo de três passos fundamentais que
totalidade que emerge dos passos anteriores. Considero importante acrescentar a esses
três passos um movimento circular de refinamento do ciclo, uma vez que no estudo dos
interpretação.
elaboração do metatexto construído por meio das categorias e, se for o caso, subcategorias
tanto prévias quanto emergentes, assume a autoria de seus argumentos, o que ocasionará
A interpretação dos textos deste estudo fez emergir três elementos principais ao
redor dos quais o processo de ensino e aprendizagem da língua inglesa em sala de aula no
de posições por parte dos componentes do grupo; as aulas como eventos educacionais e
embora cada categoria se manifestasse de modo bastante claro, cada uma delas só
fragmento de discurso poderia ser encaixado em mais de uma das categorias, o que
É importante ressaltar, então, que essas três categorias não emergem separadas e
impermeáveis umas às outras, mas sim como unidades em conexão dialógica e recursiva
(MORIN, a2002). Embora cada um dos elementos mencionados acima concorra com os
demais nesse processo, eles ao mesmo tempo complementam e influenciam uns aos
outros, deixando perceber uma relação de causalidade não linear, mas circular e
Assim, na discussão dos resultados, embora tenha separado as categorias para fins
que ocorreu como uma emergência das inter-relações existentes entre os três elementos
de retomada de posições pela perspectiva de cada estudante, evidenciado tanto nas falas
comportamento observado em sala de aula. Então, discutirei encontros diários com seu
estudantes e por mim ao longo do processo. É importante destacar que essa divisão é
estudo, uma vez que elas formam uma teia multidimensional e multirreferencial que não
Segundo Morin (c2002), cada membro de uma organização – que neste caso se
configura como um grupo humano – carrega uma dupla identidade. Ao mesmo tempo em
que ele tem sua identidade própria individual, assume uma identidade dentro do todo, em
sua relação com as demais partes. Assim, por mais que sejamos diferentes, cada um de
nós assumia, no grupo, uma identidade comum por estar vinculado à unidade global e por
estar sendo influenciado pelas retroações das emergências e das imposições geradas pela
ocorrido durante o curso. Cada um de nós deveria ser visto tanto em nossas singularidades
cada um – até mesmo as que são inibidas no interior do conjunto – não apenas para
construir conhecimentos sobre cada estudante, mas também para melhor conhecer o grupo
como um todo, uma vez que este era determinado pelas emergências e pelas imposições
atuando como uma totalidade foi procurado na observação atenta e crítica das aulas tanto
in loco quanto mais tarde, na revisão de cada encontro através da gravação em vídeo. O
É importante lembrar, neste ponto, que segundo Bondia24, o diálogo é uma tradução
em duas vias que, neste contexto, significa uma tentativa de compreender ou de se fazer
de nosso aparato cognitivo e que, por isso, implica incerteza e risco. (MORIN, a1999).
leituras e re-traduções, configurando-se de acordo com a visão gödeliana que concebe toda
BONDIA, Jorge Larrosa. Linguagem e educação após Babel. Conferência apresentada na Pontifícia
24
sobre si e exame de suas próprias percepções e concepções, realiza sua própria educação.
Isso não quer dizer, porém, que esse seja uma construção isolada. A auto-formação,
embora individual e única para cada ser, se dá na interação da pessoa com seu ambiente e
com os outros.
dos conceitos que portavam sobre a língua inglesa, além de retomadas de posição a
das percepções e concepções que formamos sobre nós mesmos, que dão origem a nosso
sentido de identidade pessoal. Essa noção, que abarca outras como auto-imagem, auto-
infância, em nossas interações com as outras pessoas e com nosso ambiente. Segundo os
autores, nosso auto-conceito influencia ao mesmo tempo em que é influenciado por nossas
professor.
100
mudanças em seus auto-conceitos, assim como em sua atitude geral perante si mesmos e
os outros. Helly, que havia manifestado, na entrevista inicial, temor de não se relacionar
bem com os colegas devido a sua timidez, afirmou na entrevista final: “Eu fiquei menos
tímida e menos retraída, [...] participei da aula”. Já William ponderou: “eu não sou muito de
falar, eu sou quieto [...], mas não é sacrifício falar em aula”, demonstrando ter adotado uma
atitude mais aberta em relação às suas características pessoais, o que lhe permitiu atuar no
grupo.
língua inglesa, não só a descoberta do conhecimento como também descobertas sobre nós
Embora contasse com a participação espontânea dos estudantes, procurava não deixar de
manifestavam de forma divergente. Esse posicionamento parece ter contribuído para que os
25
NICOLESCU, Basarab. Um mundo transdisciplinar. Conferência proferida no I Congresso Gaúcho
de Recursos Humanos, em Porto Alegre, em 12 de maio de 2003.
101
aprendizado. “O papel do estudante é muito importante”, declarou Helly, “sem ele o curso
não é nada”. “O estudante tem que ter vontade, ânsia de procurar mais, de querer saber
sugestões e exemplos de atividades. Pouco a pouco, no decorrer das aulas, seus aportes
começaram a se tornar cada vez mais naturais e espontâneos, e eles passaram a tomar
extra-classe.
por seu próprio processo de aprendizado e também sobre suas próprias ações. Auxiliar as
autonomia que lhes possibilite caminhar com suas próprias pernas, é uma das atribuições
foi também reconhecida: “Eu fui muito exigente com a professora”, afirmou Anderson em
sala de aula, estava também interferindo em minha atuação. Segundo a teoria da mediação
motivação dos indivíduos é seu sentimento de domínio pessoal sobre os eventos que
102
aprendizado. Essas pessoas tendem também a ser persistentes em sua busca de aprender
Ao longo do curso, pude perceber que, à medida que os estudantes se sentiam mais
do curso as atitudes dos alunos pareciam ser responsivas, já nas últimas aulas seu
vida – e, além disso, a planejar os modos como vão atingi-los. Assim, uma das
objetivos pode levar a um sentimento de falta de rumo, que pode prejudicar e até mesmo
responsabilidade, no entanto, não pode ser uma imposição exterior, mas deve emergir da
103
emergências dessa atuação. “As interações entre indivíduos produzem a sociedade e esta
retroage sobre os indivíduos” (p. 105). Assim, assumir a responsabilidade sobre nós
mesmos, nosso aprendizado, nossos atos, nosso relacionamento com os outros e com o
mundo escapa aos limites da sala de aula e adquire uma importância global, contribuindo
situações e de atuar apesar dos medos. Anderson, por exemplo, ao final da segunda
semana declarou: “Existe às vezes uma certa insegurança em responder certas perguntas
estudante havia revisto sua posição em relação às suas inseguranças: “Mesmo notando
que ainda tenho dificuldades, estou procurando desempenhar as atividades dentro e fora da
por sua vez declarou: “Eu tinha aquele medo. [...] Na hora de responder alguns deveres,
tinha palavras que eu não sabia, mas com o auxílio do professor eu não tinha dificuldade
maior”.
acordo com Hadley (1993), pessoas que têm baixa tolerância à ambigüidade geralmente se
sentem ansiosas e frustradas se a atividade com que estão envolvidas apresenta elementos
desconhecidos. Já pessoas que lidam com naturalidade com a imprecisão são capazes de
à sua própria incerteza: se não sabiam responder uma pergunta em aula ou nas tarefas de
casa, se não tinham certeza se sua contribuição seria ou não “correta”, preferiam se abster
ambigüidade, os estudantes passaram a se arriscar cada vez mais, e a lidar com mais
104
de nossa realidade, uma das prerrogativas mais importantes da educação hoje é auxiliar as
Segundo Morin (a1999), por se configurar em uma tradução do real, que é uma ação
lidar para continuarmos construindo saberes. Segundo o autor, aprender a lidar com essas
muito desde que eu entrei neste curso”, declarou Vanessa ao final da primeira semana de
estudantes estejam cientes do caráter inesgotável da busca pelo saber, seja ele específico
ou global. "O conhecimento é transitório, provisional, e relativo [...], o modo único como
cada pessoa atribui sentido a suas experiências" (VON GLASERSFELD, 1995, p. 96).
Acredito que o curso tenha sido bem sucedido nesse aspecto, pois os estudantes, ao final
do período programado de aulas, estavam alertas para o fato de que, apesar da intensa
aprendido pouco em vista do que há para descobrir, e também afirmaram que gostariam de
continuar estudando inglês, o que evidencia uma contradição: ao mesmo tempo que os
alunos consideravam ter construído muitos conhecimentos, estavam cientes de que o que
Morin nos alerta para os limites do conhecimento humano ao afirmar que o mistério
realidade por trás ou sob o fenômeno” e por isso “a verdade total, exaustiva ou radical é
impossível” (MORIN, a1999, p. 244). Essa limitação não deve ser vista, porém, apenas
como insuficiência. Ela abre também possibilidades, pois torna o aprendizado sempre
possível. Morin afirma que a consciência das limitações do aparato cognitivo humano e de
suas realizações é “uma aquisição capital para o conhecimento”, pois “o conhecimento dos
aprendizado da língua inglesa, foi necessário estarmos atentos ao fato de que, segundo
Morin, a vida da linguagem se alimenta da vida individual e social de seus produtores, das
atividades que integra e das experiências que viabiliza. Além disso, cada língua realiza
nossa experiência, “permite a vida do espírito e a vida das idéias” (b1999, p. 202).
Assim, mais do que uma entidade autônoma, para Morin a linguagem é um ser vivo.
“As palavras e as nuanças nascem, degradam-se, morrem”. (MORIN, b1999, p. 201). Não
só as palavras de uma língua, mas as próprias linguagens têm seus ciclos. Segundo
também se modificam.
Houve ocasiões em aula em que discutimos esse traço vivo e mutante da linguagem:
a quantidade de palavras novas que são cunhadas a cada ano em inglês – dada a grande
quantidade de países e áreas em que o inglês é utilizado como primeira ou segunda língua
gramática de língua inglesa. Penso que essas discussões tenham contribuído para alertar
BONDIA, Jorge Larrosa. Linguagem e educação após Babel. Conferência apresentada na Pontifícia
26
Para Morin, aprender é sempre reaprender. O autor define o aprendizado como uma
operação que vai além da aquisição de novas habilidades. “Pode ser aquisição de
seres; pode ser a descoberta de uma relação entre dois acontecimentos ou, ainda, a
descoberta da ausência de ligação entre eles” (MORIN, a1999, p. 68), mas principalmente
saber como fazer para adquirir essas habilidades e também para modificar o que já
aprendizagem mais independente. Assim, os estudantes foram se tornando cada vez mais
quanto escrita. Fernando sugeriu que “o que poderia ser trabalhado ainda mais do que já é
que compreendia suas necessidades e como atendê-las. Fabiane explicitou seu processo
Outro recurso de aprendizagem considerado relevante foi a prática individual em seu próprio
tempo e ritmo. “A minha principal dificuldade hoje é fazer a leitura, [...] a pronúncia”,
reconheceu Anderson ao final do curso, “só eu posso resolver isso: pegar a palavra, saber
geral (MORIN, b1999). Para tal, nosso cérebro dispõe tanto de uma memória genética como
competências para tratar os dados que extraímos do meio através dos sentidos e de
desse aparato é, além de nos preparar para a vida quotidiana, nos tornar aptos para agir – e
para modificar nossa ação – em situações inesperadas. A estratégia é acionada onde existe
permitam nos adaptar a um meio que se modifica a todo instante, além de intervir nesse
27
O General Problem Solver (GPS), ou “solucionador geral de problemas” é uma teoria proposta no
final dos anos 70 do século passado pelos psicólogos Newell e Simon para explicar a resolução
humana de problemas expressa na forma de um programa de simulação. Esse programa e o
referencial teórico em que se fundamentava tiveram um impacto significativo nos desenvolvimentos
da psicologia cognitiva que se seguiram. Segundo o GPS, o comportamento humano é uma função de
operações de memória, de processos de controle e de construção de regras, ou seja, é um
processamento de informações. O objetivo principal do GPS era estabelecer um conjunto principal de
processos que poderia ser usado para solucionar uma variedade de diferentes tipos de problemas
(GARDNER, 1995).
108
de seus objetivos é auxiliar os alunos a desenvolver habilidades que lhes tornem capazes
que dispomos, em um esforço de reunir algumas certezas para decidirmos sobre um plano
de ação que dê conta da incerteza em meio à qual vivemos. "A complexidade atrai a
estratégia. Só a estratégia permite avançar no incerto e no aleatório” (p. 121), afirma ele,
usa para compreender, armazenar, acessar, e usar informações ou para planejar, regular
(WILLIAMS, BURDEN, 1997, p. 96). Uma vez que os estudantes trazem para o processo de
sintam à frente de seu próprio processo, por desconhecerem suas competências para tal.
Além disso, os aprendizes geralmente não estão cientes das estratégias que usam em seu
aprendizado, reaprendendo a aprender, não é uma tarefa fácil. Segundo Williams e Burden
109
ocupam em seu próprio aprendizado. Além disso, é necessário que o professor acredite no
risco que podemos vislumbrar realidades que excedem nossas possibilidades, e tentar
que ainda é apenas virtual. Porém, embora estivessem cientes de suas insuficiências e
seus pontos fortes. Vanessa foi a única estudante a se posicionar com segurança em
relação a esse aspecto, declarando que seu ponto mais forte era a conversação: “Se
alguém chega e me pergunta alguma coisa [...] eu sei responder. Sei entender também”. Os
outros estudantes ou declararam que não conheciam seus pontos fortes ou deram
dificuldade, mas aos poucos eu estou aprendendo cada vez mais”, confiava William. Em
sua segunda entrevista, ele declarou: “No começo eu não tinha nem idéia do que ia ser o
110
inglês. E agora é uma língua que eu sei”. “Eu ganhei mais confiança, tenho aprendido com
início deste estudo – os estudantes chegam à sala de aula com receios de se expressar na
língua estrangeira, o que pode inicialmente dificultar seu progresso. Feuerstein (1991), por
sua vez, argumenta que muitas vezes a postura e a atitude do professor são responsáveis
por sentimentos de incompetência nos estudantes e por seus medos de correr riscos. Ele
1997) menciona em seus trabalhos o conceito de “auto-eficácia”, que define como a crença
atualizar nossas construções. O autor afirma que o sentimento de auto-eficácia – que pode
especialmente as educativas.
De acordo com Hadley (1993), a maneira como cada indivíduo percebe o mundo e a
não resolvê-los. Ao decidirmos que a solução para um problema está fora de nosso
alcance, estamos desistindo de buscar alternativas para lidar com ele. Feuerstein (1991)
propõe que boa parte das barreiras ao aprendizado são auto-impostas devido à falta de
declarou: “Minhas expectativas são boas até o final do curso. Acho que vou alcançar os
objetivos que eu espero”. “Estou adorando o curso”, declarou Helly. “Estou aprendendo
bastante, e estou contente com isso, me sinto motivada para freqüentar as aulas, participar
como uma das influências mais significativas no aprendizado dos estudantes. Porém,
afirmam os autores, geralmente os professores têm idéias indefinidas sobre o que motiva os
estudantes, sobre o que lhes deixa satisfeitos a respeito de seu trabalho, e sobre como
interesse e curiosidade – que conduz a uma decisão consciente de agir – iniciar e sustentar
uma ação por um período de tempo – com o objetivo de atingir determinados objetivos.
motiva de maneira única, uma vez que as pessoas reagem de maneiras diferentes, de
motivação extrínseca os motivos para atuar têm a ver com possibilidades de ganhos
vivência da atividade gera interesse e prazer, e nessa satisfação residem os motivos para a
realização da atividade. Williams e Burden (1997) nos alertam, no entanto, para o fato de
que a distinção entre os dois tipos de motivação não é clara, eles se relacionam
sua contribuição. Então, quanto mais valor os indivíduos atribuem ao seu envolvimento em
uma atividade ou ao sucesso obtido a partir dessa atividade, mais motivados tenderão a
estar para realizá-la. Cabe ao professor, assim, auxiliar os estudantes a refletir sobre suas
atividades ou ao resultado delas. Desse modo, eles podem compartilhar com o professor as
decisões a respeito do andamento das aulas e da seleção das atividades educativas que
Houve menções a aspectos estruturais da língua inglesa, como regras gramaticais e grupos
léxicos, e também traços culturais característicos dos países de língua inglesa. Além disso,
Coll (1997).
dados apresentados aos estudantes para que os memorizem, muitas vezes sem
dados e fatos. Isso significa que, na construção de conceitos, é necessário que atribuamos
entre elas para gerar novos sentidos. Construir conceitos, sob esta ótica, é modificar nossas
pois cada nova tentativa pode nos proporcionar uma nova compreensão dos fenômenos
saber fazer consiste em operar tanto com objetos como com informações. Assim, os
atuamos. As atitudes possuem três componentes básicos, que são o cognitivo (nossos
sistema cultural de uma sociedade, contribui para preservar e gerar atitudes e valores,
escola e de sociedade que inspira a sua atividade e que lhe confere uma identidade. Dessa
conteúdos educacionais. Como a maior parte dos conteúdos atitudinais internalizados pelos
estudantes.
Coll ressalta que essa separação é útil apenas para orientar o planejamento de
suas realidades e justificar seus usos, o que está em acordo com a concepção
integrados às vidas dos estudantes de modo que possam deles se apropriar, refletir sobre
mundo e a atividade do sujeito que se dispõe a conhecer (MORIN, a1999). Essas duas
por um lado, na medida em que percebemos o mundo como um objeto a ser conhecido. Por
outro lado, é subjetivo porque é construído de modo individual e único no interior de cada
decorre da pertença do sujeito que conhece e do objeto a ser conhecido ao mesmo mundo.
É a pertença comum que permite a comunicação entre o sujeito e o objeto, que é condição
separação não haveria sujeito ou objeto de conhecimento, ou seja, não haveria necessidade
compreensão e uso – da língua inglesa foi concebida como um processo ao mesmo tempo
subjetivo, uma vez que é individual e único para cada pessoa, e objetivo, pois tem na
linguagem seu objeto. A edificação de habilidades comunicativas também foi vista aqui
desta discussão.
116
[...] um professor vai começar seu curso. Isso se dá cem vezes por dia no
mesmo prédio. Essa reflexão, no entanto, pode não conseguir dissipar a
inquietação e levar à angústia. 'Que venho fazer aqui? E que eles vêm fazer
aqui, eles todos e cada um por sua parte? Que espero deles? Que esperam
de mim?' (GUDSDORF, 1987, p. 33).
O evento da aula, por mais rotineiro e programado que possa ser, não é banal,
do qual não saímos iguais ao que éramos quanto entramos. Unidade estrutural do processo
decisivos para a aprendizagem. As aulas foram abordadas pelos estudantes tanto sob a
ótica de sua dinâmica – ou seja, a qualidade dos movimentos internos responsáveis pela
dinâmica. Esses dois traços das aulas – dinâmica e atmosfera – não podem ser
considerados de modo isolado, uma vez que estabelecem entre si uma valiosa relação
um do outro.
117
inglês desde o início do curso e que, mesmo assim, compreendiam tanto os conteúdos
quanto as interações orais após um curto período de familiarização tanto com a língua
inglesa quanto com as atividades. “No primeiro dia eu fiquei assustada porque não entendia
alertam os professores de língua estrangeira para fatores que podem dificultar, para os
frente ao novo idioma e a frustração pela pequena capacidade de comunicação. Por outro
lado, Willis (1996) argumenta pelo uso exclusivo da língua estrangeira nas salas de aula em
Segundo a autora, uma língua é melhor ensinada e aprendida através de seu uso
comunicar em inglês com os estudantes a maior parte do tempo. Nossas trocas usuais, a
momentos das aulas direcionados para estudos específicos, como a construção de novo
atividades e de normas para os jogos, foram realizados em inglês. Tomei o cuidado, porém,
de estar atenta às reações dos estudantes para não lhes causar, com a insistência em
expressões faciais e ilustrações. Isso não quer dizer que nós não conversávamos em
nossa comunicação necessitou ser estabelecida em nossa língua materna para fins de
clareza. Procurei seguir uma norma que me parece razoável: utilizar inglês quando possível
desejavam em inglês, eles recorriam ao português. Ao longo dos encontros, porém, percebi
que eles passaram a utilizar gestos e expressões faciais para compensar a insuficiência de
para dar instruções aos colegas, para mostrar falhas em seu próprio trabalho ou no dos
outros, entre outros. Nós não tivemos momentos específicos do curso com o objetivo de
desenvolver essa habilidade expressiva, mas acredito que eles me observaram atuando e
habilidades tanto individuais quanto do grupo como um todo. “A gente pode participar mais
do que na escola”, comparou William já em seu primeiro parecer semanal. “Eu me sinto
tempo, atividade – o ato da cognição – e o produto dessa atividade (MORIN, a1999). Assim,
assumir e exercer sua responsabilidade, as estruturas sociais devem gerar condições para
que isso ocorra. O protagonismo dos estudantes foi algo que busquei estimular ao longo do
valorizava suas respostas, que geralmente tinham muito de apropriado à situação e partia
delas para uma explicação mais detalhada, se necessário. Embora no início do curso essa
prática pudesse ser exasperadora para os estudantes, no decorrer das aulas eles se
estudantes considerou benéfica a concentração da carga horária. “Tinha que ser manhã,
tarde e noite”, exagerou Fabiane, “o ideal é ter mais tempo porque de manhã podia fazer
uma coisa, de tarde outra, mas claro que este tempo não vai ser o bastante”. “Eu gostaria
que fosse bem mais tempo, mais prolongado”, disse Anderson. Para esses estudantes, as
duas horas diárias de aula pareceram vantajosas. Outra parte dos estudantes se sentiu
diferente em relação à concentração dos trabalhos. “No intensivo, tu não tens aquele
descanso até mesmo para ter um raciocínio”, lembra Fernando, acrescentando: “Eu preciso
de mais tempo para poder completar as tarefas [...], fazer mais pesquisas [...], levar mais
dúvidas”.
intensivos de línguas estrangeiras (República Checa, 2002) tendem a concordar com ambas
notada por Fernando – e as diferenças individuais, tanto nos ritmos de trabalho quanto no
120
para atender tanto aos objetivos previstos para o curso quanto aos tempos e ritmos de
caracterizar pelo diálogo e pela maleabilidade, de modo a permitir que cada estudante tenha
oportunidades para se desenvolver segundo seu próprio tempo e ritmo. Embora essa
modalidade intensiva, mais difícil de ser atingida, ela pode, ainda assim, ser buscada
Anderson havia expressado sérias restrições ao modo como havia sido avaliado em sua
na prova, davam um conteúdo bem inferior ao que era dado no quadro, e ainda [...] em
dupla, [...] com consulta no livro. Não cobravam, então não instigavam o aluno”. O
estudantes.
No início do curso, foi acordado que a realização de uma avaliação formal escrita e
oral no final do curso seria opcional, mas que o grupo por inteiro deveria realizar atividades
de avaliação e auto-avaliação diárias e semanais. Optei por propor tarefas de casa diárias
seguindo a sugestão de Lesley Painter (2003). Na primeira aula, tivemos uma rápida
Assim, houve momentos em cada aula dedicados à discussão das conclusões a que
atuava como organizadora das interlocuções e sistematizadora das conclusões, que eram –
como a busca do desenvolvimento pleno dos estudantes: seus interesses, sua curiosidade e
conjunto de saberes e fazeres que não podem ser somados ou justapostos. Nesse sentido,
conhecer as estratégias dos estudantes, o modo como eles pensam, atuam e realizam as
1995).
estudantes por sua própria avaliação. Os estudantes, assim como o educador, necessitam
educacional, para que tenham condições de apreciar criticamente seu desempenho e seu
contínuo pode ser visto como uma das tarefas cruciais da educação. Cabe ao professor,
então, identificar maneiras de auxiliar os estudantes a se tornar mais cientes do seu próprio
principal forma de avaliação”, acredita Fernando, “é que tu saias satisfeito com aquilo que tu
foste fazer”. E para acessar sua satisfação em relação a seus objetivos, a auto-reflexão e o
conclusões, dos modos de fazer e dos sentimentos envolvidos em sua realização tiveram
como objetivo oferecer aos estudantes uma oportunidade diária de avaliar seu próprio
realizadas.
expectativa para o outro dia”, narra Fabiane, destacando o aspecto instigador das
atividades. “Todo o tempo livre que eu tinha eu usava para revisar a matéria”, afirmou Helly
em sua entrevista posterior ao curso. Anderson, por sua vez, reconhecia que a falta de
tempo para dedicar às tarefas extra-classe lhe impedia de desfrutar mais plenamente da
completas do que foi estudado, e isso vem a acarretar no meu aprendizado uma limitação
requerer uma postura ativa e reflexiva. Para que essas potencialidades das tarefas de casa
123
se realizem, porém, Painter aponta que elas devem ser estimulantes e instigantes. Os
estudantes necessitam percebê-las como uma atividade significativa e reconhecer seu valor
em seu processo de aprendizado. “As tarefas de casa devem ser uma experiência positiva
que encoraje os estudantes a aprender” (p. 8). Os depoimentos acima sugerem que esses
objetivos foram atingidos, uma vez que os estudantes demonstram ter reconhecido a
A ludicidade – o trabalho com jogos e brincadeiras, além do clima lúdico geral – foi
pessoa não aprendia de um jeito, aprendia através de jogos, era uma maneira mais fácil
para quem não tinha [...] entendido alguma coisa”, lembra Vanessa. “Houve brincadeiras, e
assim eu acho que a gente vai aprendendo melhor o inglês”, acredita William.
Denominar a espécie humana homo sapiens, afirma Morin (d2002), é uma redução
crassa. Somos homo sapiens, mas somos também demens, economicus, mythologicus,
nossas demais dimensões – além da racional – no processo educativo seria também uma
envolvidas nela. O aprendizado, nessa perspectiva, deve se esforçar por envolver nossas
dimensões de modo integrado, numa tentativa de nos proporcionar uma vivência mais plena
de nós mesmos e de nossas interações com o que nos rodeia. A ludicidade, sob essa ótica,
recente. Segundo Teixeira (1995), já no século XVII Comênius defendia, em sua Didactica
atividade que se realiza por prazer e esforço voluntário – envolvem as pessoas de modo
124
Embora a ludicidade tenha um valor educacional intrínseco, ela tem sido utilizada
em que – dado seu caráter desafiador – ativam e modificam seus esquemas mentais,
A educação pelo jogo deve, portanto, ser a preocupação básica dos professores que têm
estudantes. “Os conteúdos são bem importantes”, avaliou Helly. “Tudo o que foi aprendido
primeira vista, um tanto vagas, elas podem demonstrar a idéia geral que os estudantes
formaram sobre o que aprenderam nas aulas: conteúdos que lhes interessam, que
consideram relevantes, mesmo não sabendo explicitar por quê, o que encontra um dos
estudo.
educativas assumem para o aprendiz. Para que a educação seja uma experiência
enriquecedora, os sentidos que emergem do processo devem ser pessoais, ou seja, devem
ser autênticos e relevantes para a vida das pessoas envolvidas. Para que as atividades e
porque estão realizando as atividades e como podem realizá-las – também necessita estar
estudantes no mundo.
novos interesses, além de novos objetivos pessoais. "Toda experiência é válida. Cada vez
enriquecem", disse Fernando. "Hoje eu desejo aprender inglês", disse William, que havia
começado a estudar inglês por insistência de sua família e que havia construído uma
motivação intrínseca ao longo do estudo. Uma das estudantes, em sua entrevista final,
declarou que havia encontrado seu próprio talento como mediadora, ao descobrir que
descobri que gosto de ensinar quem não entende, quem tem dificuldade. [...] É uma
maneira de eu estar fazendo uma coisa boa", disse Vanessa, revelando compreender o
outras pessoas. A educação tem como um de seus principais objetivos alargar a visão dos
qualidade dos conteúdos e atividades que não se esgotam em si mesmos, podendo ser
transpostos para outras situações em nossas vidas, como foi expresso pelos estudantes do
curso. “A gente aprendeu bem como eles falam lá, bem o que a gente precisa”, acredita
Helly. “Abrangeu a maioria das coisas que tu utilizas no teu dia-a-dia. Isso aí é que vale à
pena”, disse Fernando. “Tu estás num grupo de colegas, conversando sobre coisas
A transcendência dos conteúdos – sua transposição para a vida dos estudantes – foi
diversas situações), mas é necessário considerar que as oportunidades para o uso desses
atribuições que têm em seu próprio aprendizado, seus programas e estratégias de estudo e
para atuar de modo cooperativo e compartilhado, e essas são aprendizagens que eles
segunda entrevista, que embora estivesse satisfeito com os conteúdos tratados ao longo do
curso, gostaria de ter trabalhado temas mais específicos para sua área de atuação, que é a
informática. “Eu gostaria que tivesse uma parte mais específica na área de informática”,
disse ele. Logo depois, porém, ele ponderou que isso seria difícil de ser feito, considerando
que ele estava em um grupo de estudantes com diferentes interesses e diversas áreas de
atuação. “Mas como eu estou num grupo que abrange várias áreas, então é um curso que
metodologia de trabalho são tomadas a partir dos motivos e intenções específicos que
partir de uma investigação minuciosa das necessidades, dos interesses, dos estilos de
bases para uma competência comunicativa na língua inglesa, além da vivência dos valores
transcendentes nos trabalhos de sala de aula. “A gente tratou muito do diálogo [...]. Como é
que eu vou me comunicar?”, ponderou ele. Outros estudantes concordaram com ele: “Eu
vim para cá e consegui descobrir que com o verbo to be tu podias fazer frases. E consegui
descobrir [...] as palavras para fazer outras frases, fazer perguntas...”. William, ao dizer: “Eu
pensei que eu ia aprender as palavras, e não tudo numa frase só”, parece sintetizar o
b1999, p. 199), o que significa que, embora as menores partes da linguagem – os fonemas
– sejam entidades sem sentido em si, sua associação produz enunciados dotados de
seja, que ela esteja em relação com alguma coisa que não seja ela própria” (Russell29, 1969
citado por MORIN, b1999, p. 199). Segundo Morin, a originalidade da linguagem humana
reside no fato de que seus elementos são usados para designar um mundo exterior a ela.
29
RUSSELL, B. Signification et vérité. Paris: Flamarion, 1969.
128
metalingüístico, ou seja, ao conhecimento sobre a língua, deve dar lugar a uma preparação
para situações de comunicação real na vida cotidiana. “Para poder comunicar-se numa
aula seria o mesmo que ignorar a originalidade da linguagem humana, como colocado por
Morin.
embora esse seja um processo que envolve intensas interações – a maneira como o fazem
ensino podem ser vistas como diferentes tentativas de auxiliar as pessoas a atribuir sentido
conteúdos e as atividades que ocorrem na sala de aula podem ter em suas existências.
Um outro aspecto dos conteúdos que também foi percebido pelos estudantes foram
as discussões das especificidades culturais dos povos que falam inglês como sua primeira
língua. “A gente aprendeu também um pouco sobre a cultura deles”, disse Helly. “A gente
aprendeu como se comportar, como as pessoas dos Estados Unidos agem”, lembra
tenham conversado sobre si mesmos e suas vidas, isso não significa que o mundo ao seu
cultura de vários povos do planeta, e o que eu buscava era oportunizar aos estudantes o
culturais.
sociedade. As sociedades, por sua vez, se formam, conservam e desenvolvem através das
em suas manifestações culturais. Desse modo, segundo o autor, “cultura e sociedade estão
em relação geradora mútua” (p. 19), o que significa que os indivíduos em suas interações
comportamento.
definir seu ambiente e sua cultura, de modo que possamos formar uma imagem dele e de
afetado, em parte, pelo sentimento e pela atitude que temos em relação às comunidades
que falam aquela língua. Segundo Hadley (1993), ao compreenderem pelo menos parte das
Sob um outro enfoque, ao entrar em contato com a cultura dos falantes da língua
conhecimento de outras culturas e línguas pode nos auxiliar, por contraste e por
manifestações. Sob essa ótica, quanto melhor pudermos compreender o contexto cultural
Também é necessário lembrar que, na relação em anel recursivo que nos conecta à
nossa cultura, a cultura tem o poder tanto de abrir quanto de fechar as potencialidades de
as portas para nossa elaboração do novo. No entanto, ao nos impor as normas, os tabus,
os mitos e principalmente a “ignorância de nossa ignorância” (p. 20) a cultura pode nos
fechar para a construção de novos saberes. A educação, assim, tem a atribuição de alertar
os estudantes tanto para a abertura quanto para o fechamento propiciados por nossa
cultura, para que tenhamos condições de refletir sobre esse antagonismo que é também
complementar.
uma abertura para a compreensão e a apreciação intercultural. Morin (b1999) nos alerta
para os perigos do que ele denomina o imprinting cultural: certas características culturais
que nos são transmitidas pelos ambientes sociais em que convivemos – família e escola,
entre outros – e que carregamos conosco como uma marca, um tipo de normatização que
opiniões, determinando, pelo menos em parte, a maneira como nos posicionamos frente ao
que é diferente de nós. “O imprinting cultural determina a desatenção seletiva, que nos faz
desconsiderar tudo aquilo que não concorde com as nossas crenças e o recalque
eliminatório que nos faz recusar toda informação inadequada às nossas convicções” (p. 30).
contra vários grupos étnicos e sociais e contínuos conflitos entre facções culturais ao redor
menos em parte, de nosso imprinting, de modo a nos deslocarmos de nosso ponto de vista.
Neste contexto, a valorização da diversidade étnica e cultural é uma das mais altas
prioridades da educação, para que as novas gerações aprendam a viver em paz e harmonia
possibilidades.
em sua sala de aula por considerar que seus conhecimentos são parcos e escassos ou por
que, mesmo que os professores tenham pouco conhecimento sobre as diferentes culturas
uma atitude aberta em relação às diferenças. Mais importante do que portar conhecimentos
factuais, assumir uma postura transcultural permite que o professor promova a valorização
Nicolescu (2002) define a cultura como a emergência das interações entre os seres
humanos que habitam uma determinada área geográfica e histórica: seus sentimentos,
busca a abertura das diferentes manifestações culturais para o que lhes atravessa e
transcende, para os valores humanos compartilhados, e para a postura que assume que
nenhuma cultura constitui um locus privilegiado a partir do qual as outras possam ser
avaliadas. Busca, assim, “um novo sentido de igualdade entre seres humanos, [...] o direito
132
inalienável de cada ser de encontrar seu próprio lugar. A fraternidade humana consiste em
auxiliarmos uns aos outros a encontrarmos este lugar” (Nicolescu, 2002, p. 94).
Fabiane, em seu segundo parecer semanal chamou a atenção para “as atividades
dinâmicas e sempre a respeito dos conteúdos diversificados”. Essa observação sugere que
lingüístico autêntico não consiste na produção de palavras ou frases soltas, mas no uso
delas para a criação de um discurso com sentido (HADLEY, 1993). Assim, as atividades de
aprendizado em uma sala de aula que busca auxiliar os estudantes a construir seu
na sala de aula, situações com as quais os estudantes se deparariam na “vida real”. Isso
não significa, porém, que não devamos enfatizar também a construção de estruturas
formais precisas na língua estrangeira. Assim, nossa meta deve ser a realização de tarefas
que promovam uma conexão entre conteúdo e forma na produção discursiva dos
estudantes. “Os estudantes devem ser estimulados a usar a linguagem de forma precisa,
relações que não sabiam existir. “Na parte da árvore genealógica, eu nem sabia que eles
133
tinham aqueles parentes”, disse Fabiane. “A maioria dos conteúdos eu nem tinha idéia de
estimular sua curiosidade e sua imaginação, motivá-los a realizar suas próprias descobertas
e, então, compartilhá-las com seus colegas. Para que nos motivemos para realizar
1997).
aprender coisas novas e nos engajamos ativamente no processo. De acordo com Williams e
Burden (1997), possuímos uma orientação inata para o envolvimento em uma tarefa pela
própria tarefa, desde que os resultados sejam incertos e que possamos construir
expectativas, uma vez que essa incerteza contribui para nossa motivação. Infelizmente,
muitos dos exercícios escolares, por sua natureza repetitiva, mecânica e previsível,
contribuem para asfixiar a curiosidade natural dos estudantes, que vão se tornando cada
cujos resultados – que dependem da contribuição original de cada estudante – são incertos
inglês”, disse Fabiane, em sua entrevista posterior ao curso, em parte surpresa e em parte
134
emocionada. “Respeitar todo mundo, da escola e de fora” foi um dos aprendizados mais
valores. “A vida resiste a todo dogma e todo totalitarismo. A atitude transdisciplinar, assim,
defende uma educação que se assume como não-neutra, que tem o objetivo explícito de
transformadoras de sua realidade, uma vez que acredita que essa é a única revolução
educação, que interfere em suas ações na sala de aula. “Os professores são influenciados
por suas crenças que, por sua vez, estão estreitamente conectadas a seus valores, suas
visões de mundo e as suas concepções a respeito de seu próprio lugar nele” (p. 56). Essas
permanente reflexão do professor sobre suas percepções, crenças, ideais e valores mais
arraigados, uma vez que a maneira como o professor media o processo educativo depende
dessa reflexão.
que seja a disciplina que é transdisciplinar” (p. 122) e que a pesquisa ou o ensino em
qualquer área do conhecimento pode ser animado pela atitude transdisciplinar adotada
30
NICOLESCU, Basarab. Um mundo transdisciplinar. Conferência proferida no I Congresso Gaúcho
de Recursos Humanos, em Porto Alegre, em 12 de maio de 2003.
135
realização – e se esforça por apoiar neles sua prática, é possível que venha a influenciar
coletivo e pelo individual” (NICOLESCU, 2002, p. 151). A postura ética assumida pela
na busca da eficiência utilitarista, devem resgatar a afetividade que foi aos poucos sendo
relegada a planos cada vez mais desimportantes. Sem desprezar o valor da primeira, o
autor sugere que foi o crescente desequilíbrio entre a eficiência e a afetividade que causou
aprendizagem que possam ser percebidos por nossos estudantes e que os deixem
satisfeitos com seu próprio trabalho, com o de seus colegas e com o nosso – e a
afetividade, que é a conexão respeitosa e reverente que pode existir entre as pessoas, e
que parece ter sido alcançado pela experiência que se constituiu neste estudo.
valor significativo ao ambiente seguro e acolhedor – que permitia que participassem das
atividades e corressem riscos de errar sem temores – como um importante componente dos
participar, não tem medo”, disse Helly. “Não é aqueles cursos que a gente fica
afirmou Vanessa.
ser uma outra pessoa social” (p. 115). A experiência de aprender uma língua estrangeira,
estudante como também – pelas modificações nas interações com os outros – a alteração
de seu auto-conceito.
Assim, uma vez que o ambiente físico da sala de aula e a natureza das interações
atmosfera em que a auto-confiança dos estudantes possa ser construída, em que erros
possam ser cometidos sem medo, em que os estudantes possam experimentar com a
significados entre uma língua e outra, e o risco de cometer erros, esse componente se torna
ainda mais relevante. A vivência educativa dos estudantes se torna mais intensa a partir do
momento em que eles reaprendem a aprender a partir de seus sucessos e fracassos. Mas
capacidades. É importante lembrar, no entanto, que o ambiente em si pouco tem a nos dizer
O ambiente de sala de aula foi considerado também livre e natural, tanto em relação
estudantes. “Foi tudo espontâneo. Não tinha aquela coisa de responder porque era
obrigado”, conta Fabiane. “Tu estás em ambiente de aulas, mas ao mesmo tempo parece
Anderson.
significativos para suas vidas. Assim, os estudantes falavam sobre si mesmos, suas
138
famílias, seus amigos, sua rotina, suas preferências, eventos do mundo e de sua própria
porque se sentiam daquela maneira, no início em português, mas nas últimas aulas já em
inglês. A própria qualidade de sua expressão cresceu ao longo do curso à medida que o
valores e crenças frente às dos colegas. Muitas vezes, pude perceber que os estudantes
pensando como pensavam, reconheciam outras idéias válidas, embora diferentes das suas,
e as tratavam com respeito, em uma atitude que valorizava tanto as interações quanto as
individualidades.
tanto nas simulações quanto nas discussões naturais de sala de aula. Vivemos em uma
cidade pequena e afastada dos grandes centros de cultura e lazer, o que tende a limitar a
aprender. Desse modo, torna-se ainda mais importante que os estudantes percebam que
mundo é repleto de possibilidades, e está ao nosso alcance para que possamos conhecê-lo
e explorá-lo. Para isso, porém, necessitamos ter essa perspectiva, almejar e planejar de
modo mais amplo e também ter acesso a iniciativas educacionais que possibilitem a
mas solidários entre si, o que significa que nossas ações e inações entram no jogo dialógico
das relações entre os elementos da realidade e afetam nosso planeta, quer estejamos
declarou Helly em seu primeiro parecer escrito, referindo-se às dificuldades que enfrentava
preparadas de modo a provocar a curiosidade dos estudantes para o que estava por vir e
elas.
aptidão para aprender está ligada à “plasticidade bioquímica do cérebro” (MORIN, a1999, p.
nossas relações com os outros, ele destaca a contribuição do ambiente, que nos oferece
essencial não apenas para o processo educativo, mas para a vida de um modo geral. O
140
pensamento do autor converge com o que Morin (a1999) afirma sobre a contribuição dos
permanentes mudanças nas condições em que vivemos, ao mesmo tempo que interferimos
nela para que se ajustem a nós. É essa relação recursiva entre desafio e aprendizado que
Nos processos educativos formais, afirma von Glasersfeld, para que os estudantes
desafios, de modo que sejam encorajados a sempre dar passos à frente. O autor afirma
acredito ser importante que os estudantes estabeleçam seus próprios desafios, auxiliando o
estudante.
elemento que pode tornar o processo prazeroso. Essa parece ser a percepção evidenciada
pelos estudantes do curso. Mesmo considerando o caráter desestabilizador das aulas, eles
relação interativa entre desafio e conforto que estimule os estudantes sem intimidá-los.
“Quando tu vês, [...] passou o tempo e tu já aprendeste aquilo ali. Não se torna uma aula
cansativa”, disse Anderson. “As aulas são divertidas e cheias de uma energia muito gostosa
resgate do prazer e da alegria de aprender, tornado possível a cada aula pela instigação da
compreensão.
espaço para que sentidos e significados sejam desconstruídos e reconstruídos, para que
outros.
ligações entre indivíduos. É sobre as ligações entre as partes envolvidas neste estudo que
Morin (c2002) afirma que uma organização humana deve ser pensada não de
maneira reducionista mas articuladora, não simplificante mas multirramificada, e que essa
deram mostras de ter construído não só fortes vínculos entre si e comigo, mas
aprendizagem.
individualismo e mesmo de escárnio por parte dos grupos de que já haviam feito parte. “O
papel do grupo é todos ajudarem a todos”, afirmava Anderson, para logo acrescentar: “só
que isso não acontece, tem muito individualismo”. Assim, um de meus esforços durante o
curso foi o de edificar na sala de aula um ambiente que valorizasse as interações entre os
Em seu livro sobre interações na sala de aula, Hadfield (1992) descreve um grupo de
sucesso como aquele em que a atmosfera geral é integradora, o que leva seus membros a
apoio mútuo que permeiam as relações do grupo – de modo que se sentem seguros para
143
expressar sua individualidade. Assim, eles se manifestam e escutam uns aos outros,
respeitando seus colegas mesmo quando discordam de suas posições. Por se sentirem
seguros e aceitos no grupo, seus componentes confiam uns nos outros e cooperam na
realização das atividades, conseguindo trabalhar juntos de maneira produtiva. Embora essa
seja uma situação ideal, acredito que é possível de ser buscada, especialmente através do
comunicação entre eles acontecia como parte das tarefas da aula. A participação voluntária
dos estudantes era reduzida e havia os que se mostravam resistentes ao trabalho com seus
colegas em pares e em pequenos grupos. Aos poucos, ao longo das interações necessárias
para a realização das tarefas, pude perceber que eles começaram a voluntariamente
cooperar, a se auxiliar mutuamente e a chamar a atenção dos colegas para falhas em seus
trabalhos.
e na própria capacidade de aprender, o que lhes rendeu segurança para superar suas
dificuldades à medida que elas eram identificadas. Suas interações passaram a ser mais
trabalhos avançavam. “Existe [...] insegurança em responder certas perguntas por minha
parte e a dos colegas, e isto ocasiona uma dificuldade na aprendizagem”, disse Anderson,
demonstrando estar atento não só às suas necessidades, mas também às de seu grupo.
“Os meus colegas e eu estamos aprendendo inglês pouco a pouco”, já dizia William ao final
eles faziam perguntas aos colegas durante os trabalhos em pares ou pequenos grupos, em
144
no grupo.
realidade que tenha como fundamentos a confiança e o respeito mútuos. Além disso,
sugerem William e Burden (1997), estruturas cooperativas de trabalho fazem emergir uma
que trabalhos em pares, pequenos grupos ou no grande grupo na sala de aula auxiliam os
Assim, a maior parte das atividades planejadas para o curso envolveu trabalhos em
quanto esse aspecto do trabalho foi considerado relevante em seu aprendizado. Também o
mundo respondia, todo mundo fazia os temas de casa. [...] Se tu não sabias, eles te
aprender”. “Todos ali estão prestando atenção no assunto. Além de ajudar o outro, ninguém
atrapalha o outro, todos aprendem”, disse Anderson, para revelar: “As coisas que eu não
145
e não-saberes eram compartilhados sem receios, e que esse envolvimento foi fundamental
em seu aprendizado. “Muitos deles também tinham dúvidas que eles levavam para a sala
aprendendo um pouco com as dúvidas e até mesmo com o que eles já sabem”. Anderson
parece concordar com Fernando, quando declara: “Através dos outros alunos eu conseguia
estudantes também apreciaram a valorização de sua individualidade. “Eu pensei que fosse
ser que nem um colégio [...]. Mas aí chegando aqui eu vi que era personalizado. Pessoa por
pessoa [...]. Tu aprendes bem mais porque tu és cobrado”, afirma Anderson, conectando o
criada, procuravam fazer com que a individualidade dos estudantes fosse valorizada e
construir suas próprias concepções antes de interagir com os colegas. Esse tipo de
146
habilidades atuais com os anteriores (WILLIAMS, BURDEN, 1997). Nesse tipo de estrutura,
estudante.
seres com seu meio. Essas interações são incorporadas pelo aprendiz através da criação
de um mundo interior, ao mesmo tempo uma recriação do mundo exterior e uma auto-
de auto-educação.
Segundo Williams e Burden (1997), “ao mesmo tempo que aprendem a cooperar, as
pessoas necessitam ser indivíduos, sentir que podem legitimamente pensar e sentir
significa uma consciência crescente de seu próprio lugar, de sua contribuição em um mundo
social” (p. 78). Assim, faz parte das prerrogativas do educador encorajar em cada um de
valor pessoal.
individuais sejam vistas não como obstáculos a serem superados na construção tanto
“Não tinha aquela coisa de um saber mais do que o outro. Era tudo de igual para igual”,
declara Fabiane, deixando entrever que mesmo que houvesse – como é inerente à
“Ao mesmo tempo em que se sentem indivíduos, as pessoas necessitam sentir que
pertença ao longo do curso. “A gente se sentia em casa aqui”, declararam Vanessa e Helly
salas de aula, esse sentimento e essa consciência, que têm implicações tanto para o
148
indivíduo, quanto para o grupo, assim como para a escola. Além disso, ao se
estudantes desenvolvem condições de transpor esse senso de pertença para sua vida em
preservação tanto das vidas individuais quanto da sociedade por inteiro. E esse
questionavam sua qualificação, suas atitudes e mesmo sua ética, manifestando descrença
estimulava”, criticou Fabiane. “A professora deixava a desejar. A gente conseguia até colar
nas provas. E se tu não saías bem ela te dava uns pontinhos para tu completares tua
o despreparo de seus professores. Eles estavam denunciando uma conduta que julgavam
inadequada e anti-ética.
149
consenso sobre como a ética pode ser ensinada nas escolas, acredita que os valores éticos
“Nessa idade é possível aprender a refletir com pequenos exemplos e narrações que
abordem problemas éticos: como se pensa sobre determinado assunto, como se resolve
recorrente explicitada pelos estudantes era a de que o professor está na sala de aula para
“tirar as dúvidas dos estudantes”, mas que muitas vezes não está capacitado para tal.
Assim, uma de minhas preocupações foi, ao longo do curso, oferecer aos estudantes uma
idiomas estrangeiros.
estudo em que jovens estudantes revelavam o que consideram ser um professor capaz:
“um instrutor inspirador que é preocupado com seus estudantes, um acadêmico ativo que é
seus estudantes e colegas” (p. 47). Já Brown e McIntyre31 (1983, citados por WILLIAM,
a compreensão dos estudantes, auxiliá-los com suas dificuldades, criar uma atmosfera
31
BROWN, S., MCINTYRE, D. Making sense of teaching. Buckingham: Open University Press,
1983.
150
e valorização das idéias dos estudantes, busca de variedade nas atividades de aula, clareza
atividades de sala de aula e das respostas dos estudantes. Os autores ressaltam, porém,
bom professor, estabelecer um plano de ação para outros professores a partir desses
Não há uma maneira de ensinar que possa ser considerada a mais correta, afirmam
apreciavam, e que, de certo modo, contrastavam com suas expectativas, tais como a
começo eu achei que os professores seriam mais rígidos, mais sérios. É uma ótima
geradoras de resultados muitas vezes inesperados, contribuíram para essa impressão dos
151
comprometida com seus estudantes”, declarou Fabiane após a primeira semana de aulas.
Já Vanessa acreditava que a atenção que recebia era muito importante em seu progresso:
“A professora é muito atenciosa e é por isso que eu a cada dia estou evoluindo”. “São bons
professores, estão sempre nos ajudando”, diz William, invertendo as visões tradicionais de
passa ao de auxiliar dos estudantes, que tomam para si a responsabilidade por seu
estudantes, como foi evidenciado nos depoimentos dos participantes do curso. Ao sentir e
32
Segundo Leonardo Boff (1999), o cuidado se constitui em uma atitude responsável que podemos
assumir frente ao que consideramos importante, uma relação afetuosa e respeitosa que podemos
estabelecer conosco, com os outros e com o mundo a nosso redor. O cuidado – um consenso mínimo
em que podemos nos amparar para adotar uma atitude protetora para com a vida – é uma força que
tem o poder de se opor à entropia, que é o desgaste sofrido gradativamente pelos elementos naturais
até sua morte térmica. Segundo o teólogo, o cuidado faz parte da constituição humana: "o ser
humano é um ser de cuidado, mais ainda, sua essência se encontra no cuidado” (p. 35) e necessita
ser resgatado como ética mínima e universal, para que possamos ter a chance de preservar a
herança que recebemos do universo e da cultura e garantir nosso futuro.
152
educador está compartilhando com eles mais do que seus valores profissionais, mas
para os estudantes. “A gente não consegue entender as coisas, e a professora tem que
explicar”, afirma Helly, explicitando a expectativa de ter em mim uma tradutora dos
traduções dos elementos e eventos da realidade. Às vezes, essa tradução necessita ser
mediada por um outro, como é colocado pela estudante. “O papel do professor é procurar
ensinar [...] de uma forma melhor”, disse William, referindo-se ao traço facilitador do
didaticamente assimiláveis, uma prática que não é neutra nem isenta de ideologias.
Uma vez que o acesso dos estudantes aos saberes consolidados por sua sociedade
crítica que deve permear as práticas dos educadores. Segundo Marlene Grillo (1997), a
do ponto de vista metodológico como também teórico. Nesse sentido, é essencial que os
profissionais docentes se mantenham atentos às idéias que possuem e que lhes possuem
manter um diálogo com a realidade, podemos evitar pelo menos parte de nossas auto-
falácias, o que nos possibilita realizar uma transposição didática menos dogmática e
vontade de gostar de inglês. [...] Auxiliou todos a gostarem e a ver que querem aquilo
mesmo”, disse Fabiane em sua entrevista final, sugerindo que, como afirmam Williams e
além de interferir nos sentimentos que os estudantes desenvolvem a respeito de sua própria
gerar neles atitudes mais positivas em relação aos conteúdos com que trabalham.
parte do professor, uma vez que ele necessita tanto considerar singularidades dos
através dessas interações que atitudes e mensagens a respeito dos mais diferentes
para seu aprendizado. “O professor é o que tem a experiência”, afirmou Fernando, “ele vai
contar as experiências que ele teve, e aí com a experiência tu consegues aprender mais
ainda”.
intervenção de pessoas mais experientes que nos são significativas. O autor se refere a
respostas, e explicitando porque consideram algumas reações mais apropriadas que outras.
Esse processo, segundo o autor, não é uma seqüência linear de eventos, mas um
de seus mediadores, e se tornam cada vez mais responsáveis pelo seu próprio
aprendizado.
que se assume como parte experiente que tem a atribuição de orientar suas construções e
valores, com as quais ele contamina, através de sua prática pedagógica, o processo de
155
tomar consciência de suas próprias ilusões. Morin (e2002) nos chama a refletir sobre os
no processo educativo. “O maior erro seria subestimar o problema do erro; a maior ilusão
seria subestimar o problema da ilusão” (p. 19). Considerando a onipresença desses riscos
inerentes à nossa busca pelo saber, diz o autor, devemos buscar a lucidez através da
Cabe aqui observar que, embora a mediação tenha como objetivo a construção de
autonomia por parte dos aprendizes, de um certo modo ela se configura em uma atitude
Burden (1997), embora o professor não diga aos estudantes que conceitos construir ou
como construí-los, ele pode, através do uso da linguagem, tentar impedir elaborações que
considera inadequadas, e que sabe, por experiência, que os estudantes tenderão a tentar.
Ao agir desse modo, o professor pode impedir a reflexão crítica e criativa que poderia
relação aos estudantes – embora não concorde com ela. Na tentativa de lhes fazer sentir
tentando adivinhar o que lhes apresentava dificuldades. Esse impulso – uma evidência da
Houve ocasiões em que os estudantes me fizeram perguntas que eu não soube responder,
consultas na presença deles, para que eles percebessem que, mesmo após mais de duas
participação do grupo foi considerada fundamental. “Coisas que tu não conseguiste passar
para nós, os alunos faziam uma pergunta e daquela pergunta tu conseguias responder. O
papel do professor não é somente ensinar. Também tem que entender e pode até aprender
com os estudantes”, disse Anderson em sua entrevista final, demonstrando uma visão do
nossas concepções e atitudes. Os professores não detêm todo o saber e não estão sempre
e reconstrução de nós mesmos, do que sabemos, sentimos e somos. Se, porém, falharmos
importante para que isso [o aprendizado dos estudantes] ocorra”, afirmou Anderson, o
trabalho. “Estou aprendendo muito, pois o jeito que os professores ensinam é muito bom”,
no trabalho do professor e possibilidade para uma participação mais ativa dos alunos –
Um aspecto importante a ser destacado é que, neste estudo, não fui considerada
pelos estudantes como um ente isolado da equipe da escola, mas sim como um integrante
de um grupo coeso movido por objetivos comuns buscados através de procedimentos que
foram reconhecidos como coincidentes. “Os professores são como uns pais para a gente.
Tratam a gente com muito carinho”, dizia Vanessa em seu primeiro parecer semanal. É
importante lembrar aqui que Vanessa só teve contatos com os outros professores da equipe
na entrada, no intervalo e na saída das aulas, não chegando a ter aulas com eles. William
foi outro estudante que, em seus pareceres e entrevistas, usou a palavra “professores” no
plural, dando a entender que me via como parte de um grupo. Em sua segunda entrevista,
Helly incluiu outros profissionais da equipe em sua fala: “A gente se sentia em casa aqui. A
que produz uma unidade complexa. Esse conjunto de relações apresenta qualidades e
características que não estão presentes nos elementos isolados. A organização une de
todo.
Sob essa ótica, é possível concluir que, mesmo que os estudantes tivessem tido
uma experiência de aprendizagem em uma estreita interação comigo, eu não poderia ser
vista como isolada do meio, mas sim como parte de pelo menos uma organização – a
equipe da escola – que contribui na construção das atitudes reconhecidas pelos estudantes.
É importante ressaltar que o trabalho realizado em sala de aula contou com a participação
158
ativa de cada estudante, que contribuiu para a construção das relações entre nós e também
da atmosfera propícia ao aprendizado. Assim, mesmo que minha atuação tenha sido
estudantes, é essencial lembrar que faço parte de sistemas interrelacionados com o quais
Assim, o todo formado pelo grupo de estudantes, por mim e pelos vínculos e
relacionamentos estabelecidos entre nós foi percebido como uma influência positiva no
sua auto-confiança. “É melhor estudar inglês em grupo, [...] a gente sente mais vontade de
aprender, eles me ajudam a me sentir à vontade nas aulas”, acredita William. “É assim que
as pessoas aprendem, com bons colegas e ótima professora”, diz o estudante, parecendo
antagonismo.
mencionados pelos estudantes, isso não quer dizer que eles não existiram. A idéia de grupo
não traz em si apenas harmonia e síntese. Ela carrega ao mesmo tempo dissonância,
que a visão geral dos componentes do grupo foi a de concordância e de identidade comum,
Todo ser humano é livre para se abrir, de sua própria maneira e através de
sua própria transformação liberadora, para o conhecimento de seu próprio
destino espiritual (NICOLESCU, 2002, p. 72).
sabedoria entre as pessoas e o avanço de nossa consciência – o que poderia nos auxiliar
impediu a integração dos saberes entre si e também sua integração a nós e originou uma
um tipo de relação com o mundo inferior à objetividade, é aceita por boa parte da
comunidade científica e educacional apenas como um adorno, isso quando não é rejeitada
realidade em partes cada vez menores pudemos esmiuçar cada parte, conhecê-la em seus
menores detalhes e divisar modos de utilizá-las para o que consideramos ser as crescentes
diferentes disciplinas, cada uma com seu domínio, sua linguagem e seus métodos de
trabalho específicos, o que torna o diálogo entre elas cada vez mais difícil.
No entanto, lembra o autor, o que está armado para nossa auto-destruição pode ser
revertido para transformações positivas em nós mesmos e em nosso mundo. Como duas
edificação de uma consciência transpessoal e visionária que, por sua vez, pode ser
uma cultura transdisciplinares assume sua urgência. Nicolescu e Morin sustentam que a
única revolução possível hoje é a da inteligência, uma revolução que pode transformar
concentradas no período de três semanas para seis estudantes jovens e adultos, iniciantes
resultados do estudo não possam ser transpostos para outras situações sem revisões
continuamente questionado e revisto. Assim, este trabalho é uma proposta que estará
aberta a mudanças e adaptações à medida que novas reflexões sejam realizadas e que
novos estudos sejam postos em prática. É essencial que estejamos dispostos a não só
sobre nossa trajetória em busca de pontos que necessitam ser repensados. Nesta postura
aberta, busco apoio em Morin, que nos convoca a praticar a serendipidade33, que é a arte
uma história.
A partir dessa compreensão, concluí que a relação dialógica que se estabelece entre
realidade e dos indivíduos que a perfazem, integração da realidade aos indivíduos e vice-
versa, abertura para o novo e para o desviante, reconciliação entre posições aparentemente
para a educação.
A partir dessas idéias, o próximo passo foi propor fundamentos para uma
nossa realidade. Nesta perspectiva, podemos concluir que uma metodologia de ensino e
prática de sala de aula – e nas emergências dessa relação – que a metodologia se constitui.
Assim, com base nos fundamentos teóricos e nos valores transdisciplinares, cheguei
não a uma metodologia, mas a pontos de referência com vista aos quais os trabalhos de
aprendizagem da língua inglesa em sala de aula passa por três elementos principais,
estreitamente relacionados entre si, que são: a concepção das aulas como eventos
nossa realidade, do modo como nos relacionamos com ela e das emergências dessa
relação. Na busca dessa compreensão, a reflexão sobre nosso lugar no mundo é essencial.
multidimensional, mas ainda assim como única, total e inesgotável, resultante das
desenvolvidos no curso. Além disso, embora tivéssemos em vista que nosso objetivo
construídos dos estudantes a respeito da língua inglesa se tornavam mais profundos e mais
164
processo que – apesar de ter sido interrompido ao final do curso – se configurou como
interminável.
mudança da realidade e de nós mesmos como um processo contínuo pode ser visto como
uma das atribuições cruciais de uma educação transdisciplinar, que almeja auxiliar os
constantemente reformulada à medida que ele adapta seu conhecimento prévio às novas
Para o enfrentamento dos permanentes desafios que nos são oferecidos por nossa
O reconhecimento, por parte dos estudantes, dos trabalhos de sala de aula como
educativas partem das experiências e vivências dos próprios estudantes, e entram com elas
experiência de aprendizagem.
descoberta e pela apropriação por parte dos estudantes, que atribuíam sentido ao que
sala de aula, novas atitudes em relação à língua inglesa e seu aprendizado, a mim e aos
colegas, mostrando-se cada vez mais dispostos a trazer à tona suas vivências anteriores ou
concebiam, e também das rupturas com esse conhecimento prévio. Muitas de nossas
transformador da abordagem.
projeto educativo, uma vez que ao estarmos cientes de nosso processo de mudança, temos
Embora não ignorassem suas dificuldades, os estudantes evidenciaram ter aprendido a lidar
com elas sem se deixar desmotivar. Seu êxito, assim, parece se fundamentar na
aprendizagem, com seus próprios progressos e com os progressos dos colegas, uma vez
que puderam perceber resultados positivos em seu processo tanto individual quanto
acredito que possam transpor para outras instâncias em que se relacionam com os outros e
com a realidade.
Aos poucos, cada estudante pareceu ter encontrado seu lugar no grupo, e também
deu mostras de ter caminhado no sentido de sua auto-realização como estudante e como
167
compartilhada, uma vez que, segundo o autor, a fraternidade humana consiste em nos
auxiliarmos mutuamente a encontrar nosso próprio locus, ou o sentido de nossa própria vida
e de nossa missão.
mudar nosso ponto de vista e nossa maneira de pensar como também nosso modo de atuar
no mundo. Ernst von Glasersfeld afirma, em sua teoria do construtivismo radical, que,
apesar de sermos responsáveis pela construção de nosso mundo e de nossa realidade, nós
realizamos, podemos fazer escolhas e tomar decisões mais coerentes com nossos projetos
de vida e de realidade.
relacionamento com as pessoas, com a vida e com o tempo, entre outros, contribuíram para
influenciar nossa realidade através de nossa atuação. Embora seja ambicioso considerar
que houve, ao longo do curso, a valorização da vida – como é um dos objetivos de uma
educação transdisciplinar – acredito que isso tenha acontecido naqueles momentos em que
transformar o mundo. Sentia que tinha potencial para realizar transformações significativas,
como resultado dos efeitos desencadeadores positivos que minhas ações poderiam ter.
168
Acredito que eu não tenha sido a única pessoa a ter essa sensação. Ao perceber os
neles aquela atitude de quem pode mudar o mundo simplesmente ao mudar o olhar.
169
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174
APÊNDICE A
PLANO DE ENSINO
EMENTA
O curso visa promover, a partir de uma abordagem transdisciplinar, um aprendizado
integrado e contextualizado dos diferentes aspectos da competência comunicativa de nível
básico da língua inglesa, com vistas a uma formação integral dos envolvidos no processo.
OBJETIVOS
· Construir competência comunicativa de nível básico na língua inglesa em seus aspectos
gramatical, sócio-lingüístico, discursivo, estratégico e funcional, trabalhados de forma
integrada;
· Estabelecer e explorar conexões entre o aprendizado da língua inglesa e de diferentes
aspectos da contemporaneidade.
· Conscientizar-se das permanentes insuficiências do conhecimento;
· Conscientizar-se a respeito das próprias estratégias de aprendizagem;
· Realizar um aprendizado cooperativo e compartilhado, que transcenda seu próprio
objetivo para abranger uma formação mais integral do estudante;
· Realizar descobertas individuais e compartilhadas que propiciem a retomada das
próprias posições, prazer e auto-realização.
PROGRAMA
Os conteúdos básicos do curso, organizados a partir de situações quotidianas interacionais,
objetivam estimular os diferentes aprenderes: conhecer, fazer, viver juntos, ser, antecipar e
participar, procurando estar relacionados com a realidade dos estudantes e ser transpostos
para outras situações de suas vidas. Os conteúdos buscam também estabelecer diálogos
entre a língua inglesa e diferentes aspectos da contemporaneidade e oferecer
oportunidades para a reflexão e a reelaboração de posturas, crenças e valores.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Os procedimentos planejados, que tiveram como critérios de seleção a integralidade,
permanência-abrangência e encantamento-transformação do indivíduo e do meio,
envolverão, entre outras atividades:
· Aulas orientadas para situações comunicacionais genuínas e atividades comunicativas e
abertas, que propiciem interações dos estudantes com a professora e entre si;
· Práticas contextualizadas e personalizadas da língua estrangeira;
· Atividades que ativem os conhecimentos prévios dos estudantes e os envolvam de modo
ativo e integrado;
· Atividades funcionais – tais como diálogos, entrevistas, simulações, discussões e escrita
de textos – que, simulando as interações realizadas no uso real da linguagem, integrem
o desenvolvimento integrado dos aspectos da competência comunicativa;
· Utilização de materiais de apoio autênticos que ofereçam oportunidades de práticas de
leitura e escuta contextualizadas do ponto de vista cultural, e propiciem a identificação ou
a contraposição da cultura dos países de língua inglesa com a realidade dos estudantes.
AVALIAÇÃO
A avaliação é entendida enquanto diagnóstico, processo e produto, em que estudantes e
professora comprometem-se e assumem de maneira cooperativa a responsabilidade pela
construção do conhecimento. Após cada aula os estudantes realizarão tarefas de
consolidação dos aprendizados realizados, e compartilharão suas estratégias, dificuldades e
conclusões na aula seguinte. Ao final de cada unidade haverá uma avaliação oral individual
e coletiva dos conhecimentos construídos até então. Após o final do curso, os estudantes
realizarão uma avaliação escrita formal para obter o certificado de conclusão. A avaliação
ocorrerá também por meio dos relatos da observação da professora.
176
ANEXO A
A CARTA DA TRANSDISCIPLINARIDADE34
Preâmbulo
Considerando que a proliferação atual das disciplinas acadêmicas e não acadêmicas
conduz a um crescimento exponencial do saber que torna impossível qualquer visão global
do ser humano;
Considerando que somente uma forma de inteligência capaz de abarcar a dimensão
cósmica dos conflitos atuais poderá fazer frente à complexidade de nosso mundo e ao
desafio presente de autodestruição material e espiritual da espécie humana;
Considerando que a vida na Terra está seriamente ameaçada pelo triunfo de uma
tecnociência que obedece apenas à lógica terrível da eficácia pela eficácia;
Considerando que a ruptura entre um saber cada vez mais quantitativo e uma
identidade interior cada vez mais empobrecida leva à ascensão de um novo tipo de
obscurantismo, com conseqüências incalculáveis sobre o plano individual e social;
Considerando que o crescimento do saber, sem precedentes na história, tem
aumentado a desigualdade entre seus detentores e os que dele são desprovidos,
engendrando assim desigualdades crescentes no seio dos povos e entre as diferentes
nações do planeta;
Considerando, ao mesmo tempo, que a esperança é a contrapartida de todos os
desafios mencionados, a esperança de que o crescimento extraordinário dos saberes pode
conduzir, a longo prazo, a uma mutação comparável à evolução dos primatas à espécie
humana;
Considerando o que precede, os participantes do Primeiro Congresso Mundial de
Transdisciplinaridade (Convento da Arrábida, Portugal 2 - 7 de novembro de 1994)
adotaram a presente Carta que contém os princípios fundamentais da comunidade de
pesquisas transdisciplinares, e que constitui um compromisso moral, sem qualquer pressão
legal ou institucional, de todo signatário desta Carta.
Artigo 1: Qualquer tentativa de reduzir o ser humano à definição formal do que é um
ser humano e de submeter o ser humano a análises redutivas restritas a estruturas formais,
sejam elas quais forem, é incompatível com a visão transdisciplinar.
Artigo 2: O reconhecimento da existência de diferentes níveis de realidade, regidos
por diferentes tipos de lógica, é inerente à atitude transdisciplinar. Qualquer tentativa de
34
Como já foi mencionado, a Carta foi redigida durante o Congresso da Arrábia, acontecido no
Convento da Arrábia, Portugal, em novembro de 1994 sob a coordenação de Lima de Freitas, Edgar
Morin e Basarab Nicolescu.
177
reduzir a realidade a um único nível, regido por uma única forma de lógica, não se situa no
escopo da transdisciplinaridade.
Artigo 3: A transdisciplinaridade é complementar às abordagens disciplinares: ela
faz emergir dados novos e novas interações do encontro entre disciplinas. Ela nos oferece
uma nova visão da natureza e da realidade. A transdisciplinaridade não busca o domínio
sobre as várias outras disciplinas, mas a abertura de todas elas àquilo que elas
compartilham e àquilo que se localiza além delas.
Artigo 4: O ponto de sustentação da transdisciplinaridade reside na unificação
semântica e prática dos significados que atravessam e se localizam além das disciplinas.
Ela pressupõe uma racionalidade aberta mediante um novo olhar os conceitos de
"definição" e "objetividade". O formalismo excessivo, a rigidez das definições e a busca de
objetividade total, ocasionando a exclusão do sujeito, só podem ter um efeito de negação da
vida.
Artigo 5: A visão transdisciplinar é resolutamente aberta na medida em que
ultrapassa o domínio das ciências exatas e exige seu diálogo e sua reconciliação não
somente com humanidades e as ciências sociais mas também com a arte, a literatura, a
poesia e a experiência espiritual.
Artigo 6: Em comparação com a interdisciplinaridade e a multidisciplinaridade, a
transdisciplinaridade é multirreferencial e multidimensional. Levando em conta as várias
abordagens para o tempo e a história, a transdisciplinaridade não exclui a existência de um
horizonte trans-histórico.
Artigo 7: A transdisciplinaridade não constitui uma nova religião, uma nova filosofia,
uma nova metafísica ou uma ciência das ciências.
Artigo 8: A dignidade do ser humano é de ordem cósmica e planetária. O
surgimento do ser humano sobre a Terra é uma das etapas da história do Universo. O
reconhecimento da Terra como nosso lar é um dos imperativos da transdisciplinaridade.
Todo ser humano tem direito a uma nacionalidade, mas, como habitante da Terra, é
também um ser transnacional. O reconhecimento pelo direito internacional de uma dupla
pertença – a uma nação e à Terra – constitui uma das metas da pesquisa transdisciplinar.
Artigo 9: A transdisciplinaridade conduz a uma atitude aberta em relação aos mitos
e às religiões, e também em relação àqueles que os respeitam em um espírito
transdisciplinar.
Artigo 10: Nenhuma cultura tem privilégio sobre qualquer outra cultura. A
abordagem transdisciplinar é inerentemente transcultural.
Artigo 11: A educação autêntica não pode valorizar a abstração sobre qualquer
outra forma de conhecimento. Deve ensinar abordagens contextualizadoras, concretas e
globalizadoras. A educação transdisciplinar reavalia o papel da intuição, da imaginação, da
sensibilidade e do corpo na transmissão do conhecimento.
178