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II CONGRESO INTERNACIONAL DE LENGUAS Y LITERATURAS INDOAMERICANAS

Y XIII JORNADAS DE LENGUA Y LITERATURA MAPUCHE


22, 23 Y 24 DE OCTUBRE 2008

TOIKOVE ÑE’ Ẽ/ QUE REVIVA A LÍNGUA:


Sobre uma tradução poética do guarani ao português de Susy Delgado

Gleiton Lentz
Universidade Federal de Santa Catarina
dakria@gmail.com

Roger Sulis
Universidade Federal de Santa Catarina
mikhsulis@gmail.com

Resumo: Mediante uma linguagem poética atual, a obra da escritora bilíngüe Susy Delgado representa
esteticamente a mais sucedida síntese da “defesa da língua” guarani, o avañe’ẽ, com um profundo respeito pela
cultura camponesa tradicional de seu país, o Paraguai. Seus livros Tesarái mboyve, Tataypýpe, Ayvy membyre e
Ñe’ẽ jovái são o resultado desse labor que opera com maestria, num mesmo plano, língua e poesia.
Uma das imagens mais recorrentes em sua poesia, símbolo de toda a cultura paraguaia de expressão
guarani, é o tataypy, lugar na habitação camponesa onde se acende e se mantém o fogo aceso. A escritora, com o
propósito de manter viva a chama dessa tradição, dedica-lhe todo um livro, o Tataypýpe, e através da palavra
poética consegue reviver/reacender a própria língua materna, despertando-a e levantando-a de seu suposto
apagamento.
A partir de discussões em torno de elementos da cultura e língua guaranis, presentes em sua poesia, e da
tradução como agente de transposição cultural, em relação a aspectos subjacentes à relação interlingual
guarani/português, em Toikove ñe’ẽ/Que reviva a língua procura-se expor o processo que envolveu a
transliteração de um conjunto de poemas do livro Tataypýpe (Junto do fogo), de Susy Delgado.
Palavras-chave: Língua guarani; Literatura indígena; poesia traduzida.

Através de uma linguagem poética atual, a obra da escritora bilíngüe Susy Delgado
representa esteticamente a mais sucedida síntese da “defesa da língua” guarani: o avañe’ẽ. A
língua, surgida como do fogo, reacende-se e revive através de uma poesia simples, mas
complexa pelos motivos, a cultura camponesa tradicional de seu país, o Paraguai. Seus quatro
volumes de poesia, a saber, Tesarái mboyve, Tataypýpe, Ayvy membyre e Ñe’ẽ jovái são o
resultado desse trabalho que opera com maestria, num mesmo plano, língua e poesia.
Uma das imagens mais recorrentes em seu imaginário poético, símbolo de toda a cultura
paraguaia de expressão guarani, é o tataypy. Literalmente, o fogo do lar. Representa o lugar
na habitação camponesa onde se acende e se mantém o fogo aceso. Susy Delgado, com o
propósito de manter viva a chama dessa tradição, dedica-lhe todo um livro, o Tataypýpe
(Junto ao fogo), e através da palavra poética consegue reviver/reacender a própria língua
materna, despertando-a e levantando-a de seu suposto apagamento.

1
O Guarani ou o Avañe’ẽ é uma língua da família lingüística tupi-guarani, falada pelo
grupo indígena dos guaranis, que se encontram, além do Brasil, em países como a Bolívia e o
Paraguai. A língua se manteve como instrumento de comunicação ativa pelos menos em um
desses países, o Paraguai, que ainda procura preservar traços de sua origem, um forte traço
cultural que se espalha por todo o país, não obstante a “domesticação” imposta pelo língua do
“conquistador” há cinco séculos.
No Brasil, a língua guarani foi suplantada pela língua oficial do país, o português, já ao
final do século XIX, quando se deixou de ensinar a língua indígena nas escolas, uma vez que
o propósito principal havia sido conquistado: o apagamento da língua (como nação, vale
lembrar, já que à época o grupo dos guaranis se dividia em outros subgrupos como os araxás,
carijós, cainguás, guaianás, entre outros) e a catequização desses mesmos grupos. Apesar do
quadro, alguns grupos ainda se mantêm vivos atualmente, espalhados pelos estados do Mato
Grosso do Sul, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. E suas fronteiras lingüísticas não
ultrapassam mais que os limites de suas próprias reservas territoriais, fixadas pelo Estado,
com exceção de algumas incipientes pesquisas de cunho acadêmico que procuram estudar e
mapear a língua em solo brasileiro.
E isto nos conduz à proposta desse trabalho. A partir da tradução de seis composições
poéticas de Susy Delgado, selecionadas do livro Tataypýpe (respectivamente, os poemas 4, 6,
8, 22, 23 e 24) levantamos algumas discussões em torno de elementos da cultura e língua
guaranis, presentes nessas composições, mediante a tradução interlingual guarani/português
empregada. Esse objeto de análise nos permite adentrar na noção de tradução como agente de
transposição cultural, que procura preservar, lingüística e culturalmente falando, traços da
cultura do estrangeiro, da cultura do outro.
O detalhe reside no fato de que estamos falando de uma tradução interlingual acerca de
uma língua que nos é familiar, no Brasil, mas à qual não estamos habituados, salvo algumas
expressões que se mantiveram em nossa língua pátria, sobretudo por via tupi-guarani, e que,
por vezes, mal conhecemos sua origem. Por essa razão, não nos é (ou era para não ser)
estrangeira, como se fosse algo pertencente ao outro e alheio ao que chamamos de “cultura
brasileira”, esse contingente disperso.
Esse detalhe se engrandece à medida que essa língua é despertada e levantada mediante
a palavra poética, que a reacende simbolicamente, não apenas através do aspecto funcional da
língua, mas de sua expressão escrita, de sua forma enquanto tal. Aqui encontramos, portanto,
a poesia de Susy Delgado, onde a língua guarani, o avañe’ẽ, ganha um lugar privilegiado, um
lugar que diríamos, poeticamente, “junto ao fogo”.

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A título de análise, mantivemos o original em guarani e a versão em espanhol da própria
autora, seguido da tradução em português. Os poemas foram traduzidos a partir do original
em língua guarani, seguido, então, do cotejo em espanhol, já que o objetivo principal é
evidenciar traços dessa relação interlingual dada através da tradução poética que, além da
forma (a disposição rítmica do poema), procura preservar o conteúdo (em outras palavras, as
características culturais implícitas nas composições).
Vejamos, inicialmente, o poema nº 4, onde já é possível pressentir a força de uma língua
que se reaviva através do fogo, ao redor de uma clareira no chão, isto é, “junto ao fogo”, e sob
um céu repleto de estrelas. Uma língua que germina dentro da alma de quem a sente, pois só
assim é possível perceber que ela ainda se mantém viva, pulsante, seja na memória seja
naquele dito instante. Os elementos que compõem a breve composição (o fogo, as estrelas, a
alma, a língua) são organizados de uma maneira muito simbólica, de modo que parecemos
sentir a atmosfera ao redor:

[4] [4] [4]

Ha upépe, Y allí, E ali,


tataypýpe, junto al fuego, junto ao fogo,
óga tuja ahojaguýpe, al abrigo de la casa vieja, ao abrigo da velha casa,
pe mbyja oguejyhápe donde bajan las estrellas, onde caem as estrelas,
tatarendýndie con las llamas, a brillar… com as chamas,
ojajái... Suavemente, a brilhar…
Mbeguemi, en mi alma, Suavemente,
che py’ápe, germina y se enraiza, em minha alma,
heñói ha crece, germina
oñembohapo, una llama, e se enraíza,
okakuaa, tu lengua. cresce,
mba’e rendy, uma chama,
ne ñe’ẽ. tua língua.

A composição nº 6 evidencia os vestígios deixados pela língua materna na memória da


criança (hoje, a poeta) que, quando pequena, ouvia as histórias de seu povo narradas “junto ao
fogo”. O universo da língua guarani se amplia, pois aqui a língua não é apenas uma alusão,
mas uma “presença” sentida. Não precisa ser reacendida, uma vez que nunca se apagou,
sempre se manteve viva pelas chamas. Chamas que, por sua vez, cunharam, como fogo em
carne viva, a poesia de Susy Delgado, sua palavra poética:

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[6] [6] [6]

Tata rovere La chamusquina del fuego A fagulha do fogo


oñembopere dejó sus huellas deixou seus vestígios
mitã mandu’ápe. en la memoria del niño. na memória da criança.
Tata rendague Y la marca del fuego E a marca do fogo
oho chendive. me siguió en la vida. seguiu-me pela vida.
Oje’ove’ỹva Lo que no se borra, O que não se apaga,
tata rovasa, bendición del fuego, benção do fogo,
ohapy vaekue quemó entonces queimou então
che ñe’ẽ. mi palabra. minha palavra.

No poema seguinte, em meio às lembranças da memória, essa faculdade de conservar e


lembrar estados de consciência passados e tudo quanto está associado aos mesmos, a poeta
tenta achar, simbolicamente, um pedaço de carvão nas cinzas do esquecimento, ou, livre de
metáforas, no vazio deixado pelo carvão que se transformou em uma cinza escura e fria.
Apenas um pedaço de lenha é necessário para reacender a palavra, para reencontrá-la. Palavra
esta que revelará a língua e que a subtrairá de seu suposto esquecimento. Aqui se está “junto
ao fogo”, mas o fogo ainda não está aceso, permanece na memória:

[8] [8] [8]

Tata’y Un tizón Um carvão


aheka busco procuro
tesarái tanimbúpe. en la ceniza del olvido. nas cinzas do esquecimento.
Tata’y En el hueco del tizón ausente, No buraco
rendaguépe revuelvo, escarbo, do carvão ausente,
aipyvu, ahavicha, esparzo revolvo, removo,
amosarambi ceniza fría, esparzo,
tanimbu ro’y, ceniza oscura, cinza fria,
tanimbu pytũ, ceniza… cinza escura,
tanimbu... Un tizón cinza...
Tata’y busco Um carvão
aheka para encender el fuego… procuro
ajatapymi haguã... para acender o fogo...

Os poemas nº 22, 23 e 24 encerram o volume de poesias Tataypýpe, de modo que


representam, no conjunto, a síntese de todo o livro. Cada verso resume a situação de uma
língua materna que, quase perdida na memória e subjugada pelo tempo, é, antes de tudo, um

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sentimento. Está fortemente enraizada no imaginário guarani por ser, justamente, a máxima
expressão de sua cultura. Não significa apenas sua representação, mas seu tom, sua voz.
Assim, se nas composições anteriores a poeta de sua língua tratava de “procurar o
carvão” para “reacender a chama da língua”, sempre “junto ao fogo”, com o intuito de manter
a tradição e respeito ao passado, no poema nº 22 a brasa do carvão já começa a arder, após
germinar e crescer, fazendo a fria e informe cinza desaparecer. O que permite que a língua
ganhe novamente forma, pois há muito havia deixado vestígios na memória da poeta, antes
uma criança que buscava compreender seu mundo ao redor, manifestado também através de
sua língua. Vejamos o poema:

[22] [22] [22]

Tata’y, Tizón, Carvão,


epáy, despierta, desperta,
eikove. revive. revive.
Tojepota, Que empiece a arder, Que comece a arder,
tojeroky que baile, que dance,
nde rata. tu fuego. teu fogo.
Tata’y, Tizón, Carvão,
epáy, despierta, desperta,
emondýi, espanta, espanta,
emosarambi, esparce, esparze,
toñehundi que se pierda que se perda
tanimbu. la ceniza. a cinza.
Toikove Que viva Que viva
nde rata. tu fuego. teu fogo.

No poema nº 23, uma das imagens mais recorrentes do imaginário poético de Susy
Delgao retorna: o tataypy, que representa o símbolo máximo da cultura paraguaia de
expressão guarani. A expressão significa o “fogo do lar”, o lugar na habitação camponesa
onde se acende e se mantém o fogo aceso, ao redor do qual se reúnem os membros da família
para relembrar e contar histórias de seus antepassados. Reavivando “o fogo do lar”, é possível
reacender as chamas de uma cultura e, por conseguinte, fazer reviver a língua; tudo isso
mediante uma atmosfera não de pesar ou de tristezas, mas de alegria.

[23] [23] [23]

5
Tata’y, Tizón, Carvão,
epáy ha emombáy despierta y haz que despierte desperta e faz que desperte
tanimbu rupápe, en el lecho de la ceniza, no leito da cinza,
tataypy. el fuego del hogar. o fogo do lar.
Che ru tujami El que había alumbrado Que iluminou
ñe’ẽ pypuku la voz profunda a voz profunda
ohesape vaekue. de mi padre viejo. de meu velho pai.
Tata’y, Tizón, Carvão,
epáy ha ejupi pe tata despierta y levántate con el fuego, desperta com o fogo
rendýndie, desátate y ríe, e levanta-te,
ejera, epuka, vuela y desnuda desata-te, ri,
eveve, eipepi las brasas de la alegría. voa, despoja
vy’a ratapĩ. Que reviva otra vez as brasas da alegria.
Toikove jey el fuego del hogar. Que reviva outra vez
tataypy. Que reviva el fuego, o fogo do lar.
Toikove tata, que reviva la lengua. Que reviva o fogo,
toikove ñe’ẽ. que reviva a língua.

A última composição é o rito consagrado “junto ao fogo”, a chama reacendida de uma


cultura, a língua despertada de um sonho de esquecimento, pois, na verdade, nunca foi
esquecida, sempre se manteve viva, pulsante, seja na memória seja na própria fala, que é sua
“realidade”, sua chama constante.
Para finalizar, nos coube manter na tradução essa mesma atmosfera, em toda a sua
idiossincrasia, uma vez que estava em jogo elementos fortemente culturais, sintetizados em
uma língua aglutinante, e que deveriam ser expressos em uma língua analítica. Esse aspecto
lingüístico, por vezes imperceptível, apenas confirma a tradução como agente de transposição
cultural que procura preservar, estilística, lingüística e culturalmente, as características da
letra do outro, do estrangeiro.
E a poesia de Susy Delgado é aquela que venho para registrar esse longo ritual de
esquentar-se “junto ao fogo”. Ritual poético que dá vida à língua guarani, ao avañe’ẽ, e que
nos afasta do suposto apagamento dessa língua, que sempre nos foi muito próxima, e que nos
desperta para o seu universo sui generis, tão perceptível e sensível como o fogo que arde e
queima.

[24] [24] [24]

Jepe’e puku Largo ritual Longo ritual


tataypýpe... de calentarse junto al fuego… junto ao fogo…
Mbeguekatuete Que fuera apartando Que vagarosamente
omombia vaekue despaciosamente foi apartando

6
ro’y ha pytũ, el frío y la noche. o frio e a noite,
mbeguekatuete Que me fue despertando que lentamente
chemombáy vaekue. lentamente. foi me despertando.
Jepe’e puku Largo calentarse Longo ritual
mombyry guive, que desde lejos, que desde longe,
tesarái keguýpe en el ensueño del olvido, no sonho do esquecimento,
hendýva. se enciende. se acende.
Jepe’e yma, Rito del fuego Rito do fogo
mandu’a rugua, de otros tiempos, leito da lembrança,
epáy ha emondýi lecho del recuerdo, desperta e espanta
tesarái. despierta y espanta o esquecimento.
al olvido.

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Bibliografia:

DELGADO, Susy. Tataypýpe/Junto al fuego. Asunción: Arandurã, 1994.

__________. Tesarái mboyve: Antes del olvido. Asunción: Arandurã, 1987.

BREARD, Miguel-Raúl López. Mitos guaraníes. Asunción: Intercontinental, 1995.

LUSTIG, Wolf. “Ñande reko y modernidad: Hacia una nueva poesía en guaraní”. Poesía
paraguaya de ayer y de hoy. Asunción: Intercontinental, 1997, 21-48.

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