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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA

DE CAMPINAS
CENTRO DE LINGUAGEM E
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O efeito de real COMUNICAÇÃO
Jor Barthes
Por Roland
BARTHES, Roland. O rumor da língua. Lisboa : Edições 70, 1984, p. 131-136.

Quando Flaubert, ao descrever a sala onde se encontra a


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Sr.ª Aubain, a patroa de Félicite, nos diz que “um velho piano
suportava, sob um barómetro, um monte piramidal de caixas
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de madeira e de cartão ), quando Michclet, ao contar a morte
de Charlotte Corday, e relatando que na prisão, antes da
chegada do carrasco, ela recebeu a visita de um pintor que fez
o seu retrato, precisa que “ao fim de hora e meia, bateram
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delicadamente a uma pequena porta por detrás dela , estes
autores (entre muitos outros) produzem notações que a análise
estrutural, ocupada em identificar e sistematizar as grandes
articulações da narrativa, em geral e até agora, põe de lado, ou
porque se rejeitem do inventário (não falando deles) todos os
pormenores “supérfluos” (em relação à estrutura), ou porque
se tratam esses mesmos pormenores (o próprio autor destas
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linhas tentou fazê-lo ) como “enchimentos” (catálises ),
afectados de um valor funcional indirecto, na medida em que, ao adicionarem-se, constituem um certo
índice de carácter ou de atmosfera, e podem assim ser finalmente recuperados pela estrutura.
Parece todavia que, se a análise se pretende exaustiva (e de que serviria um método que não
desse conta da integralidade do seu objecto, isto é, no caso presente, de toda a superfície do tecido
narrativo?), ao procurar atingir, para lhe atribuir um lugar na estrutura, o pormenor absoluto, a unidade
insecável, a transição fugidia, ela tem fatalmente de encontrar notações que nenhuma função (mesmo a
mais indirecta) permite justificar: estas notações são escandalosas (do ponto de vista da estrutura), ou, o
que é ainda mais inquietante, parecem destinadas a uma espécie de luxo da narração, pródiga a ponto de
fornecer pormenores “inúteis” e de elevar assim, aqui e ali, o custo da informação narrativa. De facto, se,
na descrição de Flaubert, é um rigor possível ver-se na notação do piano um índice do standing burguês
da sua proprietária e na das caixas um sinal de desordem e como quê de indigência, próprios para conotar
a atmosfera da casa Aubain, nenhuma finalidade parece justificar a referência ao barómetro, objecto que,
não é nem despropositado nem significativo, não participando pois, à primeira vista, da ordem do notável;
e, na frase de Michelet, sente-se a mesma dificuldade para dar conta estruturalmente de todos os
pormenores: que o carrasco se suceda ao pintor, é a única coisa necessária à história, o tempo que durou
a pose, a dimensão e a situação da porta sao inúteis (mas o tema da porta, a delicadeza da morte que
bate a porta tem um valor simbólico indiscutível). Mesmo que não sejam numerosos, os “pormenores
inúteis” parecem pois inevitáveis: toda a narrativa, pelo menos toda a narrativa ocidental de tipo corrente,
possui alguns.

A tradução é portuguesa
1

G. Flaubert. “Un coeur simple”. Trois contes, Paris, Charpentier-Fasquelle, 1893. p. 4.


2

J. Michelet. Histoire de France. La Révolution, t. V. Lausanne. Ed. Rencontre. 1967. p. 292.


3

“introduction à l'analyse structurale du récit”. Communications, nº 8, 1966. pp. 1-27. [Retomado na col.
4

“Points”. Ed. du Selui. 1981.


Catálise: termo relativo à área da física, empregado aqui como metáfora da modificação da velocidade de
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uma narrativa.
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A notação insignificante (tomando esta palavra em sentido forte: aparentemente subtraída à
estrutura semiótica da narrativa) aparenta-se à descrição, mesmo quando o objecto pareça ser denotado,
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por uma única palavra (na realidade, a palavra pura não existe: o barômetro de Flaubert não é citado em
si; está situado, incluído num sintagma ao mesmo tempo referencial e sintáctico); vê-se assim Jorsublinhado
o carácter enigmático de toda a descrição, sobre o qual é preciso dizer algo. A estrutura geral da
narrativa, pelo menos a que foi até agora estudada aqui e ali, aparece-nos como essencialmente
preditiva; esquematizando em extremo, e sem termos em conta os numerosos desvios, atrasos,
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reviravoltas e decepções que a narrativa impõe institucionalmente a este esquema, podemos afirmar que,
a cada articulação do sintagma narrativo, alguém diz ao herói (ou ao leitor, pouco importa): se agirem
deste modo, se escolheres esta ou aquela parte da alternativa, obterás isto assim assim (o carácter
relatado destas predições não altera a sua natureza prática). A descrição é muito diferente: não tem
nenhuma marca preditiva, “analógica”, a sua estrutura é puramente somatória, e não contém esse
trajecto de escolhas e de alternativas que dá à narraçao a feição de um vasto dispatching, provido de uma
temporalidade referencial (e já não apenas discursiva). Trata-se de uma oposição que,
antropologicamente, tem a sua importância: quando, sob a influência dos trabalhos de von Frisch, nos
pusemos a imaginar que as abelhas podiam ter uma linguagem, vimo-nos obrigados a verificar que, se
estes animais dispunham de um sistema preditivo de danças (para recolherem a sua alimentação), não
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havia nele nada que se aproximasse de uma descrição . A descrição aparece assim como uma especie de
“próprio” das linguagens ditas superiores, na medida, aparentemente paradoxal, em que não é justificada
por nenhuma finalidade de acção de comunicação. A singularidade da descrição (ou do “pormenor inútil”)
no todo narrativo, a sua solidão, designa uma questão da maior importância para a análise estrutural das
narrativas. Essa questão é a seguinte: tudo na narrativa será significante ou, se assim não for, se
subsistirem, no sintagma narrativo algumas praias insignificantes, qual é em definitivo, se se pode dizê-lo,
a significação dessa insignificância?
Devemos em primeiro lugar recordar que a cultura ocidental, numa das suas correntes maiores,
não deixou de modo nenhum a descríção fora do sentido e dotou-a de uma finalidade perfeitamente
reconhecida pela instituição literária. Essa corrente é a retórica e essa finalidade é a do “belo”: a
descrição teve durante muito tempo uma função estética. A Antiguidade acrescentara desde muito cedo
aos dois géneros expressamente funcionais do discurso, o judiciário e o político, um terceiro género, o
epidíctico, discurso de aparato, destinado à admiração do auditório (e não à sua persuasão), que continha
em gérmen - fossem quais fossem as regras rituais do seu emprego: elogio de um herói ou necrologia - a
própria ideia de uma finalidade estética da linguagem; na neo-retórica alexandrina (a do século 11 d.C.)
houve um fraquinho pela ekphrasis, trecho brilhante, destacável (portanto com fim em si próprio,
independente de qualquer função de conjunto), que tinha por objectivo a descrição dos lugares, dos
tempos, das pessoas ou das obras de arte, tradição que se manteve ao longo da idade Média. Nesta época
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(Curtis sublinhou-o devidamente , a descrição não está sujeita a nenhum realismo; de pouco importa a
sua verdade (ou mesmo a sua verosimilhança); não há qualquer embaraço em colocarem-se leões ou
oliveiras num país nórdico; a única coisa que conta são as exigências do género descritivo; o verosímil não
é aqui referencial, mas abertamente discursivo: são as regras genéricas do discurso que ditam a lei.
Se dermos um salto até Flaubert, aperceber-nos-emos de que o fim estético da descrição é nele
ainda muito forte. Em Madame Bovary, a descrição de Rouen (referente real por excelência) está
submetida às exigências tirânicas daquilo a que há que chamar o verosímil estético, de que dão fé as

Nesta breve revisão do problema, não daremos exemplos de notações “insignificantes”, pois o
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insignificante só pode ser denunciado ao nível de uma estrutura muito vasta: citada, uma notação não é
nem significante nem insignificante: é preciso um contexto já analisado.
F. Bresson, "La signification”, Problèmes de psycho-linguitique, Paris, PUF, 1963.
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E. R. Curtius. La Littérature européene et le Moyen Age latin, Paris. PUF, 1956, cap. X.
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correcções efectuadas a este trecho no decurso de seis redacções sucessivas . Vemos assim, em primeiro
lugar, que as correcções não resultam de modo nenhum de uma consideração mais aturada do modelo:
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Rouen, visto por Flaubert, permanece sempre o mesmo ou, mais exactamente, se muda um pouco de
Jor
versão para versão, é unicamente por ser necessário abreviar uma imagem ou evitar uma redundância
fónica reprovada pelas regras do bom estilo, ou ainda “colocar” uma expressão feliz perfeitamente
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contingente ; vemos seguidamente que o tecido descritivo, que parece à primeira vista conceder uma
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grande importância (pela sua dimensão, a preocupação do pormenor) ao objecto Rouen, não passa
efectivamente de uma espécie de fundo destinado a receber jóias de algumas metáforas raras,
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excipiente neutro, prosaico, que reveste a preciosa substância simbólica, como se, em Rouen, só
importassem as figuras de retórica a que a vista da cidade se presta, como se Rouen fosse notável apenas
pelas suas substituições (os mastros como uma floresta de agulhas, as ilhas como grandes peixes negros
parados, as nuvens como vagas áreas que se quebram em silêncio contra uma falésia); vemos finalmente
que toda a descrição é construída em vista de aparentar Rouen a uma pintura: é de uma cena pintada que
a linguagem se ocupa (“Assim, vista de cima, a paisagem inteira tinha o ar imóvel de uma pintura”); o
escritor põe aqui em prática a definição que Platão dá do artista, que é factor do terceiro grau, visto que
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imita aquilo que é já a simulação de uma essência . Deste modo, embora a descrição de Rouen seja
perfeitamente, “impertinente” em relação à estrutura narrativa de Madame Bovary (não é possível ligá-la
a nenhuma sequência funcional nem a nenhum significado caracterial, atmosferial ou sapiencial), ela não
é de modo nenhum escandalosa encontra-se justificada, se não pela lógica da obra, pelo menos pelas leis
da literatura: o seu “sentido”) existe, ele depende da sua conformidade, não com o modelo, mas com as
regras culturais da representação.
Todavia, o fim estético da descrição flaubertiana é inteiramente infiltrado por imperativos
“realistas”, como se a exactidão do referente, superior e indiferente a qualquer outra função, bastasse
para comandar e justificar, aparentemente, a sua descrição, ou - no caso das descrições reduzidas a uma
palavra - a sua denotação: as exigências estéticas são aqui penetradas - pelo menos a título de alibi - por
exigências referenciais: é provável que, se chegássemos a Rouen de diligência, a vista que tivéssemos ao
descer a encosta que conduz à cidade não fosse “objectivamente” diferente do panorama descrito por
Flaubert. Esta mistura - esta contradança - de exigências tem uma dupla vantagem: por um lado, a
função estética, ao dar um sentido “ao trecho”, detém aquilo a que poderíamos chamar a vertigem da
notação; de facto, a partir do momento em que o discurso deixasse de ser guiado e limitado pelos
imperativos estruturais da anedota (funções e índices), nada mais poderia indicar porquê cessar os
pormenores da descrição aqui e não mais além; se não se submetesse a uma escolha estética ou retórica,
qualquer “vista” seria inesgotável pelo discurso: existiria sempre um recanto, um pormenor, uma inflexão
de espaço ou de côr a relatar; e, por outro lado, ao constituir o referente como real, ao fingir
segui-lo como uma escrava, a descrição realista evita deixar-se arrastar para uma actividade
fantasmática (precaução que era tida por necessária à “objectividade” da relação): a retórica clássica
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tinha de certo modo institucionalizado o fantasma, sob o nome de uma figura particular, a hipotipose ,

9
As seis versões sucessivas desta descrição são dadas por A. Abalat, Le Travail du Style. Paris, Armand
Colin, 1903. p 72 sq.
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Mecanismo bem notado por Valéry, em Littérature, quando comenta o verso de Baudelaire: "La servante
au grand coeur ... “ [“A criada de bom coração...“ - NT] (Este verso veio a Baudelaire .. E Baudelaire
continuou. Enterrou a cozinheira num relvado, o que é contra o hábito, mas de acordo com a rima, etc.”)
11
Excipiente - substância
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Platão. República, X, 599.
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descrição de uma cena ou situação com cores tão vivas, que faz o ouvinte ou leitor ter a sensação de que
as presencia pessoalmente
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encarregada de “pôr as coisas diante dos olhos do auditor”, não de modo neutro, constativo, antes
deixando à representação todo o esplendor do desejo (fazia parte do discurso vivamente iluminado, de
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cernes coloridos: a illustris oratio); ao renunciar declarativamente às exigências do código retórico, o
realismo tem de procurar uma nova razão para descrever. Jor
Os resíduos irredutíveis da análise funcional têm em comum o seguinte: denotam aquilo a que se
chama correntemente o “real concreto” (gestos mínimos, atitudes transitórias, objectos insignificantes,
palavras redundantes). A “representação” pura e simples do “real”, o relato nu “daquilo que é” (ou que
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foi) aparece assim como uma resistência ao sentido; esta resistência confirma a grande oposição mítica
entre o vivido (o vivo) e o inteligível; basta lembrarmo-nos de que, na ideologia do nosso tempo, a
referencia obsessiva ao “concreto” (naquilo que se pede retoricamente às ciências humanas, à
literatura, aos comportamentos) está sempre armada, como uma máquina de guerra, contra o
sentido como se, por uma exclusão de direito, aquilo que vive não pudesse significar - e
reciprocamente. A resistência do “real” (sob a sua forma escrita, é claro) à estrutura é muito limitada na
narrativa fictícia, construída, por definição, de acordo com um modelo que, nas suas grandes linhas, não
conhece outras exigências para além das do inteligível; mas este mesmo “real” torna-se a
referência essencial da narrativa histórica, que supostamente relata “aquilo que aconteceu realmente”:
que nos importa então a infuncionalidade de um pormenor, a partir do momento em que ele denote
“aquilo que aconteceu". O “real concreto” torna-se a justificação suficiente do dizer. A história (o discurso
histórico: historia rerum gestarum – tradução: a história como foi) é com efeito o modelo das narrativas
que admitem prencher os interstícios das suas funções com notações estruturalmente supérfluas, e é
lógico que o realismo literário tenha sido apenas, com um desfasamento de algumas décadas,
contemporâneo do reino da história “objectiva”, ao que devemos acrescentar o desenvolvimento actual
das técnicas, das obras e das instituições assentes na necessidade incessante de autentificar o “real”: a
fotografia (testemunho bruto “daquilo que esteve ali”), a reportagem, as exposições de objectos
antigos (o êxito do show Tutankamon mostra-o bem), o turismo dos monumentos e dos lugares
históricos. Tudo isto diz que se supõe que o “real” se basta a si próprio, que ele é
suficientemente forte para desmentir qualquer ideia de “função”, que a sua enunciação não tem
qualquer espécie de necessidade de ser integrada numa estrutura e que o ter-estado-ali das coisas é um
princípio suficiente da palavra.
Desde a Antiguidade que o “real” estava do lado da História; mas era para melhor se opor ao
verosímil, quer dizer, à própria ordem da narrativa (da imitação ou “poesia”). Toda a cultura clássica viveu
durante séculos com base na ideia de que o real não podia de modo nenhum contaminar o
verosímil; em primeiro lugar, porque o verosímil nunca é senão opinável: está inteiramente sujeito à
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opinião (do público); Nicole dizia: (“Não devemos olhar as coisas como elas são em si próprias,
nem como as sabe aquele que fala ou escreve, mas unicamente em relação ao que delas sabem
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aqueles que lêem ou ouvem ”; em seguida, porque ele é geral, não particular, o que é o caso da
História, pensava-se (de onde a propensão, nos textos clássicos, para funcionalizar todos os pormenores.
para produzir estruturas fortes e não deixar, ao que parece, nenhuma notação entregue apenas à caução
do “real”): finalmente porque, no verosímil, o contrário nunca é possível, visto que nele a notação assenta
numa opinião maioritária, mas não absoluta. A palavra de ordem subentendida no limiar de todo o
discurso clássico (submetido ao verosímil antigo) é (submetido ao verosimil antigo é: Esto (Seja.
Admitamos ...). A notação real, parcelar, intersticial, poderíamos dizer, cujo caso apontamos aqui,
renuncia a esta introdução implícita, e é desembaraçada de qualquer pensamento postulativo que ela se

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Pierre Nicole (1625 – 1695): escritor francês do séc. XVII, solitário de Port-Roval. Colaborador da
Logique de Port-Royal (1662), a sua obra mais conhecida são os Essais de morale (1671-1678). (N. do T.)
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Citado por R. Bray, Formation de la doctrine classique. Paris. Nilet. 1963, p. 208.
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instala no tecido estrutural. É precisamente por isso que há ruptura entre o verosímil antigo e o realismo
moderno; mas, também precisamente por isso, nasce um novo verosímil, que é justamente o realismo
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(entendemos como tal todo o discurso que aceita enunciações creditadas unicamente pelo referente).
Semioticamente. o “pormenor concreto” é constituído pela colisão directa entre um referente Jor e um
significante; o significado é expulso do signo, e com ele, é claro, a possibilidade de desenvolver uma
forma do significado, isto, é de facto, a própria estrutura narrativa (a literatura realista é, evidentemente,
narrativa, mas é porque o realismo é nela apenas parcelar, errático, confinado aos “pormenores”, e
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porque a narrativa mais realista que possamos imaginar se desenvolve segundo vias irrealistas). Estamos
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perante aquilo a que se poderia chamar a ilusão referencial . A verdade desta ilusão é a seguinte:
suprimido da enunciação realista a título de significado de denotação; com efeito, no preciso momento em
que estes pormenores parecem notar directamente o real, eles não fazem mais, sem o dizerem, do que
significá-lo; o barómetro de Flaubert, a portinha de Michelet não dizem afinal de contas senão isto: nós
somos o real; é a categoria do real (e não os seus conteúdos contingentes) que é então significada; por
outras palavras, a própria carência do significado, em proveito exclusivo do referente, torna-se o próprio
significante do realismo: produz-se um efeito de real, fundamento desse verosímil inconfessado que forma
a estética de todas as obras correntes da modernidade.
Este novo verosímil é muito diferente do antigo, pois não é o respeito das leis do género, nem
sequer o seu disfarce, antes provém da intenção de alterar a natureza tripartida do signo para fazer da
notação o puro encontro de um objecto com a sua expressão. A desintegração do signo - que parece
ser de facto o grande caso da modernidade - está sem dúvida presente na empresa realista, mas de um
modo um tanto regressivo, visto que é feita em nome de uma plenitude referencial, ao passo que aquilo
de que se trata hoje é, ao contrário, esvaziar o signo e fazer recuar infinitamente o seu objecto até pôr
em causa, de modo radical, a estética secular da “representação”.

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Ilusão claramente ilustrada pelo programa que Thiers atribuía ao historiador: “Ser simplesmente
verdadeiro, ser o que são as próprias coisas, não ser nada mais do que elas, não ser nada senão através
delas, como elas, tanto quanto elas” (citado por C. Jullian, Historiens français du XiX siècle, Paris,
Hachette, s.d .. p. LXIII).
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