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Descentralização, universalidade e eqüidade

ARTIGO ARTICLE
nas reformas da saúde*

Decentralization, universal access, and equity


in health reforms

Hésio Cordeiro 1

Abstract This article analyzes Brazilian poli- Resumo Este artigo contextualiza as políti-
cies applied to the field of health in the 1990s cas aplicadas ao campo da saúde na década de
from two contradictory angles: the mandate of 1990 a partir de dois eixos contraditórios: o
the 1988 Federal Constitution and the 1990 mandato da Constituição Federal de 1988 e da
National Health Act (LOAS) on the one hand Lei Orgânica da Saúde (LOAS) de 1990; e a
and the neoliberal wave that influenced pub- onda neoliberal que influenciou as reformas
lic sector reforms throughout Latin America de Estado em toda a América Latina. O texto
on the other. The paper discusses pathways and detalha os percursos e os percalços do setor saú-
obstacles in the health sector during the im- de na implantação de uma agenda de descen-
plementation of a decentralization agenda tralização fundamentada nos princípios cons-
based on the constitutional principles of uni- titucionais de universalização, eqüidade e par-
versal access, equity, and citizens’ participa- ticipação cidadã. E conclui que a reforma da
tion. It concludes that the health reform pro- saúde, tal como prevista na LOAS, está se rea-
vided for under the National Health Act is be- lizando com oscilações, avanços e recuos que
ing achieved with ups and downs that express traduzem ambigüidades, conflitos e contradi-
contradictions related to changes in the role of ções em relação às mudanças no papel do Es-
the Brazilian public sector beginning in the tado brasileiro a partir da década de 1990. Ele
1990s. The state lost its capacity to formulate perdeu sua capacidade de formular e imple-
and implement national development policies, mentar políticas nacionais de desenvolvimen-
focused on fiscal adjustment, and is permeat- to, centrou-se no ajuste fiscal e está permeado
ed by pressure from globalization of capital. pelas pressões da globalização do capital.
Key words Implementation of the Unified Palavras-chave Implantação do SUS, Políti-
Health System (SUS), Health policy, Public ca de saúde, Reforma do estado, Descentrali-
1 Reitor da Universidade sector reform, Decentralization. zação
do Estado do Rio de Janeiro
(1992-1995). Instituto
de Medicina Social,
Universidade do Estado
do Rio de Janeiro
Rua São Francisco Xavier
524 /7o andar, bloco E,
Maracanã, 20550-013,
Rio de Janeiro RJ.
coordsaude@cesgranrio.gov.br
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As mudanças que se vêm produzindo nos siste- to”, com subsídios diretos aos pobres, como su-
mas de saúde da América Latina têm sido obje- plementação alimentar, programas de atenção
to de estudos, pesquisas, ensaios que ora ex- primária à saúde, inspiradas nos postulados das
pressam tentativas de análises comparativas tecnologias simplificadas e outros itens pon-
entre países, ora se detêm nos estudos de casos tuais das recomendações de Alma-Ata. Os gas-
nacionais, regionais ou, mesmo, de experiên- tos públicos deveriam ter como meta atingir a
cias locais de descentralização e de busca de al- um determinado conjunto de efeitos demons-
ternativas para a organização dos serviços de tráveis por melhoria de indicadores sociais dos
saúde (Sanchez & Zuleta 2000; Fleury, Belmar- segmentos pobres das populações (mortalida-
tino & Baris 2000). Identificam-se, entre estas de infantil, desnutrição, evasão escolar, quali-
iniciativas, os trabalhos de análise de políticas dade da habitação, entre outros).
públicas de saúde, contextualizadas nas expe- Tem sido assinalado que a crise fiscal dos
riências dos anos 90, atribuindo-se a dinâmica anos 80 reduziu a alocação de recursos para os
das reformas ao processo de globalização como tradicionais programas de vigilância sanitária,
a variável determinante, buscando-se peculia- comprometendo a efetividade de ações de con-
ridades de territórios nacionais, subnacionais trole de epidemias e de endemias, além de im-
(regionais) em que as reformas adquirem ca- possibilitar novos investimentos para a amplia-
racterísticas ou tendências específicas. ção de cobertura decorrentes das pressões ge-
Cabe qualificar, sem que este se torne o te- radas pelo crescimento das cidades e empobre-
ma central destas reflexões, o conceito de glo- cimento das populações rurais e urbanas (Mé-
balização e seu poder limitado de explicação e dici, 2000). Contudo, o autor menciona que não
de predição no âmbito das reformas em saúde. se deve atribuir à falta de recursos as dificulda-
Atribui-se a generalização de processos de re- des do setor saúde na América Latina e Caribe
forma da saúde na América Latina à falência ou dado que a região gastava um valor médio de
ao “esgotamento” dos modelos de desenvolvi- 6,2% do produto interno bruto, inferior ape-
mento que, durante cerca de 50 anos, fizeram nas ao volume de recursos gastos pelos países
parte das teorias, ideologias e políticas dos paí- da Organização para a Cooperação e Desenvol-
ses da região em busca da superação das insufi- vimento Econômicos (OCDE) que era de 7,8%
ciências de crescimento econômico e social, da- do PIB. Reconhece o autor, contudo, que para
do que esses países não cresciam a uma taxa mí- os países mais pobres da região os recursos ain-
nima para satisfazer as demandas crescentes de da eram insuficientes para expandir o acesso e
bem-estar das suas populações (Vergara, 2000). melhorar a qualidade dos serviços de saúde.
Era apontado como causa o crescimento de As dificuldades não residiriam na ausência
déficit fiscal dos países latino-americanos, es- de um setor privado prestador de serviços de
pecialmente depois dos anos de 1973 a 1976, saúde, pois esta participação representou pelo
que, com a crise do petróleo, tinha acentuado, menos 50% dos gastos em saúde. Talvez se de-
de forma crescente, as demandas e as pressões vesse atribuir à baixa resolubilidade e acesso a
para ajustes estruturais nesses países. A transi- cuidados básicos, pois os gastos hospitalares
ção das sociedades latino-americanas de um correspondiam a cerca de 70% dos recursos. As
modelo de desenvolvimento para outro globa- reformas de saúde, estimuladas pelas agências
lizado tem envolvido a reestruturação dos pro- internacionais, tomaram impulso a partir de
cessos de produção e políticas de ajuste neces- modelos definidos como de “pluralismo estru-
sárias às novas condições de competitividade turado”, como um ponto intermediário entre
internacional. O que se tem observado, como um setor estatal pouco eficiente e “inchado” e a
conseqüência, é o aumento do desemprego, que- atomização da rede privada (Lordoño & Frenk,
bras de empresas, aumento do endividamento 1996).
interno e externo, agravamento da situação de As reformas deveriam ser aceleradas no
pobreza que, de 1980 a 1990, passou de 35 a sentido de expandir a cobertura, visando à
41% das famílias. Isto correspondia, em termos maior eqüidade, propiciar viabilidade fiscal e
absolutos, ao aumento de 136 milhões para 200 financeira do sistema de saúde, melhorar a efi-
milhões de pessoas pobres, concentradas, prin- ciência, a qualidade e a satisfação dos usuários.
cipalmente, no meio urbano. Contudo, o aspecto central foi o de estabelecer
As estratégias da primeira metade da déca- novas funções do Estado na formulação e im-
da de 1980 para enfrentar tais dificuldades se plementação de políticas públicas de saúde.
basearam em políticas de “focalização do gas- Daí resultou o debate ideológico e a ação con-
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creta das agências internacionais de financia- nicipalização e de participação social no siste-
mento para tornar hegemônica a concepção de ma de saúde.
que, como decorrência de exigências técnicas Assim, no caso do Brasil, há concomitância
da globalização, as instituições públicas vincu- não intencional, portanto não planejada, de
ladas ao Estado deveriam exercer o papel de re- medidas de ajustes fiscais, inclusive envolvendo
guladoras e promotoras da eqüidade, estimu- a Previdência Social e a assistência médica, e
lando o setor privado (lucrativo ou filantrópi- uma mobilização crescente pela reforma sani-
co) a ampliar suas funções de prestador de ser- tária. A influência, nos meios acadêmicos e sin-
viços de forma autônoma e competitiva. Isso, dicais da saúde, demarcada pelo Centro Brasi-
na realidade, apenas reforçava uma tendência leiro de Estudos em Saúde (Cebes), pela Reno-
que já se observara em diversos países da re- vação Médica (REME) e logo pela Associação
gião, especialmente no Brasil, nas décadas an- Brasileira de Pós-graduação em Saúde Coletiva
teriores (Cordeiro, 1991; Luz, 2001). (Abrasco), ajudou a acelerar as medidas con-
Na realidade, tratava-se de reformar valen- cretas e os debates para a implantação do Siste-
do-se de instrumentos mais ou menos já co- ma Único de Saúde. As propostas da Constitui-
nhecidos e testados, como a focalização na des- ção de 1988 estiveram bem distantes das pro-
tinação de recursos aos usuários de renda mais postas internacionais e nacionais das políticas
baixa com técnicas mais apuradas para identi- de ajuste. Propôs-se, com o SUS, a concepção
ficar e registrar os grupos e os indivíduos mais da seguridade social, que articularia políticas e
vulneráveis. Ao mesmo tempo, caberia integrar integraria recursos orçamentários (do orça-
fontes de recursos públicos e privados, incluin- mento da seguridade social, um dos orçamen-
do a ampliação da participação no gasto em tos da União). As políticas de saúde (SUS), de
saúde daqueles segmentos que poderiam pagar, previdência social e de assistência social se
além de estabelecer mecanismos de financia- pautariam pelos princípios constitucionais que
mento mais próximos do conceito de seguro assinalavam a transição de um modelo inci-
social, com riscos e responsabilidades compar- piente e incompleto de seguridade para outro
tilhados entre os agentes seguradores, os bene- de maior escopo e abrangência. Propunha-se
ficiários e os empregadores. Propunha-se, tam- (Brasil, 1988):
bém, aumentar a “eficiência distributiva do • a universalidade de cobertura e atendimen-
gasto e a capacidade de controle de recursos no to, uniformidade e equivalência de benefícios e
âmbito local, envolvendo, portanto, descentra- serviços às populações urbanas e rurais;
lização fiscal e financeira, além de maiores pos- • seletividade e distributividade na prestação
sibilidades de corrigir distorções distributivas a de benefícios e serviços;
partir de redefinição de competências entre os • irredutibilidade do valor dos benefícios;
níveis central e local de governo (Medici, 2000). • eqüidade da forma de participação no cus-
Outro aspecto foi o reconhecimento da neces- teio;
sidade de mudar o modelo de organização e • diversidade da base de financiamento;
prestação de cuidados que deveria envolver: • caráter democrático e descentralizado de
a) a atenção básica de saúde como porta de en- administração, mediante gestão quadripartite,
trada do sistema e com referência e contra-refe- com participação dos trabalhadores, dos em-
rência para níveis hierarquizados de assistência; pregadores, dos aposentados e do Governo nos
b) a ênfase na oferta de serviços para um mo- órgãos colegiados.
delo orientado pela demanda como um fator As medidas de ajuste inviabilizariam o ple-
de redução de custos e de integralidade de ações no desenvolvimento dos princípios da seguri-
de saúde. dade social, no caso brasileiro. No âmbito lati-
De forma concomitante, não necessaria- no-americano, “as repercussões foram acen-
mente combinada, intensificaram-se as lutas e tuando conseqüências de depressões econômi-
os movimentos de democratização em diversos cas em certas áreas geográficas, em setores pro-
países da América Latina. O processo brasileiro dutivos que não desenvolveram a capacidade
empolgou a sociedade e mobilizou grupos so- de competir internacionalmente; de um siste-
ciais, partidos políticos e entidades civis. As ma educacional deficiente; de uma sensação de
iniciativas de reformas de saúde fizeram parte incerteza frente ao sistema de pensões adminis-
deste período, agregando-se às lutas da rede- trado por empresas privadas e por uma falta
mocratização do país, às lutas pela universali- de equidade nos serviços de saúde” (Vergara,
zação do direito à saúde e às estratégias de mu- 2000). O autor menciona que frente às conse-
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qüências imediatas do processo de globaliza- 3) definição pela Constituição Federal do di-


ção e das políticas de ajuste colocadas em prá- reito à saúde como direito de todos e aprova-
tica, foi necessário “transitar para políticas so- ção dos princípios do Sistema Único de Saúde.
ciais de segunda geração, decorrentes das inter- Inicio da implementação do Sistema Único de
rogações de como reorganizar a sociedade em Saúde após aprovação da Lei Orgânica da Saú-
função desta nova estratégia de desenvolvimen- de (1990);
to econômico para atingir à eqüidade. Aqui, de 4) implementação da Norma Operacional Bá-
novo, a globalização é causa e conseqüência, sica SUS 01/91, com forte conteúdo desconcen-
numa causalidade circular que tanto impõe po- trador para municípios, porém estabelecendo
líticas reformistas do Estado (e de saúde, em relações diretas entre o gestor federal – Minis-
particular), como provoca conseqüências so- tério da Saúde – e as secretarias municipais de
ciais que agravam a má distribuição da renda e saúde. As transferências eram negociadas caso
da renda nacional, provocam o desemprego e a caso, de acordo com a produção de serviços e
comprometem a equidade”. mediante convênios para prestação de serviços
As “reformas do Estado”, assim denomina- (1991-1992); cria-se a unidade de cobertura
das e que encerram uma concepção instrumen- ambulatorial (UCA) para pagamento deste ti-
talista dos aparelhos de governo, se tornariam po de atendimento; são envolvidos 1.074 mu-
inevitáveis, em função dos novos padrões de nicípios; persiste o pagamento direto do gestor
competitividade internacional, da eficiência federal a hospitais e ambulatórios privados;
produtiva, da dinâmica do mercado de capi- 5) implementação da Norma Operacional Bá-
tais, das exigências da flexibilidade laboral e da sica SUS 01/93 que definia critérios para habi-
privatização dos ativos estatais. Portanto, era litação dos municípios segundo condições de
necessário mudar o Estado, que não corres- gestão (incipiente, parcial, semiplena) com pac-
pondia mais a uma garantia eficaz de suporte e tuação de recursos segundo critérios definidos
promoção social. As instituições formuladoras nas comissões intergestores (tripartite e bipar-
e implementadoras de políticas sociais estavam tite) e inicio das transferências do Fundo Na-
defasadas, desajustadas historicamente em re- cional de Saúde aos fundos municipais de saú-
lação ao papel do Estado no mundo globaliza- de; são habilitados, por tais critérios, 3.127 mu-
do. Já não se tratava de colocar em prática uto- nicípios;
pias universalizantes nem políticas focalizadas 6) implementação da Norma Operacional Bá-
em grupos sociais carentes. O projeto era esta- sica SUS 01/96, redefinindo as condições de
belecer uma nova racionalidade na gerência gestão: para os municípios – gestão da atenção
pública capaz de conviver com as políticas ma- básica e gestão plena do sistema municipal saú-
croeconômicas que implicam a redução do pa- de; para os estados – gestão avançada e gestão
pel do Estado (de novo, visto como uma “coi- plena do sistema estadual;
sa”, um instrumento), concentrando-o em fun- 7) aprovação e inicio de implementação da
ções regulatórias, retirando-o da prestação di- Norma Operacional da Assistência a Saúde
reta de serviços, separando funções de finan- (NOAS SUS 2001) que pretende estabelecer
ciamento e de provimento de serviços. critérios e estratégias de regionalização nos es-
Na realidade, na situação brasileira, a im- tados, atribuindo maiores poderes às secreta-
plantação do Sistema Único de Saúde registrou rias estaduais de saúde (Brasil, 2001).
momentos diversos na intensidade e velocida- O processo da reforma sanitária brasileira
de da reforma sanitária que podem ser suma- tem apresentado um ciclo contraditório, com
riamente indicados (Levcovitz, 1997): os avanços e recuos relacionados às decisões
1) implantação das Ações Integradas de Saúde macroeconômicas das políticas de ajuste do go-
(AIS) com políticas de municipalização da saú- verno brasileiro envolvendo questões, tais como:
de que atingem aproximadamente 664 municí- a) modificações resultantes da não implemen-
pios correspondendo a cerca de 70% da popu- tação da seguridade social tal como previsto na
lação do país (período 1982-1986); Constituição Federal de 1988;
2) expansão das AIS e implantação dos Siste- b) as contradições do federalismo brasileiro,
mas Unificados e Descentralizados de Saúde explicitadas em distintos momentos da muni-
(SUDS), como estratégia-ponte para o SUS, en- cipalização dos serviços de saúde;
volvendo a totalidade das Secretarias Estaduais c) as medidas regulatórias relacionadas ao
de Saúde e cerca de 2.500 municípios (1987- SUS no âmbito institucional da Secretaria de
1990); Assistência à Saúde (SAS) e aos operadores de
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seguros e planos de saúde no âmbito da Agên- cional das novas contribuições sociais baseadas
cia Nacional de Saúde Suplementar; no faturamento e no lucro das empresas. As
d) as políticas de reformas administrativas e despesas de pessoal aposentado e pensionistas
seu impacto na força de trabalho em saúde; da União da rubrica Encargos Previdenciários
e) as políticas para estruturação de novos mo- da União (EPU) passam a ser cobertas com re-
delos de cuidados básicos de saúde. cursos das contribuições sociais da Previdência
Social, quando anteriormente, eram provenien-
tes da arrecadação fiscal. As despesas de saúde
Seguridade social ou seguro social? e de assistência social passaram a ter os gastos
definidos pelo Ministério da Fazenda a partir
O orçamento da seguridade social nunca foi das receitas fiscais, e os benefícios previdenciá-
efetivamente implantado e o que se observou rios com base nas contribuições sociais arreca-
foi a total separação dos três componentes que dadas pelo MPAS/Instituto Nacional de Segu-
foram concebidos na Constituição Federal de ridade Social. O Orçamento da Seguridade So-
1988, como fazendo parte de um conjunto ar- cial (OSS) estava sendo sepultado.
ticulado de políticas. As leis de assistência, pre- Ao longo do governo de Fernando Henri-
vidência social e da saúde foram tratadas e dis- que Cardoso acentua-se a ruptura entre a con-
cutidas de forma independente no Congresso cepção de seguridade social e a natureza das
Nacional. O Ministério do Bem-Estar Social despesas sociais de saúde, previdência e assis-
não foi além de uma ficção e a passagem do tência social. Dentro do quadro de privatiza-
INAMPS para o Ministério da Saúde, proposta ções que é promovido, retoma-se a discussão
majoritária na VIII Conferência Nacional de da privatização dos acidentes de trabalho, dos
Saúde, somente veio a ocorrer em maio de incentivos à previdência complementar para
1990. A Lei Orgânica da Saúde foi sancionada segmentos de renda mais alta e a ampliação do
em 19 de setembro de 1990 (lei no 8.080/90) seguro-saúde. Em 1997 inicia-se o debate sobre
com vetos do presidente Collor relativos aos o projeto de lei para a criação da Agência Na-
prazos para a extinção do INAMPS, vinculação cional de Saúde Suplementar, também no qua-
de percentuais orçamentários para o orçamen- dro da “reforma do Estado” em que a baixa efi-
to da seguridade social para transferências au- ciência das instituições estatais deve dar lugar a
tomáticas de recursos fundo a fundo para esta- “agências” com nova racionalidade, desvincu-
dos e municípios, além de dispositivos relacio- ladas da administração direta, engessada e tra-
nados a mecanismos de participação e controle dicional. O projeto é o da ampliação da cober-
sociais. A pressão política dos atores da refor- tura pelas operadoras de seguro através de con-
ma sanitária proporcionou a aprovação da lei tratos individuais, de contratos coletivos entre
8.141/90 que recompôs a presença de instân- empresas e as operadoras ou na forma de auto-
cias de participação e controle social do SUS, gestão (planos de saúde).
ainda que, em termos efetivos, a eficácia dos A lei 9.665/98 criou a nova agência, com
instrumentos de participação ainda seja precá- atribuições de regulação das operadoras, o que
ria, sendo recente a utilização da metodologia vêm sendo implantado de forma paralela ao
do orçamento participativo (Cunha, 2001). Sistema Único de Saúde. O planejamento pac-
Nos anos do governo Collor há medidas tuado integrado (SUS) não leva em conta o
que pretendem aumentar a competitividade mercado de usuários do seguro-saúde, nem a
entre as operadoras de seguro, entre elas as de oferta de prestadores de serviços de saúde às
saúde, com menor regulação econômica, vindo operadoras de saúde suplementar. A dissocia-
a se traduzir no Plano Diretor do Seguro Priva- ção normativa e de planejamento fortalece a
do, mantendo-se a Superintendência de Segu- possibilidade de se segmentar o consumo de
ros Privados (SUSEP) com funções normati- serviços de saúde em múltiplos mercados in-
vas, no âmbito do Ministério do Trabalho e ternos de saúde, com competição regulada pe-
Previdência Social. Observa-se o retorno à con- la ANS e pela SAS, até agora, seguindo critérios
cepção de previdência social como seguro, vin- e diretrizes independentes entre es duas insti-
culado às relações de trabalho, baseado em tuições.
princípios não redistributivos inspirados pelo Portanto, desenham-se, nos cenários futu-
“Consenso de Washington” (Bahia, 2000). ros, a fragmentação e a segmentação entre di-
Houve fragmentação das fontes de finan- versas “clientelas” de consumidores de serviços
ciamento com apropriação pelo Tesouro Na- de saúde, cabendo ao Estado e aos gestores de
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saúde funções regulatórias de ordenação de um nicipalização, como atores de um novo pacto


“mercado imperfeito” de saúde. Tal como des- federativo, teriam papéis bem definidos para a
creveu Werneck Viana (1998), trata-se de um gestão do SUS. Procurava-se atribuir às secre-
processo de americanização da seguridade so- tarias estaduais as ações de planejamento, con-
cial no Brasil, onde prevalece a lógica do segu- trole e avaliação e prestação de serviços numa
ro social e que resulta em inviabilização dos tentativa de regionalização e de busca da eqüi-
princípios constitucionais de 1988: “ao contrá- dade. Aos municípios competia a gestão dos sis-
rio da seguridade social onde as necessidades temas locais de saúde, incluindo o gerenciamen-
da despesa definem as metas da receitas, bem to das unidades municipais e o controle e a ava-
oposto ao orçamento público, em que a capaci- liação das unidades privadas ou filantrópicas.
dade da receita define os limites da despesa” O projeto de descentralização no período
(Lessa apud Levcovitz, 1997). Collor de Melo, a partir de 1990, representa
uma estratégia de “municipalização tutelada”,
com grande poder normativo e de alocação de
Descentralização: recursos pelo Governo Federal, ainda no mo-
as estratégias da municipalização delo convenial de transferências financeiras
com critérios nem sempre transparentes de alo-
No Brasil, o movimento mais geral de lutas pe- cação de recursos e pagamento direto do MS/
la redemocratização do país e contra o regime INAMPS aos prestadores de serviços, quer fos-
militar de 1964 mobilizou iniciativas para as sem eles públicos ou privados. Segue-se um pe-
reformas do sistema de saúde, a partir das crí- ríodo, após a cassação do presidente Collor de
ticas e denúncias dos resultados perversos da Melo, de expansão e intensificação do projeto
centralização autoritária e da concentração de municipalista, com transferências fundo a fun-
poderes. O movimento municipalista da saúde do, entre o Governo Federal e os municípios
gerou projetos de mudança em municípios co- (NOB 01/93). Alguns críticos desse período
mo Niterói, Campinas e Londrina, disseminan- identificam, como conseqüência, uma redução
do-se ao longo da década de 1970, em prefeitu- do papel de planejamento e de coordenação dos
ras governadas por partidos de oposição ao re- subsistemas de alta complexidade que os esta-
gime autoritário. Ainda na fase de transição de- dos deveriam ter no SUS, e a prestação direta
mocrática, a crise fiscal e a brecha estrutural do de serviços em regiões onde os municípios fos-
complexo médico-previdenciário propiciaram, sem desprovidos de recursos e de capacidade ge-
no inicio dos anos 80, após prolongada greve rencial para a gestão do sistema local de saúde.
de profissionais de saúde, mudanças racionali- Identificaram-se propostas de consórcios
zadoras da assistência médica. A descentraliza- municipais, buscando evitar a pressão de ges-
ção se estende aos municípios das capitais dos tores municipais para oferecer todos os níveis
estados e a poucas cidades de médio porte, co- de atenção, com capacidade resolutiva que pu-
mo um projeto de coordenação entre as insti- dessem criar pólos regionais de cuidados diag-
tuições federais, estaduais e municipais de saú- nósticos e terapêuticos especializados. Ë bas-
de. O esforço racionalizador permitiu que se tante questionável o sucesso nessas iniciativas.
acumulassem capacidades de gerenciamento A atomização da rede de serviços, em de-
municipal de sistemas de saúde, embora o nú- corrência da expansão do número de municí-
mero de cidades envolvidas fosse, inicialmente, pios pequenos, com população de 10 mil a 20
pequeno. A partir de 1985, no período da de- mil habitantes, é sublinhada por Levcovitz
nominada Nova República, expandiram-se as (1997) como uma dificuldade política e orga-
ações integradas de saúde e, a partir de 1987, nizacional de um sistema regionalizado e hie-
com os Sistemas Unificados e Descentralizados rarquizado. A pactuação entre governos fede-
de Saúde transferiram-se atribuições, recursos ral, estaduais e municipais já complexa no fe-
financeiros, pessoal de saúde vinculado à estru- deralismo brasileiro, tornou-se ainda mais com-
tura do INAMPS e instalações (hospitais e am- plicada para a implantação do SUS, dado que a
bulatórios) para a gestão das secretarias esta- Lei Orgânica da Saúde estabeleceu cinco níveis
duais (hospitais de maior porte) e para secreta- organizativos para o SUS (instâncias federal,
rias municipais. Propiciou-se, ainda que de for- estadual, consórcios intermunicipais, municí-
ma institucional conflitiva muitas vezes, um pios e distritos) dotados de autonomia política
ambicioso projeto como “preparação” para o e financeira para a gestão dos subsistemas de
Sistema Único de Saúde. Estadualização e mu- saúde em seu nível.
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A maior presença do projeto municipalista de alocação de recursos para a atenção básica
se evidencia no período 1992-1996 com a for- de saúde como a transferência fundo a fundo e
mulação das diretrizes decorrentes do Grupo automática aos municípios habilitados. Há um
Especial de Descentralização, do Ministério da valor per capita referente ao Piso de Atenção
Saúde, em fins de 1992. A Norma Operacional Básica de Saúde (PAB) com uma parte fixa e
Básica SUS 01/93 expressa a hegemonia do mo- outra variável de acordo com a adesão dos mu-
vimento municipalista na saúde. Estabelece as nicípios à implantação de equipes de saúde da
transferências fundo a fundo entre as instân- família, como um projeto “estruturante” de um
cias gestoras do SUS, conforme previsto na Lei novo modelo assistencial do SUS. Mantem-se
Orgânica da Saúde. De acordo com Levcovitz e, até certo ponto, complexifica-se o processo
(1997) os critérios de repasses mantiveram a de repasse de recursos carimbados para atendi-
dicotomia de recursos transferidos para cuida- mentos ambulatoriais de média e alta comple-
dos ambulatoriais e hospitalares, a partir de te- xidade, hospitalizações, incentivos a programas
tos previamente definidos. Executavam-se os prioritários, além de persistirem critérios de
municípios em gestão semiplena, o que não in- repasses através de convênios para programas
duziu o desenvolvimento de um modelo assis- verticais. Restitui-se o papel de gestor de pla-
tencial baseado na integralidade e progressivi- nejamento às secretarias estaduais de saúde
dade dos cuidados ao paciente, uma vez que os com a implantação da Programação Pactuada
recursos para as ações ambulatoriais foram ri- Integrada (PPI) como instrumento de negocia-
gidamente limitados. A alocação de recursos a ção entre os gestores do SUS, definindo-se me-
serem transferidos, por se basearem em séries tas, responsabilidades, referências intermunici-
históricas de produção de serviços, reproduziu pais e definindo os tetos orçamentários.
as distorções resultantes de critérios baseados na Mais recentemente, com a Norma Opera-
oferta de serviços, portanto, não contribuiu sig- cional de Assistência à Saúde – NOAS 01/2001,
nificativamente para a promoção da eqüidade. o Ministério da Saúde propõe instrumentos de
As crises recorrentes do “desfinanciamen- regionalização conduzidos pelas secretarias es-
to” da saúde marcaram o período 1994-1995, taduais de saúde e ampliação da capacidade de
somente contornadas com a aprovação da Con- gestão do SUS. Possivelmente, a NOAS poderá
tribuição Provisória sobre a Movimentação Fi- regular a competição entre municípios para a
nanceira (CPMF) e com a aprovação da emen- incorporação de tecnologias mais complexas e
da constitucional que, atendeu, em parte, ao de maior custo, dando prioridade ao aumento
proposto durante as discussões da Constituição de resolubilidade nos diversos níveis de cuida-
de 1988, vinculando, progressivamente, percen- dos de saúde.
tuais dos orçamentos municipais e estaduais e
consignando um percentual de 5% do incre-
mento do produto interno bruto, caso este au- Descentralização e contradições
mentasse de um ano fiscal para outro, com vis- do federalismo brasileiro
ta à expansão da alocação para a saúde de re-
cursos fiscais de estados e municípios de forma A Constituição de 1988 pretendeu definir con-
compulsória (Emenda Constitucional 29/2000). dições e princípios para um novo pacto federa-
Entretanto, como alerta Sulamis Dain (2001), tivo, que procurou conciliar entre a descentra-
a EC 29 será um duro golpe no que restou da lização com critérios de partilha de recursos ar-
seguridade, se a regulamentação confirmar a recadados pela União para estados e municí-
dissociação entre as contribuições sociais e a pios, com ampliação da carga tributária da
saúde. Pouco tem dito que, como está, não há União associada, principalmente, às contribui-
qualquer especificação de fontes. Isso só trará ções sociais que não são transferidas para as
impacto negativo no orçamento da saúde se a outras instâncias da Federação (Dain, 2000).
evolução do PIB for favorável. Na década de A destinação de novos recursos que deve-
1990, as contribuições sociais cresceram mais riam compor o orçamento da Seguridade So-
que o PIB. No quadro de incertezas que se apre- cial poderia cumprir uma importante função
senta para 2002 há risco de a situação de desfi- redistributiva e universalizada, possibilitan-
nanciamento voltar a comprometer os recursos do novas políticas de eqüidade. Aponta Dain
do orçamento da saúde. (2000) que o debate na Constituinte concen-
A partir da edição da Norma Operacional trou-se em formulações de princípios para des-
Básica SUS 01/96 modificaram-se os critérios tinação de mais recursos para estados e muni-
326
Cordeiro, H.

cípios, pouco contemplando propostas para o pessoal de saúde. As medidas da reforma se


fortalecimento do poder de arrecadação destas concentraram na transferência de pessoal para
instâncias ou os impactos e resultados possíveis a prestação de serviços nas unidades descentra-
de perdas de recursos pela União. Daí resulta- lizadas para estados e municípios, persistindo,
rão medidas inspiradas na ideologia neoliberal, contudo, vinculação ao regime federal de re-
colocadas como necessidades técnicas de ajuste cursos humanos, o que vem determinando a
fiscal, diante da crise do financiamento do se- cronificação de problemas funcionais e admi-
tor público e do endividamento cada vez maior nistrativos que geram conflitos e discrimina-
dos estados. O Fundo Social de Emergência, ções entre o pessoal de unidades municipais,
posteriormente designado mais corretamente estaduais e federais no âmbito da gestão des-
Fundo de Estabilização Fiscal, representou uma centralizada. São critérios distintos de benefí-
ação concentrada do poder do governo federal cios, incentivos, de regras de movimentação e
imposta pelas medidas de ajuste. distribuição do pessoal, ampliando a dualidade
Os critérios de renegociação das dívidas es- de critérios no âmbito do próprio sistema úni-
taduais com o governo federal também se ins- co de saúde. Há aspectos ideológicos profissio-
crevem entre providências técnicas do ajuste nais, relacionados à cultura institucional relati-
fiscal, que reduziu a capacidade de ação dos go- va às unidades transferidas que, freqüentemen-
vernos estaduais nas políticas públicas, inclusi- te, geram decisões dos gestores municipais e es-
ve de saúde. taduais que reproduzem as dicotomias ainda
No âmbito municipal a intensa expansão existentes. Por exemplo, os funcionários fede-
do número de municípios, por influência de rais oriundos do INAMPS, agora vinculados ao
decisões políticas de cunho localista e favoreci- Ministério da Saúde, depositários de uma tra-
mento político, gerou pulverização dos recur- dição técnico-burocrática das instituições de
sos partilhados sem alterar o volume do total atenção médico-hospitalar, ainda enfrentam
da arrecadação. Certamente, os recursos do SUS conflitos com o pessoal de saúde pública, os sa-
e do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento nitaristas municipais, estaduais ou mesmo os
do Ensino Fundamental e de Valorização do da Fundação Nacional de Saúde pertencente à
Magistério (FUNDEF) viriam a se tornar im- estrutura do Ministério da Saúde.
prescindíveis ainda que não ocorresse a am- A implantação do SUS resultou, contudo,
pliação das responsabilidades municipais em na ampliação de pessoal de saúde vinculado às
saúde e educação. Afirma Dain (2000) que “na secretarias municipais de saúde, mantendo-se
perspectiva das relações intergovernamentais, a estável nas estaduais e reduzindo-se no nível
combinação entre o excesso de fragmentação federal. Ao mesmo tempo, induzido por políti-
na instância municipal, a paralisia induzida cas do Ministério da Saúde de expansão de co-
nos governos estaduais e o desvio de recursos bertura e de implantação de um novo modelo
da Seguridade Social deu lugar a um desenho de cuidados a partir do Programa de Saúde da
institucional de baixa funcionalidade”. Família (Viana & Dal Poz, 1998), associado às
restrições impostas ao gasto público, prolife-
ram-se diversas formas de contratação “flexibi-
As reformas e o impacto nos processos lizada” de pessoal. O mesmo tem ocorrido para
de trabalho em saúde cobrir carências de determinadas especialida-
des médicas em serviços de emergência, em
As reformas em saúde na América Latina e no hospitais e ambulatórios. Expandiram-se as
Brasil têm acentuado, em função do contexto cooperativas médicas, os contratos temporá-
das políticas de ajuste em que se realizaram na rios, com prazo determinado e a terceirização
década de 1990 (Pierantoni, 2000), um com- de serviços diagnósticos e terapêuticos em ser-
plexo processo de qualificação e desqualifica- viços públicos e privados.
ção da força de trabalho em saúde. As reformas Durante os anos recentes, o trabalho infor-
do Estado têm se centrado na redução do pes- mal tem aumentado em quase todos os países
soal e na contenção do gasto público para a re- da América Latina, chegando, em alguns, a
muneração destes servidores. Embora a refor- atingir 85% do emprego global, inclusive entre
ma sanitária brasileira tenha procurado dar o pessoal de saúde (Brito Quintana, 2000). Este
importância à formação e ao emprego dos tra- autor menciona que para cada dez novos pos-
balhadores de saúde, nunca foram colocadas tos de trabalho criados nos últimos 17 anos, oi-
em prática políticas coerentes e continuadas de to pertenciam ao setor informal da economia.
327

Ciência & Saúde Coletiva, 6(2):319-328, 2001


O setor de serviços concentrou 80% dos novos reforma sanitária brasileira, têm oscilado entre
empregos, o que se atribui ao fato ser o setor avanços e recuos contraditórios que traduzem
menos exposto a competição internacional. as ambigüidades e conflitos que têm marcado
A denominada flexibilização tem gerado as mudanças das funções do Estado, no sentido
insatisfação e diminuição do compromisso pú- de aumentar o papel regulatório, e as políticas
blico do servidor de saúde, baixa estima, frag- de ajuste centradas na diminuição do gasto pú-
mentação do trabalho e descontinuidade na blico. Os estados vêm perdendo a capacidade
prestação de ações de saúde. Ao mesmo tempo, de formular e implementar políticas nacionais
não se colocou em prática ações consistentes de de desenvolvimento (políticas industriais, de
educação continuada, em serviço e/ou à dis- energia, de transportes, sociais etc.) que tenda à
tância que pudessem significar um estímulo eqüidade social. As ações estatais cada vez mais
aos servidores do setor, e muito menos, asso- se centram em políticas monetárias e cambiais
ciou-se qualquer incentivo referente à capaci- com metas fixadas em negociações com agentes
tação a programas de carreira ou de cargos e financeiros internacionais sob pressão de “ne-
salários. cessidades técnicas impostas pela globalização”.
Os planos de reforma passaram ao largo do As políticas reformistas de saúde devem
contencioso corporativo da certificação e re- considerar as reformas no contexto do federa-
certificação profissional. Os profissionais de ní- lismo, naqueles países que historicamente ado-
vel superior da saúde, assim como das outras taram esta modalidade de organização políti-
profissões, recebem diplomas de especialistas, co-social do país, no sentido de estabelecer o
segundo critérios legais, têm a validade assegu- adequado balanço de poder entre os governos
rada pela legislação relativa ao exercício profis- centrais, estaduais e locais, redistribuindo com-
sional. O processo de qualificação e desqualifi- petências na área da saúde levando em conta a
cação dos trabalhos em saúde é uma tendência diversidade do país, complexidade e os cená-
crescente nas sociedades capitalistas, envolven- rios de mudanças (Lucas, 2001). Deve conside-
do de forma desigual todos os ramos da produ- rar, portanto, a diversidade dos determinantes
ção de bens materiais e de serviços (Braverman, do nível de saúde em termos geográficos, eco-
1980). A certificação e recertificação deveriam nômicos, sociais, culturais e demográficos, além
inscrever-se entre as estratégias de educação das necessidades e do estado presente da ofer-
continuada e de aperfeiçoamento profissional ta, acessibilidade e qualidade desejáveis dos ser-
das instituições públicas e privadas de saúde. viços de saúde.
As reformas têm enfrentado com ambigüi- Por complexidade, entende-se a intensifica-
dade a coexistência de diversos modos de ges- ção das mudanças tecnológicas em saúde, in-
tão de pessoal de saúde, entre os sistemas de duzindo crescentes pressões para sua incorpo-
saúde vigentes e os da pós-reforma (Brito Quin- ração em segmentos privilegiados da popula-
tana, 2000), tendo como característicos dos pri- ção, coexistindo com fatores que reproduzem
meiros, os desequilíbrios de disponibilidade, agravos, que fazem persistir o quadro de desi-
composição e distribuição da força de trabalho, gualdades em saúde. Os cenários de mudanças
insuficiência de gestão e de avaliação de desem- devem considerar a emergência de condições
penho, debilidade técnica, rigidez normativa, epidêmicas como as mortes por violências (ho-
falta de motivação, absenteísmo e pouca parti- micídios, principalmente), doenças crônico-
cipação. Para os projetos reformistas o autor degenerativas (neoplasias malignas e doenças
menciona, como itens de uma nova tipologia, a cardiovasculares) e HIV/AIDS. Tais condições
tendência alarmante da flexibilidade na gestão estão se agravando nas condições de vida dete-
do emprego, a coexistência de diversos regimes rioradas das populações pobres e social e etni-
de trabalho entre as diversas categorias profis- camente discriminadas, como resultado das
sionais, a instabilidade das relações de trabalho políticas de ajuste, do desmantelamento do Es-
a competição por recursos financeiros e de pes- tado-Nação e do predomínio dos mercados so-
soal, entre outros. bre a cidadania.
O processo de globalização traduz, na reali-
dade, como afirma Fiori (2001), quatro idéias
Conclusões centrais da utopia do capital:
1) o progresso técnico e a força dos mercados
Os processos de reforma em saúde que têm (investidores e consumidores) teriam imposto
proposto a descentralização, especialmente a uma derrota definitiva sobre o mundo perver-
328
Cordeiro, H.

so dos conflitos, interesses, ideologias e verda- de um “novo humanismo” citando exemplos de


des políticas; como seria possível superar a pobreza pelo vo-
2) a técnica e os mercados teriam dissolvido as luntariado, as iniciativas da filantropia e a
fronteiras dos estados, reduzindo-os a mera fun- “compaixão” entre as pessoas.
ção de administração de umas poucas coisas; As reformas devem apontar para alternati-
3) as novas tecnologias teriam reduzido a im- vas de poder que assegurem a governabilidade
portância do mundo do trabalho e o fragmen- dos estados e a reconstituição da capacidade de
taram de tal forma a dissolver as classes sociais decisão autônoma, levando em conta as rela-
do capitalismo; ções entre os países, porém não subordinadas a
4) as transformações do mundo globalizado um núcleo hegemônico, acompanhando e in-
apontariam para o cenário de homogeneização corporando as transformações tecnológicas,
crescente da riqueza das nações e de paz dura- dentro de um contexto diversificado mundial,
doura entre os estados. com respeito às condições sociais e culturais
Na América Latina, o enfraquecimento dos locais.
estados tem inviabilizado as políticas efetivas Assim, a descentralização despe-se de seu
de busca da eqüidade e as taxas de investimen- caráter mágico de panacéia sanitária ou admi-
to e de emprego reduziram-se, tendencialmen- nistrativa, para reforçar seu sentido democráti-
te, na maioria dos países. A concentração da ri- co e federativo, capaz de conduzir a resultados
queza e da renda se acentua cada vez mais, ao coerentes com a equidade.
mesmo tempo em que se difundem ideologias

Nota
* Este trabalho foi apresentado em conferência na aber-
tura do seminário Descentralización y Nuevas Fornas de
Gestión Social, Asociación Latino Americana de Medici-
na Social – ALAMES, Universidade do Estado do Rio de
Janeiro – UERJ, 3-4 de setembro de 2001.

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