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Publicado no suplemento mensal “Pensar Brasil” do jornal Estado de Minas, pp. 7-9.

Belo Horizonte, 10 de abril de 2010.

O CALCANHAR DE AQUILES:
o financiamento das campanhas e o sistema político
brasileiro

Bruno P. W. Reis

Transcorridos mais de vinte anos desde a promulgação da Constituição de


1988, é difícil evitar um diagnóstico ambivalente sobre a operação do
sistema político brasileiro. De um lado, observando os meios de
comunicação de massa, o sistema parece em decomposição. Por outro lado,
as estatísticas sociais melhoram de modo sem precedentes, e o sistema
político mostra-se estável como nunca. De fato, os governos têm
conseguido maiorias razoáveis, e as decisões (pelo menos as mais cruciais
para se manter a máquina operando no curto prazo) têm podido ser
tomadas. Temos sido, nas últimas décadas, poupados de impasses
dramáticos, de crises políticas com desfechos institucionais imprevisíveis, e
do recurso à força das armas para a arbitragem de conflitos políticos. Esta é
uma conquista real, a que nem sempre damos a devida atenção.

Não se trata, portanto, de amesquinhar este feito, mas tampouco seria


prudente negligenciar o mal-estar que de fato existe na opinião pública
quanto ao modus operandi de nosso sistema político. Minha convicção
pessoal é que a origem dessa ambivalência reside em nossa aguda
incapacidade de coibir, de modo eficaz, abusos de poder econômico em
nossas campanhas eleitorais. Pior: tendo-se transformado numa autêntica
fábrica de escândalos, esta vulnerabilidade pode comprometer, a longo
prazo, a própria estabilidade que o sistema, bem ou mal, tem logrado
alcançar até aqui.

A César o que é de César: contrariamente à percepção da opinião pública,


em nenhum outro lugar há convicção tão clara e ansiedade tão grande por
uma reforma quanto na Câmara dos Deputados. Num país em que quase
toda a agenda legislativa decorre de iniciativa do poder executivo, a mesa
da Câmara tem pautado reiteradamente, por iniciativa própria, a reforma
política no país. Mas por que os próprios deputados quereriam melhorar os
controles sobre o financiamento de campanhas? Para responder, é preciso
lembrar que eleições são competições pelas quais todo político tem de
passar regularmente: a falta de controles sobre as contas de campanhas
inflaciona fatalmente a disputa, aumentando a imprevisibilidade de seu
resultado e a incerteza quanto ao valor de uma provisão “adequada” de
recursos financeiros para a próxima candidatura. No limite, embute um viés
a favor daqueles que descumprem a lei, e induz cada candidato a montar
seu próprio “caixa 2”, se quiser preservar suas chances de vitória. O preço
que se paga, contudo, é expor-se ao risco de se ver envolvido no próximo
escândalo...

Não é por acaso que se tem tornado mais rara no Brasil a opção por uma
carreira parlamentar de longo prazo, especialmente no âmbito federal: com
toda a incerteza já referida; salários frequentemente mais baixos que seus
análogos estaduais; pouco poder no plenário, em virtude das prerrogativas
do Executvio, da Mesa da Câmara e do Colégio de Líderes; e grandes
holofotes da mídia sobre o menor desvio de conduta dos parlamentares
(como no uso de passagens aéreas), não admira que muitos dos mais
valiosos quadros parlamentares do país venham optando por prefeituras no
interior, secretarias de estado ou outras posições politicamente mais
promissoras a médio prazo. Numa palavra, a carreira na Câmara dos
Deputados não é suficientemente atraente no Brasil de hoje. Como
resultado, os políticos profissionais (de quem tanto gostamos de nos
queixar) tendem a ser substituídos, de fato, por aventureiros, às vezes com
extensa folha corrida, interessados na imunidade parlamentar ou nas
oportunidades de lavagem de dinheiro propiciadas por nossa incapacidade
de fiscalização.

Em 2003, uma Comissão Especial de Reforma Política funcionou ao longo de


dez meses na Câmara, e cristalizou a proposta que desde então tem
tramitado, voltando à baila de tempos em tempos. Relatada na Comissão de
2003 pelo deputado Ronaldo Caiado (do então PFL de Goiás), acabou
conhecida genericamente como “proposta Caiado”. Ela se apoia sobre dois
pilares: financiamento exclusivamente público das campanhas, e adoção de
“lista fechada” na eleições proporcionais. Pela justificação que acompanhou
o projeto de lei original, seu propósito precípuo foi a melhoria dos controles
sobre o financiamento das campanhas: para tanto, propunha o
financiamento público exclusivo; e, para viabilizá-lo, as listas fechadas.
Em qualquer tempo e lugar, reformas eleitorais são penosas, já que se
solicita aos vencedores da última eleição que aprovem mudanças na regra
que os elegeu da última vez. E, se é difícil que concordem sobre a
necessidade de mudar, mais difícil ainda é concordarem sobre para onde
mudar, já que diferentes regras favorecerão diferentes atores. No caso
brasileiro, o grande produtor de maiorias costuma ser o executivo federal.
Só que ele tende a não intervir com energia quando a matéria é reforma
política – já que ela, fatalmente, dividirá sua base. Eis o círculo vicioso de
nosso impasse atual.

Cientes dessas dificuldades, os membros da comissão de 2003 evitaram


propor qualquer emenda constitucional, para não dificultarem ainda mais a
aprovação da reforma. Mas desde então os simpatizantes da proposta não
têm sido capazes contrapor-se ao fato de que o projeto expõe-se, muito
facilmente, à difamação, ao fixar a prerrogativa de ordenar as listas nas
mãos das convenções partidárias e assegurar um fluxo automático de
recursos públicos para os partidos. Para contrapor-se ao senso comum, a
mesa da Câmara teria de exprimir com muito mais clareza e ênfase a
vinculação da proposta com o descontrole sobre o financiamento das
campanhas. Como tem falhado em fazê-lo, a proposta tem permanecido
desacreditada.

De minha parte, acredito que a proposta atirou no que viu e acertou no que
não viu: embora eu faça restrições ao financiamento público exclusivo,
acredito que a adoção de listas fechadas mereceria uma experimentação.
Os proponentes da reforma sustentam de maneira plausível que as listas
favoreceriam a fiscalização das contas das campanhas. Tendo a concordar,
mas acredito também que elas tenderão a produzir o efeito de uma
politização relativa das campanhas proporcionais. Não pela fantasia de
tornar os partidos mais “ideológicos” e menos “fisiológicos”. Mas
simplesmente por forçá-los a sair em público, coletivamente, formalmente,
e se posicionarem politicamente em busca de votos. Tirá-los do refúgio
onde se escondem reduzidos a cartórios provinciais, com existência real
apenas nos bastidores, e trazê-los para a luta política, no corpo-a-corpo
junto ao público. O risco da chamada “oligarquização” é uma fantasia, pois
a competição por posições nas cúpulas partidárias vai se acirrar.
Seguramente é necessário mexer também na legislação sobre
financiamento de campanhas. Mas o financiamento público exclusivo não é
a solução. É bem-vindo, claro, todo esforço de se isolar o sistema político de
influências enviesadas provenientes das desigualdades econômicas. E isso
poderia até justificar o financiamento exclusivamente público das
campanhas. É preciso levar em conta, porém, o risco grave de
esclerosamento dos canais de representação a partir de seu exercício
rotineiro, décadas a fio, por organizações dadas (os partidos
“estabelecidos”), destinatárias legais de recursos públicos,
independentemente – em boa medida – dos humores do eleitorado. Cabe
dotarmo-nos de salvaguardas contra uma eternização burocrática dos
partidos. E isso se torna ainda mais grave se o financiamento público opera
paralelamente ao voto obrigatório – como seria o caso no Brasil. Esta
conjunção dispensaria os partidos do esforço tanto de arrecadação de
fundos quanto de indução ao comparecimento do eleitor, transformando-os
em entidades excessivamente independentes de eventuais oscilações na
atmosfera política para a manutenção de suas atividades. O sistema
partidário se veria insulado em relação ao clima político, desprovido de
sinais de insatisfação que de outra forma poderiam se manifestar na forma
de queda nas doações ou baixo comparecimento eleitoral.

O voto obrigatório tem o mérito importante de evitar a elitização do sufrágio


que o voto facultativo sempre traz consigo – e que provavelmente seria
dramática num país como o Brasil. Isso já seria motivo suficiente, portanto,
para que o financiamento público exclusivo fosse descartado. Mas é
impossível avaliar o que está em jogo aqui sem levar em conta também o
precedente de Barack Obama. Com uma reorganização drástica dos modos
habituais de arrecadação de fundos, Obama não apenas ganhou a Casa
Branca, como – pelo menos por uma vez – deslocou o centro de gravidade
financeiro das campanhas eleitorais. Até 2008, financiamento privado
significava, necessariamente, cortejar o big money. Por mais que as
condições então prevalecentes não venham a se repetir com frequência, o
caso de Obama mostrou como uma candidatura pode não apenas manter-se
competitiva, mas arrecadar muito mais que os rivais, de forma
descentralizada, pela internet, utilizando também pequenas doações, em
larguíssima escala. Seria ultrajante se viéssemos fechar a porta a doações
privadas justamente agora, quando uma desconcentração da influência
financeira sobre as campanhas torna-se pelo menos tecnologicamente
possível.

Hoje me inclinaria por algum sistema misto de financiamento que


estipulasse limites estritos (e baixos) para o valor nominal máximo das
contribuições privadas permitidas (e apenas por pessoas físicas), a serem
conjugados com um financiamento público partidário. As doações deveriam
ser feitas apenas pelo meio que o TSE e a Receita Federal apontassem
como o mais seguro contra fraudes e vazamentos (a internet, imagino), com
declaração de fontes e prestação de contas disponíveis em “tempo real”.

Um repertório de medidas como essas, voltadas para robustecer os


controles sobre os fluxos financeiros em torno das campanhas, é
claramente preferível ao disciplinamento dos gastos admissíveis, em que
temos incorrido nos últimos anos. Nossos tribunais têm-se esmerado numa
interpretação excessivamente literal do problema da “compra de votos”,
proibindo um sem-número de brindes ou materiais de campanha
relativamente inócuos (e baratos), tais como canetas, chaveiros ou
camisetas. Mas a compra espúria de votos mais relevante se dá não nesse
varejo, e sim no atacado, nos orçamentos milionários acobertados em
contabilidades paralelas que escapam quase sempre ao controle das
autoridades competentes, enviesando a disputa em favor dos plutocratas e
dos criminosos.

Desde 2003, quando propuseram a adoção de listas fechadas para viabilizar


o financiamento público exclusivo, nossos deputados nos fazem uma
pergunta, sobre as relações esperáveis entre esquemas de financiamento
de campanhas e o sistema eleitoral. Infelizmente, sabemos pouco sobre isso
– o que já é suficientemente mau. Mas ainda pior é constatar que ninguém
pareceu dar-se conta de que o problema foi posto. Pois estamos habituados
a não tomar a sério o Congresso Nacional. A não respeitar a Câmara dos
Deputados. E presumimos com perfeita naturalidade que tudo não passa de
um conluio entre bandidos, determinados a enganar o eleitor.

Não admira que a matéria não prospere. Sequer seu debate prospera.
Quando o projeto de 2003 foi derrotado no plenário, em maio de 2007, a
cobertura foi mínima, pois os jornais estavam ocupados com a pauta policial
das reinações de Renan Calheiros e sua ex-amante. Em vez de dar a devida
atenção à discussão das causas de nossos males, deixamo-nos tolamente
absorver – mais uma vez – pela última fofoca em torno de um de seus
sintomas. Enquanto isso, criminosos continuam a lavar dinheiro em
campanhas eleitorais, um know how sobre “como se eleger deputado sem
ter que se preocupar com política” está se consolidando no mercado dos
bastidores das campanhas, e a renovação parlamentar, sempre
ingenuamente saudada, tem frequentemente substituído parlamentares
tarimbados por novatos endinheirados. Enquanto perseverar esse cenário,
empenharmo-nos em campanhas como a “ficha limpa”, ou juntar-se ao
clamor pela cassação de cada caso porventura detectado de corrupção
eleitoral, é como enxugar gelo: nem que se cassassem todos os 513
deputados teríamos mudança significativa no quadro, já que sobre seus
suplentes pesariam as mesmas restrições, a mesma indução ao “caixa 2”,
logo as mesmas suspeitas. A única diferença certa é que esses suplentes
terão tido menos votos que seus titulares.

Bruno Reis, 44, é professor de ciência política na UFMG, pesquisador do CNPq


e diretor acadêmico da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP).

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