De gaita em punho estes gaiteiros persistem na celebração da
Festa, roncando como diabos aos deuses que os ameaçam com o castigo eterno de quem ousa louvar os prazeres da carne e do vinho.
E sabem (o Victor Félix e o Mário Estanislau) o segredo de como se
faz, com um pau, um ronco ou uma ponteira e de um pedaço de cana as palhetas que lhes dão vida. Conhecem as histórias de vida dos gaiteiros das aldeias, ignorados durante séculos de repressão por uma Igreja que temia os instrumentos que ousavam louvar a Deus com os timbres familiares a pastores e camponeses.
Decidem por fim, depois de feitas muitas gaitas e percorridos
inúmeros e desvairados arraiais, registar em disco o que sabem. Fazem-no sem pretensão, abrindo-nos uma janela para os terreiros onde tocam. Sem enfeites e roupagens de passageiras modas, optando por uma enorme sobriedade instrumental que não prescinde de um cuidadoso equilíbrio dos instrumentos utilizados (gaitas e percussão) e de uma evidente mestria na cuidada afinação e digitações usadas.
Num tempo que quase só valoriza grupos e músicas descartáveis
para uma rápida e voraz utilização mediática, este trabalho que tem por título o nome do próprio grupo é mais uma prova de que é possível fazer boa música e conseguir levá-la a um público ávido de sabores e aromas que lhe devolvam o pulsar da vida. Optam por registar algumas das mais belas gaitadas e cantigas de gaiteiros que conheço. E o Mário Estanislau ousa escrever novas músicas (a Murinheira Burriqueira é a minha preferida).
A continuarem assim, arriscam-se a ganhar o Céu dos gaiteiros,
onde nunca falta pão, vinho, dança e amizade. E muitas gaitas e figas para inconfessáveis finalidades.