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O CALCANHAR DE AQUILES:
o financiamento das campanhas e o sistema político
brasileiro
Bruno P. W. Reis
Não é por acaso que se tem tornado mais rara no Brasil a opção por uma
carreira parlamentar de longo prazo, especialmente no âmbito federal: com
toda a incerteza já referida; salários frequentemente mais baixos que seus
análogos estaduais; pouco poder no plenário, em virtude das prerrogativas
do Executvio, da Mesa da Câmara e do Colégio de Líderes; e grandes
holofotes da mídia sobre o menor desvio de conduta dos parlamentares
(como no uso de passagens aéreas), não admira que muitos dos mais
valiosos quadros parlamentares do país venham optando por prefeituras no
interior, secretarias de estado ou outras posições politicamente mais
promissoras a médio prazo. Numa palavra, a carreira na Câmara dos
Deputados não é suficientemente atraente no Brasil de hoje. Como
resultado, os políticos profissionais (de quem tanto gostamos de nos
queixar) tendem a ser substituídos, de fato, por aventureiros, às vezes com
extensa folha corrida, interessados na imunidade parlamentar ou nas
oportunidades de lavagem de dinheiro propiciadas por nossa incapacidade
de fiscalização.
De minha parte, acredito que a proposta atirou no que viu e acertou no que
não viu: embora eu faça restrições ao financiamento público exclusivo,
acredito que a adoção de listas fechadas mereceria uma experimentação.
Os proponentes da reforma sustentam de maneira plausível que as listas
favoreceriam a fiscalização das contas das campanhas. Tendo a concordar,
mas acredito também que elas tenderão a produzir o efeito de uma
politização relativa das campanhas proporcionais. Não pela fantasia de
tornar os partidos mais “ideológicos” e menos “fisiológicos”. Mas
simplesmente por forçá-los a sair em público, coletivamente, formalmente,
e se posicionarem politicamente em busca de votos. Tirá-los do refúgio
onde se escondem reduzidos a cartórios provinciais, com existência real
apenas nos bastidores, e trazê-los para a luta política, no corpo-a-corpo
junto ao público. O risco da chamada “oligarquização” é uma fantasia, pois
a competição por posições nas cúpulas partidárias vai se acirrar.
Seguramente é necessário mexer também na legislação sobre
financiamento de campanhas. Mas o financiamento público exclusivo não é
a solução. É bem-vindo, claro, todo esforço de se isolar o sistema político de
influências enviesadas provenientes das desigualdades econômicas. E isso
poderia até justificar o financiamento exclusivamente público das
campanhas. É preciso levar em conta, porém, o risco grave de
esclerosamento dos canais de representação a partir de seu exercício
rotineiro, décadas a fio, por organizações dadas (os partidos
“estabelecidos”), destinatárias legais de recursos públicos,
independentemente – em boa medida – dos humores do eleitorado. Cabe
dotarmo-nos de salvaguardas contra uma eternização burocrática dos
partidos. E isso se torna ainda mais grave se o financiamento público opera
paralelamente ao voto obrigatório – como seria o caso no Brasil. Esta
conjunção dispensaria os partidos do esforço tanto de arrecadação de
fundos quanto de indução ao comparecimento do eleitor, transformando-os
em entidades excessivamente independentes de eventuais oscilações na
atmosfera política para a manutenção de suas atividades. O sistema
partidário se veria insulado em relação ao clima político, desprovido de
sinais de insatisfação que de outra forma poderiam se manifestar na forma
de queda nas doações ou baixo comparecimento eleitoral.
Não admira que a matéria não prospere. Sequer seu debate prospera.
Quando o projeto de 2003 foi derrotado no plenário, em maio de 2007, a
cobertura foi mínima, pois os jornais estavam ocupados com a pauta policial
das reinações de Renan Calheiros e sua ex-amante. Em vez de dar a devida
atenção à discussão das causas de nossos males, deixamo-nos tolamente
absorver – mais uma vez – pela última fofoca em torno de um de seus
sintomas. Enquanto isso, criminosos continuam a lavar dinheiro em
campanhas eleitorais, um know how sobre “como se eleger deputado sem
ter que se preocupar com política” está se consolidando no mercado dos
bastidores das campanhas, e a renovação parlamentar, sempre
ingenuamente saudada, tem frequentemente substituído parlamentares
tarimbados por novatos endinheirados. Enquanto perseverar esse cenário,
empenharmo-nos em campanhas como a “ficha limpa”, ou juntar-se ao
clamor pela cassação de cada caso porventura detectado de corrupção
eleitoral, é como enxugar gelo: nem que se cassassem todos os 513
deputados teríamos mudança significativa no quadro, já que sobre seus
suplentes pesariam as mesmas restrições, a mesma indução ao “caixa 2”,
logo as mesmas suspeitas. A única diferença certa é que esses suplentes
terão tido menos votos que seus titulares.