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Este resumo descreve um livro sobre a História Antiga que propõe uma nova perspectiva ao enfatizar o processo de integração no Mediterrâneo entre os séculos X a.C. e V d.C., em vez de seguir a abordagem tradicional de História Universal com foco na civilização ocidental. O livro critica a visão eurocêntrica da História Antiga e argumenta que o Mediterrâneo foi palco de uma progressiva integração que articulou as comunidades da região. A narrativa descreve etapas dessa integração
Este resumo descreve um livro sobre a História Antiga que propõe uma nova perspectiva ao enfatizar o processo de integração no Mediterrâneo entre os séculos X a.C. e V d.C., em vez de seguir a abordagem tradicional de História Universal com foco na civilização ocidental. O livro critica a visão eurocêntrica da História Antiga e argumenta que o Mediterrâneo foi palco de uma progressiva integração que articulou as comunidades da região. A narrativa descreve etapas dessa integração
Este resumo descreve um livro sobre a História Antiga que propõe uma nova perspectiva ao enfatizar o processo de integração no Mediterrâneo entre os séculos X a.C. e V d.C., em vez de seguir a abordagem tradicional de História Universal com foco na civilização ocidental. O livro critica a visão eurocêntrica da História Antiga e argumenta que o Mediterrâneo foi palco de uma progressiva integração que articulou as comunidades da região. A narrativa descreve etapas dessa integração
GUARINELLO, Norberto Luiz. Histria Antiga. So Paulo: Contexto, 2013. Pp.
174. ISBN 978-85-7244-794-2. Fbio Duarte Joly1
Apesar do ttulo, a ltima obra de Norberto Guarinello, professor de
Histria Antiga na Universidade de So Paulo, no um livro convencional. Em primeiro lugar, porque seu objetivo principal desconstruir o sentido mais corrente e cristalizado de Histria Antiga como parte de uma Histria Universal, ponto de partida da civilizao ocidental. Em segundo lugar, pelo fato de propor um ensaio original de interpretao dessa histria a partir da anlise dos processos de integrao no Mediterrneo entre os sculos X a.C. e V d.C. O primeiro objetivo, de carter mais terico e historiogrfico, apresentado na introduo do livro, sobre Histria Antiga e memria social, e desenvolvido com mais vagar nos dois captulos seguintes: A histria da Histria Antiga e A Histria Antiga contempornea. A base da exposio reside na apresentao da Histria como uma forma de memria social, fundamental para a criao de uma identidade coletiva. Para o autor, a histria dita cientfica coloca-se como uma fonte peculiar e importante na produo dessa memria e identidade. Sua legitimidade perante a sociedade advm do fato de que , em grande parte, produzida por um sistema de ensino e pesquisa financiado pelo Estado. Uma caracterstica dessa histria est em seu mtodo, pautado pelo uso de teorias e modelos para organizar e conferir sentido aos vestgios do passado. Esses instrumentos podem ser criticados e refutados, conferindo escrita da histria uma dinmica e, sobretudo, uma ligao indissocivel com as demandas do presente. Da a posio expressa pelo autor de que, diante do aprofundamento do processo de globalizao pelo qual passa nosso mundo contemporneo, a prpria Histria Antiga deve ser repensada, e no apenas pela formulao de novas teorias e modelos, mas pela crtica de sua forma tradicional, marcada por uma perspectiva eurocntrica e permeada pelas 1 Professor de Histria Antiga na Universidade Federal de Ouro Preto.
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ideias de progresso, nao e civilizao. Em suma, se essa forma interessava aos
intelectuais europeus que a produziram no sculo XIX, no significa que devemos replic-la hoje, irrefletidamente. Para que compreendamos esse processo, o autor apresenta um painel do desenvolvimento da Histria Antiga desde o Renascimento at o sculo XX. Embora essa parte se centre mais numa discusso historiogrfica, o autor j introduz nela um conceito que depois nortear seu tratamento do Mediterrneo antigo: o conceito de trabalho morto. Aps a dissoluo do Imprio Romano no Ocidente, o passado da Antiguidade no se extinguiu ou foi anulado, mas perdurou como trabalho morto, ou seja, como uma srie de conhecimentos acumulados que nunca se dissolveram: na arte de forjar o ferro, na agricultura, na arquitetura, nos objetos artesanais da vida cotidiana, nos costumes. E isso, no apenas no que viria a ser a Europa ocidental, mas por todo o espao que fora ocupado pelo antigo Imprio Romano: tanto nas terras do Isl, quanto naquelas do Imprio de Bizncio (p. 18). Os prprios textos escritos da Antiguidade, preservados em cdices, so exemplos desse trabalho morto que permitiram o que o autor denomina de criao do antigo no Renascimento, momento que antecedeu a produo de uma Histria Antiga, que comea a se firmar como Histria cientfica a partir do final do sculo XVIII. no sculo XIX que a Histria Antiga ganha contornos mais claros, espelhando o contexto poltico da poca. Torna-se parte de uma Histria das naes europeias, com incio na nao grega, e avana a noo de uma superioridade do Ocidente, expresso e justificativa do imperialismo. Mas tambm nessa poca desenvolvem-se conceitos importantes para o estudo das sociedades antigas, como aquele de cidade antiga, particularmente presente nas reflexes de Fustel de Coulanges, Marx e Weber. Ao analisar a historiografia produzida ao longo do sculo XX, o autor busca relacionar as mudanas na compreenso do mundo antigo a partir das transformaes atravessadas pelo mundo contemporneo, notadamente as duas grandes guerras mundiais, a Revoluo Russa, a revoluo dos costumes nos
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anos de 1960 e 1970, o fim do comunismo e os processos de globalizao.
Dentro desses marcos expe as controvrsias acerca da economia antiga, destacando o papel dos embates entre modernistas (na figura do historiador russo Michael Rostovtzeff) e primitivistas (capitaneados pela obra de Moses Finley), e tambm as contribuies da historiografia marxista. No campo dos estudos culturais, menciona a escola de Paris e o impacto da viragem cultural sobre a historiografia produzida a partir da dcada de 1980, que acabou por colocar em segundo plano o campo da economia e sociedade, priorizando a questo das identidades. Essa culturalizao da Histria Antiga, por outro lado, propiciou uma maior abertura da disciplina, integrando os estudos judaicos e do cristianismo e tambm permitindo a consolidao de conceitos como Antiguidade Tardia, alargando os limites cronolgicos dessa disciplina. Enfim, assistimos a um momento em que esto em xeque as unidades histricas tradicionais que giravam em torno da ideia oitocentista de Estado-nao, pondo o desafio de se elaborar narrativas que deem conta, de uma maneira integrada, da diversidade cultural, poltica e econmica do mundo antigo. Esta a razo que leva o autor a investir no mbito dos estudos mediterrnicos, proposta que teve impulso com a publicao de The Corrupting Sea: A Study of Mediterranean History (2000), de Peregrine Horden e Nicholas Purcell. Porm, ao contrrio da perspectiva desses autores, que tendem a no fazer de fato uma Histria no Mediterrneo, ao enfatizarem uma ecologia histrica, Guarinello aposta na ideia de que o Mediterrneo foi palco de uma progressiva integrao histrica que articulou as comunidades produzindo sistemas sociais cada vez mais complexos, justamente por conta do trabalho morto acumulado ao longo do tempo. Nesse processo, as fronteiras outro conceito central em seu texto internas e externas s comunidades foram continuamente se reconfigurando. Os captulos subsequentes do livro visam descrever esse processo de integrao. So eles: Navegaes, Cidades-Estados, Hegemonias, O imperialismo romano, O Imprio e Antiguidade Tardia. Sua narrativa
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Fbio Joly. Resenha de Norberto Guarinello, Histria Antiga.
inicia-se no sculo X a.C., quando se daria uma reconexo do espao
mediterrnico aps o fim dos sistemas palacianos micnicos. A difuso da produo do ferro, o uso da escrita alfabtica e o recurso a barcos de grande tonelagem, aptos a singrarem o alto-mar, caracterizam essa etapa de integrao, que marca ainda o comeo de uma navegao mais ostensiva, de iniciativa privada, ligando comunidades e circulando mercadorias. A partir do sculo VIII a.C. ocorre o surgimento e espraiamento de um tipo de comunidade mais definido: a cidade-Estado (plis). Seu trao marcante foi a extenso do direito propriedade privada para todos os habitantes, impondo fronteiras mais ntidas no s entre os membros das comunidades mas tambm frente aos estrangeiros. Esse fechamento das plis significou uma outra etapa da integrao mediterrnica, mais competitiva, levando as cidades a investirem na expanso de seus territrios precisamente para sanar conflitos internos causados pela desigual distribuio de riquezas. Entre os sculos V e II a.C. surgem, assim, grandes centros de poder no Mediterrneo, cujos embates entre si mudam o ritmo e formas da integrao. A expanso persa inaugura um perodo de guerras endmicas, do qual a Guerra do Peloponeso foi um exemplo. Essas guerras, embora causassem grande destruio, acabaram por promover o processo de integrao, pois geravam alianas entre cidades e intensificavam o comrcio e manufaturas. A especificidade de Roma nesse contexto, em comparao ao imprio de Atenas e s monarquias helensticas, decorreu do fato de que manteve inalterada as estruturas das plis, no submetendo-as a um imprio explorador, mas agregando-as numa vasta rede de alianas, inclusive com concesso da cidadania romana. A unificao da Itlia e posterior expanso do poder de Roma para o Mediterrneo ocidental e oriental instaurou um imprio mediterrnico que interferiu profundamente no processo de integrao em curso. Por um lado, ocorreu um aumento expressivo da produo e comrcio e da escravido , mas, por outro, uma crise poltica e social no centro imperial, levando s guerras civis do final da Repblica, que tiveram um impacto em todo o Mediterrneo.
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O Imprio surge assim como consequncia dos sculos de integrao
anteriores e da consolidao das estruturas antecedentes. As cidades mantinham-se como sua base de sustentao, mas sem que isso significasse uma plena unificao da sociedade. A presena de um exrcito profissional como base de apoio do poder imperial e as tentativas de criao de uma identidade romana revelam que a unidade sempre foi instvel, e por vezes contestada. Tampouco foi uma economia unificada, embora a criao de uma moeda imperial tenha aumentado a monetizao das trocas em todo o Imprio. Mas no h como contestar, segundo o autor, que o Estado foi o maior agente econmico do Imprio. Se at o sculo III o processo de integrao do Mediterrneo sob o Imprio Romano no sofreu retardos significativos (mesmo com a crise poltica desse perodo), o sculo IV apresentado como um momento de mudana, com o estabelecimento de uma nova ordem: diviso do Imprio e maior peso dos militares e burocratas em sua administrao, formao de uma identidade romana comum, cristianizao da cultura e presena de populaes no romanas no interior do Imprio. A despeito dessas condies, o autor frisa que esse quadro no significou um retorno a condies primitivas de vida, mas sim uma reorganizao das interconexes e redes que moldavam a integrao mediterrnica. Em suas palavras, aps o sculo V, deve-se comear a pensar a narrativa histrica a partir de outros ngulos, mais amplos que incluam o norte da Europa e Oriente na narrativa (p. 171). Como se pode ver, pelo arco de tempo que se prope a cobrir de forma sinttica, demonstrando o domnio de ampla bibliografia e fontes, o livro de Guarinello, com sua preocupao em nos levar a pensar os limites da Histria Antiga tradicional, merece um destaque especial. E isso pode ser dito tambm pelas perguntas que levanta. Uma delas diz respeito prpria delimitao do Mediterrneo como unidade de anlise. s vezes no ficam claros os limites e divises desse espao, como quando diz, por exemplo, que o centro do Mediterrneo estendia-se entre a costa da Anatlia e a Pennsula ibrica (p. 95); outras vezes tal centro parece
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Fbio Joly. Resenha de Norberto Guarinello, Histria Antiga.
referir-se Pennsula Itlica. Mas talvez a questo principal refira-se quelas
regies que ficam excludas da anlise. O livro comea e termina lembrando que no se pode relegar a um segundo plano o Oriente Prximo e a Europa Central (p. 75), ou o norte da Europa (p. 171), para se pensar a Histria no Mediterrneo. Mas, com a excluso, mesmo consciente, dessas reas, no estaramos reafirmando uma diviso entre Oriente e Ocidente, entre zonas litorneas e interioranas, que caracteriza uma definio tradicional de Antiguidade como, por exemplo, defendida por Finley em A economia antiga (1973), cujo interesse era frisar a propriedade privada como elemento peculiar de um mundo greco-romano? Essa forma de propriedade, como uma das marcas definidoras da cidade-Estado, e posteriormente espraiada pelo Imprio Romano, um ponto central no livro de Guarinello. Mas um pr-requisito para o processo de integrao das comunidades atravs do Mediterrneo e alm dele? Como se integrariam nesse processo outras formas de propriedade que divergem desse padro? Outra questo remete associao entre processos de integrao e projetos de poder a partir de centros polticos especficos. No livro predomina a ideia de que apenas as grandes plis estavam mais bem-adaptadas a resolver seus conflitos internos por meio do controle e explorao de territrios, o que seria um catalisador da integrao. A hegemonia de Roma se destacou no cenrio mediterrnico e permitiu, com seu imprio, uma unificao mais intensa do mar do que fora possvel anteriormente. H uma correlao, portanto, entre os sculos III a.C. e V d.C., entre um centro poltico Roma , e a integrao mediterrnica, ou seja, uma associao entre o Imprio e o mar. Como pensar essa integrao com a perda da centralidade poltica de Roma no sculo V d.C.? sempre, ou predominantemente, o poder estatal de uma cidade-Estado ou Imprio que institui uma ordem, que realiza a integrao? Ou a integrao tambm pode prescindir de unidades polticas mais definidas, como sugere o captulo sobre navegaes em que se usa, de forma mais vaga, o termo comunidades? Como diferenciar na narrativa os diferentes nveis de induo do processo de integrao mediterrnica?
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Certamente so questes que o autor teve em mente ao redigir sua obra.
Aponto-as aqui apenas como registro das impresses que me ficaram de sua leitura.