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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTAQÁO
DA EDIQÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos estar
preparados para dar a razáo da nossa
esperanga a todo aquele que no-la pedir
(1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos conta


da nossa esperanca e da nossa fé hoje é
mais premente do que outrora, visto que
somos bombardeados por numerosas
correntes filosóficas e religiosas contrarias á
fé católica. Somos assim incitados a procurar
consolidar nossa crenga católica mediante
um aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortalega no
Brasil e no mundo. Queira Deus abengoar
este trabalho assim como a equipe de
Veritatis Splendor que se encarrega do
respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicacáo.
A d. Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaga depositada
em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral
assim demonstrados.
Ano xlii MARgo 2001 466
Urna Parábola de Quaresma

"O Martirio da Paciencia" (Cardeal A. Casaroli)

O avango das Seitas

"Querida Igreja" (Carlos González Valles)

"30 Papas que envergonharam a Humanidade"


(Jeovah Mendes)

Papisa-Joana?

E a noite de Sao Bartolomeu (24/08/1572)?

"Matai-os todos, pois Deus saberá reconhecer os


que sao seus"

"Vinho novo em Odres Velhos" (Ferdinand


Kerstiens)

Parlamento Europeu e Manipulagáo Genética

"Pró-Vida: Integracáo Cósmica"?


PERGUNTE E RESPONDEREMOS MARQO2001
Publica9áo Mensal N'466

Diretor Responsável SUMARIO


Estéváo Bettencourt OSB Urna Parábola de Quaresma 97
Autor e Redator de toda a materia Um mundo desconhecido:
publicada neste periódico "O Martirio da Paciencia" (Cardeal A.
Casaroli) 98
Di™tor-Admlnlstrador: Desafio permanente:
D. Hildebrando P. Martins OSB O avanco das Seitas 104
Crítica construtiva?
Administro e Distribuicáo:
"Querida Igreja" (Carlos González Valles) 111
Edicóes «Lumen Christi»
Preconceitos cegos:
Rúa Dom Gerardo, 40 - 5° andar - sala 501
"30 Papas que envergonharam a Humani-
Tel.. (0XX21) 291-7122 dade" (Jeovah Mendes) 114
Fax (0XX21) 263-5679
Lenda restaurada:
Papisa Joana? 119
Enderece para Correspondencia:
Que dizer?
E a noite de Sao Bartolomeu (24/08/1572)? 125
Mais urna estória:
CEP 20001-970 - Rio de Janeiro - RJ
"Matai-os todos, pois Deus saberá
reconhecer os que sao seus" 130
Visite o MOSTEIRO DE SAO BENTO
e "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" Um livro crítico:
"Vinho novo em Odres Velhos" 132
na INTERNET: http://www.osb.org.br
e-mail: lumen.christi@osb.org.br Um Apelo de Peso:
Parlamento Europeu e Manipulacáo
Genética 138
Que éa:
"Pro-Vida: Integracáo Cósmica"? 142

COM APROVACÁO ECLESIÁSTICA

NO PRÓXIMO NÚMERO:

O conceito de "Igrejas-irmás" (C. Doutrina da Fé). - Oracáo para obtef curas (C. Doutrina
da Fé). - "Trabalhadores do Sexo" e prostituicáo. - AIDS: livro revolucionario de Christine
Maggiore. - «A Batalha pela Normalidade Sexual» (G.v.d. Aardweg). - «Reiki» (Earlene
Gleisner). - 2001: data de Páscoa. - "Cada Pessoa tem um Anjo" (Anselm Grün).

(PARA RENOVACÁO OU NOVA ASSINATURA: R$ 35,00).


(NÚMERO AVULSO R$ 3,50).

O pagamento poderá ser á sua escolha:

1. Enviar, em carta, cheque nominal ao MOSTEIRO DE SAO BENTO/RJ.

2. Depósito em qualquer agencia do BANCO DO BRASIL, para agencia 0435-9 Rio na


C/C 31.304-1 do Mosteiro de S. Bento/RJ, enviando em seguida por carta ou fax
comprovante do depósito, para nosso controle.

3. Em qualquer agencia dos Correios, VALE POSTAL, enderecado as EDICÓES "LUMEN


CHRISTI" Caixa Postal 2666 / 20001-970 Rio de Janeiro-RJ

Obs.: Correspondencia para: Edicoes "Lumen Christi"


Caixa Postal 2666
20001-970 Rio de Janeiro - RJ >
UMA PARÁBOLA DE QUARESMA
Contase que umjovem rapaz, crístao fervoroso, sempre desejou sa
ber como seria o Paraíso. Pediu entáo a um ermitáo, mestre e amigo seu,
que Ihe mostrasse como chegar até lá.

O mestre entáo Ihe disse:

"Para alcangares o Paraíso, tens prímeiro que percorrer urna longa


estrada, carregando urna cruz semelhante á de Cristo. Ao final da estrada,
encontrarás o Paraíso".

Pegou entáo ojovem a cruz, feita por ele mesmo, e, despedindo-se do


ermitáo, comegou a seguir pelo caminho indicado.

Crístao fervoroso, mas tambémjovem com as artimanhas de sua ida-


de, teve a seguinte idéia:

"Vou levar a cruz, mas, a cada quilómetro percorrído, cortare! um pe


queño pedago de madeira; assim ela se tornará mais leve e, para todos os
efeitos, eu a terei carregado até o fim da estrada".
E assim fez ele. Foi cortando pedago por pedago e, quando se deu
conta, a cruz se tornara bem pequeña.

"Para minha sorte - pensou - cheguei ao final da estrada".


Foi quando percebeu que havia um despenhadeiro separando a mar-
gem da estrada onde ele estava, da outra margem.

Repentinamente apareceu o ermitáo e, }á prevendo a sua pergunta,


disse-lhe:

"Usa agora a tua cruz. Deita-a e ela te servirá de ponte desta margem
até a outra. Lá encontrarás o Paraíso".
Qual nao foi a decepgáo dojovem consigo mesmo quando viu que a
cruz que ele tinha se havia tornado um pequeño toco leve e inútil!
Olhou entáo o mestre e disse-lhe:

"Se tu tivesses carregado a tua cruz, conforme eu te instruí, ela agora


serviría de ponte que te levaría até o Paraíso, que tu tanto sonhavas encon
trar!"

Quaresma é o tempo oportuno, sao os dias da salvacáo (2Cor 6,2). É


o momento de cada cristao compartilhar a Cruz de Cristo, seja por disposi-
cóes imprevistas da Providencia Divina, seja por iniciativas espontáneas de
mortificacao, pois a Cruz é a estrada regia, é a ponte que leva ao Paraíso.
Com galhardia e amor procure cada qual configurar-se a Cristo peregrino
intrépido para assemelhar-se a Cristo vencedor da dor e da morte!
E.B.

97
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS"

Ano XLII -N9 466 -Margo de 2001

Um mundo desconhecido:

"O MARTIRIO DA PACIENCIA"


(Cardeal A. Casaroii)

Em síntese: O Cardeal Agostinho Casaroii fot um grande media


dor entre a Santa Sé e os govemos comunistas do Leste Europeu entre
1963 e 1989. Tomou contatos com representantes do mais extremado
marxismo na tentativa de obter alguma conduta mais benevolente para
com a Igreja e as populagóes dominadas pelo regime ateu militante. Na
verdade, foi bem sucedido em alguns casos. Casaroii narra sua luta em
prol dos direitos humanos assim defendidos junto aos comunistas em um
livro, do qual as páginas seguintes apresentam um capítulo em Ifngua
portuguesa.
* * *

Após 1945, nos países da Europa central e oriental, a Igreja foi


sendo sufocada por regimes marxistas, que prenderam e deportaram
Bispos e sacerdotes, fecharam Seminarios, instituicóes religiosas e es
colas católicas, implantando a educacáo atéia e a discriminacáo dos ci-
dadáos religiosos. Somente nos primeiros anos da década de 1960, du
rante o pontificado de Joáo XXIII, apareceram tímidos sinais de possível
diálogo da Santa Sé com aqueles regimes.
Por encargo de Joao XXIII, Mons. Agostinho Casaroii, perito diplo-
mata da Santa Sé, iniciou em 1963 os contatos com a Hungría e a
Tchecoslováquia, passando depois para a lugoslávia e a Polonia.
O Cardeal Agostinho Casaroii (1914-98) descreve as peripecias
desse diálogo num livro altamente interessante intitulado em italiano II
Martirio della Pazienza (Einaudi, Torino 2000). Ainda nao traduzido para
o portugués, o conteúdo dessa obra merece divulgacáo, pois relata fatos
desconhecidos, que perfazem a imagem de urna Europa muito diferente
da atual. Eis por que, a seguir, apresentaremos em traducáo portuguesa
o capítulo 4 da obra: "Contra toda esperanca?".

98
"O MARTÍRIO DA PACIENCIA-

CONTRA TODA ESPERANCA?

"No plano pessoal as minhas relacóes com os diversos represen


tantes de Governo podiam ser tidas como boas; nao obstante, estavam
na ordem do dia grandes dificuldades e fortes tensóes. Tratava-se sem-
pre de funcionarios do Partido, firmemente ligados á ideología do regime
e dependentes de instrucdes e decisóes superiores, para nos freqüente-
mente misteriosas. O diálogo era táo cansativo que se tornava quase
extenuante. Além do mais, tínhamos consciéncia de estar sujeitos á acu-
sacáo de colocar nossa confianca na procura de acordos práticos e inse
guros, em vez do confronto aberto que era a gloria do Catolicismo nos
decenios anteriores. E com que esperanca?

Nenhuma, continuavam muitos a pensar.

Se tivesse compartilhado esta resposta, a Santa Sé teria sem de


mora abandonado a sua Ostpolitik (política voltada para o Oriente). Mas
Paulo VI, embora nao tivesse aquele otimismo sereno que era quase
natural em Joáo XXIII, alimentava mui vivo senso de responsabilidade
pastoral e de confianca na Providencia, mesmo "contra a esperanca".

O diálogo encetado manifestava sempre mais as suas limitacoes, mas,


mesmo dentro destas, mostrava também a sua utilidade. Com efeito; dava á
Santa Sé a possibiiidade, que os Bispos quase já nao tinham, de insistir
claramente sobre os postulados e as reivindicacoes da Igreja, para impedir
que caíssem no esquecimento e para por em evidencia sempre mais lúcida
os motivos {de fé e de razáo e racionalidade) sobre os quais se baseavam
tais reivindicacóes. Isto nao deixava de obter alguns resultados práticos:

a) Entre as preocupacoes da Santa Sé havia alguns pontos sobre os


quais ela julgava necessário voltar com insistencia, sem se deixar bloquear
pelas dificuldades. Em primeiro lugar, era preciso garantir urna suficiente
assisténcia religiosa áquela grande maioria de católicos - máes de familia,
enancas, jovens e também operarios e camponeses - que nao tinham mei-
os (e talvez nem a coragem) de recorrer as atividades pastorais '¡legáis' e
clandestinas que mantinham certos grupos mais empenhados e corajosos.

b) Nao menos grave era a preocupacáo de procurar que nao faltas-


se, na medida do possível, a presenca de Bispos legítimos, fiéis á Igreja
e á Santa Sé e também reconhecidos pelo Governo. Fora da Polonia e
da Alemanha Oriental, isto se tornava empreendimento difícil e quase
inútil (nao por falta de bons candidatos, mas por causa das pretensóes
dos Govemos, que desejavam Bispos 'deles' e nao da Igreja).
c) Restava ainda a quantidade dos outros problemas, que suscita-
vam discussáo. Principalmente, porém, ficava o problema fundamental
da liberdade de consciéncia dos fiéis e o da possibiiidade, para os Bispos
e os sacerdotes, de exercer o seu ministerio.

99
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 466/2001

Muitas vezes voltava a tentacáo do desánimo. Mas, para fortalecer


a nossa paciencia e as nossas esperancas, em breve esbocou-se, com
evidencia crescente, a consciéncia de que, para além do diálogo e dos
seus obstáculos, havia outra realidade, independente da vontade do re-
gime e dos seus homens - realidade que se ia impondo com a torga das
leis que providencialmente regem a historia dos homens.

O comunismo sentia-se forte e seguro do seu futuro e, por isto,


mostrava-se tao duro e intransigente ñas suas posicoes. Mas era real
mente táo forte? E era realmente destinado a durar séculos, como asse-
guravam os seus profetas?

1. A Fraqueza dos Fortes

Fortes, ou melhor, fortíssimas, apareciam na verdade as estruturas do


'socialismo real'. Invencíveis. Eram o resultado de tantas lutas, de ¡mensos
sacrificios, de inumeráveis morticinios e delitos. Frente a elas, o grande blo-
co dos países anticomunistas parecía preocupado mais com limitar a expan-
sáo do que com o ataque ou com o apoio eficaz a desesperadas tentativas
que explodiam sucessivamente num ou noutro país do bloco comunista,
para sacudir o jugo de regimes que se haviam tornado insuportáveis.

A guerra 'fría' se protraia havia alguns anos, dura, persistente, mas


cautelosa para evitar o perigo de transformar-se em guerra 'quente'; as
poderosas aliancas militares, de um lado e do outro, declaravam estar
destinadas á defesa e nao á ofensiva. O relativo degelo da 'coexistencia
pacífica' confirmava, de certo modo, a renuncia do Ocidente a um even
tual ataque direto contra o Oriente comunista. Entrementes este parecía
desenvolver-se e corroborar-se no plano militar, na corrida para a con
quista do espado, na industrializacao e na economía agrícola. Num mo
mento de euforia - sem dúvida, excessiva, para mais nao dizer- Kruschov,
visitando os Estados Unidos, julgara até mesmo poder lancar um desafio
ao poderoso país anfitriáo e ao Ocidente em geral, dizendo: 'Dentro de
dez anos nos vos sepultaremos!'

Confesso que também eu, a principio, como outros muitos, fiquei im-
pressionado com a imponencia desse Prometeu que, ufano do seu poder e
das suas conquistas, ousava desafiar frontalmente Deus, a religiáo, a Igreja.
Mas o grandioso edificio se erguía sobre um fundamento em que
verdade e falsidade se mesclavam como, no pé da grande estatua avis
tada em sonho por Nabucodonosor e interpretada por Daniel, se uníam a
forca do ferro e a inconsistencia da argila.

A 'parte da verdade', o Papa Pió XI a tinha recordado na encíclica


Divini Redemptoris (embora fosse um 'pretexto' para deslumhrar urna
opiniáo mundial pouco atenta): era a proclamada vontade de 'melhorar a
sorte das classes trabalhadoras, extinguindo abusos reais - escrevia o

100
"O MARTÍRIO DA PACIENCIA"

Papa - produzidos pela economía liberal e obter mais equitativa distribui-


cao dos bens terrestres' (finalidades, sem dúvida, plenamente legítimas).
O erro fundamental - para usar uma expressáo da encíclica Centesimus
Annus de Joáo Paulo II (1991) - era de 'índole antropológica': um erró
neo conceito do homem, da sua natureza, dos seus comportamentos e,
em particular, da possibilidade de enquadrá-lo no projeto de transforma-
cáo radical da sociedade sonhada pelo comunismo de Marx e Lenin. Para
procurar realizar esse sonho, era realmente inevitável aos regimes co
munistas recorrer ao cerceamento e á violencia erguida em sistema.
No inicio da década de sessenta, quando comecaram os nossos
contatos de trabalho com os países do socialismo real, as conseqüénci-
as práticas de tal erro antropológico se tornaram sempre mais evidentes
ao olhar desprevenido de quem soubesse perceber para além da super
ficie e das aparéncias.
Quem, como eu, chegasse de fora do universo comunista, poderia
em breve comecar a sentir um fosso que aos poucos se ia alargando,
entre a sociedade - incluindo as classes trabalhadoras e, mais ainda, os
jovens - e o regime com os seus programas de 'construcáo do socialismo'.
Era como um caruncho que insensivelmente, mas inexoravelmente,
ia corroendo, por dentro, um organismo que continuava a mostrar-se for
te e como tal se comportava. Apatía, falta de convicio e de entusiasmo,
quando nao antipatía e aversáo prudentemente dissimulada minavam
como um 'mal sutil' a vitalidade do sistema, com reflexos crescentes,
entre outras coisas, também no plano da producao e da economía.
O processo era, sem dúvída, lento e, sem alguma forte sacudidela
de fora ou uma iniciativa quase revolucionaria no interior (como foi a de
Gorbachov na Uniáo Soviética), podia continuar a protrair-se por um tem-
po cuja duracáo era difícil definir.
Digo que era, para mim, motivo de continua surpresa notar como o
regime, ou os regimes, pareciam nao perceber ou nao se preocupar com
a situacáo, quando nao chegavam mesmo a torná-la mais grave median
te alguma decisáo inoportuna: por exemplo, foi para mim inexplicável a
pertinacia com a qual a URSS, na sua corrida aos armamentos, quis
competir com os Estados Unidos, mesmo quando estes se aventuraram
na 'Iniciativa Estratégica de Defesa Espacial' (Sid): expunham a sua eco
nomía a uma gravíssima sangria por razoes mais de prestigio do que por
verdadeira necessidade de defesa. Era este evidentemente um daqueles
fenómenos que fácilmente se repetem sempre que falta uma real dialetica
entre o Poder e a oposicáo.
Despesas militares, dificuldades económicas: estas eram questóes
que escapavam ao campo dos problemas e dos interesses eclesiásticos e
religiosos. Mas as previsóes que tais questóes justificavam, de um colapso,

101
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 466/2001

nao muito distante, daqueles regimes, nao nos podiam deixar indiferentes;
animavam as esperanzas de uma mudanca geral, que poderia ter por con-
seqüéncia uma volta á liberdade até no plano religioso; estimulavam-nos a
prosseguir com maior confianca e tenacidade nos esforcos para sustentar a
instituicáo eclesiástica e para favorecer a continuidade da vida religiosa.
Por certo, nao eram muitos os otimistas que previam uma queda
iminente dos regimes do bloco soviético. Havia mesmo quem parecesse
nao esperar uma mudanca radical sem que estourasse outro grande con
futo; esta perspectiva, todos os responsáveis procuravam exorcizá-la, mas
alguns, sem esperanca, nao conseguiam deixá-la de lado. Quanto á Santa
Sé, parecia-lhe que poderiam acontecer mudancas substanciáis, ou mes
mo deveriam acontecer, por uma via menos traumática, ainda que mais
lenta; essas mudancas substanciáis estariam associadas á evolucáo das
geracoes, gracas ás transformacóes profundas que se averiguavam nos
modos de pensar, nos sentimentos, ñas aspiracoes principalmente da
parte mais jovem da populacáo operaría e intelectual - parte mais jovem
que seria a protagonista da vida intelectual e política do futuro das nacóes.
2. A Forca dos Fracos

Diante da imponencia do aparato do Estado e do Partido, sustenta


do pelo exército e pela policía, reforcado pela prepotencia absoluta dos
organismos judiciários e penáis, a Igreja aparecía muito fraca, excluida
que era da escola, das organízacóes juvenis, dos meíos de comunicacáo
social, contemplada com suspeíta e controlada minuciosamente.
Na URSS, igrejas, mosteíros e outros edificios eclesiásticos eram
sistemáticamente requisitados, destruidos ou destinados a finalidades
estranhas (nao raramente transformados em 'Museus do Ateísmo'). Ao
contrario, nos países da Europa mais recentemente dominados pelo co
munismo, os vestigios de um passado religioso longo e glorioso nao fo-
ram, de modo geral, apagados, principalmente ñas grandes cidades, onde
possuíam grande valor histórico e artístico. Todavía esses vestigios pare-
ciam assumir sempre maís o aspecto de 'memoriais', grandiosos porfora,
mas por dentro esvaziados do seu conteúdo. Os sacerdotes estavam em
forte decréscímo numérico e quase confinados longe da realidade social;
os jovens eram sempre maís ausentes das igrejas e da6 manifestacoes
religiosas, das quais alias desapareceram praticamente algumas cate
gorías de cidadáos: funcionarios públicos, militares, professores. Fora da
Polonia, a Igreja dava a ¡mpressáo de estar agonizante de acordó com as
esperancas marxistas, ou, ao menos, totalmente enfraquecída a ponto
de nao poder esperar outra coisa a nao ser prolongar o mais possível a
sua agonía. Mas ás ocultas continuava a víver uma Igreja 'espiritual' e se
organizavam grupos obrigados a levar vida clandestina, sofrendo os ri
gores da leí, mas grupos que continuavam a resistir e a propagar-se ape-

102
"O MARTÍRIO DA PACIENCIA"

sar do veto dos Governos. Em tais condicóes as esperanzas da Igreja se


apoiavam na ajuda de Deus (como se compreende), mas também sobre
um punhado de pessoas muito fiéis que corría o risco de tornar-se sem-
pre mais diminuto, e sobre os sofrimentos de Bispos, sacerdotes, Religi
osos, Religiosas e leigos que o regime continuava a oprimir, embora de
maneira menos brutal do que em tempos próximos-passados.

Talvez os regimes comunistas, em virtude da sua própria ideología,


nao estivessem em condicóes de avaliar a forca dessa 'fraqueza1. Doutro
lado, também nao pareciam tomar consciéncia do seu progressivo enfra-
quecimento, ao qual correspondía naturalmente um reforzó das esperan-
cas de suas vítimas.

Verdade é que a energia espiritual da Igreja e o seu impacto sobre


a sociedade eram muito fracos em países como a Hungria e a
Tchecoslováquia (para nao falar da Uniáo Soviética ou dos outros países
em que a presenca católica era pouco ou quase nada significativa). Nes-
se quadro, humanamente desolador para a Igreja e relativamente
tranquilizador para os regimes comunistas, havia um ponto em que as
situacóes estavam invertidas: a Polonia.

A Polonia do Solidarnosc e do período seguinte á eleicáo do Papa


Joáo Paulo II ainda nao podia ser prevista na década de sessenta. Mas já
era possível perceber que ela representava o elo fraco da cadeia dos países
do 'socialismo real' (nao era desconhecido o juízo negativo de Stalin sobre a
possibilidade de um polonés ser um auténtico comunista). E nao era difícil
verificar que tal fraqueza, no plano social era, em boa parte, devida á forca
de urna Igreja compacta na sua hierarquia e no seu clero unido em tomo de
um Primaz da tempera do Cardeal Wysz^nskí e profundamente ligada ao
povo, do qual ela interpretava tanto as aspiracoes religiosas quanto os anseios
ás suas liberdades fundamentáis. Nos tempos do Primeiro Secretario do
Partido Comunista Wladyslaw Gomulka, quando na segunda metade da
década de sessenta, comecaram os contatos diretos entre a Santa Sé e o
Governo polonés, estava em curso um confuto duríssimo, sem exclusáo de
golpes físicos; nem todos estariam dispostos entáo a apostar em Davi-lgreja
na luta contra o Golias estatal. Na verdade, faltavam poucos anos para mos
trar que o líame vital entre a classe trabalhadora polonesa - desde os esta-
leiros do Báltico até as minas da Silesia - e as tradicoes religiosas da popu-
lacáo inteira, liame encarnado na Igreja, asseguraria a esta a vitória.

Contrariamente a quanto acreditavam ou receavam muitos, adver


sarios de um lado, amigos de outro lado, o futuro da Igreja no mundo
comunista europeu nao estava totalmente fechado á esperanca confian
te. Conseqüentemente a atividade programada pela Santa Sé merecía
ser levada adiante com coragem sob o signo da esperanca, apesar das
dificuldades e incompreensóes».

103
Desafio permanente:

O AVANQO DAS SEITAS

Em síntese: O fenómeno das seitas ou dos novos movimentos re


ligiosos que se váo multiplicando, chama cada vezmais a atengáo. Neste
artigo sao propostas as características do fenómeno na África (e no Bra
sil) assim como urna tentativa de explicá-lo pela carencia de meios con-
vencionais para atender as necessidades de populacóes solredoras. As
consideragóes explanadas tém seu significado também para o nosso país.
■k * *

O fenómeno dos novos movimentos religiosos está sempre na or-


dem do día; os meios de comunicacáo estáo continuamente a transmitir
as suas mensagens nem sempre construtivas. O fenómeno é mundial.
Daí o valor que podem ter para o Brasil as experiencias feitas a respeito
em outros continentes. - Segue-se, pois, nestas páginas a síntese de um
artigo do Pe. Neno Contran MCCJ referente á situacáo na África e publi
cado com o título "Le défi des sectes en Afrique" na revista "Le Christ au
monde", julho-agosto 2000, pp. 248-256.

1. Milhares de grupos

Pode-se dizer que muitos homens e mulheres no mundo inteiro


tém sede de Deus. Apenas se pergunta: como procuram satisfazer a
essa sede? O modo é altamente emocional, dado ao maravilhoso ou a
um misticismo vago e inconsistente.

Milhares de novos movimentos religiosos podem ser enumerados;


na África subsaariana sao cerca de dez mil, em grande parte, de origem
crista. Em alguns casos ocorre outrossim o culto a Satanás e aos espíri-
tos maus, como se fossem benfeitores do homem. Assim Igreja Fé-Mila-
gre, Terceiro Testamento, Evangelho Pleno, Statu quo, Supervida do Cris
to, Bom Deus, Filhos de Deus, Boa-Nova, Nazarenos, Luz, Doze Apostó
los, Alianca Final, Universal Autónomo, Espiritual Universal, Querubins,
Cristo e Companheiros, Celestinos, Monte Siáo, Libertacáo, Salomáo,
Todos os Remedios, Apocalipse, Trombeta do Evangelho, Evangelho-
Poder...

No Brasil também se multiplicam as designacoes de tais movimen


tos, uns de fundo cristao, outros de cunho esotérico, mais outros de ori
gem oriental... Centenas de profetas, pregadores e curandeiros, por ve-

104
O AVANQO DAS SEITAS

zes vestidos de maneira fantasiosa, atestam um sincretismo estranho:


vestem túnicas, usam cintos, turbantes coloridos e celebram suas
"liturgias", proclamando a Palavra de Deus, com dancas, imposicáo das
máos, procissóes, cantos, baterías com tambores, atabaques e podero
sos alto-falantes.

Alguns grupos contam apenas algumas dezenas de adeptos. Ou-


tros dispóem de horas prolongadas de radio e televisao.

Dar lugar a seitas dissidentes nao é privilegio do Cristianismo. Póde


se dizer que cada grande corrente religiosa tem suas dissidéncias: assim
no Japáo o chintoísmo conta 130 seitas "nao oficiáis". O Islamismo co-
nhece grande ramificacáo em dezenas de confrarias, com divergencias
doutrinárias, as vezes, profundas, e com iniciativas tendentes a reformar
radicalmente a sociedade ou a defendé-la de influencias nefastas. Exis-
tem marabú ou ascetas muculmanos dedicados ao ensino da religiáo
que realizam práticas pouco ortodoxas, mas muito vivazes e fervorosas:
convictos de que Deus está do seu lado, nao receiam empregar os meios
mais violentos para impor seu modo de ver; em conseqüéncia, na Nigeria
registraram-se conflitos armados, dos quais resultaram 4.117 mortos em
Kano no ano de 1980, 1.000 mortos em Yola no ano de 1984, 10.000
mortos em 1985. Na Tanzania a seita Khidmat Dawat lalamia também
provocou serios tumultos.

Os grupos extremistas da Algéria executam civis árabes e estran-


geiros. Os integristas do Egito executam atentados e rebelióes. O
Islamismo oficial rejeita esses atos de violencia; aos 11 de Janeiro de
2000 a Organizacao da Conferencia Islámica condenou os morticinios
do Ramada da Algéria nos seguintes termos: "A fé islámica rejeita de
modo absoluto tais atos malfazejos, que sao proibidos por todas as religi-
óes celestes".

Essa violencia é, em parte, motivada pela persuasáo de que

2. O mundo está sob o Maligno

É muito freqüente nesses grupos "místicos" a conviccáo de que o


mundo está sob o poder do Maligno, que deverá ser subjugado por drás
tica intervencáo divina: aguardam portanto o fim da época atual, que ca-
minha para a sua ruina. Em conseqüéncia as seitas sao muitas vezes
fortemente proselitistas. Condenam o sistema político, social e económi
co vigente, que nao pode ser salvo por meios humanos; o ambiente da
seita toma-se entáo o espaco propicio para esperar o dia, já próximo, em
que Deus mudará o curso da historia. Os membros da seita se julgam,
por isto, escolhidos privilegiados, decididos a esperar urna ordem de coi
sas melhor ou urna Nova Era.

105
10 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 466/2001

Alguns grupos chegam a querer precipitar o fim recorrendo ao sui


cidio, que Ihes parece ser a melhor maneira de romper com este mundo
mau. Sejam mencionados os casos seguintes:

- em 1978 na Guiana, 923 pessoas, membros do Templo do Povo,


se suicidaram por envenenamento, por ordem do pastor Jim Jones;

- em 1993 na regiáo de Wacco (Estados Unidos) o gurú da seita


dos Davidianos se suicidou com 86 discípulos, dos quais 17 eram crian-
cas, depois de ter combatido as pretensas forcas do mal;

- em 1994 na Suica e no Canadá suicidaram-se 53 membros da


"Ordem do Templo Solar";

- em 1995 foi preso Shoko Asahara, fundador da seita Aum Shinri-


kyo de origem budista japonesa, acusado de ter provocado a explosáo
de gas no metro de Tóquio, em que morreram doze pessoas e 5.500
foram intoxicados. Shoko Asahara prometia salvacáo a quem deixasse a
sua familia para entrar na seita, onde esperaría a guerra nuclear prevista
para 1999.

É interessante notar que muitos desses atos de violencia sao co


metidos em nome de Deus e com o presumido auxilio da Divindade. As-
sim os homens do Exército da Resistencia do Senhor, em Uganda, re-
zam o terco e celebram ritos propiciatorios antes de executar suas atroci
dades "para restabelecer a observancia dos Dez Mandamentos".

Póe-se agora a pergunta:

3. Afinal, que é uma seita?

Nao é fácil definir uma seita. Confunde-se tal conceito com o de


um dos novos movimentos religiosos, que nao podem ser tidos como
sectarios. Como quer que seja, é válido afirmar que seita é um grupo
religioso que se caracteriza, em grau maior ou menor, pelas seguintes
notas:

1) Ruptura com a sociedade maior. Geralmente a seita é funda


da em oposicao a idéias e práticas vigentes. Isto torna passionais os
membros da seita. Sao entusiastas porque julgam ter escapado da gran
de perdicáo que afeta o respectivo ambiente. A seita, portanto, professa
um radicalismo religioso, que pode significar estreiteza de espirito, into
lerancia, integrismo ou fundamentalismo.

2) Obediencia total a um chefe ou gurú "carismático". O grupo se


configura em torno de um homem ou uma mulher que parece ter dons
particulares, principalmente na luta contra os poderes do mal, as doen-
cas, a desgraca, a depressao...

106
O AVANQO DAS SEITAS 11

O califa Modou Kra, do Senegal, fundador do Movimento Mundial


Pró-lslá, assim se exprime a propósito dos milhares de seus seguidores:
"O que me agrada em meus talibés, é que me seguem em todas as mi-
nhas decisoes. Sua dedicacáo para comigo é total". Diz-se mesmo que
um discípulo que chega a ver o califa, será atendido em suas expectativas.

3) Tendencia ao segredo. A Vida interna da seita fica sob sigilo,


de modo que há estrita vigilancia dos membros da seita entre si e, even-
tualmente, vigilancia do chefe "carismático" sobre cada um.

4) Emocáo e afetividade mais do que raciocinio. O entusiasmo


pelo chefe é tal que pode cegar ou fanatizar os adeptos. Estes seguem o
principio: "Tal ou tal proposicáo é verdadeira se tu o sentes".

5) Militantismo ou Proselitismo. Se o mundo inteiro está sob o


poder do Maligno ou pervertido, os membros das seitas tendem a anga
ria r novos parceiros a fim de os salvar da perdicáo. O proselitismo obriga
o militante sectario, que é treinado para ser colportor da mensagem res
pectiva, nem sempre segundo os criterios da verdade objetiva. Há pre-
conceitos na doutrina das seitas, que levam á agressáo nem sempre
honesta.

6) Culto caloroso. Em algumas seitas as assembléias de culto


sao prolongadas; constam de cantos, ladainhas repetitivas, ¡mposicáo
de máos, transe e "terapias" atribuidas ao poder do alto.

7) Já que o mundo vai mal, espera-se para breve urna drástica


intervencáo divina. O fim do mundo ou, ao menos, o fim de urna era
está próximo. Quando ocorrer, as coisas melhoraráo. Esta expectativa
nao pode deixar de suscitar um clima de apavoramento e certo terror.

Póe-se agora a pergunta:

4. Quais as causas?

Sao diversas as causas do fenómeno das seitas. Podemos assina-


lar tres principáis:

1) A inclemencia dos nossos tempos. No mundo inteiro, verifica


se certa angustia diante da situacáo económica, política, social que afeta
os povos, principalmente os mais carentes. A corrupcáo é grande; falta
um dirigente que inspire a confianca dos homens no plano da política
mundial. Muitos sao tentados a dizer "Só Deus dá um jeito!" e, conse-
qüentemente, esperam urna intervencáo retumbante da Divindade. Em
vez de urna tentativa de solucáo racional, aguardam urna solucáo mági
ca por vías irracionais: descida de extra-terrestres ao nosso planeta para
ensinar aos homens os caminhos da solucáo ou aparecimento de profe
tas para revelar segredos maravilhosos mantidos ocultos em redutos

107
12 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 466/2001

gnósticos (a portentosa sabedoria dos antigos manifestar-se-á assim).


Em suma, a ingratidáo dos tempos leva a desacreditar dos clássicos re
cursos da razio e da ciencia para dar crédito a pretenso saber mais ele
vado e poderoso, que será trazido á tona por vias fantasiosas.
2) A esta primeira causa associa-se a segunda, a ela concatenada:
em materia de religiáo e mística, os homens se desligam da razáo para
dar solfas á imaginacáo e ás emooóes. Há mesmo certo antiintelectualismo
no tocante á religiáo - o que dá lugar a deturpacóes da fé; esta é substi
tuida por crendices, supersticóes, que chegam ao auge da cegueira e do
fanatismo, provocando crimes "religiosos" como o suicidio coletivo. Na
verdade, a religiáo está no plano do intelecto humano; pois é a mais
elevada expressáo da inteligencia; nada tem de irracional. De resto, nin-
guém deve crer em coisa alguma se nao tem credenciais ou motivos
razoáveis para crer. A fé nao é um ato cegó, mas é a suprema atitude do
homo sapiens (homem sabio e inteligente).
3) A carencia de recursos materiais ou a pobreza explica o éxito
que as seitas tém junto ás classes mais desfavorecidas. Nao há dinheiro
para pagar o médico, o farmacéutico, o advogado,... entáo há o recurso
a meios gratuitos ou quase gratuitos (que na verdade podem explorar
violenta e sorrateiramente os seus adeptos).

As seitas dáo a impressáo de se ocupar carinhosamente com cada


qual dos seus membros, numa atitude calorosa; assim a pessoa doente,
aquela lancada para fora de casa, a desabrigada, a separada do(a)
consorte, os filhos rejeitados pelos pais, encontram no recinto da seita
um refugio, urna fraternidade, urna orientacáo que permite olhar para a
vida com novos olhos. Isto é muito importante: grande número de pesso-
as está hoje á procura e á espera de alguém que estenda a máo e leve
"para casa", independentemente da ideología ou da filosofía de quem
convida "a entrar". A pessoa assim retirada da sua solidáo e atraída para
um ambiente amigo pode sujeitar-se á obediencia cega e até a humilha-
cóes que ela nao toleraría se estivesse apoiada em seu próprio racioci
nio e em seus recursos próprios. Com efeito, verifica-se que muitos se
guidores das seitas se deixam espancar violentamente a título de ser
exorcizados; nao deixam de procurar "o exorcismo", que Ihes pode cus-
tar muito caro nao somente no plano físico, mas também no monetario,
pois o exorcismo é compensado mediante "urna oferta". Tornam-se pes-
soas anestesiadas no plano da razáo e das emocoes, fácilmente mani
puladas pelo poder "carismático" de seus dirigentes.
5. Que fazer?

O avanco das seitas é um dos mais eloqüentes sinais do nosso


tempo. Sugere reflexoes serias e urgentes, nao só porque póe em perigo
a auténtica nocáo de religiáo, mas porque afeta o bem da própria huma-

108
O AVANQO DAS SEITAS 13

nidade, levando-a a desatinos. É notorio o poder da religiao tanto para


promover o bem como para articular o mal. - E quais seriam as reflexóes
assim suscitadas?

1) Fomentar a instrucáo religiosa


Se o ser humano é dotado de inteligencia, esta nao deve servir
apenas a interesses económicos ou profissionais, mas também, e princi
palmente, á procura de resposta para as perguntas fundamentáis: "quem
sou eu? De onde venho? Para onde vou? Qual o sentido da vida?". Tais
perguntas estáo relacionadas com a transcendencia, com Deus e a fé.
Ora as questóes sobre o porqué viver nao podem ser entregues á emo-
cáo, á simpatía, mas requerem reflexáo e estudo. Daí a importancia de
se acentuar a instrucáo religiosa de enancas, adolescentes, jovens e
adultos. A ignorancia religiosa é um campo fértil para a proliferacáo de
seitas e novos movimentos religiosos falsamente "místicos".
A catequese bem ministrada é urna das tarefas primordiais da Igre-
ja Católica; alias, ela sempre o foi, mas tornou-se tal com mais preméncia
em nossos tempos. Seja urna catequese que toque nos pontos nevrálgicos
ou ñas questóes vitáis do homem de hoje.

2) Acolhida fraterna

Nao basta ao mensageiro da fé dirigir-se ao intelecto dos ouvintes


para propor-lhes as verdades do Credo. Muitos mensageiros improvisa
dos ou falsos bombardeiam os ouvidos do público pelo radio e a teleyi-
sáo, relativizando o conceito de verdade religiosa. É preciso falar nao
somente á razáo, mas também ao coracáo; antes, é preciso comecar por
falar ao coracáo, pois é disto que mais necessita o cidadáo perdido ñas
mas de nossas cidades. Note-se bem:
Sao Paulo - e, com ele, a Teología - ensina que há tres virtudes
teologais: a fé, a esperanca e a caridade; a fé vem primeiramente nessa
seqüéncia, pois é ela que dá a conhecer a Deus, que a caridade amará
de coracáo. Todavía na ordem da transmissáo é mais recomendado co
mecar pela caridade do que pela fé. Sim; quem se mostra amigo e aco-
Ihedor a um semelhante, toca-lhe urna fibra muito sensível, pois o mundo
é cao (como se diz); demonstrando amor fraterno (sem falar de Deus), o
mensageiro desperta a esperanca em seu irmáo, mostrando-lhe que nem
tudo está perdido (ainda há quem queira o bem de seus semelhantes).
Em conseqüéncia, a pessoa benévolamente tratada perguntará ao seu
amigo: "Qual é o teu segredo? Por que és bom num mundo que costuma
ser egoísta e agressivo?". Ora tal pergunta precisamente dará ocasiáo a
que o arauto da Boa-Nova explique ao interlocutor admirado o seu miste
rio: "Sou discípulo de Alguém que me ensinou que Deus é Pai e somos
todos irmáos. Ele nos ama a ponto de ter entregue seu Filho para a nos-

109
14 TERGUNTE E RESPONDEREMOS" 466/2001

sa salvacáo". Assim a mensagem será recebida com ¡nteresse e curiosi-


dade, calando fundo no íntimo do interlocutor. Por conseguinte o amor
fraterno é inseparável da catequese; deve ser mesmo o seu precursor.
Com este requisito associa-se aínda

3) A coerente conduta de vida dos fiéis católicos

O homem de hoje dá mais atencáo á sinceridade do pregador do


que á veracidade do mesmo, quando fala de religiáo. Há tantos pregado-
res - nem todos coerentes - que os ouvintes estáo um tanto céticos em
relacáo á verdade da mensagem apregoada. Contudo sao muito atentos
á sinceridade e ao tipo de vida do arauto. Um comportamento fiel e cora
joso, capaz de se sacrificar para nao trair a mensagem impressiona; é
relativamente raro numa sociedade em que murtas sao as meias-verdades
e as meias-atitudes, muitos aqueles que "ficam em cima do muro" ou "nao
querem ralar a pele". Ora observa-se que o secularismo ou a dessacralizacáo
tem afetado o testemunho de vida de alguns setores católicos; pensam
mais no horizontal (social, económico, político...) do que no vertical (Deus
e os valores transcendentes). Ora isto gera a anemia do Catolicismo; nao
há dúvida, sao importantes os valores humanos, mas o cristáo os consi
dera sempre em funcáo de Deus e nunca como meta em si mesmos.

Já que o mundo de hoje com razáo cobra dos católicos a coeréncia


de vida, é importante que estes nao esquecam o seu dever de
corresponder a tal exigencia, exigencia alias que o Senhor Jesús mesmo
formulou ao dizer: "Vos sois o sal da térra. Ora, se o sal perder o seu
sabor, com que o salgaremos? Para nada mais serve a nao ser para ser
lancado fora e pisoteado pelos homens. Vos sois a luz do mundo... Nao
se acende urna lámpada e se coloca debaixo do alqueire, mas no cande
labro, e assim ela brilha para todos os que estáo na casa" {Mt 5,13-15).

4) Liturgia dignamente celebrada

A alma religiosa do fiel católico se exprime nao só em sua conduta


ética, mas também em seu culto litúrgico. A Liturgia respeitosamente
celebrada transmite ao mundo de hoje um pouco do Eterno que se faz
presente nos sinais sagrados. O cerimonial bem executado toca urna
fibra íntima, muitas vezes nao confessada, mas existente em todo ser
humano: o senso do misterio, misterio vagamente entrevisto, mas res-
posta adequada para a inquietude de todo homem; este foi feito para o
Absoluto e o Infinito, que a mente humana nao sabe exatamente definir.

Eis o que o fenómeno das seitas - eloqüente sinal dos nossos


tempos - pode sugerir a quem deseje refletir sobre ele. Possa tal sinal
encontrar a devida resposta daqueles que a Providencia Divina encarre-
gou de a formular!

110
Crítica construtiva?

"QUERIDA IGREJA"
por Carlos González Valles

Em síntese: O autor do livro, em tom que pretende serpolido, faz


severas críticas á Igreja, baseando-se em casos de sua experiencia ou a
ele referidos. Tratase de um escrito unilateral, pois só aponta fatos (ou
pretensos fatos) negativos, e nao menciona algo do muito de bom e belo
que ocorre na Igreja de hoje. É ceño que no campo do Senhor haverá
joio até o fim dos tempos. Mas nao é menos ceño que ai existe trigo em
proporgóes notáveis. O autor deveria ser mais preciso e menos
generalizador em suas ponderagóes.
* * *

Carlos González Valles é um jesuíta que tem mais de cinqüenta e


cinco anos na Companhia de Jesús. Tem escrito algumas obras referen
tes á sua experiencia de vida na india, onde trabalhou por quarenta e
sete anos como missionário. O livro "Querida Igreja"1 pretende ser urna
crítica, inspirada por amor e ternura, dirigida á Igreja. Por vezes assume
tom veemente, que pode impressionar o leitor. Que dizer a respeito? -
Proporemos, a seguir, cinco observacóes ao escrito de González Valles.
1. A pertinencia das críticas
Nao há dúvida, o autor aponta facetas vulneráveis da Igreja Católi
ca do passado e do presente...

Todavía seria mesmo estranho se nao as houvesse, pois o Senhor


Jesús predisse em parábola (Mt 13,24-30) que no campo da Igreja have
rá joio e trigo até o fim dos tempos. Quando os servidores do patráo
propuseram arrancar o joio e assim limpar o campo, o patráo o recusou;
quer que haja joio ao lado do trigo. Em conseqüéncia pode-se até dizer:
urna pretensa Igreja sem joio nao seria a Igreja de Cristo. Está claro que
é preciso tentar sempre extirpar o joio que sufoca o trigo; é preciso com-
bater os males que a fragilidade humana ocasiona na Igreja, mas nao se
pode pensar em chegar a total eliminacáo das falhas devidas á fraqueza
humana. Carlos González tenta colaborar apontando alguns desses males.
Todavía deve-se dizer que a crítica é um tanto tendenciosa ou
preconceituosa. Com efeito; sejam observados os seguíntes tópicos:
2. Falta de informacóes

O autor se queixa de que a Igreja nao comunica ao público o que


ela faz com o dinheiro oferecido pelos fiéis. - Ora isto nao corresponde á

1 Ed. Paulus, Sao Paulo, 130 x 225mm, 155pp.

111
16 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 466/2001

verdade dos fatos: em PR 422/1997, pp. 313-317; 434/1998, pp. SOS-


SIS; 448/1999, pp. 386-392 tém sido publicadas as prestacóes de contas
emitidas pela Santa Sé, indicando as quantias enviadas a países caren
tes para colaborar com obras de evangelizacáo ou de promocáo social;
todos os anos o jornal L'Osservatore Romano publica a prestacao de
contas mostrando como o óbolo dos fiéis beneficia populacóes da África,
da Asia, da América e até da Europa.
Quanto a informacoes sobre a vida interna da Igreja (dificuldades,
expectativas, metas,...), compreende-se que naja reserva. Toda socieda-
de tem necessidade de privacidade; a familia ou o casal que nao tem
privacidade, se desacredita ou mesmo cai no ridículo. Certas informa
coes só sao devidas a quem compete ou a pessoas responsáveis.
3. Magisterio e Teología
Carlos González critica o magisterio ordinario da Igreja como se
fosse incoerente ou sujeito a se retratar, de modo que aquilo que hoje é
afirmado amanhá poderá vir a ser negado. - A propósito convém distin
guir entre Magisterio ordinario da Igreja (o ensinamento comum dos Bis-
pos em unanimidade moral com o Sumo Pontífice) e as sentencas dos
teólogos. Nao há dúvida, a teología católica tem evoluído em certos pon
tos: assim no tocante á sorte das criancas mortas sem Batismo, á salva
cáo fora da Igreja visível, á gravidade de certos pecados sexuais... É
natural que a mente humana só aos poucos perceba todas as implica-
cóes da Palavra revelada por Deus; o discurso humano é progressivo,
passa de silogismo a silogismo; a historia tem contribuido para catalisar
o pensamento dos teólogos. O magisterio dos Bispos nao se identifica
com os dizeres dos teólogos; pode nao Ihe contradizer, mas nem por isto
faz das sucessivas sentencias dos teólogos um artigo de fé. Ademáis é
preciso saber que o magisterio da Igreja jamáis poderá contradizer-se no
que concerne os artigos da fé: assim o divorcio será sempre ilícito porque
fere a lei natural (incutida pelo Criador) e a palavra de Cristo no Evange-
Iho: "Nao separe o homem o que Deus uniu" (Mt 19,6); o homossexualismo
será sempre rejeitado porque também viola a lei natural e é condenado pela
Escritura (cf. Rm 1,26s); o aborto será sempre tido como um homicidio...
Especial atencáo merece a questáo da salvacao fora da Igreja. É
comum dizer-se com os antigos: Extra Ecclesiam nulla salus (Fora da
Igreja nao há salvacáo). Até o século XVI entendia-se tal axioma de ma-
neira estrita, como se fosse obrigatório pertencer visivelmente á Igreja
Católica para ser salvo. A partir da descoberta do novo mundo da África,
da Asia e da América, o axioma foi entendido de maneira mais ampia:
para salvar-se, deve alguém pertencer á Igreja de modo visível ou ...
invisível; com outras palavras: pertence invisivelmente á Igreja o fiel nao
católico que candida e sinceramente professa outro Credo e se esforca
por viver de acordó; tal individuo está no caminho da salvacáo, que nao
pode deixar de passar por Cristo (único Salvador) e pela Igreja (Corpo de

112
"QUERIDA IGREJA" 17

Cristo Místico). Como se percebe, houve evolucáo homogénea do entendi-


mento teológico; todavía nao se pode dizer que a Igreja condenava ao infer
no quem nao fosse católico antes do século XVI, pois, para merecer o infer
no, o ser humano deve estar consciente e voluntariamente voltado contra
Deus - o que nao é o caso de alguém a quem Deus nao revelou o Evange-
Iho, mas se revelou através dos ditames da consciéncia sincera e candida.
4. A Pesquisa Teológica

O autor Carlos González se queixa da vigilancia que a Igreja exer-


ce sobre as proposicóes dos teólogos. Seria um cerceamento da liberda-
de ou urna atitude de censura defasada em nossos dias. - Responde
mos que a Teología difere de qualquer outra ciencia pelo fato de que ela
parte de um ato de fé; o teólogo é alguém que tem fé e deseja conhecer
melhor as verdades da fé que ele professa, mediante o estudo. Ora, se
um teólogo fere algum artigo de fé, ele se contradiz e dá ocasiáo a urna
justa intervencáo da Igreja. O patrimonio da fé é sagrado; foi concedido
pelo Senhor a todo o povo de Deus; por conseguinte nao pode ser mani
pulado por um estudioso que decline das suas funcóes. - O mesmo nao
acontece com nenhuma outra ciencia, pois as ciencias humanas e as
ciencias exatas nao podem pretender dizer o Absoluto de Deus. A Igreja,
vigilante a propósito dos artigos da fé, dá testemunho de coragem e coe-
réncia, evitando relativismo "simpático", mas traicoeiro.

5. Autoridade severa

Carlos González refere-se a episodios do passado que atestam o uso


de autoridade severa por parte dos pastores da Igreja. - E ¡negável que os
antigos eram muito mais exigentes em relacáo aos seus subalternos do que
os dirigentes eclesiásticos de nossos tempos. Todavía é de notar que tal
severidade era aceita por todos os fiéis como algo de normal. Santificaram-
se atendendo a ordens penosas de seus superiores, que eram exigentes
nao por masoquismo, mas porque tinham consciéncia de que o cristáo deve
ser um herói, pronto a enfrentar situacóes e provacóes de grande porte.
O autor termina seu livro dizendo que se sentiu bem quando se viu
sozinho, a contraditar as normas da Igreja (intencionando assim servir á
Igreja) (p. 156). Observe-se que esta atitude está sujeita a grandes ilusóes:
a Igreja como tal tem a promessa da assisténcia infalível de Jesús Cristo, ao
passo que o fiel católico nao a tem {cf. Mt 28,18-20). Nao seria presuncáo
querer saber mais e melhor do que a Igreja em materia de fé e de Moral?
Em suma, o livro de Carlos Gonzáles Valles pode ter sido inspirado
por um desejo de crítica construtiva. Mas, na verdade, é mais portador de
azedume e preconceitos do que de valores positivos. A fé de quem criti
ca, é fé em Cristo inseparável de fé na Igreja, Máe e Mestra, que paira
ácima do parecer de quem considera apenas a face humana e superficial
do Cristo vivo em sua Igreja.

113
Preconceitos cegos:

"30 PAPAS QUE ENVERGONHARAM


A HUMANIDADE"
por Jeovah Mendes1

Em síntese: O livro de Jeovah Mendes revela forte tendenciosidade;


escreve obcecadamente sobre urna pretensa papisa que nunca existiu,
sobre Pió XII, ao qual se tem feito justiga frente aos que o caluniam. A
bibliografía citada por tal autor é de origem protestante, magónica,
racionalista, dando a ver que Jeovah Mendes ignora os abalizados auto
res católicos que escreveram sobre os Papas. O estilo satírico e passionai
do autor contribuí para dissipar o valor científico e objetivo da obra. O
autor seguiu a norma de Voltaire: "Mintam, mintam, porque sempre ficará
algo na mente dos ouvintes!".
* * *

Jeovah Mendes pretende ser historiador, mas esquece a obriga-


cáo de reconstituir a historia com objetividade, procurando a verdade dos
fatos sem preconceitos. Conta facanhas de trinta Papas e nao Papas,
que nem todos foram santos (nao há dúvida) baseando-se em fontes
tendenciosas; basta verificar a bibliografía que utiliza: sao obras de pro
testantes, adventistas, testemunhas de Jeová, ma?ons, racionalistas...
Nao cita os grandes historiadores católicos como Ludwig von Pastor,
Hubert Jedin, Daniel-Rops, Rogier-Aubert-Knowles, Fliche-Martin,
Bihlmeyer-Tüchle, Carlos Castiglioni...

A índole preconceituosa do livro se manifesta abertamente em seu


primeiro e seu último capítulo: aquele trata de urna papisa (Joana) que
nunca existiu, este calunia Pió XII acerbamente, apesar de todas as pro-
vas já aduzidas em favor da nobre figura deste Papa. No meio do livro é
considerada a pessoa de Joáo XXIII, reconhecidamente antipapa, mas
tratado em pé de igualdade com os Papas legítimos.2

1 Ed. Tábuas da Leí- Livro Técnico, Fortaleza (CE) 150x230mm, 232pp.


*A respeito deste antipapa o autor J. Mendes comete erro flagrante, ao dizer que no
decorrerdo Concilio de Constanga (1414-1415) cinco papas se digladiavam: Grego
rio XII, Bento XIII, Clemente Vil, Alexandre V e Joáo XXIII (Baldassare Cossa, nao
Roncalli). Ora o Papa legítimo (único Papa) era Gregorio XII. Clemente Vil foi antipapa
de 1378 a 1394, portanto muito antes do Concilio de Constanga; Joáo XXIII foi antipapa
após Alexandre V (1409-1410), ou seja, de 1410 a 1415!
E de notar ainda que o autor tem os albigenses ou cataros na conta de protestan
tes - o que é anacrónico; verpp. 124. 219.

114
"30 PAPAS QUE ENVERGONHARAM A HUMANIDADE" 1j>

As pp. 119-131 deste fascículo seráo estudados tres tópicos cita


dos por J. Mendes como infamantes. Antes, porém, de tais considera-
cóes particulares, convém observar os seguintes pontos:

1) O Estado Pontificio (hoje dito "Vaticano") resultou nao da


prepotencia dos Papas, mas da estima que os fiéis católicos tinham para
com o Bispo de Roma: ao morrerem ou entrarem para o mosteiro, doa-
vam suas térras ao Pastor, que, na ausencia da autoridade imperial
transferida para Bizáncio, era o defensor da ordem social e das popula-
cóes ameacadas pelos invasores bárbaros. Em 756 a administracáo
pontificia foi oficialmente reconhecida por Pepino o Breve, da Franca - o
que deu origem ao Estado Pontificio.

2) Nem tudo o que neste Estado ou em nome deste Estado foi


cometido, ocorreu com a participacáo ou com o aval do Papa. As comu-
nicacóes outrora eram difíceis e lentas, de modo que muitos agentes do
Estado Papal procediam sem o conhecimento do Papa ou mesmo á re-
velia deste.

3) Urna indispensável norma da historiografía científica é a objetivi-


dade. O historiador nao pode ser preconceituoso. Ora sabe-se que a
historiografía é um dos terrenos mais palmilhados pelas ideologías; cada
escola filosófica pretende encontrar na historia os argumentos para fun
damentar as suas teses. Assim a historia da Igreja tem sido explanada
segundo premissas dogmáticamente afirmadas na tentativa de desfigu
rar a Igreja Católica. É necessário, portanto, que o leitor exerca urna crí
tica sadia frente as fontes de ¡nformacóes que Ihe sao apresentadas.
4) Nao se pode entender a conduta dos antepassados sem que se
reconstituam os parámetros da respectiva época e civilizacáo. Julgá-los
segundo categorías da atualidade pode redundar em flagrante jnjustica.
Muitos feitos que hoje parecem estranhos e impraticáveis eram outrora
naturais, principalmente quando se tratava de defender a fé, considerada
como valor supremo. É de notar que os Santos mais doutos e os mais
bondosos nunca levantaram um protesto contra a Inquisicáo e as Cruza
das, tidas como deveres de consciéncia. Verdade é que houve evidentes
abusos no comportamento dos homens da Igreja no passado, mas estes
parecem comprovar a parábola do Evangelho que afirma dever estarem
juntos o trigo e o joio na Igreja até o fim dos tempos; cf. Mt 13, 24-30.
Deve-se, em conseqüéncia, dizer que urna Igreja sem joio nao seria a
Igreja de Cristo nem seria possível (dada a fragilidade humana). A fra-
queza dos homens vem a ser precisamente o testemunho de que nao
sao os homens que regem a Igreja sem mais, mas é Cristo que, por meio
deles, apascenta o seu rebanho.
5) O autor J. Mendes muito insiste na Inquisicáo, pretendendo ilústra
la com desenhos caricaturáis que muito horrorizam o leitor. - Ora sabe-

115
20 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 466/2001

se que o tema "Inquisicáo" é um daqueles que com mais paixáo e exage


ras tém sido abordados pelos historiadores anticlericais. Na verdade, póde
se ponderar o seguinte, procurando refletir com objetividade:

Nao é necessário ao fiel católico justificar tudo que, em nome da


Inquisicáo foi feito. É preciso, porém, que se entendam as intencoes e a
mentalidade que moveram a autoridade eclesiástica a instituir tal proce-
dimento. Estas intencóes, dentro do quadro do pensamento da Idade
Media, eram legítimas, diríamos até: deviam parecer aos medievais ins
piradas por santo zelo. Podem-se reduzira quatro os fatores que influiram
decisivamente no surto e no andamento da Inquisicáo:

a) os medievais tinham profunda consciéncia do valor da alma e


dos bens espirituais. Táo grande era o amor á fé (esteio da vida espiri
tual) que se considerava a deturpacáo da fé pela heresia como um dos
maiores crimes que o homem pudesse cometer. Sao Tomás de Aquino
(t 1274), representando bem o pensamento antigo, escrevia:

"É muito mais grave corromper a fé, que é a vida da alma, do que
falsificar a moeda, que é o meio de prover á vida temporal. Se, pois, os
falsificadores de moedas e outros malfeitores sao, a bom direito, conde
nados a morte pelos príncipes seculares, com muito mais razáo os here-
ges, desde que sejam comprovados tais, podem nao somente ser exco-
mungados, mas também em todajustiga ser condenados á morte" (Suma
Teológica 11/1111, 3c).

A argumentacáo do mestre procede do principio (sem dúvida, au


téntico em si) de que a vida da alma mais vale do que a do corpo: se,
pois, alguém, pela heresia, ameaca a vida espiritual do próximo, comete
maior mal do que quem assalta a vida corporal; o bem comum entáo exige
a remocáo do grave perigo (veja-se também Suma Teológica ll/ll, 11,4c).

Com outras palavras ainda: a fé era táo viva e espontánea que


difícilmente se admitiría viesse alguém a negar com boas intencSes um
só dos artigos do Credo.

b) As categorias de justica na Idade Media eram um tanto dife


rentes das nossas: havia muito mais espontaneidade (que as vezes equi
valía a rudez) na defesa dos direitos. Pode-se dizer que os medievais, no
caso, seguiam mais o rigor da lógica do que a ternura do sentimento; o
raciocinio abstrato e rígido neles prevalecía por vezes sobre o senso psi
cológico (nos tempos atuais verífica-se quase o contrario: muito se apela
para a psicología e o sentimento, pouco se segué a lógica; os homens
modernos nao acreditam muíto em principios perenes; tendem a tudo
julgar segundo criterios relativos e relativistas, criterios de moda e de
preferencia subjetiva).

116
"30 PAPAS QUE ENVERGONHARAM A HUMANIDADE" 2M

c) A intervencáo do poder secular exerceu profunda influencia


no desenvolvimiento da Inquisicáo. As autoridades civis anteciparam-se
na apl¡ca?áo da forca física e da pena de morte aos hereges; instigaram
a autoridade eclesiástica para que agisse enérgicamente; provocaram
certos abusos motivados pela cobica de vantagens políticas ou materi-
ais. De resto, o poder espiritual e o temporal na Idade Media estavam, ao
menos em tese, táo unidos entre si que Ihes parecía normal, recorres-
sem um ao outro em tudo o que dissesse respeito ao bem comum. A
partir do inicio do século XIV, a Inquisicáo foi sendo mais e mais explora
da pelos monarcas, que déla se serviram para promover seus interesses
seculares, subtraindo-a as diretrizes da autoridade eclesiástica, até mes-
mo encaminhando-a contra esta; é o que aparece claramente no proces-
so inquisitorio dos cavaleiros templarios, movido por Filipe IV o Belo, rei
da Franca (1285-1314) á revelia do Papa Clemente V; algo de semelhan-
te se diga em relacáo ao processo de Joana d'Arc.
d) Nao se negará a fraqueza humana de Inquisidores e de oficiáis
seus colaboradores. Nao será lícito, porém, dizer que a suprema autori
dade da Igreja tenha pactuado com esses atos de fraqueza; ao contrario,
tem-se o testemunho de numerosos protestos enviados pelos Papas e
Concilios a tais e tais oficiáis, contra tais leis e tais atitudes inquisitoriais.
As declaracóes oficiáis da Igreja concernentes á Inquisicáo se enqua-
dram dentro das categorías da justica medieval; a injustica se verificou
na execucáo concreta das leis.

Diz-se, de resto, que cada época da historia apresenta ao observa


dor um enigma próprio: na antigüidade remota, o que surpreende sao os
desumanos procedimentos da guerra. No Imperio Romano, é a mentali-
dade dos cidadáos, que nao conheciam o mundo sem o seu Imperio
(oikouméne - orbe habitado - Imperium), nem concebiam o Imperio
sem a escravatura. Na época contemporánea, é o relativismo ou ceticis-
mo público, é a utilizacáo dos requintes da técnica para "lavar o cránio",
desfazer a personalidade, fomentar o odio e a paixáo. Nao seria entáo
possível que os medievais, com boa fé na consciéncia, tenham recorrido
a medidas repressivas do mal que o homem contemporáneo, com razáo,
julga demasiado violentas?
Quanto á Inquisicáo Romana, instituida no século XVI, era herdei-
ra da mentalidade da Inquisicáo Medieval. No tocante á Inquisicáo Espa-
nhola, sabe-se que agiu mais por influencia dos monarcas da Espanha
do que sob a responsabilidade da autoridade da Igreja; quando foi extin
ta no século XIX, era dita "Inquisicáo Regia" e nao "Inquisicáo Eclesiástica".
Sobre a Inquisicáo Medieval ver Curso de Historia da Igreja,
Módulos 32 e 33. Escola "Mater Ecclesiae", Caixa postal 1362, 20001-
970 Rio de Janeiro (RJ).

117
22 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 466/2001

Sobre Joana d'Arc ver o mesmo Curso, Módulo 34.

Sobre a Inquisicáo Espanhola e Torquemada ver o mesmo Curso,


Módulo 42.

Sobre o Papa Alexandre VI ver PR 459/2000, pp. 355-359.

Sobre o Papa Pió XII ver PR 446/1999, pp. 317-331; 454/2000, pp.
98-108.

Passamos a estudar, em particular, a lenda da Papisa Joana (pp.


25-31 da obra citada), a Noite de Sao Bartolomeu (pp. 213s) e o episodio
"Matai-os todos, pois Deus saberá reconhecer os que sao seus!" (pp.
118s).

E se tudo o que vocé ouviu sobre a AIDS estiver errado?, por


Christiane Maggiore. - Ed. Paulus e Ed. Temas Atuais na Promogáo da
Saúde, Sao Paulo 2000, 160 x 230mm, 136 pp.

Este livro revolucionario deve-se a uma senhora norte-americana,


que foialgumas vezes submetida a teste de HIV (Virus da Imunodeficiéncia
Humana), resultando daí um laudo positivo. Foi tida como soropositiva,
embora gozasse de boa saúde. Em conseqüéncia, passou a interessar-
se pelo significado de AIDS e pós-se a difundir suas conclusdes contrarias
ao pensamento da medicina académica, conclusóes alias que outraspesso-
as comparíilham, como se depreende do grande número de testemunhos
citados por Christine Maggiore. Eis como a autora inicia seu capítulo 1:

"Contrariamente á crenca popular, a AIDS nao é nova e nao é uma


doenga. AIDS é um novo nome que CDC, Centers for Disease Control,
deu a um conjunto de 29 doengas e síntomas conhecidos, entre eles
candidíase, herpes, diarréia, alguns tipos de pneumonía e de cáncer,
salmonelose e tuberculose. Essas doengas sao chamadas AIDS somen-
te quando acometem uma pessoa que também apresenta anticorpos que
se alega estarem relacionados com o HIV. Uma pessoa é considerada
paciente de AIDS se tiver uma ou mais das 29 doengas ou síntomas que
oficialmente definem a AIDS e, ao mesmo tempo, seu teste for positivo
para anticorpos associados com o HIV. Em outras palavras, a pneumonía
numa pessoa soropositiva é AIDS, mas a mesma pneumonía no
soronegativo é uma pneumonía. As manifestagóes clínicas e síntomas da
pneumonía podem ser idénticas, mas uma é chamada AIDS, enquanto a
outra é apenas pneumonía" (p. 5).

As conseqüéncias que a autora deduz de tais premissas sao real


mente revolucionarias no bom sentido da palavra. Com efeito, removem
(Continua na p. 141)

118
Lenda restaurada:

PAPISA JOANA?

Em sintese: Um jornalista inglés anunciou recentemente ter des-


coberto documentos que referem a existencia de urna Papisa chamada
Joana. Na verdade, tratase de urna lenda, pois os cronistas medievais,
que sao os primeiros a falar dessa figura, nao concordam entre si nem
quanto á época da "papisa" nem quanto a sua identidade (inglesa, ale
ma..., educada em Atenas...). Desde o século XVI os críticos, mesmo nao
católicos, rejeitam a estória da "papisa Joana".
* * *

Em novembro pp. a imprensa Ian9ou urna noticia alardeante, que


impressionou nao poucos leitores. Eis, por exemplo, o que se lé no JOR
NAL DO BRASIL de 5/11/00:

«Papa ou mama

As evidencias da existencia de urna mulher papa alema, Joana,


nos idos dos anos 800, vai sacudir as estruturas da Igreja Católica.

O jornalista católico inglés Peter Stanford - do Sunday Times e do


Sunday Telegraph - descobriu ñas suas pesquisas que a tal mulher foi
linchada quando descobriram o seu sexo ao dar á luz urna crianga.

No livro que escreveu, A papisa - que chega por aqui mes que
vem, pela Editora Gryphus -, Stanford conta que o Vaticano instituiu urna
cadeira pós-Joana, chamada sedia stercoraria e furada por baixo, que
permitía ao alto clero verificar o sexo do papa».

Que dizer a respeito? - Comecemos por examinar as fontes da


noticia, de mais a mais que a "papisa" Joana também é mencionada por
Jeovah Mendes no livro atrás mencionado.

1. A estória

Nos debates concernentes á Papisa Joana sao evocados onze tex


tos ou fontes escritas, que se escalonam entre os anos de 886 e 1279.
Esses onze textos se reduzem a duas familias de documentos: urna fa
milia é a da Chronica universalis Mettensis, devida ao dominicano Joáo
de Mailly e redigida por volta de 1250. A outra familia é a do Chronicon
pontificum et Imperatorum, documento confeccionado pelo confrade
dominicano Martinho de Tropau, dito "Polono" (t 1279). Os relatos da

119
24 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 466/2001

estória encontrados em documentos mais antigos do que os dois atrás


citados sao devidos a interpolacóes posteriores ao século XIII
(¡nterpolacoes, pois, tardias, feitas em documentos dos séculos IX-XII).

Que dizem as duas fontes sobre a Papisa Joana?

1) A recensao da Chronica universalis Mettensis refere o se-


guinte:

Em Roma, urna mulher simulou o sexo masculino; e, muito inteli


gente como era, veio a ser notario da Curia pontificia, Cardeal e Papa.
Um belo dia, tendo montado a cávalo, foi acometida de dores de parto. A
justica de Roma entao a condenou a ser amarrada pelos pés ao rabo de
um cávalo, que a arrastou meia-légua de distancia, enquanto o povo a
apedrejava. Foi sepultada no lugar mesmo em que morreu.

Um cronista posterior, Estéváo de Bourbon, acrescentou dois tra


eos a essa narrativa: Joana fora ter a Roma (a crónica anterior nada
dizia sobre a origem da "heroína"), e se tornara Cardeal e Papa com o
auxilio do demonio.

Posteriormente, um cronista de Erfurt observou, em acréscimo, que


Joana era urna bela mulher; também modificou o papel do demonio, di-
zendo que este denunciara num consistorio que Joana estava grávida.

A crónica de Metz coloca tal episodio logo após o pontificado do


Papa Vítor III (t 1087). Estéváo de Bourbon diz que ocorreu por volta de
1100, após a morte de Urbano II (1099), ao passo que o cronista de Erfurt
retrocede até 915, depois do governo de Sergio III (t 914)!

2) A recensao de Martinho Polono é mais complexa do que a


anterior.

Refere que Joáo da Inglaterra, nascido em Mogúncia (Alemanha),


ocupou a cátedra papal durante dois anos, sete meses e quatro dias. Era
urna mulher. Jovem, fora por seu amante levada, em trajes masculinos,
para Atenas, onde granjeou grande erudicáo. Transferiu-se para Roma,
onde ensinou o "trivium"1, tendo entre os seus ouvintes e discípulos gran
des mestres da época. Já que gozava de boa reputacáo e elevado saber,
foi eleita Papisa (ou pretensamente Papa) por consentimento de todos
os eleitores, com o nome de Joáo Ánglico. Grávida, ela se dirigía certa
vez de Sao Pedro á basílica do Latráo; entre o Coliseu e a igreja de Sao
Clemente, deu á luz, morreu e foi sepultada no mesmo lugar. Isto tudo se
terá verificado após o pontificado de Leáo IV (t 855). Todavía um
interpolador, Otáo de Freising, coloca a eleicáo da Papisa Joana em 705!

1 O "trivium" eram as tres materias lingüísticas da Idade Media: gramática, retórica,


dialética.

120
PAPISA JOANA? 25

A versáo de Martinho Polono foi modificada pelo autor de um ma


nuscrito do século XIV (publicado por Doellinger em Die Papstfabein
des Mittelalters, Munique 1863, p. 503). Tal autor póe em foco urna jo-
vem chamada Gláncia, oriunda nao de Mogúncia, mas da Tessália, a
qual se terá tornado Papa, nao, porém, com o nome de Joana, e, sim,
com o de Jutta.

Nos séculos XIV e XV a estória gozava de crédito mais ou menos


geral: no domo de Sena, por exemplo, em cerca de 1400, foram erguidos
os bustos dos Papas, entre os quais o da Papisa Joana. No Concilio de
Constanza (1414-1418), o herege Joáo Hus citou a Papisa Joana sem
sofrer contestacáo alguma. Humanistas e adversarios da Igreja, princi
palmente após o cisma protestante (século XVI), muito exploraram a nar
rativa, multiplicando livros e folhetos que propagavam a estória.

Deve-se aínda notar que, com o decorrer do tempo, a lenda da


Papisa Joana foi acrescida de outra, nao menos repugnante. - Com efei-
to, forjaram-se documentos segundo os quais os Cardeais da S. Igreja,
receando que fosse de novo eleita urna mulher Papisa, recorriam a urna
cadeira de assento perfurado a fim de se assegurar do sexo do candidato
eleito. Tal cadeira era chamada "stercoraria" (palavra que provém de
stercus, estéreo).

Esta outra narrativa se encontra nos escritos de autores medie-


vais, dos quais alguns protestam contra ela. Tenham-se em vista
Godofredo de Courlon, em cerca de 1295; o dominicano Roberto de Uzés,
t 1296; Tiago Angelí de Scarpia, em 1400 (o qual contradiz á insana
fábula); Félix Hemmerlin, 11460...

2. A denuncia da falsidade

Apesar de leves dúvidas sobre a veracidade dessas estórias, dúvi-


das proferidas desde o século XIII, somente a partir de meados do século
XVI se reconheceu o caráter lendário das mesmas. O século XVI, com a
Renascenca, foi justamente o século da crítica aos falsos documentos
da historia anterior.

O primeiro a denunciar a falsidade da estória de Joana foi Joáo


Thurmaier, cognominado "Aventino" (oriundo de Abensberg na Baviera),
falecido em 1534, e autor de Annales Boíorum. Esse escritor era publi
camente católico, mas ocultamente luterano. A sinceridade, porém, leva-
va-o a reconhecer a fraude da lenda.

Seguiu-se Onófrio Panvínio (t 1568), que escreveu anotacóes so


bre a vida dos Papas publicadas em Veneza em 1557.

A refutacáo da lenda foi cabalmente empreendida por Florimundo


de Remond, que escreveu o livro Erreur populaire de la papesse Jeanne,

121
26 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 466/2001

editado em Paris (1558), Bordéus (1591, 1595) e Liáo (1595). O autor


mostrava a impossibilidade de tal "estória" e as contradicoes das diver
sas recensóes. Notem-se ainda o autor protestante D. Blondel (Tamilier
esclaircissement de la question, si une femme a esté assise au siége
papal de Rome entre Léon IV et Benoit III". Amsterdam 1647) e o erudito
Ignaz von Doellinger (Die Papstfabeln des Mittelalters. Stuttgart 1890),
o qual nao era muito amigo do Papado, pois se separou de Roma por
nao querer reconhecer a infalibilidade pontificia definida em 1870 pelo
Concilio do Vaticano I.

As razóes pelas quais nao se admite mais a estória da Papisa Jo-


ana, sao:

a) as incertezas e vacilacoes das diversas versóes, principalmente


ao assinalarem a data do pretenso episodio;

b) o fato de que até meados do século XIII a extraordinaria e inte-


ressante estória da Papisa Joana (que teria vivido no período dos sácu
los IX, X, XI) é totalmente ignorada pelos cronistas medievais. Os primei-
ros que se referem, sao o dominicano Joáo de Mailly na sua Chronica
universalis Mettensis redigida porvolta de 1250, e seu confrade Martinho
Polono (t 1279), autor de Chronicon pontificum et imperatorum.
Averigüou-se que os relatos da lenda encontrados em documentos mais
antigos do que estes foram inseridos ai depois do século XIII;

c) a serie dos Papas, como hoje é conhecida, nao admite interrup-


cáo entre Leáo IV e Bento III (século IX), como táo pouco a comporta
entre Pontífices dos séculos X/XI. - Com efeito, Leáo IV morreu aos 17
de julho de 855 e Bento III foi eleito antes do fim de julho de 855. Por
conseguinte, entre Leáo IV e Bento III é impossível intercalar o pontifica
do da pretensa Papisa, que teria durado dois anos, sete meses (ou cinco
meses ou um mes, segundo os diversos narradores) e quatro días. A
mesma impossibilidade se verifica, caso se queira transferir o "pontifica
do" de Joana para outra fase dos séculos VII/XI; nao há brecha na serie
dos Papas para intercalar urna Papisa.

3. Como explicar...?

1. Julga-se que a estória é urna alusáo as tristes condicóes em que


se achava o Papado no século X: varios Pontífices caíram entáo sob a
influencia de tres mulheres prepotentes em Roma: Teodora, esposa de
Teofilacto, e suas filhas Teodora e Marócia. Na mesma época houve sete
Papas com o nome de Joáo: Joáo IX (898-900), Joáo X (914-929), Joáo
XI (931-935), Joáo XII (955-964), Joáo XIII (965-972), Joáo XIV (983-
984), Joáo XV (985-996), sendo que a respeito de Joáo XI escreveu um
cronista seu contemporáneo: "Foi subjugado em Roma pela prepotencia

122
PAPISA JOANA? 27

de urna mulher" (Bento de S. André de Sorate, Chronicon em Monumenta


Germaniae Histórica III 714). Tal noticia por si só podia bastar para fa-
zer crer que realmente urna mulher ocupara a Sé de Pedro. Podia tam-
bém sugerir o nome de Joana para essa mulher, pois a mulher de que
fala o cronista Bento de S. André era tida como familiar de Joáo XI (era a
máe deste Papa); ora "muito naturalmente" urna mulher aparentada do
Papa Joáo deveria chamar-se Joana! Compreende-se, pois, que o sécu-
lo X, fase difícil da historia do Papado, tenha sido ilustrado (ou caricatu
rado) de maneira muito eloqüente pela narrativa ficticia de que urna mu
lher chegou a subir ao trono pontificio.

2. Em particular, a lenda da cadeira estercorária explica-se do se-


guinte modo:

Urna vez eleito o Papa, os Cardeais e o povo iam á basílica de Sao


Joáo do Latráo. O Pontífice se sentava numa cadeira de mármore colo
cada sob o pórtico da igreja; os dois Cardeais mais antigos o sustenta-
vam pelos bracos e o levantavam, ao canto da antífona "Suscitans a térra
inopem et de stercore erigens pauperem. - Levantas da térra o indigente
e do estéreo ergues o pobre" (Salmo 112, 7). Em conseqüéncia, tal ca
deira se chamava "stercorária" (o canto sugería o adjetivo...) A cadeira
nao possuia assento perfurado. A cerimónia tinha seu simbolismo clara
mente enunciado pela antífona: apresentava o Papa como o pobre servi
dor que Deus se ¿ignava de exaltar ao pontificado.
A seguir, o Pontífice era levado ao batistério do Latráo. Sentava-se
sobre urna cátedra de porfírio e recebia as chaves da basílica, sinal de
suas faculdades pastorais. Depois, sentado sobre outra cadeira de porfírio,
devolvía as chaves. Essas duas cadeiras de porfírio tinham assento per
furado; eram cadeiras antigás, que haviam servido aos banhos dos ro
manos e que eram utilizadas em tal cerimónia papal nao por causa da
sua forma, mas por causa do respectivo valor. Ora a lenda confundiu
esses diversos elementos, imaginando a cadeira estercorária como ca
deira de assento perfurado e associando-a á estória da Papisa Joana.

3. De resto, a lenda foi reforcada pela existencia de urna estatua de


mulher com crianca ñas máos, que na Idade Media se achava junto á
igreja de Sao Clemente em Roma. Essa estatua seria, conforme os cro
nistas medievais, a da Papisa Joana; estaría acompanhada de urna ins-
cricáo, da qual quatro variantes nos sao referidas pelos historiadores da
Idade Media:

"Parce pater patrum papissae prodito partum".

"Parce pater patrum papissae prodere partum".


"Papa pater patrum papissae pandito partum".

123
28 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 466/2001

"Papa pater patrum peperil papissa papellum".

Ora os arqueólogos admitem, seja a estatua mencionada a que se


encontra hoje no Museu Chiaramonti de Roma; seria urna estatua de
origem paga a representar talvez Juno que amamenta Hércules.

As diversas formas da inscricáo ácima parecem nao ser mais do


que tentativas medievais para reconstituir urna frase fragmentaria assim
encontrada ao pé dessa estatua de origem paga:

P ... PATER PATRUM P P P

Sabe-se que Pater Patrum era o título característico dos sacerdo


tes de Mitra Oustamente debaixo da igreja de Sao Clemente em Roma foi
encontrado grandioso santuario de Mitra). Mais ainda: sabe-se que a
abreviacáo P P P é freqüente na epigrafía latina, significando muitas ve-
zes própria pecunia posuit, ou seja, construiu á custa própria. Donde
se concluí com verossimilhanca que a "estatua da Papisa Joana" nao é
senao urna efigie em uso no culto de Mitra, custeada e colocada no san
tuario respectivo pelo sacerdote pagao P... (talvez Papinus) em inicios da
era crista. A inscricáo abreviada e mutilada pela injuria dos tempos, pres-
tando-se a interpretacoes diversas, teria dado lugar as conjeturas dos
poetas medievais que corroboravam a lenda da Papisa Joana.

A Batalha pela Normalidade Sexual, por Gerard L. M. van den


Aardweg, Ph.D. - Tradugáo de Orlando dos Reis - Ed. Santuario,
Aparecida, 2000, 210 x 140mm, 157 pp.

O autor é um psicoterapeuta holandés católico, que refere as suas


experiencias e reflexóes decorrentes de trinta anos de consultorio. Trata
do homossexualismo, tido como anormalidade, que muitos assumem, jul-
gando que tém de ser "um homem diferente". O Dr. van den Aardweg leva
em conta o sofrimento dessas pessoas e tenciona indicar-lhes algumas
pistas que ajudem a nao ceder á prática homossexuai. A segunda parte
do livro (pp. 87-149) tem precisamente por título "negras práticas de
autoterapia": recomenda o autoconhecimento, as qualidades a cultivar
(autodisciplina, sinceridade, paciencia, a luta contra a autocompaixáo
neurótica, contra o ego infantil...). Sao muito abalizadas as referencias
do autor, que pretende abrirperspectivas novas e construtivas para quem
padece de um mal tido como normal e inevitável, na falta de quem des
vende novos horizontes.

Possa tal obra encontrar ampia difusáo em nossa sociedade, de


mais a mais que o autor nao fala em nome da fé, mas em nome da ciencia
e da experiencia!

124
Que dizer?

E A NOITE DE SAO BARTOLOMEU (24/08/1572)?

Em síntese: A "Noite de Sao Bartolomeu" vem a ser urna faganha


que se tornou famosa por causa da falsa interpretagao que se Ihe tem
dado. Estudando objetivamente os fatos, o pesquisador verifica que se
trata de um episodio inspirado por interesses maquiavélicos da rainha de
Franga Catarina de Medicis, a qual quis dar caráter religioso, ou seja, a
índole de defesa da fé católica a urna faganha que a consciéncia católica
nao justifica: o morticinio de huguenotes por parte de cidadáos católicos
jamáis poderia ser meio aprovado para salvaguardar os interesses do
Catolicismo na Franga. As informagóes deturpadas transmitidas á Santa
Sé contribuiram para agravar os acontecimentos; o Papa Gregorio XIII
aprovou a falsa versáo que Ihe foi comunicada - o que parecía significar
que sancionava o iníquo homicidio de muitos irmáos.
* * *

É evocado o episodio da "Noite de Sao Bartolomeu" (24/08/1572)


como nódoa do pontificado de Gregorio XIII e também como testemunho
da intransigencia agressiva dos católicos da Franga aos seus concidadáos
protestantes ou huguenotes. Como outros episodios, também este há de
ser entendido dentro dos parámetros do respectivo contexto histórico, a
fim de nao se proferirem juízos injustos "em nome da justica". Como se
verá adiante, o episodio teve caráter fundamentalmente político, revesti
do de aparéncia religiosa católica, sendo protagonista a rainha Catarina
de Médicis da Franca, famosa por suas concepgóes maquiavélicas, se
gundo as quais o fim justifica os meios.

1. Os fatos

Para se entender o episodio, torna-se oportuno reconstituir breve


mente a situacáo religiosa da Franga em meados do séc. XVI.

1. A Franga, país católico desde Clóvis (496), era após a irrupcáo


do luteranismo (1517) um objetivo muito visado pela revolucáo religiosa;
dentre os cem milhoes de habitantes da Europa, contava vinte milhoes,
que viviam em prosperidade industrial e comercial, justificando o adagio
medieval: "A Franga é o forno onde se coze o pao do Ocidente".

As idéias dissolutórias do humanismo paganizante e do protestan


tismo encontraram acolhimento ambiguo entre os franceses, cujo gover-
no e cujo povo estavam profundamente arraigados na fé católica. Contu-

125
30 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 466/2001

do o calvinismo, instigado por um francés (Joáo Calvino) estabelecido


em Genebra (Suíca), ia penetrando no reino; recrutava seus melhores
partidarios entre os nobres da corte, sofrendo, porém, represalias por
parte do governo.

Em meados do séc. XVI, a aristocracia, em vista das tendencias


centralizadoras de Francisco I (1515-1547) e Henrique II (1547-1559), se
julgava vítima do poder regio, que aínda era o representante da causa
católica; queixumes também se difundiam, motivados pela inflacáo mo
netaria, de sorte que muítos entreviam na introducto da reforma protes
tante em Franca a ocasiáo de se emancipar da autoridade regia e resol
ver a crise financeira mediante a secularizacáo dos bens da Igreja.

Foram-se assim formando duas faccóes assaz fortes entre os no


bres: a calvinista ou huguenote (nome provavelmente derivado de
"Eidgenosse", companheiro de juramento), chefiada pelos irmáos Chatillon
ou Montmorency (dentre os quais sobressai o almirante Gaspar de Coligny)
e pelos Bourbon (dos quais Luís de Conde era o principal vulto); a católi
ca, encabecada pelos irmáos Francisco e Carlos de Guise. Note-se bem
que um e outro destes partidos, embora professassem a defesa de idéi-
as religiosas, estavam profundamente imbuidos de ambicóes políticas,
aspirando ambos a tomar a orientacáo suprema do reino.

2. Em 1560 subiu ao trono o rei Carlos IX, com nove anos de idade,
ficando sob a regencia da rainha-máe Catarina de Medicis. Esta, oriunda
de familia florentina católica, só tinha um ideal: dominar na política, im-
por-se a todos por sua energía e autoridade; nao gostava, por conseguín-
te, de "fanatismo religioso". Sendo assim, em sua regencia nao se empe-
nhou nem por católicos nem por calvinistas, procurando, ao contrario,
fazer política de neutralizacao; favorecia ora a estes ora aqueles, a fim
de que nenhum dos dois partidos tomasse a supremacía e a rainha mais
fácilmente dominasse. Sabe-se outrossim que era extraordinariamente
perspicaz e hábil, chegando a servir-se de um grupo de donzelas para
seduzir os nobres que ela quería atrair ao seu partido.

Sob os governos de Catarina e de Carlos IX (1560-1574), foi ga-


nhando prestigio o almirante Gaspar de Coligny, homem de bem, mas
calvinista ardoroso. Em 1571, o rei Carlos IX (declarado maior em 1563,
mas dominado por Catarina até 1570) chamou-o ao seu conselho; imatu
ro e influenciável como era, o monarca dava a Coligny o título de "Pai".

Desde 1562, as duas faccóes - calvinista e católica - estavam em


guerrilhas (o que bem se entende, pois fins políticos moviam os partida
rios). Em 1570 os beligerantes assinaram a Paz de Sao Germano, fa-
vorável aos huguenotes. O acordó devia ser selado pelo casamento da
filha de Catarina - Margarida de Valois - com Henrique de Navarra, che-

126
E A NOITE DE SAO BARTOLOMEU (24/08/1572)?

fe do partido calvinista. O matrimonio, porém, dependía de uma dispensa


papal, que S. Pió V nao quería dar. Nao obstante, em abril de 1572 os
interessados se decidiram ao casamento. O partido calvinista e a figura
de Coligny pareciam triunfar!

Catarina, porém, inquietava-se com a situacáo; nao podia permitir


que Coligny tivesse mais ascendencia sobre Carlos IX do que ela...

Finalmente as nupcias planejadas realizaram-se aos 18 de agosto


de 1572, com a afluencia de milhares de calvinistas e católicos a Paris,
os quais, juntamente com o reí, se entregaram a festejos ruidosos, praze-
res fúteis, enquanto a rainha-máe se fechava em si, revestida de seus
trajes de viúva enlutada, com seu colarinho branco a por em realce uma
fisionomía severa, sem beleza, lívida como a cera. E refletia...

A ocasiáo era propicia para se desferir um golpe forte contra os


huguenotes. Catarina soube entrar em acordó com Henrique, filho de
Francisco de Guise, nobre jovem de 22 anos de idade e audacioso, que
desejava fazer carreíra, movendo a política contra os calvinistas. Devida-
mente apoiada, a rainha-máe aos 22 de agosto de 1572 mandou come
ter em plena rúa um atentado armado contra Coligny. O almirante, po
rém, escapou com vida, sabendo donde provinha a ordem de assassínio.
Como se depreende, a situacáo se tornou muito tensa; os huguenotes
ameacaram revoltar-se contra o rei, caso este nao Ihes fizesse justica.
Catarina, por conseguinte, tinha a temer nao somente por seu prestigio
político, mas por sua própria vida; humanamente falando, só se salvaría
recorrendo a outro crime, ou seja, eliminando definitivamente Coligny e
seus partidarios entáo residentes em Paris. Foi o que ela empreendeu.
No dia 23 de agosto á noitinha, passou duas horas em coloquio com o rei
Carlos IX, seu filho, que contava apenas 22 anos de idade; usando ora
de ternura , ora de acento imperioso, tentava persuadi-lo de que sua
coroa estava em perigo; por fim, o monarca, vencido pelas instancias da
rainha-máe e de ministros, autorizou um golpe contra os huguenotes.

Francisco de Guise assumiu a direcáo da manobra ou chacina,


que teve inicio sem demora, ñas primeiras horas de 24 de agosto, festa
de Sao Bartolomeu. Coligny foi logo assassinado em sua residencia;
despertado imprevistamente e atónito, o povo parisiense, meio-inconsci-
ente do que se dava, associou-se ao morticinio dos huguenotes; muitos
julgavam que se tratava de reprimir uma revolucáo...

Na tarde de 24 de agosto, o rei quis mandar suspender a carnifici


na, que continuava; mas em váo; estendera-se pelas provincias da Fran
ca, sendo que em algumas destas os magistrados católicos e os bispos
conseguiram deter a onda de furor, impedindo o morticinio. Na verdade
este só cessou aos 27 de agosto.

127
32 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 466/2001

Temendo entáo represalias por parte dos governos estrangeiros,


Catarina dirigiu a estes urna carta circular em que apresentava a carnifi
cina como medida tomada "nao por odio aos huguenotes, mas para re
mover urna conspiracáo de alta traicáo do almirante e de seus cúmpli-
ces". Igualmente ambiguos foram os relatos transmitidos ao Papa Gre
gorio XIII: entre outras, urna carta de Luís de Bourbon, duque de
Montpensier, ao Pontífice, datada de 26 de agosto (e ainda hoje conser
vada), informava que o almirante Coligny quisera exterminar o rei Carlos
IX, Catarina e os grandes senhores católicos, a fim de fazer subir ao
trono de Franca um príncipe que impusesse o calvinismo a toda a nacao:
mas, acrescentava, a conspiracáo fora descoberta em boa hora, e a ¡n-
tencáo do rei era a de restaurar a religiáo católica em seu prestigio tradi
cional.

Estas comunicacoes ocultavam ao Santo Padre o verdadeiro signi


ficado dos acontecimentos; Gregorio XIII julgou simplesmente que a Fran
ca acabara de se libertar do perigo calvinista e que doravante se agrega
ría francamente as nacóes católicas da Europa. Por isto mandou cantar
um "Te Deum" na igreja de Santa Maria Maior em Roma, e fez cunhar
urna medalha comemorativa do ocorrido. Na cidade mesma de Paris
muitos acreditavam no comunicado oficial dado pelo Parlamento ao povo:
conspiracáo calvinista debelada; por isto civis e eclesiásticos, a pedido
da corte, se reuniram em solene cerimonia de acáo de gracas aos 28 de
agosto. - De resto, cronistas antigos referem como o regozijo de Grego
rio XIII foi mesclado de amargura: um gentil-homem que privava com o
Pontífice, narra que o Papa derramou lágrimas ao receber a noticia do
morticinio; interrogado entao por um Cardeal sobre o motivo por que tan
to se afligía em vista da derrota dos inimigos do Senhor, respondeu: "La
mento a acáo do rei, ¡lícita e proibida por Deus" (cf. Brantóme, 1614,
Mémoires III, Leyde 1722, 171). O episodio é confirmado por um relato
do embaixador da Espanha, Zuñiga, que aos 22 de setembro de 1572
dizia ter sido o Papa acometido de espanto ("se espantava") ao tomar
conhecimento das ocorréncias da noite de Sao Bartolomeu (cf. Kervyn
de Lettenhove, Relations II114, n. 4).

2. Refletindo...

Na base dos termos apresentados procuremos agora formular um


juízo sobre a atitude dos católicos no morticinio de S. Bartolomeu.

Os dois seguintes pontos parecem esclarecer suficientemente a


questáo:

a) a carnificina nao foi, como se divulgou na literatura e no teatro


(cf. as pegas "Charles IX" de Chénier, "Huguenots" de Scribe), o produto
de um movimento anticalvinista oficialmente dirigido pelo Papa e as po-

128
E A NOITE DE SAO BARTOLOMEU (24/08/1572)? 33

téncias católicas. Nao; Catarina de Medicis, órgáo de acao no caso, nao


era pessoa de compromissos e táticas premeditadas; nunca seguiu um
plano de atuacao determinado, pois quería apenas dominar, obedecen-
do, antes do mais, ás normas do oportunismo e do maquiavelismo; no
momento em que ela o julgou conveniente, mandou matar seus adversa
rios. A Santa Sé nao foi consultada no empreendimento; nem se compre-
ende que o fosse, pois as relacóes entre a corte de Franca e Roma eram
pouco amistosas, dada a questáo do matrimonio de Margarida de Valois,
princesa católica, com Henrique de Navarra, chefe calvinista, matrimonio
que os Papas S. Pió V (1566-1572) e Gregorio XIII (1572-1585), nao
queriam autorizar. - O Soberano Pontífice só tomou conhecimento dos
tatos - e conhecimento deturpado por falsa versáo - quando já estavam
consumados, ou seja, aos 2 e 5 de setembro, por meio de cartas oficio
sas e oficiáis provenientes da Franca; foi por nao estar suficientemente
inteirado do que se dera que Gregorio XIII mandou proceder a manifesta-
cóes de júbilo, julgando tratar-se da extirpacáo do perigo de heresia na
Franca, perigo que se tornara famoso após os estragos e tormentos que
acarretara para os católicos da Holanda (cf. o caso dos mártires de
Gorkum, Akmaar, Ruremonde, ocorrido no mesmo ano de 1572).
Quanto á atitude pessoal de Catarina de Medicis, deve-se dizer
que nao foi inspirada por amor ao catolicismo, mas por interesses pesso-
ais. A rainha-máe era táo pouco zelosa da conservacao da fé católica
que escrevera ao Papa Pió IV (1559-1565) urna carta em que Ihe propu-
nha reduzir a religiáo a alguns preceitos rudimentares, isto é, ao Decálogo,
"a fim de permitir a uniáo de todos os cristaos"! Sua tática entre huguenotes
e católicos era a de compensar as Vitorias de uns mediante as dos ou-
tros. Também a familia de Guise, associada a Catarina, era primariamen
te movida por ambicóes políticas, que se dissimulavam talvez sob a apa-
réncia de zelo religioso. Muito significativos, alias, sao os fatos seguin-
tes: urna das primeiras medidas de Carlos IX após a noite de Sao
Bartolomeu foi a de assegurar, por inspiracáo da própria Catarina, a pro-
tecáo da Franca á metrópole calvinista, Genebra, que se julgava
ameacada pela Savoia e a Espanha. Urna vez desferido o golpe, a rai
nha-máe procurou manter suas antigás relacóes de amizade com Elisa-
bete da Inglaterra e os príncipes luteranos da Alemanha. Estas atitudes
bem mostram que o governo de Franca nao era "fanático" pelo catolicis
mo nem agia propriamente por inspirac.áo religiosa, mas, sim, por razóes
de ordem política.

Consciente disso, o estudioso sincero nao associa o triste episodio


da noite de Sao Bartolomeu com a autoridade da Igreja ou com o amor
dos católicos á sua santa religiáo. Esta no caso só foi evocada a título
abusivo, ou seja, para fornecer aparente justificativa á política pouco lou-
vável de um governo maquiavélico.

129
Mais urna estória:

"MATAI-VOS TODOS! DEUS RECONHECERÁ


OS QUE SAO SEUS"

Jeovah Mendes (obra citada, pp. 118s) cita um episodio que deve-
ria redundar em detrimento do Papa Inocencio III, mas, como outras fa-
canhas mencionadas pelo autor, é tido como lendário por abalizados his
toriadores.

Eis a versáo objetiva dos fatos:

Nos sáculos XI/XIII a Europa foi atormentada por hordas de cataros


ou albigenses: pilhavam cidades e aldeias, destruindo bens alheios pelo
fogo e as armas, impregnados de mentalidade dualista; rejeitavam a
materia como sendo obra má de um Principio mau; em conseqüéncia,
condenavam o casamento como participacáo no projeto do mal, permiti-
am o suicidio, estabeleciam categorías sociais antagónicas, etc. Os
cataros se estabeleceram no forte de Béziers em 1209. A Igreja e o po
der civil tinham interesse em coibir os avancos dos cataros, pois nao
somente deterioravam a fé, mas tumultuavam a vida pública. Por conse-
guinte, os ocupantes do forte de Béziers foram abordados por vias pací
ficas e persuasórias para se renderem. Como resistissem, o Papa Ino
cencio III (1198-1216) ordenou que se movesse urna Cruzada contra eles.
Ao chegarem diante de Béziers, os chefes dos cruzados encontraram a
resistir-lhes na cidadela nao somente albigenses, mas também alguns
católicos. Nao sabendo como distingui-los, diz a anedota, teriam pergun-
tado ao legado do Papa, Arnaldo Amalric, abade de Cister, o que haviam
de fazer. e o monge teria dito: "Caedite eos, novit enim Dominus quisunt
eius! - Matai-os todos, pois Deus saberá reconhecer os seus!"

Tomada a cidadela, houve cruéis cenas de assassínio e pilhagem.


Quanto ao número das vítimas, uns falam em 100 mil, outros em 60 mil,
outros em 20 mil; este último número ainda parece exagerado, porque
mais de metade dos morios encontrava-se na igreja da Madalena, onde
nao cabem nem 5 mil pessoas.

Em qualquer hipótese, a carnificina nao foi ordenada pelo Papa


nem sequer pelos chefes militares da expedicáo, mas por gente que se
tinha introduzido no exército dos cruzados. Com efeito; a frase atribuida
ao abade de Cister é considerada apócrifa por Augusto Milinier, historia
dor do Languedoc, bem insuspeito pelo seu notorio anticlericalismo: "On

130
"MATAI-VOS TODOS! DEUS RECONHECERÁ OS QUE SAO SEUS" 35

doit déclarer absolument apocryphe ce mot barbare". Efetivamente, há


numerosas crónicas do século XIII, escritas por testemunhas verídicas
do saque de Béziers, e n en huma délas registra tal frase. Ela só aparece
em obras de Cesário, monge alemáo que escreveu a duzentas leguas do
teatro das operacóes, confiado em ¡nformacoes de origem albigense. Os
historiadores afirmam até que ela nem podia ser pronunciada, porque o
assalto á cidadela foi efetuado por urna fracáo do exército dos cruzados,
sem o conhecimento dos principáis chefes.

Como se vé, a historia pode ser cultivada de maneira tendenciosa,


de sorte a desfigurar injustamente personagens e instituicoes. O leitor e
o estudioso de historia procurarao sempre averiguar a idoneidade e a
credibilidade das obras que consultam, a fim de "nao engolir gato por
lebre"!

A propósito:

CEREJEIRA, MANUEL GONQALVES, A Igreja e o Pensamento


Contemporáneo. Coimbra, 2* ed. 1928.

GAUBER, HENRI, Les Mots Historiques qui n'ont pas été


prononcés, p. 27s.

GUIRAUD, JEAN, Histoire partíale. Histoire vraie, Tomo I, c. 23s.

Biblia. Suas Transformagóes, por Cario Buzzetti. Tradugáo de


Mauricio Pagotto Marsola. -Ed. Ave-María, Sao Paulo 1999,140x210mm,
150 pp.

Eis urna obra altamente interessante, pois estuda a historia do tex


to bíblico, mostrando a influencia de fatores que no decorrerdos tempos
contribuiram para a configuragáo das tradugóes aramaica (Targum), gre-
ga (LXX) e latina (Vulgata). O autor póe em evidencia minucias da histo
ria que escapam ao comum dos leitores da Biblia. Aborda também o pro-
cedimento de Lutero (teoría e prática) frente á Biblia e termina conside
rando as tradugóes modernas do texto sagrado, usando sempre de bom
senso e respeito as exigencias da fé. Faz-se oportuno lembrar que so-
mente os textos origináis da Biblia sao inspirados; as tradugóes o sao na
medida em que guardam equivalencia com os origináis. A Introdugáo de
Buzzetti termina dizendo: "Consideragóes deste género deveráo ser úteis
a todos aqueles que, de um modo ou outro, participam do atual movimen-
to de divulgagáo bíblica, sobretudo a quem o favorece e deseja que se
realize sem ingenuidade e banalizagóes" (p. 9). Os estudiosos muito lu-
craráo com a leitura deste livro, que sadiamente abre os olhos para o
mundo bíblico.

131
Um livro crítico:

"V1NHO NOVO EM ODRES VELHOS"


por Ferdinand Kerstiens

Em sfntese: Ferdinand Kerstiens inspirase em principios da Teo


logía da Libertagáo e, através de um estudo sobre os sacramentos, pro-
póe um conceito de Igreja equiparada a uma sociedade democrática, em
que o aspecto transcendental é empalidecido em favor de uma visáo crí
tica e horizontal. Especialmente esvaziados vém a ser, no caso, os sacra
mentos da Reconciliagáo e do Matrimonio. - Em resposta deve-se dizer
que a fé em Jesús Cristo professada pelo cristáo se estende naturalmen
te á Igreja, que nao é uma sociedade meramente humana, mas o Corpo
de Cristo (Cl 1, 24) e a Esposa sem mancha nem ruga (Ef 5, 27), Igreja
Santa, mas, sem dúvida, Máe de filhos pecadores. Os sacramentos sao a
expressáo última do misterio da Encarnagáo, que comega em Jesús Cris
to, se prolonga na Igreja e se ramifica nos sete sacramentos, cañáis da
graga.

* * *

Ferdinand Kerstiens nasceu em 1933 na Alemanha. Doutorou-se


em Teología, ordenado presbítero, foi por treze anos capeláo universita
rio em Münster. Viajou pelo Brasil e a América Latina, onde tomou conta
to com as comunidades eciesiais de base. Atualmente é pároco de uma
comunidade em Mari na periferia da regiao do ñuhr.

Escreveu um livro intitulado "Vinho Novo em Odres Velhos. Sacra


mentos da Libertacao"', em que se inspira na Teoiogia da Libertacáo para
propor uma Eclesiologia crítica, ou seja, a nocáo de "Igreja que nasce do
Povo"; subverte assim valiosos principios da clássica concepcáo de Igre
ja num livro destinado ao grande público. As páginas subseqüentes apre-
sentaráo alguns traeos característicos da obra, aos quais será acrescen-
tado sucinto comentario.

1. Linhas básicas do livro

Através do estudo de cada sacramento, o autor tenciona propor


uma concepeáo, democrática de Igreja, inspirada, como dito, na Teoiogia
da Libertacáo, que tem seu paralelo alemáo no movimento dito Initiative
Kirche von unten (Urna Iniciativa de Igreja a partir de baixo); cf. p. 13.

Colegio "Quaestlones Disputatae". Ed Vozes, Petrópolis, 140x210mm, UOpp.

132
"VINHO NOVO EM ODRES VELHOS" 37

Critica assim "o novo centralismo da Igreja": "Parece que o Vaticano pen-
sa que só poderá conservar a unidade da Igreja através de um governo
centralizador... Esse modo de proceder conduzir-nos-á sempre de novo
a um beco sem saída" (p. 13).

Critica outrossim "o novo clericalismo: as condicóes de admissáo


para o presbiterio parecem atrair aqueles que buscam substituir a falta
de urna maturidade humana por urna autoconsciéncia clerical específi
ca" (p. 13).

A atitude básica do autor exprime-se em varias proposicóes do li-


vro, das quais sejam salientadas tres em particular:

1) Desobediencia á autoridade da Igreja

Sao palavras do autor:

"O respeito para com o outro e sua consciéncia deve caracterizar a


convivencia humana. Com isto fica excluida toda e qualquer forma de
Morado. Todo individuo, homem ou mulher, na Igreja, tem o direito de
tomar conhecimento desse tutorado e rejeitá-lo. A imediatez para com
Deusjá cabe a cada fiel, homem ou mulher, antes de todo agir da Igreja.
Com isso também está garantida a liberdade fundamental de cada cris-
táo. 'Importa obedecer mais a Deus do que aos homens' (At 5, 29)... A
comunidade e a Igreja devem ser construidas a partir de baixo, a partir
dos seres humanos individuáis, que foram aceitos por Deus" (pp. 20s).
Como se vé, este texto coloca a Igreja em posicáo lateral ou se
cundaria; nao seria através do sacramento da Igreja, mas ao lado da
Igreja, que o cristáo entraría em uniáo com Deus.

A mesma tese volta á p. 71, quando o autor trata do sacramento da


Ordem:

"Na Igreja, ser superior e ser súdito, o comando e a obediencia só


podem ser compreendidos e realizados cristámente dentro da obedien
cia ao próprio Deus e á sua palavra, que ambos os lados tém de cumprir.
Em casos singulares isso pode significar também a necessidade de urna
desobediencia eclesiástica. 'Deve-se obedecer mais a Deus do que aos
homensl' (At 5, 29)... A pressuposigao da obediencia eclesiástica é por-
tanto urna obediencia comum á mensagem do Evangelho. Nisto a refe
rencia as leis eclesiásticas nao é suficiente".
A propósito deve-se observar: é claro que também a autoridade
deve obedecer a Palavra de Deus. Mas quem se limita a esse tipo de
obediencia, arrisca-se a cair no subjetivismo, como caiu o protestantis
mo: cada um estará entáo habilitado a cumprir "o que acha ser a Palavra
de Deus"; daí se origina o esfacelamento do Cristianismo.

133
38 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 466/2001

O autor adota assim a tese - professada por outros teólogos - do


"cristáo adulto". Este, em virtude de sua consolidada maturidade, pode-
ria, dentro da Igreja, opor-se á autorldade da Igreja e assumir posicáo
solitaria baseada únicamente num juízo de sua consciéncia. A proposi-
cáo é atraente á primeira vista, mas abre as portas a um deletério
subjetivismo.

2) Perdáo dos pecados por parte dos leigos

Á p. 100 lé-se o seguinte:


"Os teólogos enfrentan) dificuldades quando se trata de dizer qual
é o caráter sacramental específico da absolvigáo. Já desde cedo valia o
fato de que o arrependimento pleno era fundamento suficiente para o
perdáo de Deus;portanto, propriamente só se confessava o que de ante-
máo havia sido perdoado por Deus. A isso acrescia-se somente a dimen-
sáo eclesial expressa. Mas nao será isto concebível também ñas cele-
bragóes penitenciáis e no perdáo mutuo de cristáos e cristas? Na prática,
portanto, temos um sacramento penitencial desde muito e com trámites
franqueados.... Muitos fiéis já se decidiram, há muito tempo, pelas cele-
bracóes penitenciáis como forma do sacramento da penitencia. Todo cris
táo, homem ou mulher, está convidado a repassar aos outros o perdáo
recebido".

Este texto quer dizer que o perdáo dos pecados é conferido por
Deus independentemente do sacramento da Penitencia, bastando o ato
de contricáo perfeita ou, em certos casos, o perdáo solicitado a um(a)
irmáo(á) e por ele(a) concedido. - Para afirmá-lo, o autor se baseia em
um principio de Teología, que ele generaliza indevidamente: com efeito,
a Teología ensina que, na impossibilidade de alguém receber o sacra
mento da Reconciliacáo (por motivo de doenca ou falta de sacerdote...),
basta o ato de contricáo perfeita (o horror ao pecado por amor a Deus)
para receber de Deus a absolvicáo; todavía note-se que o principio só
vale para os casos de impossibilidade e nao extingue o fato de que o
caminho normal para o perdáo dos pecados graves é a confissáo sacra
mental.

3) Casamento sem ritual religioso

Eis o que se lé á p. 73:

"No matrimonio a decisáo do homem e da mulher representa o co-


ragáo do sacramento. Por isso a Igreja pode renunciar plenamente a for
ma religiosa de realizar o matrimonio e reconhecer o casamento civil como
eclesiásticamente válido. Isto é surpreendente, hoje, também para mui
tos jovens. Os nubentes administram-se mutua e publicamente o sacra
mento do matrimonio. Nao é preciso nenhum rito religioso, mesmo que

134
"VINHO NOVO EM ODRES VELHOS" 39

parega ter sentido tornar patente o acontecimento interno, a dimensáo


religiosa da decisáo, através de urna celebragáo".

Eis tnais um sacramento que o autor esvazia ou simplesmente ex


tingue numa visao laical ou secularista.

O aspecto ritual e jurídico é importante precisamente para garantir


a autenticidade objetiva da doacáo matrimonial, emancipando-a das ilu-
sóes do subjetivismo; se alguém nao tem a coragem de manifestar publi
camente seu amor de esposo(a), pode-se perguntar se tal amor é genu
ino e digno de crédito.

Paradoxalmente ainda se lé á p. 86:

"Mu¡tas declaragdes de nulidade de matrimonio e separagóes ma


trimoniáis tornar-se-iam eclesialmente mais facéis se nao houvesse tan
tos casamentos religiosos".

A respeito destes tres pontos sejam propostas algumas reflexoes.

2. Comentando...

2.1. A Igreja

A Igreja tem seu aspecto humano, que muitos - especialmente em


nossos dias táo marcados pelo conceito de democracia - sao tentados a
reduzir á nocáo de urna sociedade meramente humana. - Para o cristáo,
porém, a Igreja só pode ser genuinamente entendida se considerada á
luz do misterio da Encarnacáo: Deus quer vir aos homens - e a cada um
em particular - mediante os homens e os sinais sensíveis. Esta concep-
cáo é essencial ao Cristianismo e é fielmente guardada na linha do Cato
licismo, derivado de Jesús Cristo e dos Apostólos. Com outras palavras:
Deus quer vir aos homens mediante a ordem sacramental: o Sacramento
Primordial é a santíssima humanidade de Cristo, por cujas palavras, máos
e atitudes passavam a restauracáo do homem. Esse Sacramento-fonte
se prolonga na Igreja fundada por Cristo, que Sao Paulo chama "o Corpo
de Cristo" (Cl 1, 24), e se estende a cada ser humano através dos sete
filetes sacramentáis. Por conseguinte, Cristo, Igreja e os sete sacramen
tos formam urna caudal de vida indissolúvel. Em conseqüéncia vé-se
que a Igreja é mais do que urna sociedade meramente humana; quem
eré em Cristo, deve lógicamente crer também na Igreja Católica. Um dos
comprovantes desta afirmacáo é a historia do protestantismo: Lutero,
aceitando Cristo e rejeitando a Igreja fundada por Cristo, destruiu nao
somente a Igreja (protestante), mas também, de certo modo, o Cristo;
sim, cada discípulo de Lutero até hoje lé a Biblia e déla deduz a imagem
de Cristo e de sua mensagem que "ele acha" em seu individualismo; daí
os protestantes racionalistas (Bultmann, Dibelius, Harnack...) e os pro-

135
40 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 466/2001

testantes neopentecostais, que véem o demonio em toda parte e aprego-


am exorcismos e milagres todos os dias.

Crer na Igreja, em conseqüéncia do crer em Cristo, significa acei


tar tudo o que ela prescreve em materia de fé e de Moral, assim como
acatar suas orientacoes de Máe e Mestra assistida infalivelmente por
Cristo (Mt 28, 18-20). Isto nao é infantilidade, mas é atitude muito nobre
da pessoa humana, que foi feita para ultrapassar infinitamente a si mes-
ma (Blaise Pascal) e mergulhar no Absoluto de Deus na base de creden-
ciais devidamente analisadas. Crer no misterio da Encamacáo até as
últimas conseqüéncias é essencial ao cristáo. Quanto mais adulto na fé,
tanto mais compreende ele a lógica dessa atitude.

2.2. Remissáo dos Pecados

O perdao dos pecados é conferido por Cristo Sacerdote mediante


o sacramento da Confissáo ou da Reconciliacáo.

A confissáo dos pecados a um ministro ordenado está fundamen


tada no Evangelho, ou seja, em Jo 20, 22s:

"Jesús soprou sobre os apostólos e Ihes disse: 'Recebei o Espirito


Santo. Aqueles a quem perdoardes os pecados, seráo perdoados. Aque
les a quem os retiverdes, seráo retidos'".

Ora, para que o ministro possa exercer a sua funcáo de absolver


ou nao, deve conhecer o estado e as dísposicoes do penitente - o que só
se pode obter através de urna confissáo.

Há tres maneiras de ministrar o sacramento da Reconciliacáo:


1) modalidade estritamente secreta: confissáo auricular,
aconselhamento do sacerdote, imposicáo de satisfacáo e absolvicáo;

2) preparacáo comunitaria, á qual se deve seguir confissáo auricular


para que haja sacramento. Caso alguém nao faca sua confissáo auricular,
terá participado de urna paraliturgia penitencial, que, excitando a contricáo,
Ihe terá obtido o perdáo dos pecados leves;

3) absolvicáo coletiva com obrigacáo de confessar os pecados ab-


solvidos na primeira oportunidade. Este rito só é válido quando

- nao há confessores suficientes para atender a grande multidáo


de fiéis;

- prevé-se que, se nao forem logo atendidos, ficaráo trinta dias


sem os sacramentos;

- o Bispo diocesano (ou o Ordinario local) tenha autorizado dar a


absolvicáo coletiva;

136
"VINHO NOVO EM ODRES VELHOS"

- tenham os fiéis o propósito de confessar os pecados absolvidos


na primeira oportunidade (o que requer que o sacerdote os instrua a res-
peito).

Os fiéis leigos nao recebem de Cristo a faculdade de absolver pe


cados.

A contricáo perfeita só é válida para apagar pecados graves na


absoluta impossibilidade de confessar-se, como dito atrás.

2.3. Casamento civil ou leigo

A propósito convém observar tres pontos:

1) Até Napoleao Bonaparte, jurista e Imperador, nunca houve ca


samento meramente civil. Tres momentos da existencia humana sempre
foram tidos como sagrados: o nascimento, a morte e o casamento, pois
sao tres ocasióes em que a vida é colocada em foco,... vida que é propri-
edade exclusiva de Deus. Nao só no Cristianismo, mas também em ou-
tras correntes religiosas, o matrimonio sempre teve, e tem, caráter sagra
do. O casamento civil é válido como satisfacáo dada á sociedade pluralista
em que vivemos, mas nao substituí o sacramento do matrimonio.

2) Além de ter seu aspecto afetivo muito nobre, o matrimonio tem


outrossim um aspecto jurídico. Este vem a ser um estímulo e urna tutela
para a genuinidade do amor, visto que obriga a pensar seriamente antes
do compromisso; contribuí para evitar leviandade, precipitacáo e paixáo
passageira. O papel do contrato assinado é um espelho, no qual se po-
deráo contemplar sempre os nubentes.

3) O casamento, constituindo urna familia, interessa grandemente


a socíedade humana. Daí a exigencia de que seja público e reconhecido
por todos os membros da sociedade. Nao tem propósito um contrato
matrimonial meramente privado ou clandestino.

Sao estas algumas consideracoes que o livro de Ferdinand


Kerstiens sugere. É obra contestataria sem grande fundamento. O cris-
tao que a lé, estimará mais ainda a Santa Máe Igreja, Mestra assistida
por Cristo, que garante a todo fiel a conservacáo íntegra da mensagem
do Evangelho. Quem eré em Jesús Cristo Sacramento Primordial, nao
pode deixar de crer também na continuacáo desse Sacramento que é a
Igreja fundada por Ele.

CURSO SOBRE A GRACA POR CORRESPONDENCIA


A Escola "Mater Ecclesiae" oferece seu 18° Curso por Correspon
dencia, que versa sobre a Graca {fundamentacáo bíblica, historia e Sis
temática). TeleFAX: 0XX21-242-4552.

137
Um Apelo de peso:

PARLAMENTO EUROPEU E
MANIPULAQÁO GENÉTICA

No Parlamento Europeu os deputados Christine Boutin, membro


do Parlamento Francés e Presidente da Alianca em prol dos Direltos da
Vida, e David Aitón, membro do Parlamento Británico, apresentaram um
Projeto de Resolugáo referente á manipulacáo genética, que foi aprova
do em plenário como Resolucáo ns B5 710/2000 "sobre a clonagem dos
seres humanos". Esta Resolucáo vem a ser um Apelo para que cada
Estado-membro do Parlamento Europeu elabore urna legislacáo
condenatoria de toda pesquisa feita sobre a clonagem humana, inclusive
a clonagem dita "terapéutica". Já que o embriáo é realmente um ser hu
mano e nao apenas um amontoado de células, o bom senso e a lógica
exigem que se Ihe reconhecam os direitos inerentes a sua qualificacao
humana.

Eis o texto da Resolugáo em pauta:

APELO EM PROL DA PROTECÁO DO EMBRIÁO


"A humanidade do embriáo nao é negociável.

Por ocasiáo da fusáo dos gametas masculino e feminino, no momento


da fecundagáo, constitui-se um embríáo humano dotado do seu patrimonio
genético definitivo. O modo como é considerado esse embriáo determina
amplamente toda a oríentagáo ética e científica da nossa sociedade.

Com efeito; somos confrontados a urna opgáo fundamental diante


dos progressos das biotecnologías. Em toda parte, o embriáo humano
corre o risco de ser considerado como urna 'coisa', umproduto eventual-
mente deficiente, urna reserva biológica, um objeto para a manipulagáo.
Registram-se técnicas de procriagáo médicamente assistida que críam
um problema insolúvel gerando embrides excedentes que nao poderáo
ser implantados; há também a armazenagem de embrides congelados
destinados á experimentagáo ou a destruigáo; realizase a selegáo técni
ca dos embrides produzidos, a clonagem de embrides, a criagáo de em
brides para fins de pesquisa e até de comercializagáo de embrides ou de
parcelas de embrides.

Em nossos dias faz-se urgente arbitrar entre tres concepgdes de


embríáo:

138
PARLAMENTO EUROPEU E MANIPULAgÁO GENÉTICA 43

1) O embríáo é considerado um amontoado de células e tratado


como urna coisa. Caso se adote tal concepgáo, todas as técnicas enunci
adas sao legítimas... mas até que limites? A resposta, ninguém a pode
definir.

2) O embríáo é considerado 'urna vida biológica' e só deve serres-


peitado como pessoa quando é 'investido de um desejo parental'. Mas
pergunta-se: em nome de que principio filosófico ou científico um párente
teña o direito de decidir sobre a humanidade do seu próprio filho?1

3) O embriáo é considerado como a primeira expressao da vida


humana. Deve entáo ser respeitado como pessoa e nao pode ser sacrifi
cado em favor da pesquisa científica ou de um interesse coletivo, qual-
quer que seja. Impoe-se assim lógicamente o principio da protegáo abso
luta ao embriáo.

Estamos convictos de que urna única concepgáo corresponde as


exigencias da democracia e dos direitos humanos: a que reconhece a
plena humanidade do embriáo. Esta convicgáo estimula a pesquisa cien
tífica que respeita a integridade do embriáo humano. Rejeita toda agáo
sobre o embriáo que nao tenha como objetivo o bem-estar direto do mes-
mo".

O documento até aqui transcrito é particularmente valioso, pois ar


gumenta em favor da dignidade humana prescindindo de razoes religio
sas ou valendo-se únicamente do bom senso e da lógica. Pode-se
aprofundar o teor desse Apelo recorrendo a mais explícitas considera-
cóes, em parte inspiradas pela fé.

APROFUNDANDO...

É notorio que os dentistas hoje em dia procuram produzir embri


des humanos para deles extrair células ou tecidos que seráo transplanta
dos em organismos adultos atetados por alguma doenca. Especialmente
tém-se em mira certas células ditas matrizes, pluripotenciais, que se po-
dem desenvolver em sentidos diversos, atendendo a carencias diversas
de pessoas atingidas por molestias graves. A finalidade é, por conse-
guinte, terapéutica - o que abre ampias perspectivas de tratamento de
pacientes tidos como incuráveis. Urna táo tentadora expectativa seria
lícita?

- A resposta há de ser negativa, pois o fim (bom) nao justifica os


meios (maus). Com efeito: a manipulagáo do semen vital humano e dos

1 O texto quer dizer que o embríáo só deveria ser respeitado quando tivesse um pai
(físico ou adotivo) ou máe (física ou adotiva) capaz de tutelar a vida desse embriáo.

139
44 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 466/2001

embrides produzidos artificialmente (ou mesmo dos embrides em geral)


fere a dignidade humana e, por conseguinte, a lei do Criador. Por qué?

A análise biológica completa dá a ver que o embriáo humano vivo -


a partir da fusáo dos gametas - nao é mero amontoado de células ou
mera reserva biológica, mas é um sujeito humano com sua identidade
bem definida; desde a conceicáo comeca o seu desenvolvimento de
maneira coordenada, continua e gradual, de tal sorte que em momento
nenhum pode ser tido como um aglomerado de células.

Desta proposicáo segue-se que, como individuo humano, o em


briáo tem direito á sua vida própria. Por isto qualquer intervengáo que
nao seja em favor do embriáo mesmo, constituí uma lesáo desse direito.
- Em particular, é gravemente ilícita a retirada da massa celular interna
(ICM) do blastócito ou da célula embrionaria nao diferenciada, pois altera
de modo irreparável o embriáo humano, impedindo seu desenvolvimen
to. Tais intervencóes nao sao justificadas nem mesmo pela finalidade
terapéutica que possam ter ou pelo intuito de obter células matrizes (ES,
Ese, Embryo Stem cells), pois, como dito, o fim nao justifica os meios.

A igreja tem proclamado repetidamente tais verdades, como se pode


depreender da encíclica Evangelium Vitae de Joáo Paulo II datada de
1995, a qual se refere, por sua vez, a Instrucáo Donum Vitae da Congre-
gacáo para a Doutrina da Fé (1987).

A quem pretenda haver nao um embriáo, mas um mero pré-em-


briáo até o 14S dia após a conceicáo, observa-se o seguinte:

"A partir do momento em que o óvulo é fecundado, inaugurase


uma nova vida que nao é a do pai nem a da máe, mas sim a de um novo
ser humano que se desenvolve por conta própria. Nunca mais se tornaría
humana, se nao o fossejá desde entáo. A esta evidencia de sempre (...)
a ciencia genética moderna fornece preciosas confirmagoes. Demons-
trou que, desde o primeiro instante, se encontra fixado o programa daqui-
lo que será este ser vivo: uma pessoa, esta pessoa individual, com as
suas notas características já bem determinadas. Desde a fecundagáo,
tem inicio a aventura de uma vida humana, cujas grandes capacidades,
já presentes cada uma délas, apenas exigem tempo para se organizar e
encontrar prontas a agir". Nao podendo a presenga de uma alma espiritu
al ser assinalada através da observagáo de qualquer dado experimental,
sao as próprias conclusóes da ciencia sobre o embriáo humano a torne-
cer 'urna indicagáo valiosa para discernir racionalmente uma presenga
pessoal já a partir desta prímeira aparigáo de uma vida humana: como
poderia um individuo humano nao ser uma pessoa humana?'...

A Igreja sempre ensinou - e ensina - que tem de ser garantido ao


fruto da geragáo humana, desde o primeiro instante da sua existencia, o

140
PARLAMENTO EUROPEU E MANIPULAgÁO GENÉTICA 45

respeito incondicional que é moralmente devido ao ser humano na sua


totalidade e unidade corporal e espiritual: 'O ser humano deve ser respei-
tado e tratado como urna pessoa desde a sua concepgáo e, por isso,
desde esse mesmo momento, devem-lhe ser reconhecidos os direitos da
pessoa, entre os quais o primeiro de todos, o direito inviolável de cada
ser humano inocente á vida'" (Evangelium Vitae ne 60).

Como alternativa ao ilícito uso de embrioes, pode-se observar que


também o organismo adulto pode fornecer células matrizes polivalentes
para o tratamento de graves molestias. A Moral católica nada tem a opor
á extracáo e aplicacáo de tais células. Dizia o Papa Joáo Paulo II a 5000
médicos reunidos em Roma num Congresso Internacional sobre Trans
plantes de Órgáos aos 29/08/2000:
"Os métodos que nao respeitam a dignidade e o valor da pessoa
devem sempre ser evitados. Pensó em particular ñas tentativas de
clonagem humana com a finalidade de obter órgáos para o transplante;
essas técnicas, na medida em que comportam a manipulagáo e a destruí-
gao de embrides humanos, sao moralmente inaceitáveis, mesmo que a
sua finalidade seja louvável. A própria ciencia deixa entrever outras for
mas de intervengáo terapéutica que nao implicam clonagem nem utiliza-
gao de células embrionarias, mas se servem de células matrizes retiradas de
adultos. Tal é a diregáo que a pesquisa deve seguir, se queremos respeitara
dignidade de cada ser humano, mesmo na condigno de embriáo".

Tais palavras bem mostram que a fé e o bom senso convergem


entre si no repudio de todo tipo de manipulacáo do embriao humano.
Nenhuma dessas duas instancias é contraria ao progresso da ciencia;
apenas cumpre notar que a ciencia é para o homem e nao o homem para
a ciencia; nem a crianca há de ser sacrificada para servir ao bem dos
adultos.

(Continuagio da p. 118)

a presungáo de que um soropositivo está com a vida condenada a se


extinguir após um período de isolamento e humilhagóes. Seriam falsas
as proposigóes como "a AIDS é a maior ameaga para a nossa saúde", "o
número de infectados pelo HIV aumenta a cada ano", "o continente afri
cano está sendo devastado pela AIDS"... (p. 3). Acrescenta: "A maioria
de nossas nogóes sobre o HIV e a AIDS baseia-se em crengas com pou-
ca ou nenhuma base científica" (p. 4).

Nao nos compete discutir a tese de Christine Maggiore, mas ere


mos que ela nao dissipa a certeza de que devem ser rigorosamente evi
tadas as causas que transmitem a AIDS no sentido convencional desta
palavra.

141
Queéa

"PRÓ-VIDA. INTEGRAgÁO CÓSMICA"?

Em síntese: O Movimento "Pró-Vida", já na sua sumaria apresen-


tacáo, através de Carta de Principios e apostilas para treinamento, for
mula seus conceitos e seu programa em termos ambiguos, que parecem
ser de difícil conciliagáo com o Cristianismo. Oferece urna cosmovisáo
que abstrai, por completo, da mensagem do Evangelho; é um paralelo
que nada tem a ver com o Cristianismo e que, ao desdobrar-se, pode
induzir o discípulo a um modo de pensar e agir totalmente alheio á fé crista.
■k * *

O Movimento "Pró-Vida. Integracao Cósmica", fundado pelo Dr.


Celso Charuri, tem em vista "ensinar aqueles que se encontram desa-
pontados com os objetivos menores, como encontrar os objetivos maio-
res" da vida (Apostila para Treinamento. Curso Básico). "Para isto utiliza
meios tradicionais de desenvolvimento mental, encontrados ñas culturas
das mais antigás civilizacoes do Egito, da india, dos celtas..." {ibd.).
É difícil definir o tipo de filosofía ou de cosmovisáo adotada pelo
Movimento. As apostilas e a Carta de Principios que distribuí, sao
lacónicas. Como quer que seja, chamam-nos a atencáo alguns dizeres
mais expressivos.

A passagem abaixo, tirada de urna "Apostila para Treinamento",


sugere que o homem esteja envolvido numa rede de forcas, que ele deve
saber aproveitar:

"A Mente utiliza o seu cerebro como um verdadeiro computador, e


se ligará por cañáis competentes as MÁGICAS FORCAS CÓSMICAS
(INTEGRACÁO), por intermedio do EU MAIORV
Pergunta-se: que "mágicas forcas cósmicas" sao essas? E que é o
"Eu Maior"?

O panteísmo parece excluido pela seguinte declaracáo:

"Acreditamos que tudo tem urna razáo de ser e que o homem na


face da Térra também tem urna razáo de estar. A procura desta razáo
leva-nos ao CRIADOR e, portanto, ADMITIMOS A EXISTENCIA DO
CRIADOR.

1 As maiúsculas estáo no texto original.

142
"PRÓ-VIDA. INTEGRAgÁO CÓSMICA"? 47

Por admitimos isto, sabemos que nao somos deuses; no máximo,


quando evoluídos, podemos ser filhos de Deus. Por isso tudo, respeita-
mos até a mais humilde criatura de todos os reinos e, dado esse Respei-
to, que advém da compreensáo do Todo, respeitamos a vida em todos os
seus aspectos e em todas as suas manifestagdes" (Carta de Principios).'
Fica a interrogacáo: que Todo é esse, com T maiúsculo?

A Carta de Principios muito enfatiza a evolucáo:


'Temos por PRINCIPIO evoluiro homem, porque nao acreditamos
que o homem seja produto do meio, mas sim que o meio é produto do
Homem.

Acreditamos que o homem que é produto do meio, é homem com


'h' minúsculo, e um meio digno se faz com Homens com 'H' maiúsculo.
Nos acreditamos que devemos evoluir o homem, porque a EVOLUCÁO é
a meta do Universo; é medida Universal".
Pode alguém achar estranho o uso táo freqüente de maiúsculas,
que deixa o leitor desejoso de saber quais os criterios adotados para
empregá-las. - Mais: a EVOLUCÁO assim entendida será de índole mo
ral, cultural, física...?
A mesma Carta de Principios apresenta o homem como "equilibrio
entre corpo e espirito".

O Dr. Celso Charuri fala de Jesús Cristo, "cuja estatua deve ser
colocada no coracáo da cidade, célula mater da possibilidade" ou "no
coracáo do próprio discípulo" (Quem somos nos?). Trata-se de expres-
sóes metafóricas e ambiguas, que aludem a Jesús Cristo.
Entre os meios de progresso, recomendam-se as pirámides:
"Faga os exercícios de preferencia utilizando Pirámides; estude
sobre Pirámides e vocé encontrará maravilhas" (Apostila para Treinamento).
Ora as pirámides sao algo muito discutido; supóem energías no
mundo que poderiam ser captadas pela disposicáo geométrica das pirá
mides. Com mais acertó, porém, deve-se dizer que há muita ilusáo a
respeito de pirámides, como se depreende do artigo das pp. 324-329 de
PR 326/1989.

A finalidade do "Pro-Vida" é atingir um mundo melhor, como se lé


nos dizeres seguintes:
"Foi assim (conscientizando-nos de que a humanidade está sob
guerras e fome) que nasceu a nossa Utopia de pretender um MUNDO

1 As maiúsculas estáo no texto original.

143
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 466/2001

MELHOR. Um mundo onde a sociedade encontré a sua razáo da existen


cia no SER e nao no TER. Um mundo onde a UBERDADE terá como
base a JUSTINA. Um mundo onde o elemento que liberará energía para
a PAZ, será a VERDADE SUPREMA E ABSOLUTA. Um MUNDO BEM
MELHOR, que será catalisado pela CORAGEM; coragem de expulsar o
egoísmo latente por milhares de sáculos dentro do proscrito ser terráqueo.
Um mundo onde as palavras só mostraráo o seu peso, se seguidas da
agáo correspondente. Um mundo que dignificará o homem, como represen
tante material, porimagem e semelhanca de Deus"(Quem somos nos?).
Nao é possível depreender novos traeos característicos do Movi-
mento, dada a sobriedade dos impressos que divulga.
Avallando...

Pergunta-se agora: como avaliar a proposta?

É muito válido o anseio de construir um mundo de fratemidade e


paz; nao há quem o possa contestar. Todavia os recursos utilizados pelo
Dr. C. Charuri nao sao claros; os seus referenciais de pensamento nem
sao ateus, nem panteístas nem cristáos... Trata-se de urna filosofía religi
osa nova e singular. Além disto, a evocacáo de "forcas mágicas" - sedu-
toras para muitos - é vazia e foge á realidade... Temos ai um ecleticismo
contraditório.

Se se trata de realizar um mundo melhor, com homens justos e


retos, nao há necessidade de estruturar teorías novas, pois o Evangelho
prega esse ideal e oferece recursos que bercaram a civilizacáo ociden-
tal, produzindo milhares e milhares de heróis, Santos e Santas. O que ao
mundo de hoje falta, é um conhecimento mais profundo da mensagem
do Evangelho e um aproveitamento mais sistemático da sua vitalidade,
pois certamente a guerra, a fome e as injusticas sao as antíteses do que
Jesús Cristo pregou. De resto, a experiencia de todos os tempos ensina
que o homem por si só nao é capaz de superar as desordens que ele traz
dentro de si e, por isto, nao consegue chegar á realizacáo da paz e da
harmonía fraternas neste mundo. Nenhum sistema de integracáo cósmica,
baseado únicamente ñas capacidades do homem, atingirá sua meta. Para o
conseguir, requerem-se a oracáo do homem e a graca ou o dom de Deus.
Cremos, pois, que um fiel crístáo nao precisa de recorrer a Movi-
mentos heterogéneos para cumprir a sua missáo na Térra. O "Pro-Vida",
já na sua sumaria apresentacáo, é de difícil conciliacáo com o Cristianis
mo, pois oferece urna cosmovisáo que abstrai, por completo, da mensa
gem crista; é um paralelo que nada tem a ver com o Cristianismo; ao
desdobrar-se, pode induzir o discípulo a um modo de pensar totalmente
alheio á fé crista.
Estéváo Bettencourt O.S.B.

144
LIVROS Á VENDA NA LUMEN CHRISTI:

- POEMAS E ENSAIOS - RAlSSA MARITAIN. TRADUCÁO E COMENTARIOS DE


CESAR XAVIER BASTOS.
Trechos da Introducáo:
Apresento neste livro, em edicáo bilingüe, urna boa parte dos poemas de RaTssa
Maritain e também alguns dos seus pontos de vista sobre a Poesia. Como Introdu-
gao, nada melhor do que as palavras de Jacques Maritain ñas primeiras páginas de
Poémes et Essais, transcritas logo a seguir. No final, Registros e Comentarios. A
Cronología é um resumo da cronología que aparece em Cahiers Jacques Maritain, n°
7-8, em comemoracáo ao centenario de Raíssa, em 1983. Ñas A/oías, alguns escla-
recimentos. O que entendí, estudei e acompanhei, com aquela atencáo especial
requerida neste caso, transmito agora...
Edicáo CXB - Juiz de Fora - MG. 2000.200 páginas R$ 18,00.

- JESÚS CRISTO IDEAL DO MONGE - Dom Columba Marmion, OSB. Versáo portu
guesa dos Monges de Singeverga. 682 págs R$ 35,00.

- JESÚS CRISTO NOS SEUS MISTERIOS, Dom Columba Marmion, OSB. - Confe
rencias Espirituais. 3a edicáo portuguesa pelos monges de Singeverga.
540 págs R$ 35,00.
- JESÚS CRISTO VIDA DA ALMA, Dom Columba Marmion, OSB. Quarta edicáo por
tuguesa pelos Monges de Singeverga, Portugal. 1961, 544 págs R$ 35,00.

- LECTIO DIVINA, ontem e hoje. 2a edicáo revista e aumentada. Guigo II, Cartuxo,
Enzo Bianchi, Giorgio Giurisato, Albert Vinnel. Edicáo do Mosteiro da Santa Cruz de
Juiz de Fora, MG. 1999.160 páginas R$ 14,50.
- VIVENDO COM A CONTRADICÁO, reflexóes sobre a Regra de S. Bento. Esther de
Waal. 1998. 165 páginas. Edicáo do Mosteiro da Santa Cruz de Juiz de Fora, MG.
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do Paradoxo. Vivendo com as contradicóes. Vivendo comigo mesma. Vivendo com
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■ OS CISTERCIENSES - Documentos Primitivos, foi publicado originalmente na Franca
(Citeaux Commentarii Cistercienses), tendo urna ¡ntroducáo e bibliografía do irmáo
Francois de Place, da Abadía de Notre Dame de Sept-Fons. Sua edicáo no Brasil foi
urna iniciativa do Mosteíro Trapista de Nossa Senhora da Assuncáo de Hardenhausen -
Itatinga, em Sao Paulo, tendo o apoio dos beneditinos do Rio de Janeiro. A traducáo é do
jornalista Irineu Guimaráes, por muitos anos correspondente no Brasil do jornal francés "Le
Monde". Padre Luís Alberto Rúas Santos, O. Cist., foi o responsável pela revisáo da obra.
O lívro sai pela Musa Editora, de Sao Paulo, em coedicáo com a "Lumen Chrístí", do
Rio de Janeiro (254 páginas) r$ 25,00.

A ESCOLHA DE DEUS, comentario sobre a Regra de Sao Bento, por Dom Basilio Penido,
OSB. 23 edicáo revista - 1997. 215 págs R$ 15,00.
A PROCURA DE DEUS, segundo a Regra de Sao Bento. Esther de Waal
Traduzido do original inglés pelas monjas do Mosteiro do Encontró, Curitiba/PR
CIMBRA- 1994. 115 págs R$ 16,50.
Apresentado pelo Dr. Roberto Runde, arcebispo anglicano de Cantuária, pelo Cardeal
Basil Hume, OSB, arcebispo de Westminster e de D. Paulo Rocha, OSB, abade de Sao
Bento da Bahia.

PERSPECTIVAS DA REGRA DE SAO BENTO, Irma Aquinata Bóckmann OSB.


Comentario sobre o Prólogo e os capítulos 53, 58,72,73 da Regra Beneditína - Traducáo
do alemáo por D. Mateus Rocha OSB. A autora é professora no Pontificio Ateneu de Santo
Anselmo em Roma (Monte Aventino). Tem divulgado suas pesquisas nao só na Alemanha,
Italia, Franca, Portugal, Espanha, como também nos Estados Unidos, Brasil, Tanzania!
Coréia e Filipinas, por ocasiáo de Cursos e Retiros. 364 págs R$ 11,10.

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O genio, ou seja, a santidade de um monge da Igreja latina do século VI (480-540) - SAO
BENTO - transformou-o em exemplo vivo, em mestre e em legislador de um estado de vida
crista, empanhado na procura crescente da face e da verdade de Deus, espelhada na traje-
tória de um viver humano renascido do sangue redentor de Cristo. - Assim, o discípulo de
Sao Bento ouve o chamado para fazer-se monge, para assumir a "profissáo" de monge".
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