ALZIRA TEIXEIRA SORIANO TORNOU-SE A PRIMEIRA PREFEITA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE E, TAMBÉM, A PRIMEIRA MULHER ELEITA PREFEITA, NO BRASIL.
No início do século XX, a concepção da mulher como cidadã,
politicamente emancipada, era tema de reivindicação e de conquistas em países como Suécia, Dinamarca, Noruega, Estados Unidos e Inglaterra. No Brasil, coube ao Estado do Rio Grande do Norte, em caráter pioneiro, conquistar para a mulher o direito legal de votar e também ser votada. A reivindicação das feministas lideradas por Bertha Lutz, teve, no deputado e candidato ao governo do Estado, Juvenal Lamartine, um apoio inusitado o que já tinha se tornado consenso de grande parte de legisladores e de administradores no país.
José Augusto Bezerra de Medeiros, Governador do Rio
Grande do Norte na época em que foi sancionada a Lei, relatou o seguinte diálogo com o então Deputado Federal Juvenal Lamartine:
- Se no Brasil não há voto feminino, como vai haver no Rio
Grande do Norte?
- É perfeitamente constitucional. A Constituição fala apenas em
cidadãos, não distinguindo se homem ou mulher; de modo que a mulher tem tanto direito quanto o homem. Então por que o homem vota e a mulher não vota?
Assim fez-se o voto feminino, através de um trabalho de
Lamartine e um projeto, a pedido dele, apresentado pelo Deputado Estadual Adauto da Câmara. Eu era Governador e o sancionei. Foram as mulheres do Rio Grande do Norte as primeiras a votar no Brasil. E ainda posso acrescentar o seguinte: fui a primeira pessoa votada por mulher no Brasil, graças a essa iniciativa de Lamartine.
De fato, em plena campanha política para ser eleito Presidente do
Estado do Rio Grande do Norte, Juvenal Lamartine já questionava a possibilidade da mulher brasileira ser eleitora com base na Constituição então vigente, de 1891, e, respaldando-se no argumento de que competiria, também, ao Estado-membro legislar sobre direito eleitoral, conseguiu que constasse no artigo 77 da Lei 660 de 25 de outubro de 1927 que “No Rio Grande do Norte, poderão votar e ser votados, sem distinção de sexo, todos os cidadãos que reunirem as condições exigidas por esta Lei.”
Foi assim que a demanda para as inscrições do eleitorado
feminino não se fez esperar e, desta forma, ainda em 1927, Celina Guimarães Viana, em Mossoró, RN e Júlia Barbosa em Natal, RN, entraram para a História como as primeiras eleitoras do Brasil. As eleições se processaram em setembro de 1928. a lei propiciou a eleição da prefeita Alzira Soriano e também, das primeiras intendentes que desempenhavam funções similares a um conselho de vereadores, como foi o caso da professora Joana Cacilda de Besser que fez o seu alistamento eleitoral no município de Pau dos Ferros, em 28 de dezembro de 1927, vindo a ocupar neste mesmo município, esse cargo. Em 1935, Maria do Céu Fernandes, eleita Deputada Estadual, deu, também, ao Rio Grande do Norte, o título de primeiro Estado a eleger uma mulher para a Assembléia Legislativa. A onda de adesão teve o apoio dos cidadãos norte-rio-grandenses de uma forma geral, demonstrando a seriedade da proposta e a confiança que já se fazia sentir pelo desempenho da mulher na administração pública. Prova deste consenso está no fato irrefutável de terem sido eleitas. Porém, como não seria de estranhar, em termos nacionais, a conquista das mulheres com apoio dos políticos e legisladores no Estado do Rio Grande do Norte foi também motivo de galhofa. Era comum se encontrar em pasquins da época, de circulação nacional, charges ironizando o voto feminino (deixaria de ser secreto?...) e também sobre o forte poder de atração exercido pelo governador Juvenal Lamartine sobre o sexo feminino. O jornal O Malho do Rio de Janeiro, foi pródigo em charges humorísticas sobre a adesão de Lamartine à causa feminista como também ironizava o poder que as mulheres passariam a usufruir, invertendo valores relacionados com os que eram até então consignados apenas ao sexo oposto. Ao consultar, seu ex-professor e amigo, o grande jurista Clóvis Beviláqua, redator do Código Civil, sobre a possibilidade do voto feminino, recebeu a carta que respaldaria ainda mais as suas convicções: Meu caro Lamartine: Quer você saber a minha opinião sobre a capacidade política da mulher brasileira em face da constituição. É esse um assunto que está na ordem do dia. Portanto, é natural que tenha eu, como todos, volvido o pensamento para ele. Não vejo onde se possa abrigar objeção ao direito legal de ser a mulher brasileira eleitora e elegível para os cargos que se preenchem pelo sufrágio popular. Não me deterei na apreciação do elemento histórico da lei fundamental do Brasil. Olho somente o seu dispositivo claro. A mulher é cidadã. A brasileira (art. 69) não perde a sua qualidade de brasileira pelo casamento. Antes, influi para tornar o seu conjugue brasileiro, se se casa com estrangeiro. Quer isto dizer que, no sistema constitucional que nos rege, a cidadania é qualidade que a lei assegura à mulher do modo mais completo. Conseqüentemente, os deveres e direitos do brasileiro lhe competem como ao homem. Assim, quando a Constituição declara, no art. 7°, que são eleitores os candidatos maiores de 21 anos que se alistarem na forma da lei, abrange homens e mulheres. Ambos são cidadãos. E, como é sabido, onde a lei não distingue, não deve o intérprete distinguir. Além disso, se a Constituição quisessem excluir a mulher dos direitos conferidos no art. 7°, de princípio tê-la-ia incluído nas exclusões constantes do parágrafo 1°. Não o fez. Logo, ela está compreendida, de princípio, na cláusula. A urgência da resposta não permite encarar o assunto por outros prismas. Mas, você pede duas linhas e eu escrevo muito mais do que isso. Do amigo e admirador, Clóvis Beviláqua”
Edgar Barbosa ao se referir ao voto feminino em todo o território
brasileiro observa o seguinte: As Constituições que se seguiram à Revolução de 30 legitimaram a participação da mulher na concorrência política e segue relacionando exemplos tais como a de 1934 (o art. 109 inclui a mulher como obrigada a se alistar e a votar, no caso de esta exercer função pública) e as subseqüentes, que consagraram o direito do voto feminino. É também de Edgar o texto elogioso do feito norte-rio-grandense no artigo Juvenal Lamartine e o voto feminino:
Antes de qualquer homem do Estado brasileiro, Juvenal
Lamartine foi o precursor da mudança no ‘status’ feminino alforriando a mulher da servidão secular, sem que ela perdesse ou renunciasse aos deveres que lhe corriam no dualismo doméstico. Com o direito de votar, que era a sua carta de cidadania, a mulher brasileira conquistou acesso às universidades, aos empregos públicos, ás assembléias, aos poderes Executivo e Judiciário. O Rio Grande do Norte registra a história de rebeldia e luta de mulheres que se destacaram pela coragem, pelo talento literário, e até mesmo por gestos isolados, mas de grande significado histórico. São exemplos conhecidos o da guerreira e índia Clara Camarão que, juntamente com o seu marido o índio Poti, mo século XVII, participou dos confrontos contra a dominação holandesa; o das mulheres que, na revolução deflagrada de 1817 dentro dos diversos movimentos republicanos, tiveram destemidamente gestos que as colocaram na história tais como o de Clara de Castro a irmã de Frei Miguelino que protegeu os revolucionários queimando documentos reservados e o de Ritinha Coelho que, ao ver o corpo do líder da Revolução no Rio Grande do Norte, André de Albuquerque Maranhão, exposto em execração pública, enfrentou o poder e cobriu o cadáver; a arrojada Nísia Floresta, educadora, socióloga, romancista, poeta e precursora das idéias sobre a liberdade da mulher, rompeu limites geográficos e passou a conviver com os intelectuais do positivismo que surgia e se expendia no final do século XIX; a escritora e educadora Izabel Gondim que se destacou no início do século XIX; a doce poetisa Auta de Souza que, nascida na década de 70 do século XIX permanece imortal com seus sonetos. A escritora que entrou na Academia Norte- rio-grandense de Letras, Carolina Wanderley nascida em 1891 e uma das primeiras a se integrar no movimento feminista; a destemida Ana Floriano que, em Mossoró, sob o temor da repetição dos desmandos de uma Guerra como a do Paraguai, lidera uma rebelião de mulheres e rasga o edital que obrigava todos os homens a participarem do recrutamento para o serviço militar. E outras, muitas outras, escritoras, educadoras e privilegiadas eleitoras que consolidaram a sua cidadania, também pioneiramente, sob os auspícios da Constituição do Estado. Dóceis mas não submissas, algumas muito bonitas e também inteligentes, registraram na história do Estado uma participação que não pode ser relegada ao esquecimento.
Alzira Soriano, mulher bonita, decidida, de temperamento forte e
com uma inteligência privilegiada, ao chegar no cargo de Prefeita era investida também na primazia de se tornar a primeira mulher a exercer um cargo na administração pública municipal, no Brasil. O mais importante do seu feito é o fato de também ter demonstrado que a oportunidade que lhe foi repassada se fundamentava na sua capacidade e na sua idoneidade. Seu discurso de posse é um testemunho de sua percepção sob a responsabilidade que passava a receber diante de si mesma, diante da luta internacional dos direitos humanos da mulher e diante do seu povo: Não me prevaleci do cargo para fazer favores a amigos e ainda menos para negar justiça a adversários. Não abusarei dele para obter proventos seja qual for a natureza destes. O infortúnio do meu estado civil ensinou-me a trabalhar e a viver modestamente com honra, e não trocarei jamais a calma da consciência e altivez da mediania por vantagens mais ou menos suspeitas que pudesse auferir da função pública.
A sua administração foi marcada também por aspectos
inovadores como a convocação de intelectuais do Estado para um quadro de Secretários que a ajudassem a intervir em áreas tais como estradas, educação, urbanização e saúde.
Quando se considera que no ensino formal teve apenas o básico,
depreende-se que na sua formação o grande papel adveio da sua experiência de vida, como, por exemplo, no aprendizado político com o seu pai; com o seu marido, o Promotor Soriano, na curta convivência pelo falecimento em 9 de janeiro de 1919, após o quarto ano de casamento, vítima, aos 19 anos, da gripe espanhola, deixando-a grávida; com o seu sogro, em Recife, após a viuvez, e com a leitura e os contatos com pessoas ligadas à movimentos políticos e minoritários. Sua vida é uma demonstração de que a sua inteligência, aliada à sua experiência, acumulou sabedoria e determinação.
Nasceu em 29 de abril de 1896 em Jardim de Angicos, RN, sendo
seus pais Miguel Teixeira de Vasconcelos e Margarida Teixeira de Vasconcelos. Morreu em 28 de maio de 1963 aos 67 anos de idade, vítima de um câncer. Sua terra natal, Jardim de Angicos perdeu a emancipação de 1914 e passou a ser distrito de Lajes em razão do crescimento deste município por causa da passagem da via férrea. O desmembramento só se processou em 1962, pela Lei número 2.755 de 8 de maio de 1962 no Governo de Aluísio Alves.
O nome Soriano, veio do seu casamento em 29 de abril de 1914
data em que completava 18 anos, como o Promotor, Dr. Thomaz Soriano de Souza Filho que a deixou viúva aos 22 anos. Do se casamento teve as filhas Sônia (1915), Ismênia (1917), Maria do Céu (1918 – faleceu com um mês) e Ivonilde (março de 1919) que nasceu meses após a morte do pai. Esta última reside em Jardim de Angicos preservando a história e a casa onde residiu com sua mãe. Atualmente, vem mantendo contatos com o Governo do Estado através da Fundação José Augusto e com a Prefeitura de Jardim de Angicos para dar início ao processo de tombamento e de organização de um Memorial.
Alzira foi prefeita aos 31 anos. Seu pai foi um homem
considerado como grande político da região central do Rio Grande do Norte. Segundo a jornalista Heloísa Pinheiro Souza Alzira também começou a participar das conversas políticas do pai, levadas a efeito na Fazenda Primavera, já àquela época, parada obrigatória dos políticos e centro das decisões políticas da região. Nada se passava ou acontecia por aquelas bandas sem o conhecimento do coronel Miguel Teixeira de Vasconcelos. A participação de Alzira chamou a atenção da advogada feminista Bertha Lutz , quando, em companhia do então governador Juvenal Lamartine, visitou Lajes, influenciando-o na indicação de uma mulher para governar o município.
O caderno Cidades do jornal “Diário de Natal”, no artigo
“Memória: Alzira Soriano, o centenário da primeira prefeita do Brasil” (DN: 28.04.1996) faz a referência à grande repercussão desta eleição: “O fato de ser a primeira mulher prefeita do Brasil e da América Latina, fez com que os jornais do mundo inteiro noticiassem o acontecimento, tornando Alzira Soriano bastante conhecida e festejada (...) Importante também é o destaque que se dá à sua gestão, como tendo sido de grande competência e integridade: “Com o fim das comemorações pela vitória, a prefeita Alzira Soriano partir para fazer uma administração que chamava a atenção pela organização, tratando logo de nomear secretários e solicitou do governador a ajuda de escriturários do Estado para os trabalhos administrativos. Com uma receita de 60 contos de réis, marcou seu mandato com a construção de novas estradas, mercados públicos distritais, escolas e iluminação (DN, 28.04.1996). Esta norte-rio-grandense que venceu preconceitos, tornou-se um exemplo para o movimento feminista do país, pela sua inteligência e pela sua determinação.
Sobre a participação da mulher em especial sobre Alzira Soriano,
a bióloga e líder feminista Bertha Lutz, declarou no Jornal A República de 2 de dezembro de 1928: ... O acontecimento mais notável foi a eleição da Sra. Alzira Teixeira Soriano, para prefeita de Lajes. É uma mulher inteligente, enérgica, com larga capacidade administrativa e prática, jovem independente e digna. Considera a eleição de elemento como este uma abundante recompensa de todo o trabalho despendido por mim, em dez longos anos em prol da causa feminina, pois constituem uma garantia sólida da continuidade da campanha sociológica que tive a honra de iniciar.
No mesmo depoimento Bertha Lutz faz alusão à primeira
organização eleitoral feminina, a “Associação de eleitoras Norte-rio- grandenses” criada com o objetivo de “propiciar a educação cívica do eleitorado feminino, o preparo da mulher para a participação na vida pública e a colaboração prática e administrativa nas medias de alcance social”: Uma das recordações mais satisfatórias da minha visita ao Rio Grande do Norte foi a fundação da Associação de eleitoras Norte-rio-grandenses (...). É presidida a Associação pela Sra. Francisca Dantas, elemento de grande destaque social, sendo secretárias as Sras. Celina Viana, uma das primeiras eleitoras potiguares; Stelita Paiva, senhora inteligente e ponderada e Antonia Fontoura, o elemento mais entusiasta de que o movimento feminino norte-rio-grandense pode orgulhar-se. São tesoureiras Belém Câmara e Maria Dulce Lamartine. A presidente de honra é a Exma. Sra. Silvina Bezerra de Faria e as vice-Presidentes elementos de defesas social e intelectual.
Com a revolução de 30 e a conseqüente deposição de todos os
governantes. Alzira Soriano destacou-se ao recusar, do governo que se instalava, a oferta para se transformar em “Interventor Municipal”. Tornou-se, portanto, “a primeira mulher a ser defenestrada do Poder, com a perda do mandato ganho nas urnas...” (DN, 28.04.1996).
Anos mais tarde, em 1945, Alzira Soriano volta à vida pública,
candidatando-se à vereadora, tendo sido reeleita mais duas vezes consecutiva. Liderando a bancada da UDN, chegou à presidência da Câmara por mais de uma vez. A sua coerência passava também por gestos destemidos: conta-se que após a sua deposição, ao escutar de adversários insinuações depreciativas sobre o uso da força e do açoite, na sua gestão e, conseqüentemente na do governador Lamartine – “o tempo da virola acabou!...” Alzira Soriano esbofeteia o oponente e responde que “braço de mulher não tinha se acabado não”. E completaríamos que o seu exemplo também não. Alzira Teixeira Soriano motivou e encorajou mulheres, foi tema de estudo em Escolas de outros países – sua filha Ivonilde conta que ela se correspondia atém com estudantes franceses que ficaram impressionados com a sua experiência – quebrou preconceitos e, acima de qualquer diferença de gênero, deixou o exemplo de capacidade administrativa e probidade na conduta política.