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LEITURAS DE SOCIOLOGIA
1
AUGUSTE COMTE: O FUNDADOR DA SOCIOLOGIA
ÉMILE DURKHEIM E O ESTUDO DOS FATOS SOCIAIS
Mossoró – 1999
UNIVERSIDADE REGIONAL DO RIO GRANDE DO NORTE
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
LEITURAS DE SOCIOLOGIA
COMISSÃO EDITORIAL:
Edmilson Lopes Júnior
Maria Cristina Rocha Barreto
APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................1
1.1 Introdução
SAINT-SIMON acreditava que o Antigo Regime não tinha solução e que era preciso lutar
para construir uma nova sociedade. Era preciso realizar uma crítica forte à ordem existente e
refletir sobre essa nova sociedade a construir. Foi bastante perspicaz, ao intuir que as antigas
formas sociais dariam lugar a uma crescente racionalidade econômica na sociedade industrial. No
entanto, para ele estas transformações não iriam acontecer exclusivamente no âmbito econômico,
mas também nos domínios do simbólico e do religioso. Saint-Simon dedicou sua vida à
idealização da nova sociedade industrial, que transformaria pacificamente a natureza e garantiria
a cada um a satisfação de suas necessidades espirituais e materiais. Essa visão otimista do sistema
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industrial vai ser cada vez mais ofuscada no fim de sua vida ao ver a crescente miséria dos
operários e o fortalecimento do socialismo.
Sua obra é fundamental para se entender o surgimento do novo campo de estudo do
social, principalmente por quatro motivos:
• À semelhança dos ideólogos, prega abertamente uma ciência do homem;
• Afirma que a sociedade não é uma simples aglomeração de seres vivos, mas uma “máquina
organizada, cujas partes (...) contribuem de uma maneira diferente para o avanço do
conjunto”;
• Ao sistematizar seu “pensamento sobre a ‘história da civilização’, reexamina os fenômenos
sociais a partir da atividade de produção ou (...) da indústria;
• Acreditava que a passagem de um tipo de sociedade para outro se dava através da violência e
pelo enfrentamento de classe antagônicas (Cuin, 1994:28-29).
O centro da filosofia de Comte está na idéia de que a sociedade só pode ser reorganizada
através de uma completa reforma intelectual do homem. Ao contrário de outros pensadores de
sua época (Saint-Simon e Fourier – socialistas utópicos) que acreditavam que seria necessária
também uma reforma das instituições, Comte achava que era preciso dar aos homens novos
hábitos de pensar de acordo com o estado das ciências de seu tempo.
Seu pensamento está estruturado em três temas básicos:
• Uma filosofia da história para mostrar os motivos pelos quais uma maneira de pensar – O
POSITIVISMO – deve imperar sobre os homens;
• Uma fundamentação e uma classificação das ciências, baseadas na filosofia positiva;
• E uma sociologia, que determinando as estruturas e os processos de modificação da
sociedade, permitisse a reforma prática de suas instituições e do próprio homem. Devendo-se
acrescentar a esse sistema a forma religiosa assumida pelo plano de renovação social.
sacerdotes e teólogos, ficariam os cientistas como categoria de base intelectual e moral da nova
ordem social. Da mesma forma que os cientistas substituiriam os teólogos, os industriais
(tomando-se essa categoria de modo amplo – empreendedores, diretores de fábrica, banqueiros
etc.) assumiriam o lugar dos militares.
A partir do momento em que o homem passa a pensar cientificamente, deixa de lado
também a atividade militar como a principal da comunidade (luta do homem contra o homem),
para dar lugar à luta do homem contra a natureza através da exploração racional dos recursos
naturais.
Aí está uma das principais discordâncias de Comte em relação à Saint-Simon. Ao
contrário deste que afirma que a passagem de uma ordem social a outra só se dá através da
violência e do enfrentamento, acha que para a reorganização de uma sociedade em crise é preciso
uma síntese das ciências e a criação de uma política positiva. A explicação para a crise da
sociedade moderna está na contradição histórica da ordem teológico-militar, em vias de
desaparecer, e a ordem científica-industrial que nasce. Caberia então à sociologia compreender o
devenir2 inevitável da história, para ajudar a realização da ordem fundamental.
Na segunda etapa amplia essa perspectiva. Leva em consideração a história da Europa
como se ela fosse uma síntese da história de todo gênero humano; pressupõe que a ordem social
para a qual sociedade européia tende, será necessariamente a ordem social válida para toda a
espécie humana.
Nessa etapa desenvolve e confirma as duas leis essenciais: a lei dos três estados e a
classificação das ciências. Segundo a lei dos três estados, o espírito humano teria passado por três
fases sucessivas. Na primeira, o espírito humano explica os fenômenos atribuindo-os a seres ou
forças comparáveis ao próprio homem. É a idade teológica. Na Segunda, invoca entidades
abstratas como a natureza. É a idade metafísica. Na terceira, o homem observa os fenômenos e
fixa relações entre eles num dado momento ou no curso do tempo. É a idade positiva.
Essa lei dos três estados só tem sentido se combinada com a classificação das ciências,
nos revelando como a inteligência se tornou positiva nos vários domínios. Segundo Comte, a
maneira de pensar positiva se impôs primeiramente na matemática, na física, na química e depois
na biologia, em outras palavras, o pensamento positivo aparece primeiro nas disciplinas mais
simples (sic) e mais tarde nas mais complexas.
O objetivo da combinação das leis dos três estados com a classificação das ciências é
provar que a maneira de pensar que triunfou na matemática, na física, na astronomia, na química
e na biologia, deve se impor também na política, levando a constituição de uma ciência positiva
da sociedade – A SOCIOLOGIA.
A partir da biologia as ciências deixam de ser analíticas para serem sintéticas. Termos
que têm, na linguagem de Comte, múltiplos significados.
As disciplinas analíticas são aquelas, como as ciências da natureza inorgânica, a física e a
química, que estabelecem leis entre fenômenos isolados necessariamente. As ciências, como a
2 “Transformação incessante e permanente pela qual as coisas se constróem e se dissolvem noutras coisas;
biologia, são sintéticas, pois não é possível explicar um órgão ou uma função sem considerar o
ser vivo como um todo e é em relação a ele que o fato biológico se explica.
Essa preponderância do todo sobre as partes é transposta para a sociologia. Segundo ele,
não é possível compreender um fenômeno social particular se este não estiver inserido no todo
social e no devenir histórico. É preciso levar em conta todo o desenrolar da evolução histórica
para entender um momento específico. Esse pressuposto impõe uma dificuldade metodológica,
pois para se entender a evolução da nação francesa seria necessário refletir sobre a totalidade da
história da espécie humana. Isto leva à idéia de que o objeto da sociologia é a história da espécie
humana, considerada como uma unidade.
Cria-se então a sociologia que é uma ciência que admite a prioridade do todo sobre a
parte, e da síntese sobre a análise, tendo por objeto a história da espécie humana. Comte supõe
também que não há liberdade de consciência na sociologia, assim como não há na física e na
astronomia. Os cientistas devem impor seu veredito aos ignorantes e aos amadores, o que se
supõe que a sociologia possa determinar o que é, o que será e o que deve ser, de acordo com o
que chama de realização da ordem humana e social.
Na terceira etapa de seu pensamento, justifica, por uma teoria da natureza humana e da
natureza social, essa unidade da história humana. Justifica através de uma fundamentação
filosófica, a noção de uma história única para a humanidade. Para isso é preciso que o homem
tenha uma natureza própria, reconhecível e definível, em todos os tempos e todas as sociedades.
Toda a sociedade deve se comportar de acordo com uma ordem essencial que se possa reconhecer
através da diversidade das organizações sociais. Essas naturezas humana e social devem ser tais
que possamos inferir delas as principais características do devenir histórico. Podemos dizer que a
teoria da mudança social de Comte se baseia no pensamento de que “toda a história tende à
realização da ordem fundamental, da ordem social (...) e à realização do que existe de melhor na
natureza humana” (Aron, 1990:76).
A sociologia de Comte pretende resolver a crise do mundo moderno, isto é, fornecer o
sistema de idéias científicas que presidirá a reorganização social. Comte deseja ao mesmo tempo
ser cientista e reformador. Quer, através da descoberta de leis universais e fundamentais da
evolução humana, descobrir o determinismo global, para que os homens possam utilizar de modo
positivo.
A filosofia de Comte se baseia em 3 pressupostos:
A sociedade industrial – a sociedade européia – é exemplar e se tornará universal;
O pensamento científico ou positivo é duplamente universal. No sentido de sua adoção por
todos os homens e no sentido de que será adotado em todas as disciplinas;
A história da humanidade é o desenvolvimento da natureza humana.
Ele escolheu essas idéias dentre algumas que eram correntes na época, dentre as quais:
Indústria baseada na organização científica do trabalho, com vistas ao rendimento máximo,
graças ao que a humanidade desenvolve enormemente seus recursos;
A produção industrial leva a concentração de trabalhadores nas fábricas e nas periferias das
cidades, surgindo assim as massas operárias;
A oposição latente ou aberta entre patrões e empregados;
Crises de superpopulação ao lado da miséria absoluta;
Liberalismo econômico prevalecia e pregava que a condição essencial do desenvolvimento da
riqueza é a busca do lucro, a concorrência e a intervenção cada vez menor do Estado.
Comte enfatiza as três primeiras idéias, porém, para ele, a oposição entre patrões e
empregados devia-se a má organização da sociedade industrial, podendo ser reorganizada e
corrigida por reformas. Critica tanto os liberais quanto os socialistas. Acusa os liberais de
metafísicos, isto é, pensam de forma abstrata, apenas através de conceitos, o funcionamento do
sistema. Esses economistas cometem também o erro de pensar os fenômenos econômicos
separados do social.
Tem, no entanto, um ponto em comum com eles. Não existe oposição fundamental entre
os patrões e empregados, pois o desenvolvimento da produção se ajusta aos interesses de todos.
Comte acredita que a concentração de riqueza e dos meios de produção, não são contraditórios
com a propriedade privada. Pelo contrário, defende a propriedade privada das riquezas
concentradas. Esta contradição faz parte do desenvolvimento da ordem social e como esta
melhora inevitavelmente – idéia de progresso –, a concentração não é necessariamente má, pois a
civilização material só poderá se desenvolver se cada geração produzir mais do que necessita
para a sobrevivência, transmitindo o excedente de riqueza para a geração seguinte e assim por
diante.
Entretanto, Comte é um reformador que deseja transformar o sentido da propriedade
atribuindo-lhe uma função social. Os patrícios (industriais, banqueiros etc.) não devem abusar de
suas propriedades. Para exercer sua autoridade, os industriais devem obedecer a duas ordens: a
ordem temporal (lugar que ocupam na hierarquia econômica) e a ordem espiritual, que é a dos
méritos pessoais. Isso justificaria, para ele, a ascensão de alguém de classes inferiores que
superassem em merecimento moral e pessoal, pelo devotamento à coletividade, seus superiores
hierárquicos. Essa ordem espiritual não é transcendente, mas deste mundo, substituta da
hierarquia temporal do poder, baseando-se nos méritos morais.
Os temas fundamentais de Comte são o trabalho livre, a aplicação da ciência à indústria, a
predominância da organização, temas bem características da sociedade industrial. Foi
desacreditado porque quis determinar, nos mínimos detalhes, a hierarquia temporal, chegando até
o número de patrícios e a população de cada cidade.
Afirmou também que as guerras, na sociedade industrial, seriam anacrônicas. Elas teriam
servido na sociedade teológico-militar para o aprendizado do trabalho e a formação de grandes
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Estados. Na nova sociedade não haveria mais por quê combater. Crença amplamente negada,
principalmente no período de 1840 a 1945.
Comte não pretendia interpretar a sociedade industrial, mas sim a reforma do poder
temporal pelo espiritual, que deveria ser exercido pelos cientistas e filósofos, que substituiriam os
sacerdotes.
Comte procura, em seu Curso de Filosofia Positiva, estabelecer uma hierarquia e uma
classificação das ciências. Segundo ele, até aquela ocasião não haveria uma classificação
satisfatória das ciências, e esta tarefa só seria realizada se se empregasse o método positivo, ou
seja, através da observação e do próprio estudo dos objetos a serem classificados e não de
considerações apriorísticas (Comte, 1983:22).
Busca a base racional da ação do homem sobre a natureza, conhecendo as leis que
governam os fenômenos e, consequentemente, prevê-los e modificá-los em nosso proveito. “Em
resumo, ciência, daí previdência; previdência, daí ação: tal é a fórmula muito simples que
exprime, duma maneira exata, a relação geral da ciência e da arte, tomando essas duas
expressões em sua acepção total” (:23).
Comte afirma que o objetivo último da ciência não é servir à indústria, embora tenha
contribuído significativamente para o seu desenvolvimento. Segundo ele, o homem tem a
necessidade imperiosa de conhecer as leis dos fenômenos e dispor os fatos segundo uma ordem.
A inteligência humana que se ocupa unicamente com investigações que tenham uma utilidade
prática, encontra-se impedida em seu progresso, pois “as aplicações mais importantes derivam
constantemente de teorias formadas com simples intenção científica, e que muitas vezes foram
cultivadas durante vários séculos sem produzir resultado prático algum (:23).
Ele observa, na sociedade industrial, a criação de uma classe intermediária entre os
cientistas e os diretores efetivos dos trabalhos produtivos: a classe dos engenheiros, que tem por
finalidade organizar as relações entre a teoria e sua aplicação prática (:24).
Divide as ciências em dois gêneros que estudam fenômenos distintos.
• As ciências gerais e abstratas que visam a descoberta de leis que regem os diversos
fenômenos e consideram os casos possíveis de ocorrer (:25);
• As ciências naturais que são as ciências concretas, particulares, descritivas e que são a
aplicação dessas leis à história dos seres.
É sobre esse primeiro tipo de ciência (geral) que Comte fala em seu curso de filosofia
positiva. E é nesse esforço que ele afirma que as ciências podem ser expostas através de dois
caminhos:
• o histórico a exposição dos acontecimentos segue uma ordem cronológica, ordem esta
segundo a qual o espírito humano os obteve. Esse forma se torna muitas vezes impraticável
por existirem uma longa série de avanços e recuos e intermediários que obrigaram o espírito a
percorrer
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1.5 Conclusão
Sem dúvida, hoje em dia Auguste Comte não tem mais a mesma importância que
alcançou no século passado. Porém, por mais críticas que tenhamos ao método por ele
desenvolvido – o positivista – não podemos deixar de reconhecer que ele deu o primeiro passo
para o desenvolvimento da investigação empírica nas ciências humanas e posteriormente de uma
ciência exclusivamente do social.
2. Émile Durkheim e o estudo dos fatos sociais
2.1 Introdução
David Émile Durkheim nasceu em 15 de abril de 1858 na cidade de Epinal, França. Sua
formação se dá primeiramente em filosofia e psicologia. Talvez, devido a suas ambições em
tornar-se um rabino, como seu pai e seu avô. Posteriormente estudou na Alemanha antropologia e
psicologia dos povos e, a partir daí, resolve dedicar-se às ciências sociais, começando a
desenvolver seu projeto de tornar a sociologia em ciência autônoma. Criou pela primeira vez na
história do ensino superior francês, na universidade de Bordéus, uma cadeira exclusivamente
dedicada à sociologia.
Ele pretendia dar às ciências sociais (principalmente a antropologia e a sociologia ) um
caráter de disciplinas rigorosamente objetivas e foi contra qualquer interpretação que
transformasse a investigação social numa “dedução de fatos particulares a partir de leis
supostamente universais” (Durkheim, 1983:VIII).
Para ele, a sociologia deveria se basear em uma teoria do fato social. Procurou
desenvolver o projeto de uma ciência autônoma, com objeto claramente definido - os fatos
sociais -, distinguindo-se das outras ciências, e que possa ser observado e explicado com um
método científico - a observação e a experimentação indireta e o método comparativo. Com essas
exigências formula duas regras com as quis nos habituamos a resumir seu pensamento: é preciso
considerar os fatos sociais como coisas e sua característica principal é que eles exercem uma
coerção sobre os indivíduos (Aron, 1990:336).
A tarefa da sociologia seria investigar as leis e as expressões precisas das relações
existentes entre os diversos grupos sociais, e fenômenos tais como Estado, soberania, liberdade
política etc., das quais fazemos apenas uma idéia e formular a questão cientificamente, afastando
sistematicamente todas as noções previamente formadas a respeito desses fatos determinados e
estudá-los do exterior, assim como nos fenômenos físicos.
Seu objetivismo, porém, não transforma o fato social em fato puramente físico, mas a
partir da forma como ele aparece para a sociedade procurar entender as idéias que fazem parte
dos homens dessa mesma sociedade. Os fatos sociais são tomados como coisas porque são dados
imediatos para nós, enquanto as idéias não são diretamente dadas. Qualquer realidade observável
do exterior e cuja natureza não conhecemos pode ser chama de coisa.
Os fenômenos sociais são exteriores ao indivíduo, ou seja, não dependem de sua
consciência nem de suas manifestações individuais, mas do conjunto de indivíduos que formam a
sociedade, exercendo uma coerção sobre ele.
“Há coerção quando, numa assembléia ou numa multidão, um sentimento se impõe a
todos, como, por exemplo, quando por reação coletiva todos riem. Este é um fenômeno
tipicamente social, porque tem como apoio e como sujeito o grupo em seu conjunto, e não um
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indivíduo em particular. Assim também a moda é um fenômeno social: cada um se veste de uma
certa maneira, num determinado momento, porque todos se vestem daquele modo. Não é um
indivíduo que origina a moda, é a sociedade que se manifesta por meio de obrigações implícitas e
difusas. Durkheim exemplifica também com as correntes de opinião, que levam ao casamento, ao
suicídio, a uma maior ou menor natalidade, e que qualifica de estados de alma coletivos. Cita, por
fim, as instituições da educação, o direito, as crenças, que têm igualmente como características o
fato de serem dados exteriores aos indivíduos, e que se impõem a todos” (Aron, 1994:337).
A definição de fatos sociais em gêneros e espécies levam a distinção entre o que é normal
e o que é patológico. Um fato social é normal, para Durkheim, quando se considera um período
determinado de desenvolvimento em uma sociedade e quando ele nela se produz de forma
corriqueira e comum. A distinção do normal e do anormal implica a elaboração de categorias
sociais. Devem-se procurar as características dos fatos sociais. Essas características são de ordem
morfológica - morfologia social diz respeito à forma como aparecem - e a sociologia tem como
objetivo constituir e classificar os tipos sociais (morfologia social).
A morfologia social é apenas uma forma de classificar os fatos para facilitar a sua
explicação. Assim como a normalidade é definida pela generalidade (freqüência que os
fenômenos ocorrem), a explicação, segundo ele, é definida pela causa. Explicar um fato social é
buscar sua causa eficiente, identificar o fenômeno antecedente que o produz. Uma vez descoberta
a causa, pode-se procurar sua função, sua utilidade para a sociedade, pois a utilidade de um fato
não explica sua existência (Aron, 1990:342). As causas dos fenômenos sociais devem ser
procuradas no meio social, ou seja, um fato social só pode ser explicado por outro fato social. É a
estrutura da sociedade considerada que constitui a causa dos fenômenos que a sociologia quer
explicar.
O fato social é uma coisa porque “todo objeto de conhecimento que não é naturalmente
compenetrável pela inteligência, tudo aquilo de que não podemos adquirir uma noção adequada
por um simples processo de análise mental, tudo o que o espírito só consegue compreender na
condição de sair de si próprio, por via da observação e de experimentações, passando
progressivamente das características mais exteriores e mais imediatamente acessíveis às menos
visíveis e às mais profundas. Tratar fatos de uma certa ordem como coisas não é, pois, classificá-
los nesta ou naquela categoria do real; é observar em relação a eles uma certa atitude mental. É
abordar o seu estudo partindo do princípio de que se ignora por completo o que eles são, e que as
suas propriedades características, tal como as causas desconhecidas de que dependem, não podem
ser descobertas pela introspecção, por mais atenta que seja” (Silva, 1988:12-13).
Em outras palavras coisa é toda realidade observável do exterior e cuja natureza não
conhecemos imediatamente, mas que precisa ser descoberta ou elaborada progressivamente.
Temos uma vaga idéia sobre o Estado, soberania, liberdade política, democracia, socialismo,
comunismo, daí temos que tratar esses fatos como coisas, ou seja, afastar as pré-noções e os pré-
conceitos para conhecê-los cientificamente. Observar os fatos do exterior, descobri-los como
descobrimos os fatos físicos. As coisas são os únicos fatos a nos ser imediatamente dados.
Isso leva a uma crítica da economia política, isto é, a uma crítica da discussão abstrata,
dos conceitos como o de valor. Para Durkheim, todos esses métodos têm o defeito de partir da
idéia falsa de que podemos compreender os fenômenos sociais a partir da significação que lhes
atribuímos espontaneamente, quando na verdade o sentido real dos fenômenos só pode ser
descoberto pela exploração objetiva e científica.
Reconhece-se o fenômeno social porque ele se impõe ao indivíduo, exercendo assim a
coerção. Ex. assembléia ou multidão, moda, correntes de opinião, estados de alma coletivos, a
educação, o direito etc. Nestes fenômenos Durkheim reconhece a mesma característica
fundamental: são gerais porque são coletivos, são diferentes nas repercussões que exercem sobre
cada indivíduo, mas têm como substrato o conjunto da coletividade.
lugar central no interior das teorias sociais, e possui um papel de fazer a relação entre o pensamento e a
existência e vice-versa. Entretanto, para outros autores, a metodologia deve ser mais abrangente e incluir
as concepções teóricas de abordagem.
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Para Raymond Aron (1990), Durkheim é um conceitualista (ou nominalista) que tende a
considerar os conceitos como realidades ou achar que a distinção entre gêneros e espécies já está
inscrita na própria realidade. Na sua teoria, os problemas de definição e classificação tomam um
lugar importante. Ele tinha a tendência para ver os fatos sociais como suscetíveis à classificação
em gêneros e espécies – construção de TIPOS SOCIAIS.
Em suas obras Durkheim começa por definir o fenômeno considerado. Isola uma
categoria de fatos pelas características externas que lhe são comuns. Uma vez definida certa
categoria de fatos, acredita que pode chegar a uma causa única que a explique. Um efeito
determinado provém sempre da mesma causa. Assim, há vários tipos de suicídio, vários tipos de
crime etc.
As sociedades possuem diferentes graus de complexidade que as diferenciam. Marx e
Comte quiseram determinar os momentos principais do devenir histórico e as fases do progresso
intelectual, econômico e social da humanidade.
Para Durkheim isso não leva a nada, mas é possível fazer uma classificação científica e
válida dos gêneros e espécies de sociedades com base no critério que reflita a estrutura da
sociedade considerada: o número dos segmentos justapostos numa sociedade complexa e o modo
de combinação desses segmentos. Esta classificação dos gêneros leva à distinção do normal e do
patológico.
A distinção entre o normal e o patológico medeia a observação e os preceitos aplicáveis
para um aperfeiçoamento da sociedade. Se uma coisa é normal não há porque ser eliminada,
mesmo se nos afeta moralmente. Se é patológica, existe um argumento científico para justificar
projetos de reforma.
Um fenômeno é NORMAL quando pode ser encontrado de modo geral numa sociedade
determinada, em uma fase de seu processo de desenvolvimento. A normalidade é determinada
pela generalidade, mas como as sociedades são diferentes, não é possível encontrar uma
generalidade de modo abstrato e universal. Paralelamente à definição de normalidade, não é
excluída a possibilidade de se procurar explicar a causa que determina a freqüência do fenômeno
considerado. Porém o sinal decisivo da normalidade é simplesmente sua freqüência.
A normalidade é definida pela generalidade e a explicação pela causa. Explicar um
fenômeno social é procurar sua causa eficiente, identificar o fenômeno antecedente que o produz.
Subsidiariamente, uma vez estabelecida a causa de um fenômeno pode-se procurar a função que
ele exerce, sua utilidade. Mas a explicação funcionalista, apresentando um caráter teleológico4,
deve estar subordinada à procura da causa eficiente. Pois, mostrar a utilidade de um fato não é
explicar como ele aconteceu, nem como ele é. A utilidade pressupõe sua caracterização, mas não
sua criação. Ter necessidade de uma coisa não implica que ela seja como desejamos. As causas
dos fenômenos sociais devem ser procuradas no meio social. É a estrutura de uma sociedade que
constitui a causa dos fenômenos que a sociologia quer explicar. “É na natureza da própria
sociedade que devemos procurar a explicação da vida social”.
4 Relativo à teleologia. Diz-se de argumento, conhecimento ou explicação que relaciona um fato com
sua causa final. Teleologia é o estudo da finalidade. É também uma doutrina que considera o mundo
como um sistema de meios e fins. Estudo dos fins humanos.
Leituras de Sociologia (1) —16
Este livro é a sua tese de doutoramento e tem como tema a relação entre os indivíduos e a
coletividade. A questão é: como pode um conjunto de indivíduos constituir uma sociedade? Para
responder a esta questão, Durkheim distingue duas formas de solidariedade: a mecânica e a
orgânica.
Solidariedade mecânica, ou por semelhança, ocorreria quando os indivíduos de uma
sociedade diferem pouco uns dos outros. Eles se assemelham porque têm os mesmos
sentimentos, os mesmos valores, reconhecem os mesmos objetos como sagrados.
Solidariedade orgânica é oposta à mecânica. Ocorre naquelas sociedades onde o consenso
resulta de uma diferenciação. Essa diferenciação é feita por analogia aos órgãos de um ser
vivo, cada um exerce sua função própria e, embora não se pareçam uns com os outros, todos
são igualmente indispensáveis.
membros da sociedade” (Aron, 1990:300), “forma um sistema determinado, que tem vida
própria” é difusa na sociedade e liga uma geração às outras. Ela só existe em função dos
sentimentos e crenças presentes nas consciências individuais, mas se distingue, pelo menos
analiticamente, destas últimas, porque evolui segundo suas próprias leis, não sendo apenas
expressão ou efeito das consciências individuais.
Tem maior ou menor força de acordo com as sociedades. Nas sociedades dominadas pela
solidariedade mecânica, a consciência coletiva abrange a maior parte das consciências
individuais, maior número de tabus e proibições. Nas sociedades onde há diferenciação dos
indivíduos, cada um tem maior liberdade de crer, querer e agir conforme suas preferências.
Aqui o adjetivo social tem para Durkheim o sentido de que as proibições se impõem à
média, à maioria dos membros do grupo, tem por origem o grupo e não o indivíduo, que este se
submete a um poder superior.
A consciência coletiva abrange a maior parte da existência individual, nas sociedades
primitivas, e também os sentimentos coletivos têm força extrema, que se manifesta no rigor dos
castigos impostos aos que violam as proibições sociais. Quanto mais forte a consciência coletiva,
maior a indignação com o crime, isto é, contra a violação do imperativo social. A consciência
coletiva define cada um dos atos da existência social, particularmente os detalhes relativos aos
atos religiosos, o que se deve crer etc.
Nas sociedades onde reina a solidariedade orgânica há uma relação da esfera da existência
que cobre a consciência coletiva, um enfraquecimento das reações coletivas contra a violação das
proibições e, sobretudo, uma maior flexibilidade na interpretação individual dos imperativos
sociais.
Daí vem a idéia defendida por Durkheim, toda a sua vida, de que o indivíduo nasce na
sociedade e não que esta nasce dos indivíduos. Embora se expresse de forma paradoxal,
Durkheim afirma essa preponderância da sociedade sobre os indivíduos com pelo menos dois
sentidos:
O da prioridade histórica das sociedades em que os indivíduos se assemelham e estão, por
assim dizer, perdidos no todo.
E o da prioridade lógica. Se a solidariedade mecânica veio antes da orgânica, não se pode
explicar os fenômenos de diferenciação social e da solidariedade orgânica a partir dos
indivíduos. A consciência da individualidade não podia existir antes da solidariedade
orgânica e da divisão do trabalho.
Nesse ponto, Durkheim define a sociologia como a prioridade do todo sobre as partes, ou
a irredutibilidade do conjunto social a seus elementos e a explicação dos fenômenos pelo todo.
Em Da divisão do trabalho social, Durkheim também estabelece a função da divisão do
trabalho que é a de procurar estabelecer relação com uma necessidade. Começa sua
argumentação na construção deste conceito afirmando que as sociedades não podem ver sem
regras morais. É o mínimo indispensável para a convivência. A moral nos leva, através do
constrangimento, a seguir para um fim definido.
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A ciência, as artes e a indústria estão fora do campo da moral, pois são campos abertos a
todos, mas não há obrigatoriedade de aquisição. São luxos, adornos – o que é supérfluo não se
impõe.
Nesse aspecto Durkheim se diferencia dos moralistas. Para estes, moral é tudo o que tem
nobreza, valor objeto das inspirações elevadas. Durkheim acredita que a moral é composta de
regras de ação que se impõem à conduta e às quais está ligada uma proibição.
A atração entre as pessoas se dá por semelhança ou por diferenças, não no sentido de
exclusão, mas no de complementaridade. Nós buscamos nas pessoas as qualidades que nos faltam
porque unindo-nos, participamos de alguma maneira da natureza uns dos outros e assim nos
completamos. Há uma troca, uma partilha de funções, uma divisão do trabalho que determina as
relações de amizade.
Sob este aspecto a divisão do trabalho tem efeito moral e sua função é criar um
sentimento de solidariedade entre as pessoas – os efeitos econômicos, para Durkheim são
secundários.
É nesse caso que se insere a divisão sexual do trabalho. Homens e mulheres são
diferentes, por isso se unem, pois se completam. Isolados são partes diferentes de um mesmo
todo concreto – divisão sexual é a fonte da solidariedade conjugal. Pode referir-se apenas à
reprodução ou estende-se a todas as funções orgânicas e sociais. As semelhanças anatômicas
entre homens e mulheres, nas sociedades primitivas, são acompanhadas de semelhanças
funcionais.
Funções semelhantes à Função
femininas masculina
Solidariedade
conjugal fraca
Quando maiores as obrigações e deveres que ele sanciona para sua realização e
dissolução, maior divisão sexual do trabalho e maior diferença nas funções masculinas e
femininas, implicando em funções intelectuais e afetivas respectivamente.
A divisão do trabalho torna possível melhorar as sociedades porque torna as funções
divididas mais solidárias. Ela vai além dos resultados econômicos para ser o cimento entre os
indivíduos. Em vez de se desenvolverem separadamente, eles conjugam esforços, são solidários e
esta solidariedade transcende os momentos de troca de serviços. A divisão do trabalho, repartição
dos trabalhos humanos, é a fonte da solidariedade social, pois não se limita a sua utilização
material, mas une os diferentes povos, esta repartição constante é a causa básica da crescente
complexidade da organização social. A divisão do trabalho é a condição para a existência da vida
em sociedade, pois garante sua coesão. Se esta é a função da divisão do trabalho, então ela deve
ter um caráter moral, pois as necessidades de ordem, de harmonia, de solidariedade social são
geralmente morais.
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sentimentos, além de fortes, devem ser precisos, relativos a uma prática bem definida – fazer ou
não fazer (matar, ferir, etc.). As regras penais são claras e precisas, as morais são flutuantes.
Para ser crime é preciso que um ato fira a consciência comum. Se esse sentimento,
positivo ou negativo, for abolido, então o crime e, consequentemente, a sanção que lhe é
correspondente será também abolida, isto é, deixa de ser crime.
Mas, mesmo que um crime não fira sentimentos coletivos, mas sim a um poder
governamental (Estado) ou diretor, cuja principal função é defender a consciência comum contra
todos os inimigos internos e externos, ele continua sendo crime. Ele não é apenas uma função
social, mas o tipo coletivo encarnado e daí retira sua força e o que lhe permite criar crimes e
delitos. A força dessas penalidades depende do grau de reconhecimento desses crimes.
“O crime não é apenas uma lesão aos interesses mesmo graves; é uma ofensa contra uma
autoridade de alguma forma transcendente. Ora, experimentalmente não há força moral superior
ao indivíduo, salvo a força coletiva” (Durkheim, 1983:43).
As características de um crime determinam a pena. Esta é considerada por Durkheim, uma
reação passional, uma vingança pelo crime praticado (forma primitiva da pena), ou uma forma de
defesa para que o terror da pena impeça o crime.
“Ela [a pena] é ainda um ato de vingança porque é uma expiação. O que nós vingamos, o
que o criminoso expia, é um ultraje feito à moral” (p. 45). Para que a pena nos sirva de proteção
no futuro, pretende-se que ela seja uma expiação do passado. A pena é, pois, uma reação
passional de intensidade graduada. Varia de acordo com a intensidade e qualidade do crime
cometido e tem um caráter social, pois a sociedade também é atingida quando os indivíduos o
são. A reação não é apenas geral é coletiva, pois não se reproduz isoladamente nos indivíduos,
mas no seu conjunto e em uma unidade.
O direito penal, em sua origem, tinha um caráter essencialmente religioso, era tido como
revelação. A religião é também essencialmente social, pois não persegue fins individuais e exerce
constante constrangimento sobre o indivíduo – sacrifícios, oferendas, tempo para realização dos
ritos etc. Exige sentimentos de abnegação. Portanto, se o direito penal em sua origem é religioso,
conclui-se que os interesses aos quais serve são também sociais. Os deuses vingam pela pena as
ofensas à sociedade – ofensas contra a sociedade.
A expiação do ato criminoso é como uma satisfação a alguma potência real ou ideal que
nos é superior. A repressão a um crime não é uma vingança pessoal, mas algo de sagrado,
exterior e superior a nós, quer seja, a moral, o dever, os ancestrais, as divindades. Por isso, o
direito penal tem algo de religioso. Ele pune atos contra algo que transcende – ser ou conceito (p.
52). Essa representação é ilusória porque é em nós que estão os sentimentos ofendidos, porém
eles são fortes e intensos por sua origem coletiva. São o eco de uma força superior que é a
sociedade.
“Ora, o crime só é possível se esse respeito não é verdadeiramente universal; por
conseguinte, implica que não são absolutamente coletivos e rompe essa unanimidade, fonte de
autoridade. Portanto, se quando ele se produz, as consciências que ele fere não se unissem para
testemunhar umas às outras que elas permanecem em comunhão, que este caso particular é uma
anomalia, não poderiam deixar de ser abaladas com o tempo” (p. 53). Esta comunhão é a
Leituras de Sociologia (1) —22
regulamenta reuniriam os indivíduos uns aos outros, sem ligá-los à sociedade”. Seriam simples
acontecimentos da vida privada como a amizade.
O direito restituitório não intervém por si mesmo, mas precisa ser acionado pelos
interessados. Mas não é meramente como árbitro que a sociedade é levada a interferir através
desse direito e sim para legitimar socialmente o acordo entre as partes. No casamento, os esposos
não podem estabelecê-lo nem rescindi-lo dependendo da sua vontade.
Os contratos podem ser rompidos por acordo entre as partes, mas se o contrato tem o
poder de ligar é por causa da sociedade que o comunica, do contrário seriam apenas promessas
que teriam meramente uma autoridade moral. Por trás dos contratos está a sociedade que interfere
de modo a fazer cumpri-lo. Ela confere esta força apenas aos contratos regulados por regras do
direito.
O direito repressivo é diferente do restituitório. O primeiro liga a consciência particular à
consciência coletiva. O segundo estabelece relações entre as partes restritas e especiais da
sociedade, podendo ser negativo ou positivo.
A relação negativa do direito restituitório une a coisa à pessoa. Coisas fazem parte da
sociedade e desempenham um papel, então é necessário que suas relações com a sociedade sejam
determinadas. Há uma solidariedade das coisas, cuja natureza é bastante especial para se traduzir
exteriormente por conseqüências jurídicas de um caráter muito particular.
A solidariedade real é negativa porque é somente através das pessoas que as coisas são
integradas na solidariedade. As vontades não se movem para fins comuns, mas as coisas gravitam
em torno das vontades, não existe consenso (consenso é geral e coletivo). As pessoas não
convergem, não há cooperação.
A solidariedade (orgânica) que estas relações exprimem é apenas para reparar ou prevenir
uma lesão (delito) aos interesses do outro, com efeito, o direito individual, referente a pessoas e a
coisas, só pode ser determinado por compromissos e concessões mútuas. Para que os homens
garantem mutuamente seus direitos é preciso que se apeguem uns aos outros e à sociedade de que
fazem parte.
Os direitos restituitórios formam um sistema e exprimem uma positividade, uma
cooperação fruto da divisão do trabalho. São eles:
Direito doméstico
Direito contratual
Direito comercial
5 A forma mais completa de direito real e pode derivar outros direitos reais e secundários – usufruto,
aluguéis, posse e a habitação (propriedade literária, artística, industrial, mobiliária e imobiliária) – herança.
Leituras de Sociologia (1) —24
Direito de processos
Direito administrativo
Direito constitucional
O direito doméstico determina quem se encarrega das diferentes funções domésticas, que
é esposo, pai, filho legítimo, tutor etc. Qual o tipo normal dessas relações e funções. O contrato
de casamento, sua validade, filiação legítima, natural, adotiva etc. Direitos e deveres dos
cônjuges, estado das relações em caso de divórcio, anulação de casamentos, separação de corpos
e bens, poder paterno, efeitos da adoção, relação tutor/pupilo etc. Regula funções familiares e
exprime solidariedade que une os seus membros em decorrência do trabalho doméstico.
O contrato é a expressão jurídica da cooperação. O compromisso de uma parte resulta do
compromisso de outra ou de um serviço já prestado. Esta reciprocidade só existe onde há
cooperação e esta depende da divisão do trabalho – cooperar e dividir tarefa comum. Contrato é o
símbolo da troca.
2.5 O suicídio
Este livro está ligado ao estudo da Divisão do Trabalho. Trata de um aspecto patológico
das sociedades modernas e revela de modo mais marcante a relação entre indivíduo e
coletividade.
Procura mostrar até que ponto os indivíduos são determinados pela realidade coletiva.
Aparentemente nada mais individual que alguém destruir sua própria vida. Mas, segundo
Durkheim, mesmo quando o indivíduo está só e desesperado, a ponto de se matar, é ainda a
sociedade que está presente na sua consciência e o leva a este ato solitário (Aron, 1990:308).
O método de Durkheim nesse livro segue os seguintes passos:
1. definição do fenômeno;
2. refutação das interpretações anteriores;
3. estabelecimento de uma tipologia;
4. e com base na tipologia desenvolve uma teoria geral do fenômeno considerado.
Define suicídio como “todo caso de morte provocado direta ou indiretamente por um ato
positivo ou negativo realizado pela própria vítima e que ela sabia que devia provocar esse
resultado” (Aron :309).
A expressão direta ou indiretamente compara-se à distinção entre positivo e negativo. Um
tipo de revolver ou uma greve de fome. Enquadram-se ainda na definição de suicídio as mortes
voluntárias envoltas com aura de heroísmo e glória, como por exemplo, o capitão que afunda com
seu navio; o samurai que se mata por se sentir desonrado etc.
As estatísticas mostram que as taxas de suicídios, isto é, a freqüência do fenômeno em
relação a uma população determinada é relativamente constante, fato considerado essencial por
Durkheim.
Leituras de Sociologia (1) —25
diferente TAXA DE
SUICÍDIO
SUICÍDIO
Durkheim procura explicar e buscar uma relação entre os dois fenômenos o individual e o
social. Ele afasta as explicações do tipo psicológico ou psicopatológico. Embora admitindo haver
predisposição psicológica ao suicídio, afirma que a força que determina o suicídio é social.
Para demonstrar a distinção entre predisposição psicológica e determinação social, ele
emprega o método das variações concomitantes, ou seja, estuda as variações da taxa de suicídio
em diferentes populações e procura provar que não há relação entre a freqüência dos estados
psicopatológicos e a freqüência dos suicídios.
Entre os judeus, grande número de alienados, taxa de suicídio baixa. Refuta a idéia do
suicídio ser uma predisposição hereditária pelo estudo de ocorrências em uma mesma família.
Ele vai de encontro às idéias de Gabriel Tarde, que afirma que a imitação é o fenômeno-
chave da ordem social. Segundo Durkheim, a imitação confunde três fenômenos distintos:
A fusão das consciências, na qual o mesmo sentimento afeta um grande número de pessoas.
Ex. a massa revolucionária, onde os indivíduos tendem a perder a identidade de sua
consciência. Os sentimentos que agitam os indivíduos são sentimentos comuns a todos. Mas
o suporte dos sentimentos é a própria coletividade e não os indivíduos.
A adaptação do indivíduo à coletividade sem haver fusão de consciências. Nesse caso o
sujeito se submete a uma regra coletiva. Ex. a moda imperativo social.
E a imitação que é apenas aquele ato que tem como antecedente imediato a representação de
ato semelhante, realizado anteriormente por outra pessoa, sem que entre a representação e
execução se intercale qualquer operação intelectual.
Ele afirma que a taxa de suicídio não seria determinada nem pela imitação, nem pelo
contágio, pois do contrário seria possível rastreá-lo através de um mapa. Porém, a distribuição de
taxas é irregular.
Após definir o suicídio e refutar algumas explicações anteriores, Durkheim procura
estabelecer uma tipologia. Define três tipos de suicídio: o egoísta, o altruísta e o anômico.
Realiza sua análise sobre o suicídio egoísta com base na correlação entre taxas de
suicídio e os contextos sociais integradores – família e religião. A taxa de suicídio varia com a
idade, é maior entre os mais velhos. Flutua com a religião, é mais freqüente entre os protestantes.
Compara as taxas entre os casados, solteiros e viúvos. Os casados sem filhos detêm a maior taxa.
Leituras de Sociologia (1) —26
Toda situação que tende a fazer aumentar a disparidade entre desejos e satisfação se traduz por
um coeficiente de agravamento.
Chama de suicídio egoísta aquele em que homens e mulheres pensam essencialmente em
si mesmos, quando não estão integrados no grupo social e pela força de obrigações impostas por
um meio estrito e vigoroso.
O suicídio altruísta pode ocorrer pelo completo desaparecimento do indivíduo no grupo
(ex. viúva indiana que se deixa queimar na fogueira junto com o corpo do marido) e por
imperativos sociais, sem pensar nem sequer em defender seu direito à vida.
O suicídio anômico é o mais característico da sociedade moderna. É revelado pela
correlação estatística entre a freqüência do suicídio e as fases do ciclo econômico. Ocorre tanto
em períodos de crise, quanto também em épocas de grande prosperidade.
Há uma tendência à redução durante os grandes acontecimentos políticos e também
durante os períodos de guerra. O suicídio anômico cresce também com a crise da sociedade
moderna, definida pela desintegração social e a debilidade dos laços que prendem o indivíduo ao
grupo. Além disso, a concorrência, as expectativas diante da vida favorece o desenvolvimento
dessa “corrente suicidógena”.
Procura demonstrar os tipos sociais que corresponderiam à tipos psicológicos:
O suicídio egoísta a estados de apatia e ausência de vinculação com a vida.
O suicídio altruísta a energia e paixão.
O suicídio anômico a irritabilidade associada às inúmeras situações de decepção da vida
moderna.
Como acontece em outras obras suas, Durkheim começa relembrando o método utilizado
em suas investigações:
Que os fatos sociais devem ser tratados como coisa, porque são dados empíricos, sendo
diferentes das idéias, pois estas não são dadas diretamente à observação;
Que são exteriores aos indivíduos;
Que independem da vontade destes e de suas manifestações individuais;
E que exercem uma ação coercitiva sobre os mesmos.
Neste livro – As formas elementares da vida religiosa – ele se propõe a estudar a forma
religiosa mais simples conhecida na época, analisá-la e depois dar uma explicação sociológica.
Isto porque considera a finalidade da ciência positiva explicar a realidade social atual (de sua
época no caso), próxima a nós e que pode afetar nossas idéias e atos. A explicação só pode ser
alcançada estudando os fenômenos a partir de suas manifestações primitivas às mais complexas.
No caso em questão o totemismo (mais simples, mais homogênea) ao cristianismo, que exige
funções mentais mais elevadas, mais ricas em idéias e sentimentos, possui mais conceitos e se
baseia menos em imagens. Em suma, é uma religião possuidora de uma maior sistematização.
Os ritos, por mais bárbaros que sejam, traduzem uma necessidade humana, seja individual
ou social. Portanto, respondem a condições objetivas da existência humana. Ele critica a
explicação histórica que coloca os fenômenos sociais numa hierarquia mas classificando-os
como inferiores. Para ele, não existem religiões verdadeiras ou falsas, embora se possa colocá-las
em uma hierarquia. Afirma então que “se nos dirigimos às religiões primitivas, não é com a
Segunda intenção de depreciar a religião em geral, pois aquelas religiões não são menos
respeitáveis que as outras. Elas respondem às mesmas necessidades, desempenham o mesmo
papel, dependem das mesmas causas; portanto, elas podem servir para manifestar igualmente
bem a natureza da vida religiosa e, por conseguinte, para resolver o problema que desejamos
tratar” (Durkheim, 1983:206).
Escolhe estas religiões ditas primitivas por razões de método, com o objetivo de
compreender as religiões mais recentes. Segundo ele, “a história é o único método de análise
explicativa que é possível aplicar-lhes. Apenas ela nos permite resolver uma instituição em seus
elementos constitutivos, porque ela no-los mostra nascendo no tempo, uns após os outros. Por
Leituras de Sociologia (1) —28
outro lado, situando cada um deles no conjunto das circunstâncias nas quais ele nasceu, ela
coloca em nossas mãos o único meio que temos para determinar as causas que os suscitaram.
Portanto, todas as vezes que se empreende explicar uma coisa humana, tomada em um momento
determinado do tempo [...] é preciso começar por retroceder até a sua forma mais primitiva e
mais simples, procurar dar conta dos caracteres pelos quais ela se define neste período de sua
existência, depois mostrar como ela se desenvolveu e se complicou pouco a pouco, como ela se
tornou o que é no momento considerado” (Durkheim, 1983:206-07).
O objetivo é buscar o que existe de mais geral que perpassa as religiões de um modo
geral, em detrimento de uma religião em particular. Busca a essência do fenômeno que é o que há
de comum a todas as representações fundamentais, independente das formas variadas. É nas
religiões primitivas que Durkheim vai buscar a essência do fenômeno religioso, aquilo sem o quê
não haveria religião, e por ser isenta de excesso de formas, possui uma maior facilidade de
enxergar os fatos e suas relações.
Durkheim parte das categorias de entendimento para construir sua argumentação.
Segundo ele, as primeiras representações do homem a respeito do mundo e de si mesmo são
religiosas. Essas representações são chamadas categorias fundamentais do entendimento –
tempo, espaço, gênero, número, substância, personalidade, força etc. Elas nasceram da religião.
Religião, portanto, é algo eminentemente social, pois expressam realidades coletivas. Os ritos
nascem no meio de grupos sociais, assim como as noções de tempo, espaço etc., por isso são
representações coletivas (Durkheim, 1983:212).
O conhecimento tem então, segundo Durkheim, uma origem social. Ele descarta os
apriorismos, ou seja, idéias que ultrapassam a experiência como as categorias do entendimento e
que são fruto da razão divina e são imutáveis.
Introduz então o conceito de representações individuais e sociais ou coletivas. As
primeiras são construídas a partir de sensações que as coisas suscitam nos espíritos individuais.
As representações sociais ou coletivas representam estados da coletividade, dependem de como a
coletividade é formada, de suas instituições religiosas, morais, econômicas etc. E são produtos do
espaço, do tempo e da cooperação coletiva. Exercem influência também nas representações
individuais.
O homem é um ser, ao mesmo tempo, individual e social. Ele manifesta o caráter social
quando aceita uma idéia sem exame prévio, tomando-a como verdade (caso das categorias
fundamentais do entendimento). Essa unanimidade – a verdade – é o que faz com que se viva em
sociedade. São as noções fundamentais, ou seja, as representações coletivas e, em última
instância, a própria autoridade da SOCIEDADE. A sociedade se impõe sobre os indivíduos através
da opinião pública e através da moral (que é uma opinião interna – a consciência).
Diferencia as funções da religião e da ciência. A primeira procura nos auxiliar a viver e a
agir, religar, produzir sentido para existência, a outra auxilia-nos a pensar e a produzir
conhecimento. A religião permite que amemos algo e “é preciso que deste objeto emanem
energias superiores àquelas de que dispomos e, além do mais, que tenhamos algum meio de fazê-
las penetrar em nós e de misturá-las à nossa vida interior. [...] Numa palavra, é preciso que
ajamos e que repitamos os atos que são assim necessários, todas as vezes em que isso é útil para
renovar seus efeitos” (:222). Os ritos são cultos simbólicos da sociedade, que causa a experiência
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3. Bibliografia
ARON, Raymond (1990). As Etapas do Pensamento Sociológico. 3 ed. São Paulo: Martins
Fontes; Brasília: UnB.
BERNARDI, Bernardo (1992). Introdução aos Estudos Etno-antropológicos. Lisboa: Edições 70.
COMTE, Auguste. (1983). Os pensadores. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural.
CUIN, Charles-Henry et GRESLE, François. (1994). História da Sociologia. São Paulo: Ensaio.
DURKHEIM, Émile (1983). Os Pensadores. 2 ed. São Paulo: Abril Cultural.
–––––––––– (1978). As regras do método sociológico. 9 ed. São Paulo: Ed. Nacional.
RODRIGUES, José Albertino (org.) (1990). Sociologia: Durkheim. São Paulo: Ática.
SILVA, Augusto Santos (1988). Entre a razão e o sentido. Durkheim, Weber e a teoria das
Ciências Sociais. Lisboa: Afrontamento.