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A ideia de escola para todos, tem raízes a quando da implantação dão Regime Liberal em Portugal,
uma vez que, pela primeira vez, se defende que o direito à educação, de forma gratuita e
obrigatória, no âmbito da instrução primária, é de todos.
A massificação do ensino em Portugal torna-se perceptível a partir de meados do Séc. XX, isto
porque, para além de não ter havido um real investimento financeiro por parte do Estado, este,
também se deparou com outros obstáculos, nomeadamente, a não-aceitação das famílias e das
comunidades, que ou viam a escola como uma intrusa na sua vida, ou simplesmente, não lhe davam
um significado suficientemente forte e importante, para ser incluída no seu dia a dia.
É durante a 1ª República que a diferença entre as intenções e as acções do Estado se tornam mais
visíveis. Pode-se afirmar, que a democratização do ensino não fazia parte dos planos da República,
segundo Prost (1997), a Republica (Francesa mas muito parecida com a realidade Portuguesa),
aspirava “à democratização cívica da frequência escolar”, ou seja, democratização sim mas só para
alguns, não havia uma plena consciência da utilidade ou necessidade de todos acederem a um nível
mínimo de escolaridade, como factor de integração cívica na sociedade.
De qualquer forma, é neste período da história Portuguesa, que podemos destacar, ao nível do
pensamento pedagógico, algumas das raízes mais próximas do sentido actual do conceito de escola
para todos. Segundo João de Barros, uma escola para todos, significava um direito de todos os
indivíduos, a um mínimo de educação, e um dever do Estado, proporcionar esse direito. No texto
“Educação e democracia”, de sua autoria, refere também, que a educação prepara o cidadão para a
participação na vida social, nomeadamente, a ser capaz de escolher, através do voto, os seus
representantes. Esta era a ideia do que uma república deveria ser, um regime cuja organização e
funcionamento assentava no “sufrágio popular” e na “opinião pública”, como sabemos não foi bem
o que aconteceu.
Foi na transição da República para o Estado Novo (entre a década de 20 e 30), que se desenvolveu
um dos mais importantes debates pedagógicos, sobre a chamada Escola Única, que consistia numa
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escola organizada de forma a que fosse acessível a todos, segundo as suas aptidões e competências
e não segundo a sua situação económica e social. Um dos promotores da ideia (Álvaro Sampaio),
apresenta os traços fundamentais de Escola Única:
Igualdade das crianças perante a instrução
Selecção pelo mérito
Ou seja, todas as crianças devem ter igual acesso à instrução, a escola vai eliminando os que não
são aptos, e recrutando “os mais aptos, os mais competentes, os melhores valores”, “o mérito e a
inteligência são o factor de selecção.
A ideia de escola para todos durante o Estado Novo / As concepções de Émile Planchard
A consolidação do Estado Novo, nos anos 30, representou um retrocesso da política educativa, na
construção de uma escola para todos. A política educativa dominante, assumiu um carácter
discriminatório da escola como um facto natural, como exemplo, tivemos a separação e desigual
prestígio entre liceus, escolas técnicas e ciclo complementar do ensino primário (5ª e 6ª classes).
Esta situação alterou-se um pouco no período de crescimento económico a nível internacional (a
seguir ao final da 2ª Guerra Mundial). São tomadas medidas que procuram corresponder ao
aumento da procura de educação: alargamento da escolaridade obrigatória e a criação do ciclo
preparatório do ensino secundário. As teorias do capital humano sentem-se nesta altura, através do
discurso do poder político, e no propósito de investir na educação, como forma de corresponder às
novas necessidades do mundo do trabalho.
Nos últimos anos do Estado Novo, com a chamada reforma de Veiga Simão, é que se projecta
desenvolver a “democratização do ensino”, a sua unificação e à realização do princípio de
“igualdade de oportunidades”. Não esqueçamos no entanto, que a questão da real possibilidade da
democratização do ensino num regime autoritário, e a se a verdadeira concepção de “uma escola
para todos”, é significado da gradual abertura do sistema de ensino aos jovens em idade escolar.
Apesar dos constrangimentos que um regime ditatorial representa, alguns autores do campo
pedagógico, continuam a defender na altura, concepções educativas, em defesa da democratização
do ensino e de uma escola para todos. São disso exemplo António Sérgio, Bento de Jesus Caraça,
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Delfim Santos, Agostinho da Silva, Maria Amália Borges Medeiros, João dos Santos, Sérgio Niza,
Émile Planchard, Rui Grácio, etc.
Émile Planchard (1905-1990), foi um pedagogo de origem belga, radicado em Portugal. A pedido
de colaboração do Ministro Inocêncio Galvão Teles (1962-68), Émile Planchard na obra
“Fondements d’une planification pédagogique au Portugal”, manifesta a defesa da democratização
da educação, da tese do capital humano e da ideia de uma escola para todos, no entanto, deixa a
ideia (entre linhas) de que as reformas neste sentido, só serão possíveis numa sociedade
democrática. Émile Planchar defende que é necessário oferecer a todos o máximo de oportunidades
que favoreçam o desenvolvimento pessoal, tendo em conta as suas potencialidades naturais,
independentemente da classe social de origem. Criticava a desigualdade de prestígio das
modalidades do ensino secundário, o liceu destinava-se aos alunos futuros “intelectuais” e as escola
técnicas aos outros, que tinham como futuro, profissões de natureza Manuel ou artesanal, alem
disso, essa bifurcação entre o liceu e a escola técnica, obrigava os alunos a uma escolha do seu
futuro de forma prematura. Um alargamento da escola obrigatória até aos 15 anos, a par de um
controlo do seu cumprimento, e a aplicação de sanções aos que não cumprissem, o ensino gratuito
(devido ao baixo nível de vida) e um sistema de orientação escolar no fim do período de ensino
obrigatório, eram questões defendidas pelo pedagogo. Há que salientar que, tal como os defensores
da “Escola Única”, Émile Planchard defendia que a ideia de escola para todos não é contraditória
com a necessidade de uma selecção rigorosa, ao longo do percurso escolar, essa selecção tinha
como finalidade o recrutamento de uma elite preparada para a direcção do país, assim, podemos
dizer, que a respeito da escolaúnica, as posições de Émile Planchard coincidiam com as teses
meritocráticas (“nem todos poderão atingir os altos postos de comando”).
Depois da revolução de 74, e principalmente nos dois anos seguintes, o discurso político sobre o
sistema educativo, debruçava-se na prioridade nacional que era a democratização do sistema e o
rompimento com todas as estruturas herdadas do Salazarismo. Proliferaram projecto e iniciativas,
na sua grande maioria, inseriram-se no ideal de uma sociedade socialista, para o qual o sistema
educativo tinha um papel fundamental. A constituição de 76, consagrou os princípios fundamentais
a que obedecia o sistema educativo: a liberdade de ensino de qualquer religião, a liberdade de
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A impossibilidade da real existência de uma escola para todos, sem um sistema democrático na
sociedade já foi referida anteriormente. Nos dois anos seguintes à Revolução de Abril, verificaram-
se um conjunto de transformações e inovações pedagógicas e também das experiências
desenvolvidas. Como exemplos:
O conteúdo dos programas de todos os graus e ramos de ensino foram alterados
Foram deles retirados os valores e temas directamente relacionados com a ideologia
salazarista
Ocorreram transformações na formação de professores
Foi revalorizado o estatuto socioprofissional dos docentes
Desenvolveram-se planos de combate ao analfabetismo
Adoptaram-se medidas de discriminação positiva em relação aos trabalhadores
(como o ensino nocturno)
A criação do regime de fases em substituição de classes no ensino primário e a
unificação do ensino secundário, como promoção de igualdade de oportunidades no
sistema escolar
A Educação Cívica Politécnica e As Actividades de Contacto, como promoção da
relação entre a escola e a sociedade global e abertura do sistema de ensino à
comunidade.
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A unificação do ensino secundário – esta medida teve como principal obreiro Rui Grácio, os seus
objectivos principais:
Fundir as duas vias até aí existentes: a liceal e a técnica. A primeira de um saber
académico separado da prática, a segunda, de uma prática sem suporte teórico e
científico
Para Rui Grácio “a interpretação dos dois mundos, escolar e o comunitário, depende desde logo, das
iniciativas conjuntas de uma parte e outra. O exemplo disso foi a criação de uma “área
especialmente vocacionada para tais iniciativas e acções, a Educação Cívica Politécnica”, que tinha
como objectivos:
Inserção regional e comunitária da escola
Participação dos jovens na resposta aos problemas das comunidades próximas de
forma a despertar-lhe o interesse na solução dos problemas nacionais
A união entre o estudo e o trabalho produtivo
A Educação Cívica Politécnica não tinha um programa pré definido, tinha orientações relativas às
actividades que os professores deviam desenvolver com os seus alunos. A Educação Cívica
Politécnica só funcionou no ano lectivo de 75/76, mas à que sublinhar que tinha como objectivo o
cumprimento da Constituição, quanto ao estabelecimento da ligação da escola com actividades
produtivas e sociais, bem como por um lado, a antecipação de outras actividades como a Área
-Escola e a Área do Projecto, por outro, incorporava já na altura a ideia da educação para a
cidadania, levando assim os alunos a desenvolver a capacidade de problematização, de interpretação
crítica e de intervenção responsável no mundo social e cultural.
Conclusão
A ideia de Escola Para Todos, esteve presente no pensamento Liberal, Republicano e no Estado
Novo, através do discurso de pedagogos sobre a questão da Escola Única, que apresentava uma
estreita articulação entre a ideia de escola para todos e a concepção de igualdade de oportunidades
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no acesso à educação, mas também defendia a selecção meritocrática dos alunos. Nos anos
revolucionários de 74/76, uma geração de pedagogos, ligou a escola para todos com a
democratização do ensino e da sociedade, defendiam que o direito à igualdade de oportunidades só
era possível com a criação de condições para o direito ao sucesso de todos, através de medidas
compensatórias para os mais desfavorecidos económica e socialmente. Defendiam também, que o
processo educativo devia garantir a formação humana, profissional e social, enquanto pessoas e
cidadãos, autónomos e intervenientes na sua comunidade, para cujo o progresso e desenvolvimento
deviam contribuir.
Passados estes anos depois da revolução de 25 de Abril de 1974, a escola para todos, na sua
verdadeira concepção, ainda está por cumprir.