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(1965)
AB - O que é psicologia?
MF - Eu diria que não acho necessário tentar definir a psicologia como ciência, mas talvez
como forma cultural; isto se inscreve em toda uma série de fenômenos conhecidos pela cultura
ocidental há muito tempo, e nos quais puderam nascer coisas como a confissão, a casuística,
os diálogos, os discursos, e os arrazoados que se podiam pronunciar em certos ambientes na
Idade Média, nas cortes de amor, ou ainda nos salões do preciosismo do século XVII.
AB - Existem relações interiores ou exteriores entre a psicologia como forma cultural e
a filosofia como forma cultural? E a filosofia, ela é uma forma cultural?
MF - O senhor colocou duas questões.
1°: A filosofia é uma forma cultural? Eu lhe direi que não sou muito filósofo, portanto,
não estou bem situado para sabê-lo. Penso que é o grande problema no qual nos debatemos
agora; talvez a filosofia seja, de fato, a forma cultural mais geral na qual poderíamos refletir
sobre o que é o Ocidente.
2°: Agora, quais são as relações entre a psicologia como forma cultural e a filosofia? Pois
bem, penso que este é um ponto do conflito em que se opõem, há 150 anos, os filósofos aos
psicólogos, problema relançado agora por todas as questões que giram em torno da reforma
do ensino.
Acho que se pode dizer o seguinte: primeiro, de fato, a psicologia e, através da
psicologia, as ciências humanas estão, desde o século XIX, em uma relação muito entrelaçada
com a filosofia. Esse entrelaçamento entre a filosofia e as ciências humanas, como podemos
concebê-lo? Pode-se dizer que a filosofia, no mundo ocidental, havia, às cegas, e de algum
modo em falso, na obscuridade, na noite de sua própria consciência e de seus métodos,
circunscrito um domínio, aquele que ela chamava de alma ou de pensamento e que, agora,
serve de herança a ser explorada pelas ciências humanas de um modo claro, lúcido e positivo.
De modo que as ciências humanas ocupariam, com todo o direito, esse domínio um pouco
vago que fora assinalado, mas abandonado como um terreno inculto pela filosofia.
Eis aí o que se poderia responder. Acho que isso é o que diriam de muito bom grado as
pessoas que podemos pensar como defensores das ciências humanas, pessoas que consideram
que a velha tarefa filosófica, que nascera no Ocidente com o pensamento grego, que esta
velha tarefa deve ser agora retomada com os instrumentos das ciências humanas. Não acho
que isso circunscreva exatamente o problema; parece-me que uma tal maneira de analisar as
coisas está evidentemente ligada a uma perspectiva filosófica que é o positivismo.
Poderíamos também dizer outra coisa, o contrário: talvez isto faça parte do destino da
filosofia ocidental. -E que, desde o século XIX, alguma coisa como uma antropologia se tornou
possível. Quando digo antropologia, não quero falar dessa ciência particular que chamamos de
antropologia e que é o estudo das culturas exteriores à nossa. Por antropologia, entendo essa
estrutura propriamente filosófica, que faz com que, agora, os problemas da filosofia sejam
todos alojados no interior desse domínio que podemos chamar de domínio da finitude humana.
Se não podemos mais filosofar a não ser sobre o homem, como homo natura, ou ainda
como um ser finito, nesta medida, será que toda filosofia não será, no fundo, uma
antropologia? Nesse momento, a filosofia torna-se a forma cultural no interior da qual todas as
ciências do homem em geral são possíveis.
1
Descartes (R.), Traité de l'homme, Paris, Clerselier, 1664 (in Oeuvres et ettres, Ed. A. Bridoux, Paris, Gallimard, sol.
"Bibliothèque de Ia Plêiade", 953, ps. 803-873).
2
Hume (D.), A treatise of human nature. Being an attempt to introduce the experimental method of reasoning finto
moral subjects, Londres, J. Noon, 739-1740, 3 vol. (Traité de ia nature humaine. Essai pour introduire ia méthode
expérimentale dans les sujets moraux, trad. A. Leroy, Paris, AubierMontaigne, 1973, 2 vol.).