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ARTIGO ARTICLE
nas reformas da saúde*
Hésio Cordeiro 1
Abstract This article analyzes Brazilian poli- Resumo Este artigo contextualiza as políti-
cies applied to the field of health in the 1990s cas aplicadas ao campo da saúde na década de
from two contradictory angles: the mandate of 1990 a partir de dois eixos contraditórios: o
the 1988 Federal Constitution and the 1990 mandato da Constituição Federal de 1988 e da
National Health Act (LOAS) on the one hand Lei Orgânica da Saúde (LOAS) de 1990; e a
and the neoliberal wave that influenced pub- onda neoliberal que influenciou as reformas
lic sector reforms throughout Latin America de Estado em toda a América Latina. O texto
on the other. The paper discusses pathways and detalha os percursos e os percalços do setor saú-
obstacles in the health sector during the im- de na implantação de uma agenda de descen-
plementation of a decentralization agenda tralização fundamentada nos princípios cons-
based on the constitutional principles of uni- titucionais de universalização, eqüidade e par-
versal access, equity, and citizens’ participa- ticipação cidadã. E conclui que a reforma da
tion. It concludes that the health reform pro- saúde, tal como prevista na LOAS, está se rea-
vided for under the National Health Act is be- lizando com oscilações, avanços e recuos que
ing achieved with ups and downs that express traduzem ambigüidades, conflitos e contradi-
contradictions related to changes in the role of ções em relação às mudanças no papel do Es-
the Brazilian public sector beginning in the tado brasileiro a partir da década de 1990. Ele
1990s. The state lost its capacity to formulate perdeu sua capacidade de formular e imple-
and implement national development policies, mentar políticas nacionais de desenvolvimen-
focused on fiscal adjustment, and is permeat- to, centrou-se no ajuste fiscal e está permeado
ed by pressure from globalization of capital. pelas pressões da globalização do capital.
Key words Implementation of the Unified Palavras-chave Implantação do SUS, Políti-
Health System (SUS), Health policy, Public ca de saúde, Reforma do estado, Descentrali-
1 Reitor da Universidade sector reform, Decentralization. zação
do Estado do Rio de Janeiro
(1992-1995). Instituto
de Medicina Social,
Universidade do Estado
do Rio de Janeiro
Rua São Francisco Xavier
524 /7o andar, bloco E,
Maracanã, 20550-013,
Rio de Janeiro RJ.
coordsaude@cesgranrio.gov.br
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Cordeiro, H.
As mudanças que se vêm produzindo nos siste- to”, com subsídios diretos aos pobres, como su-
mas de saúde da América Latina têm sido obje- plementação alimentar, programas de atenção
to de estudos, pesquisas, ensaios que ora ex- primária à saúde, inspiradas nos postulados das
pressam tentativas de análises comparativas tecnologias simplificadas e outros itens pon-
entre países, ora se detêm nos estudos de casos tuais das recomendações de Alma-Ata. Os gas-
nacionais, regionais ou, mesmo, de experiên- tos públicos deveriam ter como meta atingir a
cias locais de descentralização e de busca de al- um determinado conjunto de efeitos demons-
ternativas para a organização dos serviços de tráveis por melhoria de indicadores sociais dos
saúde (Sanchez & Zuleta 2000; Fleury, Belmar- segmentos pobres das populações (mortalida-
tino & Baris 2000). Identificam-se, entre estas de infantil, desnutrição, evasão escolar, quali-
iniciativas, os trabalhos de análise de políticas dade da habitação, entre outros).
públicas de saúde, contextualizadas nas expe- Tem sido assinalado que a crise fiscal dos
riências dos anos 90, atribuindo-se a dinâmica anos 80 reduziu a alocação de recursos para os
das reformas ao processo de globalização como tradicionais programas de vigilância sanitária,
a variável determinante, buscando-se peculia- comprometendo a efetividade de ações de con-
ridades de territórios nacionais, subnacionais trole de epidemias e de endemias, além de im-
(regionais) em que as reformas adquirem ca- possibilitar novos investimentos para a amplia-
racterísticas ou tendências específicas. ção de cobertura decorrentes das pressões ge-
Cabe qualificar, sem que este se torne o te- radas pelo crescimento das cidades e empobre-
ma central destas reflexões, o conceito de glo- cimento das populações rurais e urbanas (Mé-
balização e seu poder limitado de explicação e dici, 2000). Contudo, o autor menciona que não
de predição no âmbito das reformas em saúde. se deve atribuir à falta de recursos as dificulda-
Atribui-se a generalização de processos de re- des do setor saúde na América Latina e Caribe
forma da saúde na América Latina à falência ou dado que a região gastava um valor médio de
ao “esgotamento” dos modelos de desenvolvi- 6,2% do produto interno bruto, inferior ape-
mento que, durante cerca de 50 anos, fizeram nas ao volume de recursos gastos pelos países
parte das teorias, ideologias e políticas dos paí- da Organização para a Cooperação e Desenvol-
ses da região em busca da superação das insufi- vimento Econômicos (OCDE) que era de 7,8%
ciências de crescimento econômico e social, da- do PIB. Reconhece o autor, contudo, que para
do que esses países não cresciam a uma taxa mí- os países mais pobres da região os recursos ain-
nima para satisfazer as demandas crescentes de da eram insuficientes para expandir o acesso e
bem-estar das suas populações (Vergara, 2000). melhorar a qualidade dos serviços de saúde.
Era apontado como causa o crescimento de As dificuldades não residiriam na ausência
déficit fiscal dos países latino-americanos, es- de um setor privado prestador de serviços de
pecialmente depois dos anos de 1973 a 1976, saúde, pois esta participação representou pelo
que, com a crise do petróleo, tinha acentuado, menos 50% dos gastos em saúde. Talvez se de-
de forma crescente, as demandas e as pressões vesse atribuir à baixa resolubilidade e acesso a
para ajustes estruturais nesses países. A transi- cuidados básicos, pois os gastos hospitalares
ção das sociedades latino-americanas de um correspondiam a cerca de 70% dos recursos. As
modelo de desenvolvimento para outro globa- reformas de saúde, estimuladas pelas agências
lizado tem envolvido a reestruturação dos pro- internacionais, tomaram impulso a partir de
cessos de produção e políticas de ajuste neces- modelos definidos como de “pluralismo estru-
sárias às novas condições de competitividade turado”, como um ponto intermediário entre
internacional. O que se tem observado, como um setor estatal pouco eficiente e “inchado” e a
conseqüência, é o aumento do desemprego, que- atomização da rede privada (Lordoño & Frenk,
bras de empresas, aumento do endividamento 1996).
interno e externo, agravamento da situação de As reformas deveriam ser aceleradas no
pobreza que, de 1980 a 1990, passou de 35 a sentido de expandir a cobertura, visando à
41% das famílias. Isto correspondia, em termos maior eqüidade, propiciar viabilidade fiscal e
absolutos, ao aumento de 136 milhões para 200 financeira do sistema de saúde, melhorar a efi-
milhões de pessoas pobres, concentradas, prin- ciência, a qualidade e a satisfação dos usuários.
cipalmente, no meio urbano. Contudo, o aspecto central foi o de estabelecer
As estratégias da primeira metade da déca- novas funções do Estado na formulação e im-
da de 1980 para enfrentar tais dificuldades se plementação de políticas públicas de saúde.
basearam em políticas de “focalização do gas- Daí resultou o debate ideológico e a ação con-
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Nota
* Este trabalho foi apresentado em conferência na aber-
tura do seminário Descentralización y Nuevas Fornas de
Gestión Social, Asociación Latino Americana de Medici-
na Social – ALAMES, Universidade do Estado do Rio de
Janeiro – UERJ, 3-4 de setembro de 2001.
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