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A TERCEIRA METADE DO 7:

BREVE DICIONÁRIO TEOLÓGICO

MARCELO MORAES CAETANO


2001
O fim pela origem
antes de mais nada:
em busca pela fé.

2
A CONSTELAÇÃO DEUS.

Deus é um apanhado de estrelas.

Quero  e suponho  que este livro esteja narrando a vida, muito mais
que a saga dos heróis modernos, por suas plagas de guerra. Acima de deuses,
o que há hoje são heróis, que compartilhamos com o Deus a responsabilidade
da Criação. Mas uma Criação que se me revelará fictícia, talvez a nós, importa
que sei, agora (este que me será o conceito mais fugidio e impreciso dentre
todos: “agora”), verossímil e fidedigna à Verdade ulterior a tudo, como toda e
qualquer (que se mantenha) Criação. Heróis demasiadamente vestidos, que
somos a um tempo os protagonistas e antagonistas do Espetáculo, com Deus,
cujo excesso de peso nos impede, não raro, que mostremos, a nós próprios,
conhecendo-a, a imensa e quase ilimitada pujança curadora que possuímos, e a
nós próprios. Não para mostrar, porque mostrar mostrar não é coisa, é só
mostrar. Nem para saber, pois isto se é sem que se veja quão.
Quero revelá-los a nós.
São homens e são mulheres, mas, além e muito mais, sempre mais que isso,
eles são pessoas, tocadas pelo Deus que temem, confundindo o tal temor com
miséria, ou esta miséria com humilhação. Ou isto com o querer de Deus.
Como se Deus nos quisesse humilhar! Ou, pior, Deus com eles próprios. Deus,
se assim quisesse fazer, não daria o dom da Liberdade aos homens, porque,
sendo todos eles absolutamente únicos e diferentes, são igualmente encarados
por um Deus, que vê, neles, em cada um dos quais com Sua uma tocha, a Ele
mesmo e só, como Seu Espelho, Imagens Mútuas, sem deformação de meios
diferentes  que não há.
Não é preciso buscar perfeição. É preciso buscar Deus. Nem Ele próprio
é perfeito, obviamente, segundo Seus Critérios de Deus, de Rei e Imperador
Supremo. Tem Suas Sacrossantas Falhas, que só Ele, embora, reconhece e
conhece em Si. Ou, se o é, digo Perfeito, é-o segundo outro parâmetro de
Perfeição  necessitar crescer. De que Ele Próprio não prescinde. Deus tem
Seu Limite, que é o Infinito. Para Ele, este Infinito possui, como em nós, seu
próprio Fim. E é tão limite quanto a nossa casa para nós o é. Posto que sem.
Ai de quem pensa que Deus parou... que não muda por não mudar...
Os poderes são iguais, mas deslocados, pois cada um é  apenas em
seu lugar. Assim: o processo é do homem. A vitória é de Deus. O troféu é dos
dois. Deus ordena. O homem faz. Ambos criam.
E nada ocorre de excepcional em seus Lugares.

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Todos nós somos como que doze, porque se nos deu uma constelação
que representará nossa mania. Recebemos  de uma constelação  um adendo.
Passamo-lo à subseqüente. Cada uma faz, grosso modo, apenas por uma,
única! Recebemos um mérito, nascemos com ele, e  dele  fazemos outro,
cujo escopo não é outro senão ser passado de mérito à irmandade (casa) que
segue. É um exercício de piedade, portanto. E todos os homens são todas as
constelações, porque são a Grande Constelação  Deus.
Mais ou menos assim.
Mas quanto ao livro: o livro é meu e de todas as pessoas do mundo.
Meu porque foi completamente feito para mim, são respostas minhas,
alimento-me delas, como um vegetal, sou autotrófico. De todas as pessoas
porque, ao responder-me, serve com honestidade ao mundo inteiro. Portanto é
nosso, não entrem no meu âmbito, que eu não entro no de vocês.
Afora isso, tudo o mais são vaidades, enfeites, adornos exclusivos do
amadorismo. Não há nada mais de sólido que, alheio àquilo, permanecesse por
um longo segundo invulnerável e volúvel. A volubilidade dos sólidos está em
serem eles tão diáfanos quanto  gás. De estrela.
Sem isso é loucura e bobagem, é coisa parada. Que apodrece verde.
Sem isso é.
Assim há de surgir o novo paradigma humano, que intitularei,
homenageando a estrela da terra, como

A ERA DO DIAMANTE.

Somos bem-vindos à era, começada, segundo uma profecia antiga, acima do


bem e do mal. Ou acima do mal e abaixo do bem. No meio.

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Nossa consciência ou vontade da Perfeição seria
a mais irrefutável prova da existência de Deus.
Seria?... No fundo a constatação  ou o devaneio 
de que nossa auto-suficiência chega a prescindir
mesmo de Sua Onipresença é real? E porque negar
o estado sublime de se estar em devaneio? (se ele é
tão real que). Ou a guerra é a paz que tenta provar
o tanto que está viva na perfeição, que se move,
o que seria uma busca pelo recomeço? o que seria?
um tempo entre não tempos, mas si? mais nada?
Quem? Descartes, Einstein, Aristóteles?
Nietzsche?

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A questão prefácio, aurora de um livro.

1. A falarmos verdade sobre nós, havemos é de começar na verdade, do fim


rumo ao princípio, este prefácio: que na vida é bastante o preferir ser quem for
a ruinosamente amercear a gravidade, em flores, do passado que nos fará?
Quem sabe sim. Eu serei mais simples convosco: Nunca diga a outro que não
saiba que você não lhe disse o que não fez de fato não por não saber que não
diria a você de resposta o que não disse a si próprio ou ele mesmo outrora
aquilo em que ele por si só não achava poder não acreditar ainda que você lhe
tivesse mostrado com gestos saber no fundo de todas as coisas e ser o seu
grande defeito mesmo ter podido responder-lhe ou então em outra parte
mostrar a si alguma coisa. Me compreendeis?

2. É, às vezes  quase todas , muito mais de se viver no quase a vida do que


no certamente, que é,  mas é onde?

3. E a minha voz aqui, tão sinceramente pura, soa reza de girafa.

4. Puríssimo e de um éter de cânhamo também é o nome em que nos


enfurnamos, eu, como nem se de éter puro tão puro. E com ar vivo nele
adentro. O subversor espírito das línguas todas do mundo rodado.

5. É assim, me disseram, a nós, a pureza da língua aqui, a potestas da minha


língua, seu nomen: nossa figuras linguae  haveria de errar longe o que a
tentasse traduzir português e latinamente a um tempo, sem respeito ao espírito
em declive e o coligante que as divaga e divorcia.

6. Um prefácio, é um projeto ou é o que será o livro todo com aresta? Sim.


Devo encher página com palavra ou letra? Devo. A genealogia de um
sentimento é básico neste livro, palavra (cf. parágrafo 30).

7. Caráter básico de parte é isso sim o que um prefácio é, que nele o habitat
enfim de todo vivo.

8. Mas (oh) um prefácio errado como mim, um prefácio que fosse como Eva
se virando  houve o sussurro  exasperada e atenta, onde a hora exata de
saber: por que eu a criação, e muito servil  se sou um ser  e completa a

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escrava  quero assim porque sou um tão, tão grande  a mesma vida
inventada  imensurável grito de Amém  e triunfo engolfando a escrava-
senhora, diz  oh, Senhor  grito vindo da tenda dos justos e do novo  Novo
Senhor  por quê?  e a circunvolução dos vórtices da humanidade se
despregam do umbigo évico  Não! Não!  e o prazer desmoronando é 
exatamente!  o que foi isto, Deus nosso do Universo?  é  o prazer é  e
sempre será  como a gargalhada santa de um espectro sozinho  o prazer da
existência é  nada.

9. E se ouvia Eva, e ela era. Pois, inspiração, a primeira revolta do próprio


inigualável Deus, sumia em nuvem que foi já, dali, o tudo: feita íntegro, sem
defeito, sem regra, E PONTO,  sem nenhum ponto.

10. A inspiração, como Eva, é que foi primeiro o motim.

11. A primeira revolta, a Todo-Poderosa da Onisciência ou da Epifania?

12. Não busco a inspiração, que nunca é nada.

13. É melhor buscá-la em crisálida, assim, (como está), que crê-la tola o tanto
necessário a se dar de borboleta. A língua aqui é minha, meu ser, minha  o
adivinho antes que a morte.

14. Para ser língua é preciso: designata de coisa (emoção) nunca até ali
preservadas. O título meu é o primeiro pilão a tolhê-la: o almofariz que a pisa
inconformado, o titulus que a crucifica viva  ela se abraça, e adora. Eu senti o
tremor de um praeambulum de Bach, bendito homem; só que, mas muito
embora, nesse Bach, na hora em que vier o sufoco da alegria, por indomada
que me fuja, houvesse menos fartura do que há devoção.

15. Mas deixa disso: um livro não é vida.

16. O meu inspirar é preso; ofega; eu mato.

17. E ele aceita.

18. Porque verga ante a certeza do quem cria o tê-lo em mão? Mas quem cria
vergastada uma língua em si fazia favor a mundo se sem limites. Crença,
criação, e cultivo.

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19. Minha língua é arma de vida em cadinho  antisséptica  estéril e puro,
como o átomo de proveta reciclado.

20. Num conto peguei aquele átomo aqui, em muitos tantos só eu pequei.

21. Separei o a-tomo, rindo de poro a poro, que não podia.

22. Mas evolui e cresce e acrescenta, se língua foi pura é igualmente gérmen,
é ser vivendo enfraquecido e imunizante,  é um decágono-momento que
perdurara menos que é a fissão atômica e o núcleo de uma flor belo, de um
pássaro, de uma formiga infinita, um átomo errabundo sem vigência ou
vingança plena separado. E muito por mim. Desculpai, desculpe, aqui erro.

23. Mas me encanta. Ah... Peço vênia a um instante com ternura em meu
coração evolada flor, aquele imorredouro porque a-instante.

24. Língua impõe em contos  que são meus  mais largueza que há limites:
porque são nonas sinfonias preferidas, a terceiras, posto que o bucólico das
estas encantasse até e bem espírito sem corpo que é o que sobeja corpo às
aquelas. É preciso atarraxar almas no corpo de alguém?

25. Por aqui, em mim, em ti, tudo é língua. Em você, em vós também. Meu
livro é uma língua feita entre feixes de carne e espelho com bactéria  é um
livro respirado à ofegação do Amor. Uma língua refeita ou prevista e
adivinhada. Um peito vago, de coração bambo, o adivinho. O Amor sim é um
pecado, porque tropeço, o resto é pouco, se é que foi.

26. Se cada conto fosse um mago, eu seria quem? Se fosse um Agnus Dei, é
sinal de que livro era ele mesmo então o como altar e oblações, meio imolado,
puro, meio estéril, talvez fecundado, um mármore coriáceo e expelindo a esmo
adiacritolatria condenável.

27. Assim, abri aspas, ó vós:

28. Cada gota de conto, é um colapso irrepetível.

29. Cada asma do fim é o dedo, digo da criação.

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30. Tarefa um tanto sonâmbula e esquiza  esta do tentar a descrição da obra
de cujo alento somos o próprio e, talvez, único, o autor. É que nos soa infensa
e subversiva à própria matéria primeira, básica de todo (o) que escreve: não se
conheça.

(Por isso é ele alguém se buscando em linhas que não há.)

31. O papel é nódoa  falamos do nosso, o nosso papel  e tão-somente nódoa


que atrapalha a fixação de uma idéia, a quem cria obstáculo: e por isso ela
nasce ou pôde.

32. Mas fale-se, enfim, de nosso Colapso em processo. É que a vida  eu


revigoro, encho, encho  não é?

33. Nada de viável, de objetivo. Nem sequer há de ter havido demasiada


contundência a nos alinhavar contos, grosseira e rude em punho de pedra.

34. Estes, por fim, um livro  ah estes livro , senão que, retificamo-nos,
dispersos, aqueles contos-livro de há pouco, há, sim, senhor, uma como
sonolenta, tênue unicidade, por assim digamos, latente (:decerto subjacência:),
a pouco e pouco ressuscitada a golpes de inflexão como se fôramos unicidade
possível: o só pensamento humano. À faca.

35. Pudéssemos, acabáramos aqui,  mesmo o nosso projeto: O Só


Pensamento destes Homens (verdade: onde quer  ou se é  que vão) visitado
após estilhaços simultâneos, que rodopia igual ao primeiro funâmbulo de circo
inesquecível, lembras-te da vossa infância e do seu circo? ou, a nós nos
parece, logo aqui triangular, solar ou esférico adiante logo na masmorra eterna
da perdição e da LUZ.

36. Porque quero viver. O tema do livro é parco porque só: a paucidade
revigora o conteúdo.

37. Que, de passagem, seria o que porventura une o espasmo e o muito das
formas por que se manifesta nossa pena de autor? De que adiantava saber?
Adianta que saber satisfaz e por isso se parta a outros por quês. Nossa pena
canhestra de veneno (e infelizmente)  mas sentindo a maravilhosa fisgada
com que Deus faz a plêiade, falange de homens  de um homem só:

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38. A unicidade rascante em cacos do aquilo que se esparsa na agonia da luz,
dispersa (fartura plena em falta serena), qual cubos de visitar  papel
amerceando-nos vitalidade postiça , é um pouco herói a quem escreva. É
preciso estar-se formando, ó alguém, para ler-me. É de um luxo que só nos
humanos há igual. Ah já vi nas urdiduras de um aracnídeo tenro.

39. Que tenhamos conseguido haurir o pouco profundo dessa superfície (oh)
sagital, que, amenamente, tentávamos.

40. Sim. É um livro de contos coligados por uma rede fina e transparente feita
de fervor; contos que se dizem a si mesmos, caminhando sós; livro que os
acoberta: acumpliciando-se portanto numa parede feita antes de raso e de
cimento. O livro são  já o disse alhures?  cubos. Visitados não um a um, 
como convém,  senão que tolhidos,  não por mim,  pelo sentinela humano
, ou nem por nada que sou  por alguém, alfim  do pensar  algo triste e
maravilhoso  que sou eu! É teia de aranha-mãe prenhe de ovos em delicada
casa de trama, ainda que horrenda e fatal e rapina, maternamente doce teia
suave de filhotes perniciosos.

41. Vimos carpida a safra do variegado de uma única manifestação humana,


que é  ser. Coisa que o homem não entende e busca: talvez, entendamo-lo.
(A vida toda de qualquer polímata é nada (...) senão procurar nas muitas, nas
tantas, o sumo e o Lumen Gloriae da Única Ciência.)

42. Sentimo-nos, ao darmos cabo desta descrição que fica, aqui, o horríssono
mesmo do sol, que (à noite) arde e inflama e refulge e, indulgentissimamente,
ofusca  do outro lado da terra de um mundo que há mais onde é noite.

43. Não amotinado e com tudo isso insurgente, “Projeto” de pensamento:


Colapso no chão, como evangelhos de uma acrobata. Vitanda que seja a
pergunta enviesada, de mau vezo, navigare necesse est? Porque (a) resposta é
o que não há. Se houvera,

44. Agradecera respeitoso,

45. Marcelo Caetano: quando Adão nasceu, sabia-se todo, um pouco, já,
portanto, o bastante a se dar não. É no fim de contas é mesmo a vida simples
como circo, mas qual.

10
Fechai aspas.

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Grande e tradicional glossário técnico porém preciso com respeito aos
termos de que se distinguirá toda a vida a mera existência como Imagem.

(Teosofia Cosmogônica  Imagética  e Escatológica para iniciados.)

Ação.

No começo.
Bem que se poderia ter optado por “abstrato”, mas não se fazendo?
Depois foi, fez e fará, nem vos preocupeis com semelhante algazarra,
porque esta há de existir em breve. Até que, por um lapso talvez de ironia do
tempo, virou  dizem  verbo. Dizem que verbo sumarento, espécie rara e por
descuido recorrente que soube habitar as bocas mais bocas do que no mundo
houver de sandice. Dizem, causando estupor (ou não causando estupor), vira
verbo. O que ficou sendo e decerto será até hoje  palavra. Quando entrou em
combustão espontânea, com labaredas de mil metros de altura em gradação de
tonalidade (do exânime ao vigoroso e deste àquele), sucumbiu e sonhou: passo
ao futuro cheio de outra principiante ação, que se dará, ora, em forma
inacreditavelmente crível.
No princípio de todas as coisas, latência, em cujo fim a ressequidão
definitiva do Universo  Cosmogonoescatologia , um ponto de tal forma
obscuro e ao mesmo tempo sem-luz que é possível sabê-lo conquanto não se
veja o quanto se sabe. A transubstanciação do Universo, que é cíclica, isto é,
Ele passa por períodos de descanso ou Repouso inercial, partindo, após o
Impulso (verbete deste Glossário), rumo a outro estado de inércia, o
Movimento, é notória. E de tudo isso o que resta é a Consciência. Mas se não
vemos o tamanho desta Consciência, isto ocorre porque não a olhamos ainda?
ou nem a teríamos olhado? porventura com medo de um confronto ostensivo
em que não teríamos chance de vitória? E não querer vencer? já é uma vitória?
E a quem ela pertence senão a Deus? O maior dos Vitoriosos. Por isso não se
crer não significa que não se tenha crença. Mas que não se crê, o que é
bastante outra coisa. Podemos, em vez de expressar um ato de crer, apenas
saber de certa figura, dispensando, pois, até mesmo a crença. Quem sabe não
precisa ser crente. Saber é maior e fica além ou aquém de vicissitudes,
caracteres fortuitos da vida.

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Então podem ser lançadas, daqui, as seguintes Variantes Latentes e
Primitivas (VLPs), num caráter linear que bem poderia ser ascendente, assim
como a descendência lhe causaria imenso gozo:

PENSAMENTO:

Ação, Luz, Consciência, Visão, Confronto.

Parece-me que entre a Ação e a Luz (ou entre  mas em eternidade entre 
uma e outra dessas variantes que impusemos: Luz e Consciência; Consciência
e Visão; Visão e Confronto), houve aquilo que designamos, antes, verbo
(melhor: Verbo), e, depois dele, enfim, a Palavra para designá-lo (ou ensiná-
lo). O Verbo liga, a Palavra ensina.
Há portanto um sem-número de tonalidades do Verbo, já que este se
imiscui entre todas essas vertentes-variantes, entre uma e outra. Certo é que
Verbo e Palavra me parecem tão pequeninas manifestações visíveis da
invisível Ação (ou Luz ou Consciência ou Visão ou Confronto),  sendo Dela
(ou Deles) igualmente tão conseqüência e causa,  quanto o são todas as
outras manifestações igualmente (ou não) apreensíveis: trata-se, portanto, de
Reação.
Assim, no princípio era mesmo só Ação, porque Verbo e Palavra
foram vindo à medida que se lhes surgiam casas. Depois que surgiram
surgiram como Reação àquela primitivíssima Ação. A Palavra é a Reação do
Ato. Mas o Ato? é a manifestação da Ação.
Quero dizer que a Palavra é por si mesma a primeira manifestação
visível do Verbo. E que é esta a maior metonímia do Senhor Onividente ao
homem. Quero dizer também que o Verbo sim é a primeira manifestação
visível da Palavra. Assim, à Ação  Deus Primitivo  só corresponderá depois
a Reação  Homem Derivado?  Verbo-Palavra. Homem Primitivo seria,
portanto, a volta à Inocência Divina, retorno à Ação, o que faria, neste ponto,
daquele Homem Primitivo um Deus Derivado, sem Palavras, puro Ato. Utopia
das utopias? ou o Casamento.
Por fim, diria eu que Deus é Ação e Luz. As três últimas Variantes
Latentes e Primitivas  a primeira (primeira ou terceira?) das quais a
Consciência  não passam do desdobramento dessas duas primeiras

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(primeiras?), sendo, portanto, o Homem. Ei-lo nascido a espelhar, calcado nas
primeiras VLPs, ESQUEMINHA 1:

Espelho (DeusR -DeusV*): Ação, Luz  Consciência  Luz, Ação.

Pensamento (DeusR-Homem): Ação, Luz  Consciência  Visão, Confronto.

* DeusR significa a Imagem Real de Deus; DeusV, a Sua Imagem Virtual. Estaremos falando mais
acerca do Real/Virtual?

Como vemos, a única Palavra capaz de definir Tudo é  MOVIMENTO. Até


podemos dizer, ousar dizer, que, do Descanso de Deus, Repousável
Plenissíssimo, hão de ter não surgido, mas aumentado, qualitativamente, as
Trevas, opostas à Luz. (Digo não surgido porque, bem o sabemos, a Treva
nasceu, ela sim, antes da Luz. Um antes estrangeiro... sem ter vindo na
frente...) Ele, Deus que é, descansou para deixar: crescer, fermentar, alargar.
Atenção, não é algo ruim, mas opositivo ou, melhor, a-positivo (não com alfa,
privativo, o grego de sempre, mas com ad, latino que  tudo se resume a uma
vogal a: a grega afasta e nega, a latina aproxima e  agrega  sempre): a Não-
Ação de Deus, naturalmente, leva à Não-Luz... etc. Não é conseqüência, é é,
apenas um é.

Não-Ação, Não-Luz, Não-Consciência, Não-Visão, Não-Confronto.

E talvez o equivalente a:

IGNORÂNCIA:

Repouso, Treva, Inconsciência, Cegueira, Obediência.

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Eis ali o outro lado da moeda, o reverso embutido sagradamente na
Criação, a mesma moeda. Religiões podem lidar com o lado que quiserem...
Em comum põem sobre os ombros humanos pesos que elas próprias não
poderiam suportar. A pregoam o sacrifício como o fardo mais insuportável
possível. Não dizem nem mostrarm o quão natural é o sofrimento para o
homem, preconizam-no como se fosse maldição de Deus. Não o encaram com
amor, e por isso recusam, pungentemnete, a Natureza Íntegra de Deus. Não
aceitam (embora digam) que o sofrimento é só percalço. Mostram sempre
mais que o sofrimento é o próprio objetivo de Deus para os homen. Grande
mentira. Em geral estas religiões levam o lado humano (Inconsciência,
Cegueira, Obediência) ao nefando de sua realidade, fenecendo homens,
quando os fazem repousar, mas que pecado... é...

A tentação...

E todas conhecem que: quanto maior a Luz, tanto maior a Sombra (Não-
Luz) aí gerada. (Por que “religar” se o homem nunca desligou?) Quanto maior
a Missão, tanto maior a Tentação, não para dissuadir o Missionário, mas
sobretudo para valorizar acirradamente a Luz que o guia, fazendo-o concluir
pela sua existência. (A estrada é feita de conclusões, não de imposições. Quem
não conclkui não faz o que Deus busca: o coração crescendo.) Porque a
tentativa de desvio (= tentação), assim a chamarei por enquanto, acrisola o
terreno pisado. Só sai dele, agora, quem não conhece o sabor de um ambiente
assaz divino, limpeza, claridade, como a casa limpa e perfeita (quanto mais
limpa a casa, mais limpo o mundo inteiro), que é o que é aquele terreno após
seu crisol.
Limpo.
E, quanto mais limpo, mais pronto para receber outras tentações,
“maiores” (isto é mentira, na verdade são sempre menores, porque um homem
vai-se tornando guerreiro e, por vergar-se com flexível saber, encara a todas as
tentações, doravante, como um junco maleável, e faz renascer o prazer)...
desculpem, diminuição! Esta é a “Estratégia de Satanás” de que nos fala Jesus:
quando se limpa a casa, o espírito demoníaco vaga sem descanso, e, se pode
(isto é, se o homem precisar, se puder, por negligência ou descuido, ou por

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invocação e merecimento  orai e vigiai , que a “tentação” retorne), se pode,
enfim, o espírito retorna àquela casa, ora asseada e plena, com outros espíritos
que arregimentou pelo caminho. O caminho é a casa de cada um. Eu sou o
caminho, a verdade e a vida. E u sou meu caminho. Cada um repete em si o
que Jesus falou  para si. (Já falarei sobre isso.) Acho que nas Escrituras se
fala em sete espíritos piores. Assim o estado daquele homem passa a ser pior,
diz-nos o Mestre, do que era antes. “Pior” significa, tenha certeza, “com
menos Luz”, o que, como vimos, pode ser, pela relatividade absoluta vívida na
Suma Natureza, melhor do que antes. Porque mais forte, mais à prova...
Porque dos estados passageiros de ausência de Luz nascem os eternos infinitos
de presença Lúcida.
Ou talvez seja porque limpou a casa, convidou mais gente. A casa
cresceu para recebê-los, hóspedes que se tornam. Limpa-se novamente, eles se
vão  pois são hóspedes passageiros , e a casa, maior, recebe mais gente
ainda. E cresce ainda mais. Quando vão embora, maior. Vêm outros, crescida.
Ao irem, bem grande. Retornam, gigante. Etc. Perceba nunca haver repetição,
o que há sempre é renovação. Transformação em cima do que já se tem  a
casinha.
É inútil falar o que falei, pois, a quem não gosta, não adiantaria, porque
não vai, mesmo, passar a gostar. A limpeza não é para todos, pois, como se
revela, é um dos estados mais perigosos do homem. Quanto mais limpo, mais
“tentado”. Porque mais aberto a crescer ininterupto. Quem ainda teme
demasiadamente a “tentação” (por viver no estatuto psicossemântico desta), é
claro que temerá muito a limpeza. Deus não faz nada limpo à toa. E Deus não
deixa de limpar nada. Coisa alguma permanece oculta (suja) para sempre. São
palavras fadadas à eternidade do silêncio. E por serem silenciosas são eternas.
Quanto mais se fala, pois, menos se diz. Você, como um gato, vai precisar
limpar a si mesmo, ainda que à força. Nem mesmo um til se acrescentará a
Elas, Palavras. Porque são Palavras, apenas refletem, especulam a Verdade do
que é, que, sim, isto é que não muda.
Portanto não há tentação (o diabo?) fora de Deus, não poderia haver. Ele
é qualquer coisa, mais que simplesmente toda coisa ou toda a coisa. A
propósito, se houver um par de Palavras que “difira” de imediato Deus do
Diabo é: Simples (Deus) X Complexo (Diabo). Ócio X Atividade. Haveria
outros pares, respectivamente Deus e Diabo: Monotonia X Aventura.
Equilíbrio Estático X Equilíbrio Dinâmico. Paz X Guerra. Não X Sim. Amor
X Paixão. (Haveis de perguntar-vos: “E o Ódio?” Respondo-vos: Ódio não é
oposto a Amor quanto à fonte, mas talvez, sim, quanto à conseqüência: Amor
apenas constrói, Ódio apenas destrói. Ódio fulmina. Sua destruição poderia ser
benéfica, como a da Paixão, a da Raiva e a da Impaciência o são às vezes, se

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fosse uma destruição que mantivesse o material arruinado por perto, pois é
deste material, sabemos, que o novo  transformado  se fará. Mas Ódio leva
consigo o material, portanto, ele é como o fogo que reduz tudo a cinzas. Pode
haver produção na Raiva, pode na Impaciência e, mesmo, sobretudo, na
Paixão, que é termo de identidade entre Impaciência e Raiva, mas nunca
haverá igual produção no Ódio. Por isso o Ódio não é do Diabo, é do próprio
homem mesmo, e horroriza até o próprio Diabo, crede-me...)
Ouvi:

Um homem aponta a arma na cabeça de outro e ordena-lhe que se


ajoelhe a seus pés e os beije. O homem que se ajoelhou e beijou os pés do
outro foi humilde?

A propósito, humilde é quem adquire força mas pode abdicar desta,


melhor dizendo, “abdicar”, entre aspas, desta, em prol de si. É claro que só se
pode abrir mão se se tem do que se abrir mão. Caso contrário, nada se fez.
Quem não tem não faz. Só há humildade quando se teve liberdade de escolha;
se se foi coagido, não houve nunca humildade, houve coação. Humildade é ter
uma arma nas mãos, ser instigado a usá-la  e (mas!) não fazê-lo. Opção! Não
é não atirar por falta de armas, porque isto é a casa do Ódio.
Isso é interessante, deveras interessante, porque me faz vislumbrar que
só pode haver de fato humildade porque sabemos que, enquanto quisermos
(palavra quase sempre errada, a certa é “precisarmos”) poderemos pecar.
Assim, Deus perdoa sempre, e é verdade, e, por isso, quando não pecamos,
não pecamos porque sabemos que, se pecássemos, tudo bem... Fizemosd o que
devíamos, não o que nos disseram que deveríamos ter feito, que é sempre
errado se está na hora errada. Não vai haver humildade se não se acredita que
só se deixa de pecar por opção, nunca por coação de Deus, que não vê os
pecados e, pois, ama de qualquer jeito, com ou sem eles. A inocência da
pureza vem quando a consciência de que se pode pecar à vontade é maior do
que as trevas da inconsciência de que “não se pode pecar”, o que nem é
verdade, idiota! Como diz um grande Guru, São Paulo: Tudo eu posso, mas
nem tudo me convém. Passa a ser tudo na vida uma questão de discernimento,
atividade, não de atos impingidos de fora para dentro de nós, porque
passividade é para Deus, em cuja espera está o Ato Supremo. Deus não se
importa com nenhum ato, o homem deve demoniá-los e dogmatizá-los por
causa do próprio homem. Uma questão de ética, quero dizer. Quando
discernimos, vencemos. É grosso modo a circunstância de que, quanto mais se

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sabe que se pode pecar, menos se quer pecar (aqui a palavra foi certa, como
em raras outras vezes o foi também). Resumo: apenas o conhecimento
verdadeiro pode dominar o instinto irrestrito. Nada mais.
E quando se coage...
A humilhação é a casa do Ódio. O homem humilhado é ardiloso e cheio
de astúcia, porque a humilhação é quem mais ativa a sua vaidade, que
transtorna a natureza real de um homem, fazendo a casa vazia  a mente vazia
é a oficina do diabo, pois a vaidade retira-lhe tudo de dentro e, nela, pois, pode
morar deformação , muito embora diabo não seja sinônimo de deformação.
O ódio, portanto, é que se alimenta de vaidade. O diabo também, aí sim. A
vaidade não necessariamente se alimenta de ódio. Mas, uma vez instalada
aquela, este há de vir, cedo ou tarde. A vaidade é como a roupa excessiva que
o homem põe sobre o corpo.

Ouvi semelhante coisa:

1) Certo homem cheio de roupas e jóias entra no mar. A água o toma de


assalto, e sua roupa imediatamente se encharca, ficando pesada. O homem
começa a submergir...

2) Certo homem cheio de roupas e jóias se depara com um incêndio


tenebroso, que só lhe deixa como passagem uma porta estreita, que se chama
Daleth, por onde ele precisa passar às pressas, indo de encontro às labaredas
igualmente estreitas, caso contrário, o fogo já o ia dominando... Com roupa,
qualquer contato com o fogo, por menor que seja, há de ser fatal, pois este
fogo se alastra na roupa e o homem morre por si mesmo, ou morre daquilo
que traz consigo, não do fogo em si, em seu local... Nu, entretanto, este
homem poderá resistir alguns segundos no fogo, segundos que serão
responsáveis pela sua vitória, pois passará o fogo  e se salvará  a segundos
da eternidade.

A vaidade é casa alheia. É uma casa de ninguém, embora seja de todos,


poeque ponto fraco em comum. E em tudo há vaidade. Só não há por
completo em Deus, como já ensina Jesus: Não tentarás o Senhor teu Deus! É-
te impossível, completaria o Guru Verdadeiro e Singular. Nesta casa  vaidade
 há sujeira e há desarmamento absoluto. O homem humilhado é aquele que
reconhece a própria pequenez ante seu humilhador, e se envaidece disso

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(justamente porque se “orgulha” de algo que não vê em si: grandeza), pois
envaidecer-se é exatamente ufanar-se daquilo que se presume ter, sempre à
frente (porque vaidade é mostrar) do humilhador, que o vence, não penseis
que não vence, pois vence mesmo, um humilhador é vitorioso! O outro não
tem armas e por isso é abatido, ou, pior, abalado. Isto é puro Ódio. E suscita
sentido (nem sentimento) de revanche, pois todos querem estar, quando lidam
com vaidade, no topo da cadeia humilhadora: ser O Humilhador. O humilhado
tem Ódio.
Já uma Raiva controlada poderia dar o Impulso necessário àquele
homem  humilhado-vaidoso  para que ele buscasse os meios de adquirir a
arma com que se erguerá. Ainda que reconheça em si a vaidade, portanto, será
preciso que ele se utilize da Mente-Coração para transubstanciá-la, e, uma vez
assim tornada, esta vaidade, que se desmembra, aos poucos, vai deixando
apenas o ressaibo daquilo que nomeio (com tantos outros) de Raiva Produtiva.
Esta Raiva não corrói o Coração, pois foi aceita por ele com a ajuda benfazeja
da Mente, mas volta-se a favor do Corpo e da Alma. É um fazer que
transmuta. A Raiva é a Paixão. Agora, uma vez em posse desta arma, o nosso
homem, passado pelo caminho, certamente  eu vos afirmo  abdicará
voluntária e francamente da retaliação, que o fez ir buscar a arma  Paixão do
Diabo? , precisando dela, adquiri-la, poder usá-la, e não querer  Amor de
Deus?  lançar mão de seu serviço. Pôde (Um) mas não quis (Outro). Só
assim é humilde. Outros casos podem ser de humilhação, mas nunca de
humildade. A humilhação tende a reagir com Ódio. Humildade é Amor porque
dispensa. Homem humilde é aquele que tem para fazer, já que agiu e foi por
conta própria, e faz se (ou quando) precisar fazê-lo. Se não, não. É como dizer
que uma formiga humilha um leão, ainda que o leão, não reagindo contra ela,
aparentemente saia como “o derrotado”... Não reage porque não quer, embora
possa. Não é derrotado, é inabalável. É este o maior mistério. Pessoas
humilhadas são exaltadas como humildes, porque rastejam? Mas também
pessoas humildes são rebaixadas como humilhadas, porque nem precisam
mover uma palha?... Cada um saiba de si! O humilhado precisa; o humilde
pode! Ou, se preferirdes: o humilhado não pode; o humilde não precisa!
Querer e poder são sempre duas coisas tão diversas.
Só haverá prova de humildade ante a prova da humildade  a tentação
: ame-a.
É como a questão do destino, porque a vaidade (ausência de humildade)
poda a visão completa do único caminho que cada um de nós possui.
O que é destino? É carma. É uma pessoa só poder ser dentro daquilo
que é. Mas, aí dentro, o limite  porque é limite  passa a poder ser infinito.

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Exemplificarmos é bom: alguém que nasceu para ser empregada
doméstica  ainda que nasça em “berço áureo”, só será tudo o que for na vida
se o for continuando a ser a empregada doméstica atávica que porta. Pode
chegar ao mais alto posto da humanidade, à presidência de um país, a ser
rainha de uma nação. Mas será sempre o que é: empregada doméstica. E que
se lhe dêem os parabéns, porque conseguiu levar ao limite de expansão sem
limite o seu ser, a sua essência, tão nobre quanto todas as outras, porque
perfeita (isto é, passível de expansão) como tudo. Se ela quisesse ser doutora
em Física Quântica, de que adiantaria? Seria mera vaidade, estaria impelida
por pressão externa, a aparente chancela do academicismo, exercício do ego,
sentir-se-ia humilhada (não humilde) por achar-se fraca ante olhos alheios
(repare o quão estrangeira é a vaidade: sempre “achar-se”, nunca “ver-se”). E
ninguém admite ser fraco em totalidade, porque todos somos heróis, jovens,
guerreiros  somos Koûros. Daí o porquê de sermos tentados pela vaidade...
Ela, a empregada, poderia chegar a estar doutora, nunca a ser doutora. (OBS.:
Também isto eu compartilho com Clarice: o fascínio pelas empregadas
domésticas...)
Isso não obedece, entretanto, à questão do nascer, já se o disse (isto
também compartilho...), porque ela pode ter nascido empregada por acaso (o
acaso existe sim, Fortuna Imperatrix Mundi como dois e dois são quatro, que
bobagem!), mas nunca foi empregada. Já é uma rainha. É. Dessa forma o
acaso é justo, porque, acima dele, fortuito, está o ser, eterno. Será sobre o
estou. Eis a força: conhecer o que se é. Deste “o que se é”, então, se tira,
compassado, “o que se será” completamente, totalmente, integralmente. O
verbo é um: ser. A vaidade faz o estar sobrepujá-lo, ou melhor, “sobrepujá-
lo”, e, escondido, o vaidoso não chega a ser nada, porque não descobre o que
é, e, pois, não leva seu ser a ser o Tudo que nasceu para  ser. Está, está, está.
Precisa ser, ser, ser. E, só então, é. Este sim, enquanto vaidoso, vive do acaso.
Quem nega o acaso nega a oportunidade única de crescer maior que ele: como
ser maior que algo que “não existe”? Na verdade os homens que “negam” o
acaso são os que, curiosamente, vivem deste acaso, porque ele não apenas
existe, como domina a quem o não vislumbra, altaneiro(s) e desdenhoso(s).
Não acreditar nele é tolher severamente a necessidade  e necessidade faz o
homem crescer  de crescer. O acaso são as Surpresinhas que Deus nos dá
para deixar-nos alerta e espertos, vigilantes (... e vigiai). É tudo tão óbvio.
Quem acredita em prestabelecimento de ação (ausência de acaso) crê,
naturalmente, na ausência de necessidade de agir. Só existe prestabelecimento
de essência. Eu diria que isso é 5. Agir deve entrar no 6. Cuja soma (5 + 6) dá
11, que é, pois, ser e fazer unidos: Liberdade.

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1 dá a 2 a semente do quê.
2 dá a 3 o continuar.
3 dá a 4 a variedade, a variação, a variante, várias variáveis.

 4 dá a 5 o passado...
... 5 dá a 6 a confiança.
 6 dá a 7 a perfeição!

7 dá a 8 o sentimento da humanidade.
8 dá a 9 a Graça.
9 dá a 10 a Boa-Vontade e o otimismo, e o bom-humor.
10 dá a 11 o Limite.

 11 dá a 12 a Liberdade.

12, ah seu espertinho, dá a 1 o Amor.

Em termos estelares, é producente a comparação  rasteira  com a


astrologia sino-universal-etc.:

ÁRIES dá a touro a semente do quê.


TOURO dá a gêmeos o continuar.
GÊMEOS dá a câncer a variedade, a variação, a variante, várias variáveis.
 CÂNCER dá a leão o passado...
... LEÃO dá a virgem a confiança.
 VIRGEM dá a libra a perfeição!
LIBRA dá a escorpião o sentimento da humanidade.
ESCORPIÃO dá a sagitário a Graça.
SAGITÁRIO dá a capricórnio a Boa-Vontade e o otimismo, e o bom-humor.
CAPRICÓRNIO dá a aquário o Limite.
 AQUÁRIO dá a peixes a Liberdade.
PEIXES, símbolo dos cristãos primeiros, ah seu espertinho, dá a áries o 
Amor.

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Pois bem, e sabemos que só diante da prova se especifica e constata o
crescer (que significa mover). Porque Deus precisa de heróis, homens que são
5 mas agem 6, dentro de seus (e Seus) seres.
Sabem acho que na tríade 4-5-6 está o segredo da humildade: com o
passado (câncer) se adquire confiança, nobreza e honra (leão), virtudes com as
quais a humildade (virgem) pode apresentar-se inocente. (Achei que a tríade
se repetiria em 10-11-12, capricórnio-aquário-peixes. até reconheço a
importância do tridente  3  de Netuno, sentado em peixes-12.) A propósito,
eu diria que o 6 é perfeição graças à atuação multiplicativa de Mercúrio,
símbolo de sua Virgem. Porque só se é perfeito ao se ver TUDO (falo disso à
frente). Enquanto só se vêem extremos, fica tudo em tentativa de equilíbrio,
mas com guerra pela raiz adentro, que é o carma duro de 7 (libra) com 1
(áries) à raiz, o que é até importante, vez por outra. Mas na tríade está a
perfeição. Que se levantem, pois, que se ergam imediatamente os homens
Mercúrio, porque, se não vierem logo, com seus caduceus e sua talarias
(presente da discernidora Minerva, Palas Atená), quando Mercúrio estiver na
porta, aflorando e muito ele, TUDO (que é o que ele concebe) se registra e
legitima para sempre. Só estes homens souberam ser três. Sem esta tríade
bendita, é impossível a humildade perfeita. (Reparem que ao instaurar
precisão de “variedade”, expandi do 3 para o 4, porque incluí a necessidade da
presença de gêmeos  Mercúrio , que é o Mercúrio-3, com cujo auxílio o
passado de 4 veio, de fato, corroboado por um vislumbre prévio da perfeição,
já nos gêmeos. Sei que nada ocorre se já não tiver ocorrido. Sei que nada é se
já não foi. Nada é se não for. Não se cria do nada, mas do TUDO. De novo,
TUDO.) Nem procure perfeição fora da tríade, que lança raízes pelo etc.
adentro, nas entranhas do et coetera. Não é à toa que todo o passado de Jesus
Cristo é relatado em Seu Evangelho, porque nem Ele, que é filho Unigênito de
Deus, seria quem foi sem os antepassados (Passado) por detrás de tudo. Com
seu passado (um de seus cognomes era “Filho de Davi”) alcançou a confiança
que o fez: dar a outra face, lavar os pés de seus discípulos, sentar-se nos
últimos lugares, ser cuspido no rosto, escarnecido e apanhar com um bastão de
cana. Mas também: expulsar a chicotadas os incautos do templo, deixar que
lhe lavassem os pés com lágrimas e os enxugassem com os cabelos,
reconhecer-se o Rei dos Judeus. Ele sabia que a Cas de Nosso Pai tem muitas
(muitas, muitas) moradas. Variedade! Porque Ele é quem é, nada menos, nada
mais. Quem é ungido por Deus não tem pecado, porque já sabe, graças ao
passado, que, diante da inocência conquistada, tudo são édens, paraísos, nada
tem fim, só tem o que é.

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Ou seria, Pai (passado), Filho (confiança), Espírito Santo (inocência).
Até se torna interessante que o Espírito Santo seja uma pombinha, símbolo da
Pureza. O Pai é a Voz Tonitruante que desce dos estertores do firmamento e:
Eis meu filho amado, em quem me comprazo. O Filho é o próprio Sol. E viva a
Torre de Babel... Variedade no mais divino dos dons humanos: a língua!
Porque falo tanto em variedade? Porque não me fio em dois, exremos?

O nascimento e apogeu do arco-íris.

No princípio era o negro, nada, trevas, ausência de tudo. Aí chegou o


amarelo. Depois dele, respeitoso, o verde. Em seguida, o lilás. Depois
vermelho. Depois azul. Depois laranja. Depois roxo. E, só então, o branco
pôde existir, o branco que é tudo, luz, presença completa. Entre o preto e
branco  extremos que são  houve uma ponte singela: todas as cores do
universo. O equilíbrio só está no TUDO. É a isto que chamo de “variedade”.
Em todas as cores, os extremos.

MERCÚRIO.

E dá-se um passo além:

O equilíbrio é tudo?
Mas cada coisa em seu TEMPO. Compasso. Uma coisa após a outra.
Seqüência, respeito. E continuidade. Também lugar: ESPAÇO. Passo a passo:
VELOCIDADE. (Que é igualmente Mercúrio, agora na completude do 11 de
Urano-aquário em seu auxílio infinito.)
A noção mais presente na naturesza é a de respeito, ou, se preferirmos, a
de limite (presente do Saturno-10 para o 11, de capricórnio para aquário).
Porque, quando uma coisa respeita o limite (a órbita planetária) da outra, todas
elas se perfilam uma a uma, e há localização exata para todas, que, então, da
ausência, engendram e forjam a presença completa, que só é “completa” (daí
eu a chamarei de mentira daqui a pouco) porque se faz de parte em parte.
Verdade mesmo são portanto essas partes. Verdade mesmo é cada coisa em si
mesma, isolada porque pertencente ao (ou melhor, mantenedora do) equilíbrio
cósmico. É a variedade. Mais uma vez  as DIFERENÇAS. Só graças a isso há a
perfeição. Por isso Deus dotou o homem-natureza com a face irrepetível.

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Por isso é fácil lançar mão de parábolas estelares. O próprio Deus não é
uma estrela  é TODAS.
O olhar, o olhar de um homem que passou pelas provas é como o ouro
do fogo, além de ser discreto como a própria monotonia da madrugada de
ferro incandescente. É o olhar de quem não tem nada a esconder, causa medo,
por isso, não é raro que seja de metal puro. Olham-no; dizem-se: Este não
esconde nada, nem tem o quê, é cristalino, transparente, mas duro,
“inflexível”...

O diamante:

O diamante é a substância mais dura dentre as mais duras  as pedras  que


se conhecem na terra.
E o diamante é transparente.
O diamante, quando colocado na água, que é a coisa mais mole que
conhecemos na terra, e se ajeita a tudo, fica invisível, deixa de ostentar sua
transparência em prol da flexibilidade do mais flexível dos flexíveis: a água.
O diamante, portanto, “duro e inflexível”, aparentemente, é feito de água, e,
na água, prova que o é ao, simplesmente, como água, ficar invisível.
O diamante é tão água quanto água água.
Não mostra que o é, porque mostrar é só mostrar.
Ele, pelo contrário, prova que é água ao não mostrar: é invisível, nem se
mostra, some.
E continua sendo o que é, apenas.

O diamante.

Por quê? apenas porque a um tempo aquele homem se torna sereno e


invictamente convicto; em resumo: este olhar é de bronze inamovível, ouro
acobreado, proteção de não-luzes negras  e nunca repele uma natural
aceitação de morte, um profundo apreço pela vida, um destemido Amor
Universal, casado com a Paixão por recolher-se. É aquele olhar que se mexe
nas trevas e na luz com igual Amor, porque respeita e preza e ama o terreno
que pisa  e seja este o terreno em que estiver. Aquele olhar de escorpião na
ponte para virar sua águia. Não assusta, não aparta  mas impõe! Ele é, e é. Os

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homens de bronze me parecem os homens perfeitos, primeiros grandes heróis
com quem me apraz lidar.
No senso-comum (Aristóteles), entretanto, no meu senso-comum (Eu), o
que há são homens de ouro e platina. O que não pode ser tudo. Há de haver
menos, com igual perfeição. Eis o bronze.
O que ocorre é que, quando se está na Meta, as coisas todas são
dulcíssimas. Assim sendo, a tentação não passa de uma chamada ao retorno da
doçura intensa daquele caminho, que é o que leva à Meta. (Atenção: Meta é a
única coisa compartilhada em toda a sua plenitude por homem e Deus, pois
que a ordem é de um  Deus , o processo é de outro  homem , e o Fim é
mútuo. É como eu disse ali: Os poderes são iguais, mas deslocados, pois cada
um é  apenas em seu lugar. Assim: o proceso é do homem. A vitória é de
Deus. O troféu é dos dois. Deus ordena. O homem faz. Ambos criam. Tu te
lembras, ameba humana?)
É que não se pode percorrer simplesmente percorrendo, será preciso que se
percorra  vivendo. Portanto há vida no caminho, se for o Caminho. Se se está
no caminho errado, é muito pouco provável que haja tentações. Fica-se no
fica-se. Porque é como se o Universo nem sequer visse aquele homem. (Na
verdade não.) Ele é abandonado não à Fortuna  que é a Imperatriz do Mundo
, mas à revelia mesmo, ele que se vire em seu nada ínfimo e desprezível, ele
que continue blaterando em sua camelidão. Porque de caos, matéria prima de
nosso homenzinho errado, o Universo está cheio, não precisa mais ouvir falar.
Enquanto não se organiza, não se organiza.
Mas. Se se está no caminho certo vivendo este, não haverá, é impossível
haver, por seu turno, a tentação, porque o que vier se traça... Não há paralisia
de medo, há espanto  sempre salutar  de medo, o que me rejuvenesce,
fazendo-me, portanto, eterno guerreiro renascido, vigilante. Neste caminho
hão de aparecer correntes novas a cada dia. E quando passa este dia, passa
com ele a corrente, e vemos e sabemos  não apenas cremos  o que fazer
com ela, ou dela. Não necessariamente a quebramos, pois ela pode nos ser de
imensa valia para aprisionarmos, em nossa guerra santa, a quem quer que se
aventure à nossa frente.
O homem certo (de caminho), entretanto, mesmo este tende a
adormecer, por estar tranqüilo e calmo, quando se encontra em seu caminho.
Apesar de ver a cada dia uma nova paisagem. Oh é uma tendência perigosinha
mas que em seu Amor comprova, também, nossa filiação com Deus, nosso
Gene Amoroso-Paterno: o Repouso...  no sétimo dia... a Criação foi criada. O
homem só tende a repousar porque sabe (então, a crença torna-se menor, pois,
ainda que veja  e creia , seu não-ter-visto acaba vencendo) que é Filho do

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Criador Eterníssimo. “Ó Tomé, tu precisaste ver para crer; muito mais feliz é
aquele que não vê  e crê”, disse o Mestre, porque, sabendo, o homem
prescinde  como eu disse  de crer. Ele cria, com Deus, a Criação. Sem vê-la.
E, dela, nós. A indolência nata de qualquer homem Divino é sem dúvida
a centelha maior de Deus. Só para lembrar que Ele é em nós. E por isso é
preciso haver  mas apenas neste caminho, o certo , vez por outra, a
tentação, Impulso (q.v. o verbete), Equilíbrio Dinâmico, a fim de acordá-lo
novamente para a intensidade plena de, enfim, este que é seu caminho: ele
com ele, por ele, e nele.
Porque ele tem, outrossim, prazer.
Não apenas prazer, já que prazer não é sinônimo de Meta (dizer não
ao prazer de uma tentação, por exemplo, pode significar dizer sim à Glória da
Meta atingida), mas sempre Deleite, Regozijo, que é, por exemplo, o que Deus
faz em seu Tempo Integral. A propósito, dizer não é ter Deus. Uni-lo a si. Por
isso alguns incautas dizem que Deus vive descansando, mas é que a Ação de
Deus é o Regozijo. A Vitória de Deus é o Regozijo, Eterno e Dócil Regozijo.
Lembrem-se: Deus é NÃO. E exatamente por isso é também SIM, porque
nunca há um que não venha acompanhado do outro. Dizer não a isto significa
dizer sim àquilo. Ademais, acho que deveríamos parar com esta mania, este
mau vezo de achar que tudo na vida funciona como sim e não. É um modo de
pensar baseado nos seguidores de Maniqueu, contra quem Agostinho tanto
esbraveja, admirando de seus prosélitos apenas a retórica impecável de Fausto.
Puxa, queridinhos, quantas cores existem entre o preto e obranco? Todas elas,
sabemos que preto é ausência e branco é totalidade, assim sendo, tudo o que
há no mundo se localiza no imenso arco-iris “maniqueísta” do preto-e-branco.
Será que o que não é salgado só pode ser doce? Claro que não, porque, nmais
uma vez, todos os gostos do universo se localizam entre (entre) esta nova
modalidade “maniqueísta” salgado-doce. Logo: o que há de mais e de menos
entre o prazer e a privação. De cara a temperança. O equilíbrio, enfim, no todo
entre (entre) o “maniqueísta” prazer-privação.
Eis não-sim: tudo.
Ainda que se negue um prazer superficial de tentação,  não nos deixeis
cair nesta superficialidade,  ainda assim o prazer da manutenção do caminho
restará. Isto é Deleite. A importância do prazer está em que o homem não
cresce alheio ao prazer, porque, até mesmo para seu maior caminho rumo às
Alturas Altíssimas é preciso que haja prazer. Para nascer foi preciso, porque
Deus nunca errou em suas formas de consecução de um objetivo, prazer. Se
sexo é prazer, é porque deve sê-lo. Não consigo imaginar porque “luxúria” é
pecado. Pecado não é. Nem é nada, porque é humano-divina. Aliás, nem
existe a Palavra “luxúria”, que besteira. Houve um momento histórico  de

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cronologia, portanto, nunca illo tempore  em que ela precisou ser combatida
por degradação. Foi ética; hoje é etiqueta. Ok. Mas mesmo o Mestre já a
esquecera, ultrapassara Sodoma e Gomorra, apontando que mais rigor haverá
no Julgamento de outras “cidades”, que, estas sim, burlam o Tempo
Primordial de Deus. A luxúria não o faz. Jesus retificou a velha questão. Não
há ferida na Lei com luxúria. O sexo, então, este nem nunca o fez. Deve haver
prazer. Sexo é corpo e corpo fica. Se é só corpo  este é o segredo: que deve
ser só corpo  fica. Alma sobe. A Deus.
Ainda sobre isso? Sim, sim, vós vencestes, falar-vos-ei.
Há pecado apenas se houver excesso. A desmesura grega, sempre a
grega, é o pecado da hýbris.
Para evitar este pecado, é bastante útil (único) dizer não. Pronto.
Melhor: poder (saber) dizer não. Poder pode ainda ser mais importante,
útil (único), do que de fato dizer. Isto é: podemos não dizer, mas, se
soubermos que podemos dizer, isso pode ser simplesmente importante
(único...). E tudo o que o homem faz é, no máximo, importante, não vos
iludais, como sempre. Como quereis ser infinito se sois homem? Querei ser,
só, importante. Contentai-vos, regozijai-vos. O “pecado” se dissipa, não há
pecado se sabemos: poder dizer não. É o caso. Não disse, mas posso. Fazer
algo que sabemos que podemos não fazer é o mesmo que não ter feito. (A
questão é sempre saber; mais que crer...) E é o mesmo que não fazer algo que
sabemos que, sim, poderíamos ter feito. Ou seja, a humildade. E todo o pecado
se arrasa mediante a humildade, porque, ali, estará funcionando como ela
própria, até por conhecimento da imperfeição que temos. A humildade é:
posso fazer sim mas não faço. O pecado morto é: posso não fazer mas faço
sim. Quem faz sabendo que pode não fazer  e isto sempre é possível, porque
Deus habita o Não  não fez. A inconsciência é o escuro, a ignorância, a casa
do diabo, e por isso apenas nela ocorre o excesso. A consciência (do verso-
reverso) aniquila o “pecado”. Quem vê reverso vê que pode. E, assim como o
hábito é uma segunda natureza, poder é um segundo fazer. (E saber é um
segundo ser, desculpai-me, não resisti...) Quem conhece o reverso, então,
conhece que pode. Não poder agora?! Mas o que é mesmo agora? Agora...?
(Este “agora” pode ser para provar que se pode, também, não dizer não.
Não para provar que não se pode, reparai, mas sim. E só graças a isso, dizer
tem mérito.) Aquele que pode dizer não pode também dizer não. Sim.
Resumo: o homem não pode sempre, porque só Deus, mas sempre pode não,
sim. Parabéns, homem. O não sempre existirá porque é  Deus. E Deus não
esquece no pecado. Deus não.
Mas o prazer.

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Se o homem desconhece ou abdica do prazer, mesmo o crescimento é
interrompido. Para não interromper o crescimento, portanto, ele precisa estar
em rajadas alternadas de prazer, deixando-o servir a quanto serve. A tentação
possui, também este poder inenarrável: atiçar, aguçar, rememorar o prazer.
Para que, calado, ele ainda diga e funcione mais alto e potente que falando. E
um dia ele se cala mesmo. Aí sim se desapega  com o coração (Deus  só 
ama o coração!)...
A tentação é o que tempera o caminho. É como o “sal da terra”. Deus é
“eternamente doce”, não é, ó todos os cento e cinqüenta Salmos? Sim. Por
isso, nós próprios somos como o tempero de Deus. Porque somos o sal da
terra. Ele precisa de nós. E, por precisar, nós próprios temos a capacidade de
causar tentação a Deus... Não, não me fazeis rir. Isso ocorreria  mas, “Não
tentarás o Senhor teu Deus”  quando apelamos para a “Vaidade” De Sua
Majestade Suprema, o Senhor, oh Lord. Nós não O exporemos à tentação,
porque, obviamente, isto é impossível. O que Jesus quis dizer foi o seguinte
(já dito): Não tentarás... porque não podes: é impossível para ti, caro
discípulo. Não foi uma exortação; foi uma constatação. Porque não há mais
tentação para Deus, só o que restou  e é esta a lição que Ele no quer dar  é o
tempero do sal que somos: e, se o homem perde este sabor, propriedade, para
que mais servirá? Perguntou Jesus. Assim como Deus Pai convive com este
nosso singular tempero, sem “cair” por causa dele, assim devemos conviver
com o tempero do sim, sem “cair”, igualmente, nele. O sim costuma ser
chamado, porque todas as coisas têm um nome, de Diabo, que é, como provei
por etimologia, o feminino, a outra metade de Deus.
(De cujo casamento nascemos.) O que Deus uniu o homem não pode
separar, o feminino e o masculino não podem ser desfeitos, o homem e a
mulher são  agora  uma só carne. Em Deus já é assim, Ele é Um só, desde
sempre, e que O seja (porque Deus é O Exemplo!) conosco. Quem romper em
si o homem da mulher comete adultério ante os Olhos, que tudo vêem, de
Deus. Separa o que Ele uniu.
Manter, dizer não para esforçar o sim. Não raramente, dizer sim para
revigorar o sim. E mesmo dizer sim para revigorar o não. Por isso, por essa
vitalidade do prazer, quando se priva inteiramente um homem deste, aí sim é
que a tentação se tornará cada vez mais ela própria  uma Tentação...
Terribilis... Só nesta tentação e pode cair. Cada vez mais próxima de seu
estatuto psicossemântico audaz ela se torna. Ela fica deformada porque o
homem vê nela parte sumamente irrisória de Deus, e a tem na conta de corpo
fedorento do próprio demo. Mas muito cuidado, o diabo não é tão feio quanto
o pintam, nem é feio na verdade, nem é no fundo. “Sua” função  e podemos

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muito bem estar falando de Deus  é conceder, por mérito próprio, o mérito
próprio.
“Um reino dividido não subsistiria...” Quem acredita que Deus mede
forças com o Diabo acredita que Deus precisa medir forças com alguém. Ele é
Um. Não precisa lutar por si mesmo, porque ninguém, nada O venceria num
confronto  suposto confronto  ostensivo, de frente. O Diabo e Deus não são
como o zênite e o nadir, apogeu e perigeu. Eles são Ele e Ele é Eles. Que são
Um.
Quanto mais longe da Ação, quero dizer, mais próximo da Palavra se
torna a tentação. Isto é perigo. Mas perigo só é perigo se está em Palavra. Não
haveria “perigo” na Ação. “A mente vazia é oficina do Diabo”, diz meu povo,
pois exatamente é a ignorância que dá a Deus contornos de Diabo. Aprender,
que é obra do próprio Deus mas com a intervenção do Diabo ao fazer o
homem esquecer-se de que pode sempre aprender, é que desfaz a inércia de
Velocidade Inicial igual a Zero. O Zero é tão importante, que... Quem O
conhece  Conhece a Verdade e Ela te libertará!  começa a ver que
nomenclaturas são nomes, e que são Palavras, e que só precisam existir,
enfim, para quem não age. Mas contornar uma Ação com o Nome é
denominá-la e dominá-la, decerto, pois que se aprisiona esta Ação em seus
Limites Santos.
Vou à Filologia Latina para explicar que:

Deus e Seu Reverso apenas existiram graças à Sua  Palavra  artificiosa


manha em ser reversa: como as palavras latinas da primeira e segunda
declinações, nos casos dativo e ablativo plural, se confundiam, a algumas
palavras da primeira declinação lançava-se o recurso à desinência -a-bus: e.g.
filiis/filiabus  e

Deis (deos) / Deabus (dea)

Deabus nasce apenas como o “feminino” de Deos, Dea, como provei.


Assim sendo, para que transcendamos a Palavra, que é, sem dúvida,
amedrontadora, ou, talvez, a única realidade realmente audaz e miraculosa, é
preciso Ação. Mas sabendo, contudo, que esta mesma Ação há de remir,
inconsciente, sua Reação  que é a Palavra. Portanto, não se foge desta, mas

29
também não se vive desta. Ela é conseqüência inevitável, e, por isso, a Palavra
de Deus veio antes, bem como a Treva, conseqüência da Luz, também veio
antes. Deus falou  Palavra  e a Ação e a Luz se fizeram. Portanto Ação e
Luz são causas de Treva e Repouso.
Só se esvazia a Tentação Terribilis quando se encara esta de frente e se
percebe: oh, ela é Amável, Adorável, porque eu posso não tê-la, se eu a  for.
E sê-la é igual a retê-la, e desgarrá-la, em vez de tê-la. Se houver apenas Ação
neste homem  enfim sua Inocência , o que ele fará será seu caminho,
sempre o mesmo, e, pois, a “tentação” há de vir em forma, igualmente, de
Ação, nem ainda de Reação, será de fato uma Ação de Lembrete curta,
passageira, nada além, irmã-aliada das Ações daquele homem ungido, que tem
algo somado aos pontos do caminho que se percorre em direção à Meta  ei-la
de novo (homem-Deus). Simplesmente virá como o Amor, que é a única
realidade sobre e sob todas as Ações. Já que é todas. Eu diria que toda e
qualquer Ação (mesmo a “tentação”, uma vez convertida e confessa), que toda
a Ação se funde e se esvazia no Amor.
Eis quão pouco perniciosa é a tentação. Na verdade não há nada de
pernicioso. “Meu fardo é leve e meu jugo é suave.” Oh Cristo! Quanto mais
em seu caminho, em sua Cruz (Ouro), em seu Crisântemo, Flor de Ouro, tanto
menor serão as “tentações” (porque passam a ser Ações) de um homem que o
façam cair e que sejam elas nelas. (E de um homem que conheça, dá licença,
porque a ignorância...) A prova, o sintoma de se estar na Cruz Verdadeira é
justamente a leveza desta própria Cruz. Cuja tentação, em vez de pesá-la mais,
ajuda a torná-la de papel. A Cruz Verdadeira não é pesada jamais, porém
precisa de manutenção, porque precisa viver. Para isso, que se faça o prazer.
Não se vive sem prazer. Ainda que o prazer de  um dia  poder negar o
prazer. (Humildade é poder... não é coação.) Às vezes ele pode ser esvanecido
pela inércia  que é o grande perigo físico do homem: tornar-se autômato, pois
aí pára de viver. Mais uma vez, Fiat Lux! Ninguém pode caminhar no escuro 
Faça-se a Luz!  no olvido, no oblívio, na Docta Ignorantia...
Quando se nega este viver é que a Cruz pode tornar-se aparentemente
pesada. Cheia de Tentação... E, ao ser em aparência pesada, passa a sê-lo em
integralidade essencial pesada, porque não há nada que, ao ser, não aparente
tudo o quanto é, ou que, aparentando alguma coisa que o seja, isso já diz
tudo... E tudo são Imagens: cuidado com a que fizer-retiver de sua Cruz, que é
você  próprio. Se se deixa ela em estado de letargia (equilíbrio estático), a
tentação se torna necessária para acordá-la. Se se corre aos pulos com ela
(equilíbrio dinâmico), talvez a tentação a refreie. É como o pequeno incidente
que revaloriza a vida. Como a privação repisada que evidencia o maná

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celestial que é um copo dágua. A tentação é a necessária desnecessidade. A
mosca que pousou na minha sopa. Ela é o 2.
Sacoleja. Levanta e deita.
Sei que não há, no eu, desequilíbrio querendo equilíbrio, mas, sim:

2 equilíbrios buscando fusão.

Mais uma vez, graças a Castor e Pólux. Uhn...


Não há letargia à Sombra da Natura, menos em Deus. Há Repouso, que é o
estado abençoado de trevas em que se recompõe  res-pi-ra-ção  o alento
necessário para o reinício na jornada Santíssimo-Sacratíssima. A próprosito,
vivemos “sob a Sombra de Suas Asas, Senhor!”, já diz o Salmo. Coitado de
quem não tirar desta Sombra o Sustento para a Luz... Os equilíbrios  estático
e dinâmico  são divinos apenas se se recompuserem por si (e em si) sós, num
vazio humano. Por isto a tentação vai pesando à medida que nos pusermos
num único equilíbrio: porque há dois. A “tentação impossível” não existe.
Cai-se três vezes no caminho, itinerário da Santíssima Cruz. São vicissitudes.
E as vicissitudes da natureza não são tentações, apenas três, que são só as
vicissitudes da natureza. Aqui, maior, Fortuna Imperatrix Mundi. Nestes
místérios, só Deus em Ele Todo. É Terreno de Deus, pois é  Determinação,
Desígnio, Carma, Destino.
(É interessante como o acaso dá as mãos ao destino e, juntos,
gargalham silenciosos. Ambos são o é do homem.)
A função da Não-Luz (Sombra) não é afastar o indivíduo da Luz, mas
antes corroborá-lo na estrada perfeita. Tirar o “diabo” do caminho significa
estraçalhar a possibilidade verdadeira de consecução da Meta. Aceitar o Diabo
aliando-se a Deus é o contrário. Reconhecer a própria Sombra. Há coisas,
como eu disse, que nem são de Deus nem do Diabo, são do homem, tirem-nOs
disto. Não existe aquele estereótipo do diabo que se pinta  chifrinho, rabinho,
vermelhinho , porque (observação: o chifre, em todas as culturas, denota
extrema acuidade espiritual...) não existem estereótipos na perfeição do
equilíbrio de Deus. Não existe simplesmente “o feio” no Plano. O que existe é
a imensa ânsia de reunião daquilo que homens resolveram partir em dois.
Deus e Diabo. Deus não dividiu o 1 em 2, mas multiplicou o 1 em 2,
multiplicando-os sempre. Somem-se, agora, fundam-se estas partes; caso
contrário, não há caminhos, porque a Meta, lá no fim do infinito, é obnubilada
pela névoa parda do desamor. Dividir é desamar. Reunir é ser. E amar.

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Aprenda estas Verdades  Verdade só.
O homem precisa aprender  eu já disse e repito: aprender é o Xis  que
aprender é o Xis. Assim, ao sabermos que a criança é o pai do homem, porque
nascemos ignorantes mas em crianças aprendemos tudo o que somos, é claro
que esquecemos  pois não aprendemos  que aquilo que somos o é em
grande parte porque aprendemos (daí cremos, daí sabemos, daí nos
esforçamos, daí agimos  Ação vem por último?) a sermos e a darmos
continuidade àquilo que somos (cremos, sabemos, nos esforçamos, agimos) e
lutamos  Viva a Guerra!  por ser. É isto: somos por termos aprendido. Mas
esquecemos que aprendêramos. Assim, o que há de ruim o há porque
aprendemos (eis o inimigo, a Sombra  aprender é o diabo?); e, portanto,
fomos dominados não porque aprendemos apenas, mas porque esquecemos
que podemos, sempre, aprender, desaprender, reaprender. Aprendemos para
desaprender, já disse. E, se aprendemos A, podemos aprender J. Se víamos
pedra, podemos ver coqueiro. Etc. Ou não. É o seguinte: quando nos aliamos
ao “inimigo” (...aprender...) para tirar-lhe a força de domínio (principalmente
quando o inimigo é vitorioso), estamos aprendendo dele (do aprender) que
podemos, ainda, continuar aprendendo (principalmente a aprender). O homem
aprendeu a ser infeliz? Que aprenda a ser feliz! Aprendeu a desaprender? Que
aprenda a reaprender! Ou que reaprenda a aprender. Para desaprender. Etc. Ou
não. Quem não pode contra eles, junte-se a eles. Não podemos contra o
aprender, porque nos fez (e já provou quanto) o quanto somos. Das forças
dominadoras se tira o subsídio à derrocada da própria energia vitoriosa,
pricipalmente (ou exclusivamente) se esta energia de vitória o for contra nós.
Somos pesados sendo o que somos? Porque assim aprendemos  que o nosso
“inimigo” até então vire nosso maior Aliado. E vira Ação. Ação Pura. Derrota
o que nos derrota. É, como diriam meus índios, o fogo contra o fogo, ou o
princípio de Hanneimann, o papai da Homeopatia, ou o princípio das vacinas
etc. Antígenos, anticorpos, o soro antiofídico idem, antídotos medievais, o
princípio da utilização da causa como cura. Se sabemos que o fogo destrói
“para sempre” o de que se alimenta, quando este fogo se alastra numa floresta,
nós que destruamos, na frente dele, o que ele quereria destruir, acabemos com
a matéria-prima que ele gostaria de devorar. Sem combustível, sem fogo.
Lembre-se do triângulo da combustão. É como o açúcar que tira o doce do
próprio açúcar. Quem de nós nunca experimentou a sensação de comer um
doce e, por essa razão, ter privada a mesma sensação num doce consecutivo?
Açúcar destrói açúcar. Assim, pondo fogo-açúcar, usando o ardil do inimigo 
este fogo-açúcar , este se transformou em amigo, pois que impede o próprio
ele e  o inimigo do meu inimigo é meu AMIGO  faz por mim o que só o

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amigo faria: destrói o inimigo. Forças contra a tentação só são respondidas
pela própria tentação? (Assim eu aprendi, na quinta série, a relação dos sinais
matemáticos: mais (amigo) com mais (amigo) dá mais (amigo), menos
(inimigo) com menos (inimigo) dá mais (amigo) etc.) Por isso, eu já o disse,
toda teoria sólida apresenta em seu embrião o mecanismo para auto-extinguir-
se. E por isso mesmo só a tautologia é realmente filosofia e teologia a um só
tempo. É o que é. E é. Nada mais. Porque uma pedra é só, para sempre, uma
pedra. Dizê-la redonda pode ser mentira em milênios, quem sabe ainda mais
tempo, de erosão e desgaste natural. Dizê-la inorgânica talvez seja (ou tenha
sido antanho) uma grande mentira. E vamos por lá.
Vou além, na verdade, aquém:
Conhecer a Palavra não pressupõe conhecer Deus, mas descrevê-lO sim
e prontamente. Descrever não seria necessariamente conhecer, apenas que
pressupõe  e ultrapassa anos-luz  este conhecer, já ora tão acanhado,
recolhendo-se a seu pouquíssimo que é. E eu já provei que a Tentação
Terribilis está na Palavra. Conhecer terá passado por estágio oval de não-
conhecer: isto é viver. Primeiro se vive (ovo), depois se conhece. E só agora
se descreve. A Tentação nos domina? Imagine dominar o que a gerou! É.
O próprio pecado  pecatus  surge como o tropeço do gado, igualmente
pecunia, o dinheiro?
Conforme exposto (antes ou depois), se a Palavra veio de Deus, Este é a
conseqüência daquela. A Palavra, vinda d’Ele, foi a Sua causa. A Palavra é o
Centro de Deus. Todas as Suas causas e conseqüências (Ele é a Grande das
Grandes) são Seu Centro, porque ele é infinito e infinitamente feito de
Centros, já que todas as coisas de onde parte (ou para onde volta) são Centros
desse mesmo infinito que ou bem é Ele ou bem O é. (Ambos.) Esta é outra
prova da Indivisibilidade Relativa e Absoluta de Deus: a Palavra.
Quem fala professa Deus.
Quem pensa por Palavras professa a fala.
Ninguém pensa de outro modo.

Um pouco de Tempo-tempo.

Os povos ágrafos possuíam uma relação mais próxima ao proferimento


das palavras. Cada vez que isto ocorria, a própria coisa nomeada era trazida

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magicamente à luz, ali, na hora, presentificada, como está na moda dizer em
meios acadêmicos. Palavra não era exatamente o símbolo, mas a res. Por isso
os aedos eram respeitados como reis  sem trocadilhos greco-portugueses
(como basileis) , porque traziam, em sua Voz, Foné, a origem (ovo) da
Revelação (aletéia poética) daquilo que precisava ser revelado, sem o que não
haveria a Glória, que é Desvelação.
E quem dominasse pela descrição a origem fazia duas benesses: uma,
provar que conhecia, e portanto vivera, aquilo que fora descrito, pois que se
não o tivesse conhecido não teria podido descrevê-lo; a outra, o fato de que
dava à audiência o domínio completo sobre a coisa descrita (e descrever era o
mesmo que trazer naquela hora à luz, ali mesmo, diante do pasmo e da Glória
de todos, a pujança da coisa, da res), domínio este que já havia sido
aprisionado devidamente por este herói de toda a gente  o aedo, poeta-cantor,
o que revela (por isso poeta) e o que distribui seu achado revelante a todos os
que o cercarem de admiração (por isso cantor). A audiência não
necessariamente sabia que tal resposta havia, porque o nicho da pergunta não
lha havia permitido  ou por não ser feito ou por ainda não ser feito  saber.
Digo: aprendiam coisas que nem sabiam que deveriam aprender.
Ultrapassavam, pois, o aprender. Não buscam, mas recebem! Vem-lhes como
unção dos deuses. Para outros a revelação já havia sido feita, por isso o artista
lhes faz apenas re-revelar.
Eis porque um artista precisa ser admirado: está nas origens de seu
sacro ofício, o farmacon apenas se revela para ser aplaudido, já que, ao ser
cônscio de que traz uma revelação (ainda que re-revelação, o que pouco
importa), é igualmente cônscio da relevância imaterial daquilo que traz, o que
pressupõe, não apenas acarreta, portanto, admiração. Conhecendo ou
reconhecendo  ai, como?!  é ponto passível de admirar-se, pelos outros, que
me liberte a gramática, e a si mesmos.
Este artista não é tão-só um protomártir vazio, que aja em vão. Nenhum
artista quer sê-lo em vão, porque são deuses que sabem, e muitíssimo bem, a
divindade que trazem consigo, em suas palavras. Ninguém menospreze este
homem, porque ele traz o fogo dos deuses do Olimpo Eterno. Era assim, é
assim. Será.
Mas a História segue.
Com o alfabeto, a palavra deixou de ter um pouco daquela força
primitiva. Por ser aprisionada. Não apenas aprisionada, mas sobretudo
arranhada nas entrelinhas da celulose ou de sabemos lá bem o quê, do tipo, as
pedras ou tábuas, enfim. O que redunda em prisão.
Mas, por ser aprisionada, ganhou em força o que perdera em
intensidade (entende?), porque passou a precisar, subjugada, do que não

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precisava até então: libertar-se. Por ser primitiva  o primitivismo sempre
salva tudo de influências externas , aquela força adormeceu invicta, apenas
rindo por dentro da tentativa que arrogantes mostravam diante dela.
Todavia, esses arrogantes adormeceram a fera das palavras, levando-as
à Não-Memória (que os gregos chamam lesmosyne), uma vez que a Memória
é, por definição, a presença-pujança de Deus, que os gregos nomeavam
segundo manifestações sempre acarretadas em suas vertentes humanas  os
arquétipos. Eu diria que é como a esfinge calada pelos decifradores, do tipo a
geração de Édipo, causadora de maldição. O preço pecuniário pelo pecado
será alto. Portanto, aquele que  eis os argonautas de hoje, eis-nos, homens
Clássicos do Século XXI, Guerreiros Gregos da Civilização Cibertrônica, os
Cavaleiros medievais com a lança nua da Palavra Velociraptor , aquele que
dominar as origens daquele que dominou as origens da palavra (que era, aí,
oral), há de dominar a própria força latente-divina daquele palavra primitiva e,
portanto, há de dominar o Seu Deus, Uno e Ele, porque domina a Essência  e
só o há em Deus  de tudo o que houver.
Precisa-se então dominar a palavra escrita para dominar-se o que
dominou a palavra falada, que foi (será?) a própria palavra escrita. (Peço vênia
para confundir-me sempre com a temporalidade no campo dos gregos.) Neste
momento, teremos em nosso poder toda a força latência-realidade (que é a
consumação-resguardo) que nos trouxe, de nossas origens, até nossa Glória
atual  o Eu que nos habita e nos mantém. Com o fogo do dominador é que se
acende a chama adormecida do dominado. É óbvio, pois ele foi dominado em
sua chama por uma chama decerto mais pujante, que, pois, deve ser encarada e
agigantada. Não se deve subjugar um dominador, mas unir-se a ele para, dele,
tirar-se a força atávica que lhe permitiu poder vencer aquilo que nos daria  e
dará  o sustento de que precisamos (no presente e no passado, e um é
“portanto” do outro). É a descrição da força dominante que nos permitirá
recorrer à prisão do domínio da  liberdade. E todos precisamos do domínio.
A palavra-chave é esta: precisamos. E também aprender com a força do
inimigo, aquele que dominou, porque o pôde, o que nos sustentará: nossa casa.
Enfim, sugar dele o que ele soube retirar de nossa origem. Dar à palavra
escrita a força atávica de sua ancestralidade subjugada: a palavra oral. Como a
esta última foi assimilada e somada a ancestralidade simbólica. Uni-las, unir-
nos a elas, dominar sua indecomponibilidade. Muito mais que vivê-la,
descrevê-la.

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A tentação volta...

Não há Luz maior que Não-Luz, quanto maior uma delas, maior a outra.
Um homem de muita Luz está preparado para enfrentar um grande Demônio,
Mensageiro (Daimon), Anjo do aperfeiçoamento em seu caminho, ao lado de
sua Cruz. Quanto maiores as Metas, maiores as tentações  e mais fáceis os
retornos à Estrada Única , porque maior o Homem que as encara e ama. Este
é o equilíbrio que faz.

A Conseqüência Divina.

Deus é uma eterna conseqüência de si mesmo. Porque é o maior


Movimento existente no Universo. É como o ciclo da vida, conseqüentemente
a si próprio. Sua conseqüência vem do fato de haver em si tudo o que há. Não
há nada em Deus, exceto onde não há Deus, e como não há nada em que não
haja Deus, em um terço de Sua Criação Deus é representado pelo nada, o que
prova, portanto, que há nada em Deus. (Um terço é o Xis, porque 1 sobre 3.
Ou o Nada sobre o Tudo.) Deus não precisaria do homem se não quisesse
precisar. Deus pode querer; nós queremos poder. Porque uma coisa só é feita
por homens se estes podem fazê-la. Ao querer fazer algo, assim, o que o
homem quer é poder este algo, igualando-se, em termos de lugar, a Deus.
Mas por que no Renascimento  após uma Idade Média calcada na
Ação, mas sobretudo na Luz (a Idade da Luz é no fundo esta Média, em que se
calca, no Abstrato  ou seja, no Nada  de Deus  a Luz , Seu Tudo  A
Consciência), se dividia o Homem entre, apenas (ou peremptoriamente), Visão
e Confronto? Na Visão, o Amor contemplativo, ideal e livresco? No
Confronto, o Amor experimentado? Ah, quantos desconcertos Camões não
nos pôs com tal duplicidade... Ora numa recompensa máxima da Ilha dos
Amores (olhar e não-fazer, admirar a Fábrica do Universo), ora na
carnavalização das brumas romanescas da não-Ação (ou melhor, do não-
Confronto) em Concreto (isto é: Confronto). Porque se buscava apenas na
parte humana  leia-se: Refletida  a Presença de Deus. Abriu-se mão Dele
por acreditar-se que nas manifestações visíveis do Homem (Visão e
Confronto) estaria Ele, como conseqüência (não como causa), refletido. Ele

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refletido e Nós refletores. Assim podia-se dizer, em renascença pura: sou não
sendo; e, sendo, não sou. Porque Deus, sendo invisível, ou, em outras
palavras, não-sendo, é intrínseco, e, portanto, descritível em visibilidades,
passando, pois, a ser em (e graças a) mim; e o Homem, por seu turno, uma vez
sendo, é-o exatamente por não-ser, na medida em que o foi por ter tido o não-
foi como lastro divinizante, graças, portanto, a Deus. É muito claro, basta que
se ilumine.

A Conseqüência Humana.

E na Idade da Luz  Média  Deus era visto como Suprema Causa de


Tudo. A conseqüência, Homem, portanto, vinha após a Luz. Após ali...
Descobrir-se-á que após é outra coisa. A Idade Média ainda contava
sutilmente com aquilo que neste livro não há: Matriarcado, apogeu da fêmea-
ancestral, Mulher de raiz-raiz. Alguém já se intitulou “Filho de Adão”? Em
Eva o interior, o útero, o “Ela” da coisa. Mas me parece que no Egito a mulher
era mais bem venerada, haja vista a preferência pelos gatos... (Como diria
Camile Paglia, de quem eu não gosto muito, mas com quem, aqui, até
concordo.)
E porque a Consciência, que é Homem, é a visualização externo-interna
das duas Faces do mesmo papel (como diria Saussure): Ação-Confronto, Luz-
Visão  Deus-Homem. A diferença única entre a Ação-Deus e a Ação-
Homem (chamo a esta última de Confronto; q.v. nosso ESQUEMINHA 1) é que,
assim como aquela (Ação) é sempre por Amor, Passiva (Idade Média?), esta
última (Confronto) será sempre por Atividade palpável, sempre rebelde e
reativa (Renascimento). Luz-Deus é rebeldia também, atenção; Luz-Homem
(a que chamei Visão) é, esta sim, a visibilidade da Luz, sendo, pois, a
Rebelião.
A humildade é Rebelião, contra o estado excelso Primitivo. Ocorre que
esse estado foi rompido e para se tornar a ele é preciso Rebelião, porque
Passividade é para Deus e Homem não se move no Passivo, mas no Ativo.
Homem é Consciência, Visão e Confronto. Confronto é tônica de
Homem. (Ação de Deus.) Humildade é a tautologia humana: húmus, terra,
ponto.

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Até a oração me soaria, agora, Rebelião: trata-se de pedirmos a Deus o
que sabemos que Ele sabia que Lhe pediríamos. Por que pedimos ainda assim?
Porque no espelho que somos de Deus, eis o cotejo:

Pensamento (Deus-Homem): Ação, Luz  (Consciência)  Visão, Confronto.

Oração (Homem-Homem): Pedir, Saber (Consciência)  Saber, Pedir.

Ou seja, tudo muda: O Homem pede  não a Deus, mas a si mesmo, e,


portanto ao seu Deus, porque orar é do âmbito Homem-Homem, realce de sua
franqueza divina ou, melhor ainda, divinizada (pelo próprio Homem)  por
saber que Deus (que é a sua Consciência, “sua” dele, Homem) sabe que
pedirá. Também Deus pede que saibamos (através da Consciência,  que é
Homem) que Ele sabe que Lhe pediremos... ou que Ele sabe o que Lhe
pediremos. Ou pedir saber, com Consciência, significa saber pedir. Porque me
parece que o que Nos liga, Homens, a Deus, sendo Consciência, é o que Nos
dá discernimento não apenas para pedirmos ou para sabermos pedir: é o que
nos inspira (Inspiração?) a sabermos pedir, sim, aquilo que Deus pede que
saibamos que poderemos-pedir. Instaura-se portanto outro Ato: Poder (Ato é
manifestação visível de Ação, sendo, portanto, neste Estado Primitivo
Deus/Homem, patrimônio comum Deste e Daquele. (A vida é antes fincada no
Poder que no Querer.) Quando se separarem, contudo, Ato fica exclusivo, por
tempos, de Deus, sendo-Lhe a manifestação visível da Ação, que passa a ser,
nesse momento (e ei-lo) , o Poder. O Poder de Deus não é mesmo não ter
pecado?  é porque para Ele tudo são Atos. É a Face “Atividade” de Deus,
que será, depois, legada ao Homem, deixando a Ele, Deus, a Luminescência
do Passivo. Um é conseqüência e causa do Outro simultaneamente. Ato é,
então, exclusividade de Deus, e manifestação visível de Sua Passividade.
Como ainda estamos no estado Primitivo  em que chamarei Deus/Homem de
Homúnculo , Ato é mais do que Poder: É Poder-Pedir, o que constituirá, mais
tarde, Ação-Reação: eis o Ato Derivado.) (Ocorre que a oração me parece o
pedido, através da Consciência, do que passamos a saber que é a Permissão
(de Deus em Nós)  reflexo em Nós do Seu Poder  para que peçamos: cada
um pede, portanto, aquilo que merece, ou que julga, pela Consciência

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Indivisível, naturalmente, merecer. “Merecer” significa... o que nos leva ao
mesmo ponto  revertere ad locum tuum ... significa Poder Pedir.
“Consciência de Merecimento” significa, portanto, Saber Poder Pedir. Cada
Homem pede  a Si mesmo  e se dá aquilo que julga merecer.) (Por isso a
Oração é a manifestação interna da Necessidade de Deus, de Nosso Deus.)
Além disso, apenas Nada.
O estado de Inspiração seria exatamente a prova de que, para o homem,
saber vem como a mola do experimentar; ou que ver é anterior a olhar? Tudo
isto está embutido na Consciência, que é semente Bem-Mal, é semente, no
homem, Visão-Confronto. Para Deus, esta mesma Consciência não é semente,
é fruto, porque, n’Ele, Ação-Luz é o que origina Consciência. Nào, filhotes,
não é difícil de entender, é simplesmente impossível de entender, não pense
que está entendendo, porque não é assunto para a Inteligência, mas para a
Consciência mesmo... Aquele que apenas tentar inteligir... nada.
Voltemos à questão do Poder. A própria Rebelião faz da Consciência,
também, emanação autônoma de Poder, o que A traz indissoluvelmente 
fazendo-A pertencer em sua cara-metade  apenas ao Homem. (Embora
Consciência seja Deus; mas em outra metade. É como se houvesse três
metades: 1) Homem / 2) Deus / 3) Deus-Homem.)
Não, não, desculpai-me: ocorre que Consciência ainda não é Deus.
Tampouco é Homem. É Ambos, por isso não é nenhum porque é justamente a
Sagrada Esquizofrenia de Deus para o homem e a do homem para Deus, que
precisa ser assimilada e curada... Não há nem sequer metades, senão que
Inteireza.

A inconseqüência.

 Consciência é  Homúnculo. É o elo que Os une indissoluvelmente


Deus-Homem, não mais Deus/Homem, ou que O une, Uno: tratar-se-ia de um
império abandonado por excesso de imperadores? Mas aqui são Um só,
inconseqüente.
Isto é, o retorno à Inocência.
Porque o passivo  Ação  é de Deus, e o ativo  Reação  é do
homem. Em Deus, como sabemos, a união suprema entre Bem e Mal, porque
“um Reino dividido não sobreviveria.” Deus não divide nada, porque é a
Inocência Suprema da Multiplicação, Deus é “crescei e multiplicai-vos”,
jamais “dividi-vos”... Ação é psy, Reação é phy. Ação é Alma e Reação é
Natureza (Instinto?). Assim sendo, a Aceitação seria o estado humano em que

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todas as coisas se unem numa só e grande Coisa. Aceitar é psy, Rebelar-se é
phy. Não se perdoa nada, mas se aceita tudo. Não há o que ser perdoado
quando se aceita intransitivamente. Aceitação é Amor. A única manifestação
de Amor dada ao homem. Fora isto é zumbi. A falta de pecados (Inocência),
portanto, é Mentira, sim, mas para o corpo, apenas (a mente também lhe
pertence...), porque todos nascem sem pecado, já que nascem da pura Ação de
Deus, que não “peca”, o que é, aqui e agora, Verdade.
É tudo uma questão de Consciência, esta semente-raiz-fruto Ação-
Reação, Alma-Corpo.
Alguns chamaram Consciência de Razão, outros de Memória, talvez
firmando, neste último conceito, a soberania da Revelação-Divina, enquanto
naquele primeiro (sucedâneo?) ficaria calcada firmemente a da Formulação-
Humana. Ou seja, apela-se ora para a supremacia da subordinação (Teologia-
Memória), ora para o apogeu da independência (Filosofia-Razão). Como a
famosa brincadeira entre orações subordinadas ou coordenadas (talvez se
tenha relegado a aposição a planos inferiores por ser ela o resumo das duas
anteriores...). Como se vê, é na linguagem que muito se prova. (Prevejo que
Helena Blavatsky, lingüista e conhecedora do piano, como eu, sabia-o.)
Assim sendo, preferi açambarcar os dois conceitos num Macro:
Consciência é Razão & Memória. Apu-las numa só criteriosa forma. Também
à Memória se deu o cunho estrito  e neste me fio melhor eu  de receptáculo
de experiências, não apenas vividas, como também que se viverão, ou que são
apenas conhecidas, embora jamais tenham sido experimentadas (o saber, de
novo). Porque a verdade é que não se acrescenta um côvado àquilo que já é.
Também deste mesmo aquilo não se retira nem sequer um fio de cabelo que
seja. O que é sempre foi. O que é continua sendo para sempre. O que é é. E é
de novo. Quem tem acesso à Verdade tem acesso à Verdade. A este alguém,
nosso alguém, não é preciso que lha mostrem, ele a sabe. Por isso a própria
Bíblia, contendo tudo o que se sabe sobre o saber, pode vir aberta
irrestritamente a todos, porque só à parcela dos que souberem será dado saber
(tudo) o que a Bíblia sabe, pois quem nunca soube nunca haverá de saber, se
não fosse esta a realidade humana, Deus não a teria feito assim. A Verdade é
aquilo que de mais perigoso e inofensivo pode haver.
Outros chamaram Memória simplesmente de Memória, Fé ou mesmo
Razão (num cruzamento epistemológico), e a esta última, termo de
identificação semântica, além dela mesma, naturalmente, também de
Inteligência ou Esperança. Repare-se em que a Razão tem um dos mais
importantes lugares na relação ativo-passiva Homem/Deus: é a tênue linha em
que a Consciência  Deus/Homem (ou Homúnculo, como dissemos)  se
divide em Deus e Homem, equiparando-os, coordenando-os, sopesando-os. E

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embaixo de tudo, devo continuar, onde situei eu o Confronto, eis a Vontade ou
Caridade, sinônimos.
Mas fica possível?
Pai, Filho e Espírito Santo; Fé, Esperança e Caridade. Consciência,
Visão e Confronto. Memória, Inteligência e Vontade; Alma, Mente, Corpo.
Etc.? Omne trinum est perfectum.
Até aí, desculpai-me, até aí não falo eu nada de novo (e nem minha
intenção era fazê-lo), mas me parece que traçar origem de Deus do invisível
me seria incômodo. Por isso precisei da Luz. Por isso o Renascimento errou?
Trevas. No princípio era Ação. Mas eram Trevas. Era a Noite do Homem
e a de Deus. Porque também na Ação estava o Repouso  no sétimo dia!
Depois a Luz se fez.
Antes dessa Luz, que veio tanto com Prometeu quanto com Jeová em
forma de Fogo, era tudo Ação e Homem era portanto Deus na Tenebrosidade
da Mulher-Arcano (mas este livro não a trata). Tudo era escuro porque o
próprio Homem era-não-era, não havia carência de Luz porque Tudo era Um.
(Digamos que na Água.) A Luz, o Fogo foi a primeira Rebelião de Deus
contra o Homem e a Seu favor (que por seu turno se rebela contra Deus e a
Seu favor com a providência da Morte, a volta à Água), porque pôde dar
claridade à Consciência Divina Nele próprio, Homem, dando-Lhe, pois, a
Razão Luminosa... do Mal. Como separa ser de não-ser, separa Bem de Mal,
Tudo e Nada. (Quando mais não seja de sua própria ruptura.) O Mal veio,
portanto, como conseqüência inevitável do Bem Supremo: a Luz. (Mostrarei
que, se veio como conseqüência, é, na verdade, a grande causa: o Mal é a
causa do Bem. Atentem: o Bem não precisaria  palavra-chave  existir se
não fosse para o equilíbrio com o Mal, sua, portanto, causa. Muito se falará
acerca!) Seria esta ruptura o que anima incidiosamente o Homem à vida, em
furiosa resignação por vencê-la e aceitá-la com Amor e Rebeldia?
O Mal é nascido, como se pode provar, da Luz.  Pecado, Hýbris, Falta,
Crime, Excesso, Desmesura.  Da mesma Luz que dividiu o Homem de Deus
com a luminosidade da Consciência, que é, sim, no paradoxo, o que Os faz
Um. É como a união das linhas paralelas no Infinito: Consciência.
Com a mesma Luz Única que é a primeira manifestação visível de Deus
dentro de nós, antes mesmo de Nós sermos, de haver Nós, deu-se-Nos a
centelha primitivamente indispensável.
O Indispensável é o Absoluto  Kierkgaard?
Mas este Absoluto (ou Kierkegaard?), manifestação invisível de um Todo
ainda maior e por isso mesmo visível em certas faces, é a Consciência?
(Receptáculo e Registro do Abstrato por meio do Concreto, ou Deste por meio
Daquele.) Ou o Pensamento.

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É assim:

Lavoisier e a Metafísica.

A Criação é uma mentira.


Dizer é uma mentira não significa dizer não existe. Mas que, apenas, é
uma única  imensa e brincalhona  mentira vivendo por ser mentira, pois, se
não fosse, não seria o Nada, mas simplesmente (é outra coisa) não seria.
Tudo se transforma por uma razão muito simples de ser: não poderia ser
criada uma essência de verdade sobre o nada. (Reparaste que acabo de falar
que a Mentira é da mesma essência da Verdade?) Outra: não se poderia deixar
uma já-Essência num estado estagnante, pois apodrece, e vira, em si, nada. O
nada, assim pequeno e desprezível, sombra do Nada Maior e Venerável  que
se traduz pelo vazio, por um vazio semelhante a: a cebola de Nietzsche, o ovo
de Lewys Carroll , o Venerável é o princípio e a Finalidade das coisas, mas
nada... é não-Nada. É sem-forma. É o podre que fede e dá ensejo à Criação. O
caos primordial.
Mas eu diria que a própria Criação está no Nada. A Criação é uma
mentira. Só o caos, junto a ela, é sua Verdade.
Já a Liberdade, a Liberdade é uma mentira. A mente é a única serva sem
limites no homem, em sua criação. E é por isso mesmo o cárcere humano,
porque, serva que é, serve de evidência à inaptidão, ao limite físico do homem
face à expansão ilimitada de seu espírito  que mora na mente (por isso ela o
conhece tanto...). Seu corpo também mora na mente (por isso...). Ela conhece
as polaridades extremadamente singulares do ser, lidando com ambas em igual
regência.
Masculino / Feminino.
É a mente portanto quem dá a Luz e quem dá a Treva, maestrina do ser
de Amor, regente da Essência única.
Um homem só pode “criar” em cima do que é, do que tem. Sabemos
que “carma” significa “ação”. Eu digo “destino” em vez de “carma”, porque
ambos dizemos “ação”. O homem, assim, nosso homem poderia “querer” voar
por conta própria. Seu carma-destino determinou: sem asas. Isso só ocorreria,
voar, sem asas físicas, em sua mente, que, assim, lembrará àquele homem, ao
deixá-lo voar nela, sua mente, que, no fisico, por conta própria, pobre ele, ele
de fato nunca poderia voar. Que se recolha. O mais importante:
Que se aceite.

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(Quando tudo mais falha cabe esta imensa e indescritível Rebelião:
aceitar. Aceitar é outra prova de que, no que se refere a tamanho de poder,
homem e Deus se igualam. Só o homem tem o poder de aceitar, isto para Deus
é Nada. Só no homem se tornaria  acaso  o Tudo. Para destino-carma há três
caminhos: entender, aceitar ou espernear. Optai, ó vós todos humanos!)
A mente é o grande manancial de aceitação. Mais nada. Ao mostrar-nos
toda a ilimitação do Criador  este sim existe e não é Mentira  ela nos faz ver
quão mentirosa é a Criação, e que, em vez de Criador, deveríamos chamá-lo
Transmutador. Como a folha que se vira e: água.
“Mentir” e “mente” são cognatas metafísicas: têm a mesma raiz
etimológica no plano vivo: ment-. Que abre um outro:

Subtítulo:
Perdão.

À medida que se aprende a perdoar uma pequena falha, abre-se caminho


para o aprendizado de perdões a falhas cada vez maiores. É como a relação
entre a ponta e a cabeça da agulha: se não houvesse aquela parte, esta não viria
nunca (e, com ela, o objetivo maior: a linha, depois a sutura).
Toda a Natureza de Deus é calcada numa única palavra: Objetivo, ou
Fim. Que pressupõe, e ao mesmo tempo acarreta (assim sendo é isto causa e
conseqüência simultânea do Objetivo, do Fim), fazendo existir, em resumo  o
Meio.
Muito mais fácil que perdoar a alguém que nos odeia é perdoar a alguém
que nos despreza ou o contrário. Certo é que um leva a outro, e deve ser
assim. A importância de um desses perdões (depois do perdoar é que vem o
Perdão) é o ato consolidado da existência do outro, sendo ambos vitais.
Parece-me que não obteremos o Perdão de Deus se não tivermos, antes,
aprendido  aprendizagem é o Xis  a perdoar. Porque o Abstrato (Perdão) é
para Deus; o Concreto (perdoar), para o Homem. Depois trocamos e este é
para Aquele; Aquele, para Este. É preciso que compreendamos e...
registremos... (Consciência) aquela Ausência (em Presença) do Perdão (pelo
perdoar, repito), isto é, por experimentação própria, Ativa (o que o põe no
Confronto, corpo visível do Perdão, Concreto) para vermos (Visão, corpo
invisível, Abstrato), o Perdão de Deus, Passivo e Compassivo em eternidade.
Depois de o termos registrado, passaremos a aceitar em Nós a maior
Permissão de Deus: Perdão. É de novo no Homem, assim, que Abstração

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Suprema se faz Carne. Para o Homem, trabalho: quem não quer trabalhar
também não coma? Disse ele, Paulo, o Santo.
O Perdão se aprende ensinado pelo perdoar: ali, Deus; aqui, Nós; no
“aprender” (para nós) e “ensinar” (para Deus), a Consciência, bipartida. O
Abstrato, sim, nasce do Concreto (como o Fim nasce do Meio, o Conteúdo da
Forma). Entenda-se: o Abstrato não precisa do Concreto mais do que Este
dAquele. Porque há interdependência, eles se precisam, dão-se mutuamente
precisão e a si mesmos também, cada qual precisa do outro de sua forma e
segundo, obviamente, a forma externo-interna do que o outro pode dar (pode é
a palavra...). Assim, eu diria que o Abstrato precisa do Concreto para existir, e
o Concreto precisa do Abstrato para ser. Isto não apenas para Nós, Homens,
também é assim para Deus? (Até porque Abstrato é Objetivo, por isso vem
depois, por isso é Origem.) Enfim o Começo. O Princípio: 1.
Se Perdão é Permissão é Luz e Consciência: Deus em Sua
Essencialidade.A Luz é uma primeira etapa de concretização, e a Consciência
uma segunda, sendo o Veículo de Comunicação (após a ruptura fomentada
pela Luz) entre Deus e o Homem. Mas antes da Essência, que por natureza é
mesmo só Deus, há de ter vindo, quando Deus e Homem eram Um, o Seu
Estado. Antes do Conteúdo, a Forma Divina; antes de Ser, Estar (Existir).
Divindade (Deus-Deus-Deus): esboço do que virá, com o homem, a
constituir a sétima realidade. Cvom vocês, o Pensamento!

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ESBOÇO 1:
7: PENSAMENTO

[HOMEM]
ALMA [MENTE] [CORPO]
(Essência 2) (Essência 1/Estado 2) (Estado 1)

Forma, Conteúdo (Consciência) [Conteúdo, Forma]

Estado, Essência 1 (Consciência) [Essência 1, Estado]

Perdoar, Perdão (Consciência) [Perdão, Perdoar]

CORPO MENTE ALMA


(Estado 1) (Estado 2/Essência 1) (Essência 2)
DEUS

A Forma de Deus é também anterior a Seu Conteúdo. O Corpo Divino


antes da Mente. Seu Estado veio antes de Sua Essência. (Corpo e Mente são 
ou é  Estado.) O Estado é sempre Primitivo. A Passividade Divina é,
portanto, a própria súmula de Sua Atividade: Perdoar. Perdão veio como
conseqüência, até em Deus: é Ato, não Ação. Ação é Estado; Ato é Essência.
Toda Ação (talvez só haja uma) é composta de (não por) Atos. E Ação é
anterior: Causa ou Conseqüência do Ato? Causa antes da Luz rompedora;
Conseqüência após esta, digamos que por enquanto, no retrocesso natural
HomemConsciênciaDeus: PrincípioMeioFim é retroceder.
De onde se avança (por isso Cosmogonia é Escatologia e vice-versa, um
vice-versa eterno, mais que nos jardins de Adônis, Tamuz, Adhonai).
Antes de pensar em fazer digo então que homem fez. E fez sem Dúvida. O
Pensamento  Pensamento é a Suma Teológico-Filosófica da Ação, Luz,
Consciência, Visão, Confronto  em sua raiz vem na verdade da Ação, que é,
como se sabe, o Absoluto. Esta Ação que é tão Homem quanto é Deus. Porque
no princípio era só Ação, e, assim o sendo, não havia este marco limitador
entre Deus e Homem: a Consciência não havia. Ou então era só o que havia.
Tanto faz. Já falei mas repito porque repeti. O que havia era Ação e tudo não
passava  só e apenas  de Ação. Homem e Deus. Tudo na Ação. Não podia
ter havido ainda Reação porque nem havia Luz... Era só Ação e bastava. Nem
Proação, mas Ação, ponto!

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Quando se fez a Luz Tudo mudou. Passou a ser um tudo pequeno, ou
menor, no mínimo. E aí a divisão rompeu em forma de Consciência e o
Homem foi cuspido? Exaltado? Mas separou-se de Deus. Se é para voltar para
Aí, quem se pergunta é o Homem. E num estado humilhante ou glorificado?
Não é questão de soma, é questão de aderência, como a gota de mercúrio
(Mercúrio!) que o tanto que se divida é o tanto que se reconstrói e multiplica
vertiginosa e factualmente.
Depois  só depois das coisas prontas pudemos pegá-las e descrever-lhes
a prontidão repletos de orgulho (já em Palavra), afinal, como poderia saber o
que sente sem antes ter visto o que disse (sentir)?  o Homem, que fizera, o
mesmo Homem que já havia feito aquilo de que não se desvencilha pôde,
então, descrever não apenas tal como sobretudo como e  por quê não?  por
que se desvencilhara.
Tenta até agora, pobre Homem, descrever o porquê, sem cuidar,
contudo, por quê. Nem saberá. E então fazer veio antes do pensar: em fazer e
sobre o fazer. (Repare que neste interregno é que Homem e Deus são Entes
paralelos, foram feitos numa relação não de Cronos, mas de Kairós  este
último o “tempo” primordial, illo tempore, e definitivo: o encontro das linhas
paralelas  o Infinito!) É desditoso o momento em que o Homem descobriu
que precisava, de uma forma ao mesmo tempo visceral e intransitiva, o
Homem tão-só precisava. Muito mais tarde descobre que, mais do que
precisar, este Ser precisa precisar. O que O dá de bandeja às rebeliões que O
mantêm vivo em meio à Morte  oh esta que será a Ele (Nós) a última e
benquista entre as vilãs. Viva a Ação promove Tudo.
Pois bem, doravante deixarei doutrinas em prol das  que por sinal
falam melhor  parábolas, histórias de fundo apreensível por significantes
diversos, como exemplo, mas antes.

Subtítulo:
Perdão II.

Desculpem a ruptura da franqueza.  Perdão não existe simplesmente.

*
* *

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Não existe Perdão porque existe Consciência: Memória para homem.
Quando, lá da Consciência-Memória, se desdobra, enfim, neste homem,
Visão-Inteligência & Confronto-Vontade, o fato é que aquele registro primevo
ali (na Memória) se incrustara como pele e cutícula, arraiga porque seu lugar é
mesmo ali e de lá não deve ir embora por isso exatamente e mais Nada.
Assim perdoar só quando  o que não existe  se esquece. Porque existe a
realidade mais Divina que há no homem: a Memória-Consciência (e a
Consciência o liga a Deus).
Como pode o homem perdoar se para tanto precisa da anulação daquilo
que de mais Deus há nele? a Consciência-Memória-?
Portanto, quem quer perdoar que abra mão antes de Deus! O Impossível
Metafísico (o próprio Eça de Queirós, lembro-me, tratou dele), aquele que o é
até para Deus.
E digo mais, a religião  coisa nefasta e podre, porque apregoa em
essência a anulação de Deus  conta no fundo com a sua mais pujante aliada:
a prática do perdão. Este perdão, oh incipiência, este perdão é o culto de um
homem a todos os outros que o queiram dominar segundo mais ou menos
instituam em suas Divinas Ações o rótulo “Erro”.
Explico: Segundo ela, religiosa, para obtermos o “perdão” de Deus
precisamos nos arrepender... de uma...Ação? Com licença:
1) Deus não perdoa, porque... o que para nós é princípio, é para ele
fim (Consciência), e n’Ele não há  agora não há  n’Ele não há Registro
(portanto, não há Perdão, e sim Nada, há Nada só Nada  o que melhor
define, pois, a Essência Divina): 7;
2) Se um homem não se arrepende por um ato que lhe deu alegria, ou
simplesmente um ato que precisava executar, o que, pois, lhe dará mesmo
alegria, mas que é dogmaticamente repreensível pela religiosa, este homem
acha, se ainda está enredado nas tramas pútridas, que não obterá a maior de
todas as utopias: não obterá o “Perdão de Deus” (como isso me soa agora uma
Blasfêmia!). Assim, eu diria: 5 (porque quem não desdobra em 2 a consciência
não chega a 6, única forma física de se atingir o 7  e então não atinge o Deus
Comigo, não vê seu emanuel, seu Cristo Interior): ou ainda:
Perdoai as nossas ofensas (à Vossa Maneira: Nada), assim como nós
perdoamos a quem nos tem ofendido (à nossa maneira: Tudo). E ficaremos,
Deus e nós, felizes.
E não obtendo o “Perdão” Fictício, Inventado, Falastrão, Enfatuado 
porque, de fato, ao obter o que Deus nos dá por Perdão, só obteremos o Seu
Sacrossanto Nada , esse homem enche-se de culpa, indefeso, pelo simples
fato de ter sido  feliz. E ao mesmo tempo Imperfeito (diante de outros

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homens...) Porque para Deus todo homem é sempre perfeito enquanto assim
não se acha, pois tem registrada a própria falibilidade e sabe que, sem Perdão,
pode errar, porque erra mesmo! Isto é humildade. EU POSSO ERRAR, NÃO É
PRECISO QUE ME RASTEJE PARA CADA DESVIO COMETIDO ANTE OS OLHOS
HUMANOS, PORQUE SÃO TÃO HUMANOS QUANTO EU, E MEUS, NOSSOS
ERROS. (Se isto fosse tão verdadeiro, não precisaria ter vindo em gritos
garrafais como veio...)
Saiba disto: Deus o está (Feliz) porque o é, e este homem, embora Sua
“Imagem e Semelhança” (que não é mesmo!) não o está  e portanto não o é
igualmente. Só estará quando souber: pode “errar”. Pode? Sim? Enquanto não
aprender  e aprender é o Xis, porque é Consciência. Aí Sim!
Não! a resposta da religiosa: Manter um homem infeliz é a melhor e
mais fértil arma para mantê-lo subjugado; ainda mais mesmo que o medo, a
infelicidade é o monstro aniquilador que reside em um homem sem lei e sem o
Deus. Não há  o Deus, distando anos-luz celestiais, Sozinho: há os Deuses.
Todos Unos e Universais e residentes no Macro e no Micro: Isto tudo é 
Deus Único e Só. Porque só há Deus, um Deus..
Como obrigar a uma pessoa que registra (Tudo) que esta pessoa perdoe, já
que Perdão é aniquilação das faltas (então reconhecemos as faltas...): se
Perdão é apagar pecados, é apagar Deus, porque d’Ele herdamos a natureza de
não apagarmos, simplesmente não-apagarmos, já que Ele nos deu Consciência
 que é Registro porquanto Memória. Também porque Deus nos deu a
Imperfeição, deixando o Oposto para Ele, nas Alturas em que reside, tão nós
(aí sim perfeitos) quanto nós próprios.
Foi preciso, logo, inventar-se a mentira do Perdão, ligada à do
arrependimento (sinônimo de culpa), a fim de controlar-se o homem através
de sua mais nefanda natureza: essa Culpa. Ou a culpa de não ter culpa. Ou,
ainda, sentir-se culpado por não sentir-se culpado! E assim por diante, em
função de toda uma variegada gama de matizes multipardacentos advindos
unicamente da espiral labiríntica da culpa.
Quem acredita em Perdão é controle da ganância alheia. Homo homini
lupus, Homem lobo de homem  dizia Plauto. Cecílio falou que homo homini
 Deus... hummm... compreensível! Deus e Lobo...
Não há Perdão: há Consciência. Por havê-la não pode havê-lo.
Em Deus, porque sua Consciência é Nada  Ele não registra; em nós,
porque nossa Consciência é Tudo  nós registramos. (Como se vê, há duas
Consciências, não uma.)
E a principal função da Consciência é ser distinta, diferenciada: uma
coisa para Deus (fim-vazio), outra para o homem (princípio-registro). Isso
significa dizer também:

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 Nós principiamos onde Deus finda. Ou : temos causa onde Deus tem
conseqüência; e temos conseqüência onde Deus tem causa, porque se nós não
fôssemos, esta a causa maior de Deus ser, que seríamos nós próprios, Ele
deixaria de existir, ou de estar, deixando Ele próprio, em Sua Essência, de ser-
estar, que é só. Ele não seria se não tivesse uma causa  e ao mesmo tempo
meta  e nós o somos: causa (princípio) e meta (fim). Nós somos alfa e ômega
Divinos. Relativamente a nosso Deus, cada um de nós é. Portanto, de onde se
parte, para aí se retorna. Cada elemento da natureza, inclusive em nós, deve
ter seu centro próprio de emanação de energia, o que equivale a dizer 
Deuses. Nosso Registro Cósmico está onde apenas o Vazio impera. Ou: Deus
vê a todos da mesma forma porque não vê a ninguém. Nasci? então é porque
Deus já me esquecera há muitos anos (Seus anos, fique bem nítido), na
medida em que Eu sou uma Verdade de Deus (senão não seria), e Ele, agora,
já me tendo expulsado de Sua Casa, para que Eu volte por mim mesmo a Ela,
precisa precisar expulsar de Si  de Seu Santo Si  outras Verdades como Eu:
homens e mulheres nascerão. Porque a Mãe de todas as Verdades é a Mentira.
Está de Olho nas Outras. Eu já sou. E por eu ser ao mesmo tempo a causa e o
objetivo (meta) de Deus (o que, como se percebe, é a mesma coisa, res) é
muito óbvio que o que sou d’Ele é conseqüência. Porque causa é necessidade:
o que vem de uma necessidade é conseqüência: se sou a causa de Deus, sou a
Sua conseqüência. Tudo aquilo que já nasce sendo (origem) origina a
necessidade. E como a origem é apenas Uma, a necessidade o será desta
mesma origem, que, então, é simultaneamente conseqüência (ao ser
reatingida). É apenas questão de precisar. De precisar livrar-se para ir a outras
verdades. A verdade está no phy, o físico é verdadeiro, o psy da alma é a
grande mentira (real) de Deus em nós, é o pseudônimo do físico. Os dois
somos nós, que se desdobram em  FILHO.
Quando uma Verdade vem do precisar, nós as expulsamos (Deus
idem), para que só a Mentira continue soberanamente assediada e Única, e não
há mais motivo para precisarmos dela, Verdade. Ela  que sou eu e tu e nós 
já é! Foi e terá de dixar virem outros és. Agora, repara, é tua vez! ... donec
requisecat in... Te.
Quando Deus expira nós inspiramos. Nascemos? Deus nada mais fará,
porque o seu elo em nós é, como já se provou, o Nada. A Ação de Deus para
conosco,  no princípio de Deus a Ação , Sua Meta, Objetivo foi tão-só fazer
que nós fôssemos (e nascêssemos sendo) o que somos. (Por sermos Objetivo
somos causa, já se disse.) Agora, na Sua Consciência Divina (um Nada, que é
a mesma nossa Consciência Humana, porém que em seu reverso completante,
um Tudo), Ele se retira para Repouso de Aconchego, Risonho, porque Ele ri

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de Tudo e de Nada  único lugar onde estamos em sua Inexistente Memória.
De Tudo porque Tudo foi Ele; de Nada porque Nada mais é Deus enquanto
não se dispuser a andar  sozinho  de volta a Ele: quando será de novo um
Tudo invicto exatamente na forma como nascera, consubstancial à Criança
Primeva. E Tudo será Ele de novo. Por isso Agostinho dizia que a vida longa
pode afastar de Deus? estava certo? nascemos Crianças Divinas e devemos a
Ela retornar. Deus é a mais leve realidade, pois não tem Memória. Cada vez
que um homem se rasteja sob Ele implorando Perdão, imagino a Gargalhada
reboando que deve dar... se é que viu tal cena patética e alegre.
Peço, portanto, que se neutralize o ESBOÇO 1 (q.v., acima), dando-se-lhe,
por ressarcimento, o ESBOÇO DE PENSAMENTO 2, abaixo:

PENSAMENTO

[HOMEM]
ALMA [MENTE] [CORPO]
(Essência 2) (Essência 1/Estado 2) (Estado 1)

Forma, Conteúdo (Consciência)* [Conteúdo, Forma]

Estado, Essência 1 (Consciência) [Essência 1, Estado]

Acão, Luz (Consciência) [Visão, Confronto]


CORPO MENTE ALMA
(Estado 1) (Estado 2/Essência 1) (Essência 2)
DEUS

*Consciência é sempre Forma/Conteúdo/Conteúdo/Forma: é, pois, a soma dos dois Estados


(Estado 1 e Estado 2), do homem e de Deus. Podemos chamar de Essência 2, assim,  a
Alma , a esta Consciência. A Essência 2 é a soma de todos os Estados humano-
divinizados/divino-humanizados. Por isso, Consciência só se chama Alma se atinge, por
completude, a Soma Homem-Deus, como queríamos demonstrar. Por isso Alma é Tudo; a
Face de deus sem Ela, Alma, é o Nada Sacratíssmo que nos anima  sem ser.

Porque Deus existe. A Divindade de Deus é ser Divino, e a do homem é


ser humano. A mesma Divindade é Bem e Mal indo e vindo, sobe e desce,

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n’Ele e em nós. “Ah!  como dizia Clarice  era mais fácil ser um santo que
uma pessoa!”
Porque “santidade” é coisa forjada pelo homem: é mais fácil atingirmos
o que o homem inventa que deveríamos atingir do que o que Deus quer que
atinjamos por necessidade. Porque santo é imagem falsa, nem virtual; pessoa,
verdade! Perigo terrível: quem deforma a imagem de um espelho, fazendo-a
falsa (Hipocrisia, atores hoje não-bons), deforma a única possibilidade que
tem de ver a si mesmo, e, portanto, deforma a própria imagem real! O homem
se vê de outro modo que não pelo espelho? NÃO?! A aparência, também no
homem, a aparência para ele  nele e por ele  é a sua própria essência... como
se homem não contivesse Deus, que, por ser também indivisível, não se separa
em imagens (real e virtual): é Um Uno.
Deus é imagem: Tudo e Nada. Deus não é reprodução do homem, nem
o homem é reprodução de Deus. Mas são feitos à imagem Um do Outro e à
semelhança do Pensamento que compartilhamos  no Sétimo Elo.
Assim, aquele homem que deformou a imagem real  por exemplo com
a falácia do Perdão , ao ter deformado a imagem virtual, aquele homem,
tendo deformado a própria única realidade, repetirei até a morte, realidade una
que é a única verdade apreensível de si mesmo que possui, passará, apenas,
em verdade!, passará apenas a agir de forma deformada, sem saber se o que
faz é ele mesmo ou se sua imagem virtual-real deformada é quem está agindo
completamente errônea por ele. (É um dependente de sua imagem falsa. É um
eterno “por-ele”. Nunca atingirá o estado de Por-Si?) A imagem falsa cria
servidão. A imagem real, libertação. Resumo: não se conhece? não sabe agir.
É criança, mas não Divina. Ele não age: reage. (Mas também não o sabe...)
Não tem Consciência, porque não aprendeu; não aprendeu, porque não tem
Consciência. Não deve um homem voltar a ser Homúnculo (q.v.), porque isto
é impossível metafísico. Deve ele voltar à Criança Divina, o que é a mesma
coisa, em termos de Imagem Virtual, que é o Homúnculo, já que ambos (ou
Um, porquanto a Imagem Virtual acaba mesmo sendo a Real) nascem do
mesmo Santo Primitivismo de Deus. Assim, o Homúnculo é aquele homem
primitivo antes do estado de Luz  é a conseqüência, a Casa e o Virtual; e a
Criança Divina o é também, só que na volta, não na ida  a causa, o Retorno,
o Real. Por ser volta, é claro que será causa. Porque a ida é sempre
conseqüência da volta: nunca se volta para se ir, mas sempre se vai para se
voltar. (Porque no princípio do ir existe a Casa que rechama, sendo, assim
volta-objetivo.) O Objetivo é a volta, e por isso é a causa da ida. Porque existe
algo chamado casa. Nós nascemos graças à existência da volta: vamos apenas
por conseqüência. (Insira-se nestes ângulos a variante poder.) Assim, tendo

51
vindo antes  embora ou por isso (a evolução individual responderá)  (e um
“antes” segundo nosso critério de tempo), o Homúnculo é na verdade Imagem
Virtual da Criança Divina: assim, ambos são Um, porém que esta Criança
Divina gerou aquele Homúnculo, por ser sua causa. O voltar a ser Deus-
Homem gera o termos nascido Deus-Homem. A mesma moeda: Homúnculo-
Criança Divina. Imagem Virtual é sempre a Latência Pulsátil, e, como
Latência, como seria outra coisa que não efeito, conseqüência em vez de
causa? A causa é o “é” da coisa, enquanto que sua conseqüência não passa do
“pode-ser” ou do “já-foi”. Enquanto é “pode-ser”/”já-foi” ainda é mera
conseqüência, e, enquanto não houver sua causa, como poderá passar da
conseqüência para o seu próprio “é” enfim poder ser, porque nada é enquanto
não é? (O presente é a única causa de tudo. Ele, sendo Tudo, contrabalança em
seus dois extremos o nada do passado e do futuro. Não posso dizer agora:
Tudo é Nada. Mas posso: é o seu equilíbrio exato.) Quando o homem sacrifica
suas Imagens, as “duas” únicas que tem  que na verdade são Uma, porque
indivisíveis, porque Deus nele  deixa de ter seu veículo Pensamento (que é
Tudo e Nada porque é a soma Deus-Homem); e, sem ter veículo,
simplesmente não é nada (o nada virtual, que é a ausência completa de
ausências, o 3, que, com a presença completa de presenças, o 3, dá 6) 
exatamente por excesso de ser (excesso de presença, o 4, que com ele próprio,
justamente por ser excesso, sendo reduplicação, perfaz  8): digamos que está
sobressacralizado (claro: o sagrado ofício  sacrifício  não pode ocorrer no
que já é sagrado: o corpo), deformou seu não-ser (virtual) passando este a
“ser” (impossível!) algo que não é, porque não nasceu para ser, acarretando
um ser-ser sobre o real e o virtual. Morte! Este homem é um Peso (desculpem
o pleonasmo e a redundância) Morto! Quem pular do 6 para o 8 estará
fulminado... Ambos são sobre. Na metade, a justiça.

PASSADO: 3 1
PRESENTE : 1 3
FUTURO: 3 1

SOMAS: 7 5 (TOTAL: 12)

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Como são os números, de novo, só que vividos na carne.

No princípio o 1, que é vazio, ou Nada, maiúsculo (o nada minúsculo é coisa


nenhuma; o maiúsculo é vazio). Ele se rebela, guerreia e vira 2, com sua
espada. De cujo equilíbrio, cansado-satisfeito-feliz da guerra, ao repousar,
nasce o 3, mas perigoso ainda porque sente a falta de uma, de uma perna: que
não há nada sustentado em 3 a sustentar-se em 3. Que amadurece, vira terra e
vira 4, assentado, duas pernas  dois braços. Enfim nasce uma cabeça
maravilhosa, cheia, muito cheia, muito cheia, que dá 5. A partir de agora vêm
as somas-multiplicativas, a colheita começou: o 6 é a dos dois 3, ele e ele, eu
diria que é o primeiro círculo perfeito, isto é, pronto para virar-se e ser o; 7,
este é repouso e terra, porque é 3 e 4; 8 é um pouco perigosinho, mas um doce
amoroso, Amor de verdade, pois é 4 + 4, é muito terra, acaba evidenciando o
espírito (preso?) que só poderia ser água. O 9 é multiplicação puríssima, o
primeiro Gozo: 3, 3, 3. O 9 é o 3 perfeito em 3: o 3 é o primeiro equilíbrio, o 6
o segundo (por isso o 6 é primo-irmão do 2), o 9 o Verdadeiro, pronto para
voltar ao vazio do 1, que é enfim  o 10.
E acabou-se. (O que vier daqui é Lucro!) Liberdade e Amor.
O casamento Deus-Homem é livrarem-se Um do Outro, portanto, ou
de suas metades excessivas, para, só assim, precisarem precisar Um do Outro,
buscando em suas metades justas as complementações de que precisam
precisar. Fora isso, um nada ou um tudo virtual: que são estes de agora, causa
e conseqüência ao mesmo tempo, estaticamente operados. Se não fossem
estáticos seriam quase o de que precisamos, nós e Deus. Precisamos do Nada e
do Tudo reais, causa e conseqüência ao mesmo tempo, entretanto
dinamicamente operados, em fluxos: embora simultâneos, nunca ocorrem ao
mesmo tempo. Então, nesse estado de Necessidade Santa, voltam a procurar-
se, Deus e Homem, como polaridades opostas  opostas  de um mesmo ímã.
Se fossem iguais, se repeliriam.
Quem deforma a máscara  persona  deforma a essência! E essa
essência, uma vez deformada, passa a agir de modo sempre  tudo o que fizer
estará sempre  igualmente deformado! Nenhuma atitude, real ou virtual,
passará a ter vigência legítima, porque são exatamente a mesma coisa. Quem
deformou aquela matou esta. Deus é Deus, nós, nós.
Sem Perdão, em Essência Absoluta  eis o Absoluto , sem culpa de
Sermos Uma só Essência, Um só e itinerante.

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Subtítulo:
Perdão III.

Perdão. Mas existe sim, e da seguinte monta.


Já expus o quanto me incomodava, a tal ponto, que expulsei, exorcisei de
mim. As verdades reais (se é que existem outras) nos incomodam a tal ponto,
sobre delas com tal ferocidade precisarmos viver, que, como o ar excessivo, se
não os expulsamos de nós, acabamos morrendo por excesso de vida. (O ar que
eu ponho para fora das entranhas haveria de faltar-me? Aquele, mesmo que
falte, aquele já se entranhou em mim e me deu dele aquilo de que eu
precisava: pode ir-se. Preciso agora de outros, preciso de mais ares, preciso
precisar de mais ares; senão morrerei. Ares, o deus da guerra? Preciso sentir
raiva, preciso amar, preciso esquecer, preciso estar, preciso feroz e
amavelmente ser, ser, preciso compartilhar, preciso rir, chorar, e às vezes,
quase sempre ambos se acumulam em mim  e quero precisar que se
acumulem num gesto de amor a mim , preciso odiar um pouco, vingar-me de
quem me odiou, mas com amor para não assimilar o meu ódio e o alheio,
preciso querer, preciso de ausência, preciso de mim, preciso de todos os
homens e mulheres por todas as searas de todos os países em todos os mundos
para todas as línguas e raças e crenças serem comigo, preciso iluminar o que
já trouxe em minhas entranhas aprendido e apreendido: Ar.) (Assim nunca
falta.) Assim como em fontes inexauríveis de energia prânica ou vital,
tantrismo puro e em essência, a Verdade que por caráter de necessário nasce
em nós precisa daí mesmo ser excomungada para, tendo-se arrebentado como
cascas de ovo primitivo, peço perdão pela palavra mágica, o mantra que
inventarei  primitiovo , para, desse primitiovo, nascer  Eu. Com a couraça
arrancada à força de eu ninguém me vencerá. Só no Sagrado Casamento de eu
com Eu  Hierogamia  haverá Paz. É favor não procurar outro caminho, não
há atalhos. É claro que após essa batalha muitos lanhões hei de ter 
felizmente  arregimentado em minha pele. Mas ela é pele, e sua função é
proteger-me de tal forma, que eu posso (e devo) machucá-la às vezes, para
lembrá-la de que está viva comigo.
Ah sim, o Perdão.
Ele existe, mas na forma de soma ou extensão acumulada dos dois
subtítulos anteriores (q.v., pelo amor de Deus!). Eu não agüentarei mais
repeti-los, porque já me livrei deles, precisaria agora livrar-me de outras
Verdades necessárias. Get rid of all the truths you have inside, and the world
will show you how grateful all the people must be on or in your shadows. Já

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preveni, de certa feita, que apenas em inglês eu consigo expressar alguns
dilemas: to be and not to be é um deles... por que será?
Porque o Perdão só existe se se retroceder no tempo até um ponto
Xis em que se percebe que a falta que se supunha ter acontecido não foi, na
verdade, acometida de hýbris: ela simplesmente não existe. Assim é a
passagem do to-be ao not-to-be. (A hýbris mais poderosa era querer livrar-se
de Cloto, Láquesis e Átropos, as fiadeiras do Destino, Moïras Benfazejas,
Eumênides, Santas. São os fios que nos unem e reúnem: ancestralidade
genética e cósmica: homens e Deus. Ninguém dá mais do que o que tem. Até
os Deuses o sabem. Fira a timé de um Deus... Assim, those people who do not
want to get rid of this lye  it is not a truth, as I have told you, because you
can not go on without it, so it is not a truth  those people will never suffer
any kind of “evil” from Destiny, and it will always add those men lifes’ many
blessed places. Please, do not try to achieve places you could not reach,
because you will only be wherever your Destiny wants for you, and it only
picks up the best fruits the Nature could give us... nothing else could happen
to your blessed life. Do I beg you pardon? Do not ask people to give you
something they don’t have. It would be a sin.)
Não peça licença a ninguém para viver: a vida é sua! O Perdão só
existe quando se percebe que a falta não foi cometida. Assim pode ocorrer  e
ocorre. Nem se preocupe em não preocupar-se. Nem tampouco busque o que
buscar. Viver é melhor que buscar.
Se não, é Destino puro, além do Nada Sacratíssimo e Eternamente
Digníssimo de Louvores. Amen.
Com Felicidade, Uma Grande.
Vou explicar-me (tentar, porque este é meu grande mérito) melhor: fala-
se o seguinte:
Subsubtítulo:
Crime & Castigo.

 O castigo vem como conseqüência de um crime.


 O crime é, portanto, causa de um castigo.
Não, não é mesmo! Quanta estupidez acondicionada em temperos
lógicos e inteligentes. É tudo uma grande e audaciosa mentira, porém mentira
que acondiciona a sociedade em temperos lógicos e inteligentes. (Há certa
mentira real. Não aqui.) Toda a sociedade e a religião pensam manter-se num
silogismo perfeito; e, no entanto, vieram com base em paralogismos
alegremente estúpidos. É como se falássemos: o homem é um animal porque
tem duas pernas, já que galinhas, que também as têm, são animais. (Será que

55
nos esquecemos dos animais com quatro pernas? e os que não as possuem? Já
viu uma baleia?)
Pergunto o seguinte: será que os peixes nadam no mar porque ele é
feito de água ou o mar é feito de água porque os peixes nadam nele? E se
espalharmos vírgulas como quem distribuiu milho em meio? “Os peixes
nadam no mar, porque ele é feito de água? O mar é feito de água, porque os
peixes nadam nele?” Causa-conseqüência se relacionam melhor na
coordenação explicativa... que neutraliza tudo, porque é tautas grego, é o
“isso” da coisa, ipseidade (ai que palavrinha pernóstica, metida a besta e
querendo vomitar erudição), é enfim apenas o que é, chega! peixe mar ou mar
peixe?
Eis a pergunta que responderá à relação crime/castigo. O que
aparentemente é causa é conseqüência, porque responde à necessidade de
realização  ainda que virtual  de um Projeto: o objetivo, a meta. Por isso a
terra é a nossa grande conseqüência, já que viemos depois dela, como que seus
convidados. Todo projeto é conseqüência de uma realização, porque, se esta
não existisse (mas ainda assim passível de ser uma realização virtual, já falei),
aquele não teria sido sequer posto à luz, não seria expulso de Deus como num
Vômito Divino (que é o que somos da natureza?) Isto é, se a realização foi
realizada ou não  é outra história. Porque até nesta realização haverá o Bem e
o Mal / a Realidade e a Virtualidade. Assim sendo, ocorrendo em Imagem
Real ou Virtual, a Realização é sempre a causa do projeto. Eis que o futuro é o
pai do passado.
Assim entenda: o fato de você ter Deus em você é a conseqüência de
você apenas ser o projeto já vitorioso. A causa  esta Vitória Divino-Humana
 é que fez Deus precisar (ou querer precisar, porque isto, para Ele, é
possível) ir correndo residir em seu âmago de filho-pai, ele enquanto Pai-
Filho. (E em tudo isso, o três bilateral do Espírito Santo consubstanciado no 
Um.) Portanto há um Louvor a Deus: existir. Há um sublouvor: ser vitorioso
em Imagem Real (porque mesmo que seja ou que fique apenas em virtual,
você será sempre o vitorioso de Deus). Se você não fosse a realização desta
Vitória Excelsa, Deus deixaria de precisar (ou de querer precisar) existir. Mas,
cuidado, somente na Realidade de uma Realização (nossa vitória suprema) é
que haverá justificação da nossa conseqüência ântero-posterior/póstero-
anterior: Deus. Quem não alcança a vitória despreza a Deus. Crescei e
multiplicai-vos: nossa geração futura, nossos filhos serão Deus. Porque esta
geração  Deus , sendo futura, será, como já conseguimos provar, na
realidade, nosso Pai, que é ou não é aquilo que Deus é de todos, homens e
mulheres?

56
Achar em si  para o crescei da coisa  a própria mola, o impulso
primitivo, o Arbítrio Divino; cada um tem o seu. Quem copia um Arbítrio
alheio insinua, aos brados, porém, que Deus não teve criatividade suficiente
para não repetir nunca, por todos os séculos dos séculos, um único Arbítrio
que fosse. Nunca os haverá repetidos. Isto é apenas que todos somos presos na
maior de todas as liberdades, que é sermos quem ou aquilo que somos. Como
nunca houve duas células, dois átomos idênticos em toda a história pregressa,
futura e presente da Natureza Cíclica em que Deus mais do que em todo o
mais pode ser aquilo que é, é o futuro passado pelo presente.
Por vir após o crime, o castigo é a sua causa. Digo: se não houvesse
castigo não haveria crime. “Crime” existe por existir para ele “castigo”. Se
não fosse este viés emprestado ao universo semântico do “castigo” (do qual
fazem parte “amor”, “perdão”, “compreensão”, “arrependimento”, “justiça” e
outras atrocidades), aquele primeiro campo semântico, o do “crime”, não teria
sido tampouco contaminado de outros vieses (“pecado”, “falta”, “hýbris”,
“démeusure”).
Tudo não passa de Linguagem. Sei que o homem chegou aonde chegou
 com tudo  por causa da Linguagem. Sei que nenhum progresso existe sem
ela. E, afora ela, tudo são Atos. Aquela é a Imagem Virtual destes. Mas, sendo
Virtual, será igualmente real, como nos provou o fato de que, uma vez
deformada a Imagem Virtual, será a Imagem Real (e todo o seu universo
psicossemântico) igualmente deformada. (A Psicossemântica deveria
preocupar-se em estudar essas implicações de alma presentes na imagem: seria
o estudo da imagem através da presença prévio-posterior da alma. Mas
também o estudo da alma através da presença póstero-prévia da imagem.)
Tudo são Atos: o ato feito, executado (ou cometido...) por alguém é
tão-somente um Ato  nem é falta, nem crime, nem pecado etc. , é um Ato.
Passará a ser crime se houver, para ele, um “conseqüente” (eis a mentira
paralogística, já que é o causal) castigo. Por que tomar café-com-leite de
manhã com a janela aberta para o sol não será crime e matar uma pessoa o
será? Porque para este último ato existirá o lastro, a legitimação prévia de um
castigo, e, para aquele primeiro Ato, não. É a única diferença.
O homem goza do livre-arbítrio  ser livre para fazer ou não fazer
aquilo que tem obrigação de fazer (e, ainda que não o faça, ele será sempre,
até o fim dos dias, exatamente aquele projeto que trouxe em sua mala
psicossemântica: poderá ser um projeto real ou um projeto virtual  eis o
livre-arbítrio) , e, portanto, acaba sendo um criminoso eterno, ainda que não
cometa “crimes”, porque tem o dom do poder, e, principalmente, o do poder
poder, e o do poder querer (etc.), podendo, por isso, fazer o Ato que lhe
aprouver. Como é Bem e Mal, o homem é Tudo. Ele simplesmente.

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É: todos nós somos criminosos, mesmo que nunca tenhamos cometido
o que a sociedade tachou  hodiernamente  como crime ou como pecado
(neste último, ela socialmente se arrogou advogada e representante maciça de
Deus, como se Ele tivesse dado a ela uma procuração de plenos poderes, para
que ela, em Seu Nome, determinasse o que é e o que não é o pecado, que é
aquilo que a Ele agrada ou desagrada, ao mesmo tempo!), já que sempre
cometemos algo que ou já pode ter sido crime-pecado, ou que muito bem
poderá vir a sê-lo“s” num futuro.
Mas, ainda que cometamos aquele “crime”, aquele social-divino, quero
dizer, como matar alguém, e, ainda assim, não havendo, em realidade, para
ele, um castigo (ou seja, mesmo que este castigo venha apenas em Imagem
Virtual), o tal crime será, sempre, ao menos em Imagem Virtual, como falei,
um crime. Porque nada nem ninguém deixa de ser apenas por não ter. Isto é,
tudo é apenas o que é, quer vejamos este é (num está ou num tem), quer não o
possamos, por alguma razão, perceber sensorial ou sensitivamente. Isto não
importa: se é, é: esteja ou não esteja. Tudo aquilo que é aparenta ser, ainda que
não estando nem tendo.
Diria eu que um crime com castigo virtual é igualmente um crime
virtual (mas ainda pode ser chamado de crime graças à semente-raiz castigo,
latente ou plenificada, pouco importa, que o realizou).
Logo, o perdão é a causa do pecado. Assim como a galinha é a causa
da existência de um ovo (por isso, atualmente, vem ela depois dele, como o
perdão viria “depois” do pecado), porque não só o ovo nasce da galinha, como
sobretudo nasce para que ela própria nasça, pelo que provo ser ela, no
conjunto com a causa que é, igualmente a conseqüência da própria causalidade
explicitada e legitimada em suas cascas ovais (referir-me-ia agora ao
“pecado”, perfeita vítima como o próprio ovo? a forma dentre todas que maior
requinte exigiu da Natura?). Daí a tripartição galinha-ovo-galinha; pecado-
perdão-pecado. Só não haja o equívoco de se pensar que houve repetições,
porque a galinha vinda “após” o ovo não é a mesma vinda “antes” deste, nem
isso o é com o pecado-perdão: galinhaR-ovo-galinhaV; pecadoR-perdão-
pecadoV. (Apenas nos filhos há o caráter explícito de alguém  os pais ,
porque nos pais, o que há é caráter implícito de alguém  os filhos : estes são
a causa de ser  já que ser significa explicitude, aparência  daqueles.) Se não
fosse a existência pulsante e vivificada deste perdão não haveria a igualmente
presença do pecado. Quem “peca” e espera “perdão” (ou “peca” esperando 
para esperar, por esperar, com esperar  “perdão”) simplesmente assina
embaixo, induzido e tolo, a sentença de nascimento e gênese e
consubstanciação do próprio pecado (a ele) incômodo, porque, como o pecado
é o caminho e o perdão a volta, neste estará a causa daquele, que é mera e

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coitada conseqüência de um seu algoz-Pai. Tudo na vida são Atos: pecado é
Ato quando não houver perdão que o justifique enquanto crime; enquanto não
existir o perdão criador e fabricante exímio de pecados, estes se esvaem,
porque perderam sua razão de ser e sua origem. (Quem não tem origem não é,
porque não tem causa nem meta, portanto, nem possui necessidade: o que fizer
estará errado.) (Por isso exatamente eu falava: quem eliminar as origens, o
motivo, a causa de se perdoar a alguém, terá conseguido o fim, a eliminação
do pecado, porque matou sua meta  que fora virtualizada na origem. A única
forma de perdão é a transformação deste em nada. Só se “perdoará” se se vir
que não houve motivos para se perdoar, já que, não havendo este perdão, o
que não houve tampouco foi o pecado. Só quando o Tudo passa ao Nada se
obtém categoricamente a falaz e graciosa categoria psicossemântica do
perdão. Perdão só é perdão se não é.)
Agrupo, então, da seguinte forma: perdão-castigo é a mesma coisa.
Pecado-crime também.
Vemos duas moedas, quatro faces de duas moedas.
O significante e o significado daquela primeira é que vêm a obscurecer
os mesmos elementos dicotômicos desta segunda. Se não fosse o anteparo
daquela, esta se transformaria em Ato-Ato. Por cima dela, ou delas duas,
somente uma única e indescritível Realidade-Virtualidade, a Única existência
Absoluta e Relativa simultaneamente em si e por si mesma: a Ação. (Mas se
houvesse Ato-Ato haveria sobressacralização: por isso não haver.)
E por trás dela, mais Nada. (Ainda!)
Quanto à Mentira, digo o seguinte: não existe, porque é o oposto da
Verdade, que, assim, tampouco existe. Apenas se equilibram mútua e
tripartidamente, porque dessas “duas” metades nasce a terceira metade, esta
sim existente, esta sim Real. Ou, se existir uma, porém que existir significa
ser, é porque ambas existem  igualmente. (Corporificadas embora em seu
“filho”: a Terceira Metade da Vida.) Posso andar mais:
Toda verdade só o é para determinado pano de fundo, cenário, porque
em outros deixa de sê-lo.
Assim é com o ator, por exemplo, que, hipócrita para com os espectadores,
é pessoa para si mesmo (como já nos teria sugerido Panécio de Rodes com sua
persona?), passando a ser pessoa para tudo, para todas as coisas, porque
aquilo que em Verdade atingiu para si há de estender-se (mas só aquilo
mesmo) para o infinito dos séculos sem fim. Ou seja, o que quer que faça o
ator (Tudo) é Verdade para si próprio, porque o palco é seu pano de fundo,
cenográfico e vital, sendo ele próprio, ator, hipóstase quase epifânica deste
mesmo palco em que pisa, passo a passo, ao passo que este Tudo é igualmente

59
Mentira (Nada) para o espectador, cujo pano de fundo é a vida alheia ao palco.
Ou em primor:
1) quando artista lida com espectador artista, é tudo verdade;
2) quando artista lida com espectador não-artista, há meia verdade e meia
mentira;
3/4) quando não-artista lida com espectador não-artista, há tão-somente
mentiras. (Igualmente quando o não-artista lida com o artista, porque este
último se decepcionaria? Não! este sentimento  decepção  nem pode
chegar-se a ele, é paradoxal à sua natureza de artista, que simplesmente
reconhece a Mentira e se diverte com ela, porque sabe de sua necessidade face
à Verdade que, porventura, naquele instante, não existiria: dane-se! Todo
artista é belo porque sabe ajustar-se, até, à Mentira. Diverte-se horrores.)
5) a hipótese 2 não pode existir.
Meu pai, Aristóteles, já me ensinou: “Filho, dizia ele, imagine você que
haja certa árvore de três metros de altura; isto é verdade. Agora pense que
você a observa de uma tal distância, que aquela mesma árvore passa a ser
menor do que o seu dedo indicador; isto também é verdade. Portanto, a árvore
ter três metros é mentira para você, e ser esta tal árvore menor que seu dedo é
mentira para ela. A verdade dela é: Tenho três metros; a sua é: Tem ela quatro
centímetros. Nada é tudo”, completava ele. (O cenário aqui foi o espaço;
conosco, alma-corpo, Consciência-Confronto, é o tempo-espacial, de cujo
casamento sagrado  Hierogamia  nasce a terceira metade, o Filho: a
Velocidade-Mente. Portanto, dir-se-ia que é na Mente (ou Velocidade) que se
dá o encontro entre a arte imitativo-mentirosa (Alma-Consciência) e a não-arte
essencial-verdadeira (Corpo-Confronto). OU: lá a Paz, aqui a Guerra. Lá a
Ilíada, aqui a Odisséia. (É que a mesma relação existe entre alma e corpo, já
falei há poucos metros daqui... sendo-lhes pano de fundo a Visão, que é
Mente.) A tudo isso chamarei Circunstância Divina, reveladas pela LUZ:

60
DUAS CABALINHAS:

LUZ CÂMERA AÇÃO

ESPAÇO VELOCIDADE TEMPO


ESPÍRITO FILHO PAI
CORPO MENTE ALMA

ESPECTADOR CENÁRIO ATOR

VERDADE VEÍCULO MENTIRA

VIDA TÉCNICA ARTE

PAI FILHO ESPÍRITO

Ou:

ESPAÇO VELOCIDADE TEMPO

CIRCUNSTÂNCIA

CORPO MENTE ALMA

61
Interessante: a cruz (Cristo) tem quatro ângulos retos: 360 graus, ou um
círculo.
Cada triângulo da estrela de seis pontas (Davi) tem 180 graus: 360 graus,
ou um círculo.
São a mesma coisa.
Meu irmão, Aristóteles, com a aristocracia de minha linhagem até na raiz
do nome, já me alertava no berço a respeito da peça que nos pregam os
sentidos, por exemplo, quando julgamos o tamanho da árvore segundo o que
nos é a verdade do espaço, imbatível. Acho que ele se inspirava em Descartes
para dizer isso, porque o rapaz sempre disse que os sentidos nos enganam, até
provou para si mesmo a existência de Deus baseado, também, nisso. Meu tio
Newton arrematava que “uma árvore (ou seja lá o que for de estático) está
parada para si mesma e em movimento para alguém que passa correndo por
ela; este alguém, parado para si mesmo (basta que saibamos que seus olhos
terão sempre a mesma distância de seu nariz), estará, para a árvore, em
movimento.” “Ou seja, diria meu outro tio (Einstein): Tudo é relativo.” Toda
verdade é relativamente mentira a outras verdades. Toda mentira é verdade
para si mesma, porque simplesmente é, se não fosse, não seria (isto é, não
aparentaria ser, porque tudo aquilo que é aparenta, e tudo aquilo que aparenta
é). Só existe absoluto quando se olha de si. Nada é relativo deste ponto. Ou
seja, até a própria relatividade é relativa. E a mentira seria a única verdade
imutável, porque é em si verdade absoluta (de si mesma) e mentira absoluta
(de outros si mesmos...). A mentira acondiciona em si o absoluto. Deus é
mentira? Meus parentes devem estar chorando de emoção, orgulho de mim...
Isto: a busca pela liberdade é a grande prisão do homem, diria eu ser o
seu verdadeiro totem. (A liberdade é sua maior mentira.) Mas, ainda que não
haja em si mesma a busca, haverá de qualquer modo a prisão: que é a
liberdade do ser exatamente aquilo que pode vir a ser (nada mais). O homem,
com tudo isso, necessita de liberdade. Por isso o homem necessita também de
prisão. Ele conhece que, através do limite  que, em relação à liberdade, é
Nada , ele próprio chegará ao ilimitado de sua (cada um chegue à sua)
liberdade (nem há duas repetidas), liberdade esta que, em relação ao limite, é
Tudo. Com o Nada, (limites, cruzes!), ele chega ao Tudo (liberdade ou
libertação). Ninguém alcança a liberdade do outro, porque seus limites não
permitiriam... (Seus limites!? de quem? De ambos!) Também nenhuma pessoa
é capaz de interromper a liberdade de alguém, pois apenas este alguém
poderia, com aquela pessoa (que, como eu já disse, é nenhuma), interromper a
própria liberdade, porque teria acreditado (pobre coitada) na verdade da

62
nenhuma pessoa, que, para este nosso alguém, não passa, verdadeiramente, da
grande mentira; se este alguém não o vir, a tomará como sua verdade, e, além
de atrapalhar a liberdade própria (que é a única em que tem este condão de
atrapalhar), fará cócegas, talvez, na liberdade da nenhuma pessoa, que sabe
Deus como irá andando... Cada um tem o seu Nada, o nada alheio nem sequer
existe. Aquele que é “obrigado” a carregar uma cruz que não é a sua, como
espécie de Simão Cireneu, não vencerá por esta cruz alheia  porque ela não
era a sua própria limitação, não era o seu nada, não leva a coisa alguma,
quem dirá ao Tudo Individual, e não, finalmente, existe.
Muito bem, ai ai, mas o Tempo é a grande guerra de Deus, Sua agonia
excelsa, o maior conflito que o Ele possui. É por isso aquilo que O mantém
eternamente Jovem, cada vez mais criança, porque fonte eterna de cisões e
casamentos. Deus! O grande Guerreiro, Dominus Deus Sabaoth, O Senhor
(...nem poderia ser de outra forma...) dos Exércitos! Só nesta guerra haverá a
Sua (e a nossa) Paz. É do conflito eterno entre Bem e Mal que Deus emerge
Eterno. Ser jovem é manter o direito de assustar-se aceso. Há dois tempos,
porque Tempo é Alma (Consciência): 1 e 2.
É, amigos: a Felicidade não é deste mundo!
Porque a gênese da Felicidade é na Mentira da Alma: a Alma é a
Mentira do Corpo, e o Corpo é a Mentira da Alma. E Deus é a Grande e Única
Absoluta Mentira, através de cuja existência, pois, nasce o desequilíbrio )ou
dois equilíbrios) ávido(s) por equilíbrio (um) de onde  extremos que são 
nasce por fim o Filho do Homem: Nós, os Cristos, ungidos de Deus (Alma) e
da Terra (Corpo). O que é Felicidade? é o que fica no âmbito da Alma, que,
para o Corpo, é Mentira. Daí não sentir este Corpo a Felicidade se não encará-
lA como Mentira Verdadeira que é para Ele, Corpo, vendo-A em sua Verdade
Relativa: o Corpo precisa conhecer que Felicidade é Mentira (para Ele) e é,
pois, a Sua Obra de Arte. A Felicidade é a Arte Profunda do Corpo. O Seu
mais Profundo Apuro Estético. Não há Deus onde não há Beleza de Arte. A
Felicidade tem três metros de altura, como as árvores aristotélico-einsteiniano-
newtonianas, porém que apenas em relação à Verdade de si mesma, que é na
Alma. Para o Corpo, a Felicidade é  ARTE! Arte Imitativa, Mimética,
Imagem... Ídolo. A Felicidade é um Ídolo, Ícone, Res... Com seus três
centímetros guarda a Integralidade dos três metros. Sendo Arte, é  TEKNÉ.
Pressupõe desempenho e para isso demanda seu tempo, sua disciplina, seu
esforço próprio: Técnico-artisticamente falando, é as duas coisas do Nada da
Arte, Técnica e Arte, Desempenho e Aplauso, Trabalho e Gozo  e por fim
Tudo. É a Cruz Verdadeira de todo Homem: da sonolência do horizontal nasce
a avidez vívida do vertical. A Música, por exemplo, não é nada se não for
apenas o que é. No “apenas o que é” está sua Beleza porque é o ajuste do “o

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que é” ao “apenas...” Beleza está no vislumbre da Verdade por trás do que
pode ser  e é  daqui: Mentira! Assim como dos desequilíbrios Terra/Deus,
Corpo/Alma nascem os equilíbrios em guerra Homem-Mente, é com isto que
se deve chegar à perscrução do estado de Felicidade. Porque a Mente é o que
liga  Anjo-Demônio  o Corpo do Homem à sua Alma. Com Ela, se for
amiga, aliada, o Homem chega à Felicidade por equilíbrio de meio. Se a
Mente for ardilosa, porém, eis que só se chega a deturpações de Nada-Tudo,
Verdade-Mentira. O Trabalho (Disciplina) da Arte cabe à absorção labutante
da Mente. Esta Mente precisa conhecer e descrever e conhecer de novo (há
dois conheceres em meio dos quais um descrever: conhecer mal; descrever;
conhecer bem), enfim, reconhecer o que traz Felicidade e o que A afasta do
Homem. (Adoro a palavra “reconhecer”, porque, embora signifique “conhecer
de novo”, graças à pulsação do prefixo re, significa, também, “conhecer pela
primeira vez”, que é, no fundo, o que significa “conhecer de novo”. E.g.:
“Vamos efetivar o reconhecimento desta área?”) Fez este trabalho (refiro-me à
Mente)? Sai de campo e dá lugar à vivência  sinta-se o quão profunda é  do
Corpo, que goza e frui o que da Alma puríssimo provém... Vive-se o estado
Abstrato na perfeição incoercível do Concreto por causa de uma ponte
angélica: a Mente. Se a Mente não serve para isso não serve para coisa
nenhuma, ou melhor, serve para atrapalhar, porque é ponte sim, mas ponte
ardilosa, quebrada e esconde sorvedouros inafiançáveis. O homem, não
atravessando o rio pelo rio, confiando na presença da ponte, resvala no
escorregadio piso de madeiras podres que a formam se tem Mente ardilosa. É
tocaia rasa. Arapuca. A Felicidade está por fim no não-ser. Cabe à Mente
trazê-lA ao ser conservando sua essência de Verdade (onde é de fato  Alma)
e Mentira-Arte-Técnica (aonde se quer levá-la  Corpo), ou melhor, trazê-lA.
(Eu diria que há dois lugares para a Mente: Razão & Coração. Os dois são
Mente. Quando passamos da descrição do que traz e o que afasta Felicidade 
vide acima  para o sentimento do que apenas A traz, passamos da Razão ao
Coração, ponte interna da Mente, e agora só restam Corpo  vivendo  e Alma
 fornecendo.) Passa que de agora em diante também o próprio Corpo há de
poder fornecer Felicidade à Alma (só agora!) em pêndulos inesgotáveis de
alimentação/retroalimentação etc., etc., etc., pelos séculos sem fim. Quando se
diz, em religião, que do Corpo se chega à Alma, tenha-se em Mente que antes
é da Alma que se vem ao Corpo  com influxo benéfico da Mente , porque
nascemos na Alma e para ela é que se retorna. Não queira fazer do Corpo
fonte de mananciais sem ter buscado antes na Alma a Inspiração (que é
Mente: Razão-Coração) para a vivência profunda (que é Corpo) do que a
Felicidade, “que não é deste mundo” (graças a Deus!, porque é Alma), tem a

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nos oferecer. É uma Ambrosia, um Néctar, um Vinagre de Arroz que leva à
Eterna Juventude da Integralidade Alma-Corpo. É jamais terminar... Jamais. A
Paz da Guerra, a Guerra da Paz. (É certo também que certo sofrimento no
Corpo ativa a necessidade de equilíbrio deste com a Alma, que não tem
sofrimento, porque, só então, da Cruz da Felicidade, das suas Pulsações
horizontais nasce o Homem em Pé na Verticalidade de si próprio. É duro
dizer, mas a pele é a Grande Metonímia do Corpo, na medida em que, como
Ele, necessita de carinho e desafio, Amor e Raiva, ou Paixão, Paz e Guerra  e
nada em excesso, nem mesmo esta sentença  é: seja excessivo às vezes, não
em excesso! A pele é portanto Jovem como o Corpo.)
Parece-me que, no que tange ao heroísmo, à guerra do Koûros grego,
palavra que significa Jovem e também Guerreiro, ao mesmo tempo, existiriam
basicamente três tipos de homens heróicos, ou que, no aspecto arquetípico
(porventura arquetípico) de suas faculdades heróicas e inerências intelectivas
ou cognoscitivas (ou, ainda, e sobretudo, criadoras), dispõem esses mesmos
homens de três possibilidades, não excludentes, mas opostas em trígono  e
talvez por isso coincidentes. Calco-me sobremaneira, como se vê, num
aspecto opositivo não de dois elementos  como o tem sido feito por meus
companheiros até o presente estado das coisas  mas numa oposição
triangular, em que, só nesta forma, ocorreu (ou bem terá ocorrido) o equilíbrio
(é desta palavra que todo o mais provém, a ela retornando  ou querendo
retornar  alígero) dos dísticos opostos: a coincidentia oppositorum, o
conjunctio oppositorum, é perfeição no três, que eu diria que se tresdobra para
ser o que o torna um só ele mesmo. “Em si mesma a antítese de todas as
antíteses, e, assim sendo, deixa de sê-la?”  pergunta Rei, personagem de
minha segunda peça tragicômica (Poluição de anjo), referindo-se à Morte, e
continua: “Porque se a antítese é o fiar-se em dois, a sua própria antítese é
nada exceto a prova da existência do um...”
Por fim: tudo o que é absoluto e indivisível so o é graças ao desequilíbrio-
equilíbrio de duas (agora sim são duas) metades. É na terceira metade (repito)
que se acha o Ser. Enfim são:
1) os que adquiriram certa gama (pequena ou grande) de vivências,
transformando-a em sabedoria, manha, artimanha, astúcia  inteligência. Com
esta gama, tais homens aplicam, indistintamente, por analogia e metonímia
(ou seja, pela metáfora da linguagem da vida), aplicam seus conhecimentos
adquiridos previamente nas demais situações futuras que lhes advierem: são,
como se vê bem, homens de indução, decompositores natos, ruminantes, e, por
isso, dificilmente saem do campo daquela primeira gama adquirida, já que não
constroem, apenas se dão, agora, ao trabalho de ajuste do antigo sobre o

65
“novo” (para eles não há novo, eis o Xis; se carecessem de ajuste real, seriam
Grandíloquos). Ainda assim, esses homens são heróicos, meio Sísifos, por se
eximirem de certas dores atrozes, na medida em que a repetição dos padrões,
antigos (ou arcaicos), vem-lhes sempre como real medida de atenuação, isto é,
a dor é constantemente repetida, mas nunca renovada, sempre está um passo
aquém do que estivera momentos antes de ter reincidido sobre ele, que, assim,
estará sempre acima, ainda que não perceba, porque nem olha para trás, mas
apenas para agora, com demasiada confiança no passado-carapaça-de-
tartaruga aonde vai sempre que amedrontado, e sempre... subindo... rumo... a...
o... Olimpo... É homem de costume, de moral, homem ético, provê à sua vida
o sustento que emana da força do hábito, pois se ajusta eternamente àquilo que
já conhece e que, até, no mais das vezes, já pôde descrever (quanto à
descrição, é outra história). É homem de ascendência explícita, e sustenta-se
em sua ancestralidade genético-egóica. Este homem vencerá  um dia  pelo
seu próprio esforço (maior que o necessário geral...); vitória; eu os chamaria
de Homens Gama, camelos, em hebraico (Gimel); é um homem de Memória-
Raiz, e apenas nela reside seu ser, é homem de Tudo, é sua própria casa,
alimenta-se do mesmo, praticamente promove a fotossíntese para si mesmo,
pois, parado, nunca morrerá de fome.
2) Os segundos são aqueles que adquiriram a mesma gama (que pode ser
maior ou menor que a dos Homens Gama, fator este absoluto e irrelevante),
porém que, sobre ela, ou nela, construíram uma nova passagem às situações
futuras, onde muito bem residirão. Isto é, receberam aquele mesmo limite,
porém que, antes de aplicá-lo no por-vir das coisas, tomaram o cuidado de
ampliarem tal limite a zonas impensadas por um simples sequaz da raça
Gama. O homem desta nova geração, geração 2, certamente superior àquele
primeiro, soube lidar com a matéria adquirida  e limitada  muito antes de
querer aplicá-la na vida; portanto, como plantou mais, já se vê que, no próprio
plantio (que vem antes-depois da colheita), obteve conseqüências maiores,
porque, exatamente por ter vindo antes, o plantio é a grande conseqüência na
vida deste homem-2, de cuja própria passagem à casa (daí os chamarei de
Homens Beta, casa-porta, em hebraico  Beth  e têm veia Daleth: o ovo é a
casa da galinha, como o perdão é a casa do pecado, como a linguagem é a casa
do ser, como Deus é a casa do homem e o homem é a casa de Deus: oh a casa
 eterno local de regresso) é o maior responsável, muito provavelmente o
único: perpassar os limites primitivos  a sua Gama arcaica  e dar-lhes cunho
de porta-casa  um Beta Aberto  é o que buscam; e, como já renovou, por
sua passagem, as vivências da primeira gama adquirida, levando-as à própria
casa, onde tudo se transforma (vide gruta de bruxa, vide teia de aranha), não
está mais malfadado aos sofrimentos repetíveis, porquanto já deu a estes face

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exígua de semente, precisando apenas plantá-las: em plantar, sim, está seu
maior segredo, pois, tendo ficado mais tempo nesta empresa, que (como já
repeti ad infinitum) é conseqüente, já se nota a vitória maior, porque esta
vitória  é claro!  só poderia ser a conseqüência da vitória menor, que é, esta
sim, a causa daquela (nesta, subir; naquela, chegar: vê-se que o caminho é a
causa, a reta-final a conseqüência  o caminho a meta? sim, porque pede
glorioso o seu desfecho: a Vitória Vitória). Como vemos, o segredo de não
repetir é renovar. Quem não renova repete. E quem repete, embora anistie, fá-
lo aos poucos, demora muito paa queimar um sofrimento (eis a necessidade da
existência do carma para o nosso Homem Gama), em vez de queimá-lo por
meio de sua renovação... Ou seja, quando lidamos com matéria cármica 
elaborando-a, como o fazem Homens Beta  esta matéria é portal (daí, repito,
Delta, Daleth) para a transformação definitiva, operada na casa daquele
homem. Ele transforma o chumbo do carma no ouro da caminhada. O ouro é,
portanto, apenas o chumbo renovado. (Repare-se em que, mesmo com este
nosso homem de agora, não se fez ouro de “nada”, mas de matéria pré-
existente: o chumbo. Um homem que não tivesse nenhum carma, portanto 
isto não há  não caminharia por falta de adubo.) Assim , é preciso também
aprender a deixar pelo caminho... E nosso Homem Beta o aprendeu. É um
homem que purga certos adstratos, mas chega praticamente incólume, porque
abre as portas da Memória-Raiz-Caule para:
3) os que tiveram a mesma gama (ou menos ou mais) dos homens-1.
Pare-se um pouco. Pode ser que este novo homem tenha pulado a etapa dos
homens-2, porque não necessariamente lidou com aquela gama arcaica, não
para fazer dela a matéria de aplicação em sua vida. (Se lidou com ela? Claro
que sim, porque é homem e todos têm obrigados uma origem, uma praxe, suas
Moïras, seu Espaço, que é ela, gama, carma. Ninguém vive só de Tempo, nem
Deus vive. Há uma velocidade triangular que une Tempo a Espaço, e, nela, o
princípio das dores.) Este novo homem, homem-3, entretanto  eis o
entretanto da coisa , este homem novo observou que cada situação, embora
aparentemente repetida (por isso aquele homem-1 ter caído no “atalho” da
analogia irrestrita), é, na verdade, nova, como ele, novo. O homem-2 já
observara isto, mas com certa incipiência (ou impaciência), ao constatar que
precisaria transubstanciar sua Gama em sua Beta. (Transforma o carma em
casa.) Quase como deixar de precisar (o homem-1 precisava) levar a própria
casa às costas, ruminar infinitamente um só alimento: tartaruga e
camelamente, nômades incertos, e necessários. Homens Beta possuem solidez,
mas já desligada de seus corpos, estes não são sinônimo apenas de raiz, mas
também de caule, elevam-se com pujança rumo à meta, que podem ver (ou

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apenas vislumbrar) de altos cimos arvóreos, copas, que é onde se situam suas
casas-Beta-portais. O homem-3? para este homem-3 aquela transubstanciação
(Gama>Beta: Raiz>Caule = Copa) não é possível, nem suficiente, nem
necessária! porque as realidades da vida são irrepetíveis, e ele precisa estar
apenas isto: sempre nascendo. O seu plantio é colheita imediata: não é um
homem de conseqüência-causa, mas de trígonos: planta-colhe-é (colhe-planta-
é), ele é-é-é. Ele é Folha e tudo o mais. A sua Gama é, apenas, como certa
praxe a ser cumprida, mas acaba e ele não mais precisa lidar com ela em
termos de “matéria-prima”, porque não precisa levá-la para casa e renová-la
em ouro (Chrus em grego e Cruce em latim? faço meus trocadilhos greco-
latinos propositais...). Sua Cruz, seu carma, sua Gama, viveu-a passada. Vive
eternamente agora no Olimpo do Tempo, mas tem a liberdade de descer à
Terra do Espaço quando quiser (geralmente por seu estado pio), na Velocidade
que bem entender, para daquela Terra sugar o prazer de sair e de retornar,
quase Apostrófio. Este homem lida com matéria-prima dos deuses:
Criatividade (há quem prefira chamar Revelação, Inspiração, Sentimento,
Intuição... Etc.) Antes, havia lidado com outra: Cisão. (Aqui o Caos, ali
Eros?) Este homem é, em resumo, Afrodite: cronida-uranida, possui astúcia (a
Gama temporal-limitada de Cronos, espacial, enfim) e instinto (o Beta
atemporal-eterno de Úrano, veloz). Apenas deuses  como este homem-3 é
um deles  criam. Sobre cada situação, nova, não precisa recorrer à Díke, ao
dicere, ao dizer, ao falado, sagrado, guardado, ressumado gota a gota sobre as
gerações pregressas, não é moral, ético a ponto de igualar-se à Hera
Furibunda: ele cria sobre elas, porque são realidades aparentes (e portanto
são) que merecem o mesmo apuro de quando teriam aparecido (o que as faz
parecer “repetidas”) por uma suposta primeira vez. Está um passo além da
renovação: vive no florescimento próprio. Esta “suposta primeira vez”, a
origem, nunca repete em si o quanto foi, mas sempre apenas o quanto é. A
origem nunca foi, sempre é (será). Por isso a origem não está no passado, mas
no futuro (eis porque a causa no futuro, junto ao objetivo, que é a própria
origem também), porque a origem não “foi”, não é passada, legada ao Letes,
mas será  e apenas enquanto não for, porque, quando for, deixará de ser este
futuro-será, igualmente virtual, e passará a ser presente-é, real, tal como é
atualmente, porque, então, simples como ela mesma furiosamente pode todas
as coisas do universo, Tudo, esta origem agora, novamente, é (e mais nada)
aquilo que é. Eles conhecem que só há, no mundo, primeiras vezes, ou
Primeira Vez, só há és, nunca haverá uma “segunda”, nada se repete, jamais.
Por isso o tempo é cíclico, o ano é anelar, oroborístico (divirto-me horrores!),
como a foice, obliquamente se volta sobre si mesmo, a quem elimina por
imposição de limites  daí ser tempo, este único pano-de-fundo-Nada ,

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porque, se este tempo não não-fosse (o que se repete é a única realidade que
não é, ou que lega a si mesma o não-ser, porque se fosse, em verdade não
“seria” por uma “segunda” vez, daí o tempo de Cronos simplesmente não ser),
assim como as coisas são, tudo se sobressacralizaria, e o mundo não teria
razão de ser humano, porque seria apenas deuses-Deus. Assim, o céu-uranida
é o que é (e é exatamente criado como a terra, seu espelho): eu diria que o
Azul é o grande SIM da Natureza Humana. (Momento báquico, dionisíaco e
profundamente inspirado por vinhos vitais...) O tempo, a dizer nãos repetidos,
ele é quem justifica por necessidade agonística, guerreira e jovem a
manutenção da seiva da vida de nosso Pai-que-está-no-céu, e bem o sabemos
que esta seiva, que esta seiva somos nós  homens! (Desta tensão nasce a
Criação, ou a necessidade de Criação, que se converte em vontade  livre-
arbítrio. Da tensão nasce a tenção!) É preciso um cenário repetível para que o
ator irrepetível tenha lugar. Este homem-3 é princípio eterno, porque tudo o é:
Homem Alfa (Aleph, Boi). Este homem, de princípios, já entrou em sua
Consciência, ligou-se ao Nada Divino, transcendeu-a. É todo Ação. Muda com
mudar, o que é o mais alto estágio da evolução humana, porque é mais fácil
mudar sem mudar, o que é a receita que se faz ali, aqui etc.? Atinge, por seus
princípios, o Princípio Divino: a famigerada Ação. E sua Consciência é das
grandes, uma Grande Memória-Raiz-Caule-Asas.
O que têm em comum os três que me tenha permitido chamá-los
“heróicos”? O fato de que, por seus três caminhos distintos, praticamente
opostos entre si  tresdobrados em conjunções dos opostos , descobriram que
há um fogo essencial em seus interiores, um fogo imutável: Deus-Ele. Mas,
para manterem a imutabilidade e inalterabilidade deste fogo, precisam, eles
próprios, mudar constantemente, precisam de ajuste, como água. (Pelo
“ajuste” da coisa é que o Homem Gama é Pai, Menino, dos outros dois.
Homens Gama são vitais porque expiram, exalam energia de Ajuste. Homens
Beta ajustam e Homens Alfa apenas vivem.) Assim da água se mantém o fogo.
É um princípio geral. Precisam mudar constantemente (água, mortalidade
fértil  não-Belo  mudança) para manterem o equilíbrio constante do seu
fogo interior, que clama (necessidade) por ajustes a fim de manter-se invicto e
imortal (fogo, imortalidade estéril  Belo  constância). Mudam para serem
sempre exatamente o que são. E este “o que são” não muda; e de tal forma não
muda, que dele só sai, sempre, ele mesmo (daí o estéril, neste único sentido:
como é objetivo, é também causa, origem: eis que da esterilidade  santa 
provêm todas as formas de fertilidade da Suma-Natura, porque do imutável
surgem as necessidades de mudança; acaso tivéssemos  ou se Deus tivesse 
uma natureza mutável, nada mais precisaria mudar para atingi-la: se o

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contrário ocorresse, mudar para alcançar o que muda, haveria
sobressacralização, que nada mais é do que a mesma superabundância divina
que fulminaria, com a ira de todos os Titãs e com o amor de todo o Zeus  por
exemplo? a Sêmele; Jesus a Santo Antônio  todos os homens: os
misantropos). Por isso eu já disse que o caminho  ou o caminhar  é a grande
meta: mudar para não mover-se, mover-se para não mudar, sem exclusões nas
diferenças abençoadas por todo o DEUS. E além de ser meta, o caminho é
objetivo, porque é no fundo o único objeto que se tem a fim de se ir e voltar.
O que têm eles (falo das três gerações sincréticas de homens: Alfa, Beta,
Gama) entre si que os difira? O tamanho, se assim posso falar, das mudanças
que se dispõem a operar em si mesmos (igualmente ao redor: lembrem-se dos
atoresespectadorescenários...).
A memória? Daqui extrair-se-ão outras das três (duas) verdades:
1) a Memória não é a Consciência, senão simples hipóstase desta.
Repare-se em que o Homem Alfa simplesmente não precisou da gama
adquirida  Mnemósina?  para aplicações no novo, jogou-a no Esquecimento
 Lesmosyne?  que é a cara-metade da Memória, sendo outra vertente da
própria Consciência, a vertente quem sabe mais Deus porque para Ele é tudo
Esquecimento, daí ser o receptáculo maior que há. Podem perguntar: “Mas,
então, o que fazer com os conhecimentos adquiridos previamente, se já foram
adquiridos por mim próprio? jogá-los ao léu?” Ora, ora, meu caro, não me
faça rir, deixe de presunção: ninguém, homem algum atingiu ainda este tal
estado divino em si: o Esquecimento Completo é a Grande Arma de Deus  o
Fogo que Ele ainda mantém aceso apenas para Si , é o que O diferencia, e
sempre diferenciará, de nós, homens e Homens, enquanto formos aparição,
isto é: Imagens... Não cogite sobre o Impossível Metafísico: este é o maior. O
homem que atingiu aquele estado não foi, dali em diante, mais um homem: é
Deus em Deus junto a Deus; sumiu. Conforme-se, portanto, com seus limites
de ser homem, a sua timé, o de que nos dá prova o fato de você não ter
sumido, mas estar aqui ao meu lado. Enquanto estamos, é porque nossa
Consciência é mais Memória do que Esquecimento. Se houver apenas uma
delas, houve o desequilíbrio: ou é muito homem, ou é muito Deus: enquanto
estivermos aparentes, sejamos ambos, sejamos os Dois  que são Um. Se não
formos os Dois para sermos Um (ou Memória, ou Esquecimento), então
seremos o “um” falaz, que na verdade, este sim, é dois, porque é a energia de
cisão e autodestruição volátil que acompanhará o homem dividido por si e em
si, este sim não tem Deus, quis abrir mão d’Ele ao abrir mão da única
Unicidade: a Hierogamia Homem-Deus: “O que Deus uniu o homem não
separa”; outra verdade áurea como Afrodite; bem, aquele homem pode

70
escolher ( e há necessidades para isso apenas ser o Caos primitivo, em vez da
instintual-civilizada Afrodite:
2) Ser é nunca repetir:
3) nunca é ser, enquanto sempre não é.
Consciência? Tudo é uma Grande, um perfeito nada extraído à Grande.

Bola.

Acho ter ocorrido evolução natural, quando ato vira bola. Ação vira bola.
Ação vira e vira. Aquela idéia abstrata e sem-corpo se arredondeia, começa a
bolar, bolear, bolejar de um jeito ainda bambo para real, e (outra não poderia
ser a conseqüência) bamboleia nítido de vez, torna-se em bola. A cosmogonia
dela bola cala decerto e é provinda de ações que fugiram da rigorosa férula do
tempo: ao se desgarrarem do rigor da disciplina, a primeira nascença do
mundo  já predita na anterior (todavia) , provém que, de uma Rebelião (a
passagem das ações à bola), nasce, mas ainda, por inacreditável que soe, bola
abstrata, essência não-acidental do estado profundo e conseguintemente
superficial do ser não só estar estado-essência bola.
Um dia a bola se desgarrou do último estado abstrato, que era, como se
disse, estar sendo em ela ela abstrato e por isso mesmo ainda masculino e
tudo, estar-ser, um “o ela”, fora de si mesmo-mesma dez mil anos luz
díspares. E neste instante o bola aciona, para que, de novo, imbuído de Ação,
revigorasse o ar preciso do concreto.

C 1: Concreto.

Preciso do concreto. E não só eu como esses primeiros Homúnculos


que habitaram a primitiva terra que por ora presunçosamente descrevo em
narrativa precisaram, também. Por séculos se deixaram à revelia de não-saber
se abstrato se concreto viera antes. Quem? Se concreto tivesse nascido antes (e
é esta, atendam, apenas um grito cauteloso e civilizado de questão: foi ou não
foi?), seria ou teria sido ele afinal a representação do quê? para prosseguir
diga não ao não e o transforme fisicamente num sim, que permeie doido a
ambiência semântica em que se degradou, grau a grau, em talvez. Mundo 
sim  há de nascer no sim, não no não. Cada coisa em seu lugar. Por estar em

71
princípio acatarei com benevolência e brevidade o espírito dos maniqueus.
Ocorre que tudo está correto, absolutamente tudo. Digo sempre que tudo está
correto quando está no lugar correto. (Mas cada membro divisível deste tudo
poderá contar para si com o condão de tornar justa a ele  e portanto a ele
correta  a ambiência, o lugar, a bola, como quero dizer, em que passará a
vigorar, então, e mais uma vez  correto.) E a representação deste algo teria
sido, mesmo, feita com quê? Mas e o que é um quê que de tão abstrato haja
merecido de supetão vir representado por algo assim tão... tão... concreto?
como um quê. Não podendo ou tendo podido de longe achar a resposta me
aproximo. Vejo, perto estando, que o concreto não  definitivo e não  veio
antes do abstrato: mas este depois daquele, talvez.
Talvez porque, pensei no termo, como o abstrato-0 teria podido vir
chegando antes do concreto-1? para tanto nada mais fiz que atribuir numerais
em seqüência. Conquanto o imaginássemos sorrateiro e esquivo, se lastreando
num passado de gênese, oh, tão incerta, ficava não fácil vê-lo aproximar-se.
Daí, por solução, entre o abstrato-0 e o concreto-1 tracei o abstrato-1 e o
concreto-0, perfazendo quatro níveis de análise mentalista e tripartida.  É que
o abstrato-1 e o concreto-0 vêm, no fundo, a convergir em uma só vertente, o
concretoabstrato: por isso, e por ter sido algo combinado entre mim e mim,
chamei-o “con-trato”, dispensando para tanto a numeração didática, que até
me soaria redundante e prolixa. Basta.
Análise mentalista e tripartida que, de alguma forma  como o aval do
estudo da estrutura da bolha do ferro de aço e o do da da do de sabão , quem
sabe, teriam correspondido à minha tese? hipotética, rascunhante? Como o rito
anterior?

C 2: Caricatura de gente: a águia.

Esta história poderia começar: a águia precisa viver. E ir além, assim:


...mas, para viver, precisa alimentar-se, lá dos seus ratos e cobras e pintos,
e tantas outras vitualhas com que se banqueteia, numa algazarra calada de vida
na sua eternidade. Refestela-se nas asas pródigas e de envergadura de dois
metros que Deus lhe deu. Precisa também voar, porque, se não voa, não come.
Também poderia começar assim, esta história: para viver, que é de uma
constância atroz, simples porque é de Deus, para não-mudar (isto é viver), a
águia precisa passar por um processo, no meio de sua vida, de mudança
dolorosa. (Foi o que li hoje, e quis reproduzir por minha lábia.)

72
Posso começá-la, também, história fétida, dizendo sobre a idade que
uma águia atinge: setenta anos. Longeva? Sim, a eternidade viva dos pássaros,
por isso a rainha, soberana mulher-homem dos emplumados voadores ou
rastejantes, cobras com asas, brisas com penas, tanto faz: ela é a imperatriz.
Aos quarenta anos  gostaria mais se tivésseis lido “trinta e cinco”, para
dar um equilíbrio de metade , aos quarenta anos, ó entretantos do destino, ela
passa por uma crise quase fatal: deixa de poder comer. Ocorre que suas unhas
 garras  amolecem, o bico entorta e se vira contra ela, isto é literal, e suas
penas ficam pesando chumbo. Ela morreria.
Morreria... Mas aí é que está.
Não aceita: procura um rochedo, esfrega o bico até que este se arranque
de seu corpo, e espera nascer um novo, duro, reto e incisivo como o anterior.
Parece um quiabo violento e para a frente sempre. Quando isto ocorre  lá no
texto não se diz o que acontece com ela durante o tempo, nem que tempo é
este , ela, com seu novo bico em folha, extirpa, uma a uma, as unhas
deterioradas, para que renasçam.
Então, renascidas as unhas, ela só precisa tirar as penas pesadas e, em seu
lugar, esperar que venham novas, tão novas quanto o bico, a razão de tudo
ocorrer (comida!), as unhas e  a vida.
Vida que se estende, então, por mais trinta anos.
Graças à disposição, propósito de ser a mesma, de não mudar, como
cabra montês, obviamente mudando, que tem este animal irracional. Que volta
à estaca Zero, casa do seu pai: é toda renovada. A metade da vida é o princípio
da vida.
Aliás, a história pode começar (e deve realmente), aqui: a águia é um
animal acabado de nascer (de si), é todo novo. Porque volta  para dar
prosseguimento. Vive o Passado! Não vive no Passado! Seu corpo é o próprio
Futuro. Agora sim consigo vislumbrar a Verdade deste Futuro, no começo
desta história renovado e refeito em Presente, o princípio da história é, afinal:
...O Passado...

C 3: Casa

Revertere ad locum tuum:

Qualquer pessoa quer, precisa mesmo voltar à casa do pai. Esta casa é
cheia de moradas, cômodos onde se instala o homem, numa escatologia que só

73
é definitiva  como a própria vida o é  enquanto estiver viva. Quando morre,
deixa de ser definitiva para passar a ser um outro definitivo: aquele perfeito
que se abre em expansão. Eu diria que o universo respira, porque se expande,
expande, expande (mas nem muda) e num dado momento tanto se expandirá,
que há de (ou então houve de) explodir, para do material antigo se fazer o
novo artigo imaterial e profético.
E retrai, retrai, retrai.
Ninguém, nada abdica daquilo que acumulou para ser representação ou
representativo do novo que passa, agora  expande, expande, expande , a ser
ele próprio no próprio definitivo de que falo!
Sabemos que a tecnologia, o progresso abreviam em tempo e em
memória o homem. É como se apontassem para a frente, este “futuro”, ó
futuro. Porque progresso é Velocidade e por isso é Mente. No sentido bom,
fazem este homem poupar Tempo, economizar Memória. (Retrai, retrai,
retrai.) No ruim, deixam-no sem saber como eles passam fluidos da mesma
forma como antes: porque Tempo e Memória se ajustam às necessidades do
homem. Que expande, expande, expande.
Tempo-Memorial, uma só coisa, agora, se ajustará sempre ao homem.
Quando este precisa pouco ou menos daquele, este se adapta  retrai, retrai  a
servir menos às necessidades (que passaram a ser menores) daquele. É um
este/aquele que se permeia de estes/aqueles, vão e vêm como é a relação do
homem com Deus.
Que se expande, expande.
A casa é de Deus e do homem, ambos de dois são os donos da casa.
Habitam-na.
Habitare, como o sabe toda a gente, é aspecto freqüentativo de habere:
neste, “ter”, naquele, “habitar”. Portanto morar significa, também, possuir.
Significa mais que isso: ser responsável. Ékhousin  o grego “morar-manter”
 também. Entre nossa gente se diz: “Fulano mora naquela casa”, retrai; mas
também: “Fulano sustenta aquela casa”, expande; “Fulano mantém aquela
casa”, retrai; e assim por diante.
Expande.
É preciso ter cuidado com a manutenção da Memória (Consciência) e do
Tempo, os dois grandes vértices (o grande vértice tempo-memorial)  retrai! 
que nos remetem de volta a casa. Como sendo o rito anterior? Expande! A
casa: morar é suster severamente esta.

Divindade.

74
Como sendo o mito posterior? Quando entro neste terreno nem sequer
mais me aventurar me aventuro: perigo tosco. Extasio diante do eterno e
incansável  aqui parei um pouco  incansável? Absoluto. E dei a certa
palavra  “euforia”  a raiz que ora descrevo: Estado, circunstância ou aptidão
de estar o “eu” “fora”, portanto  eu + for(a) + ía. Como “êxtase”. Para dar
lugar. Se misturei para isso latim com grego não me importa; e a você? (Que
lindo! o “eu” do grego significa “belo”, “verdadeiro”, como de fato é eu em
qualquer língua, porque aí deixa de ser assunto para lingüística.) O certo é que
certos acontecimentos hão de responder a si mesmos apenas num parâmetro
contemporâneo de análise, o qual por seu turno se deve dar em níveis de
utilidade e adequação  a si próprios  sempre. Nihil potest duobus dominis
servire. A menos que se recorra a um Zoroastro de real-possível-provável num
só mecanismo corpóreo. Mas por quê, Deus, se é tão longe quanto nem sei
onde fica, teria eu de ter ido recorrer à Pérsia em minha busca? Portanto, em
nexo decerto não achado, a pandoria da criação passa antes pela gradativa
retirada do eu de mim. Depois do qual se abre lacuna para a inserção da
divindade, ou Théos.
Entusiasmo. Samadhi. Apoteose. Mahatma, que é alma.
Vejo a retidão perfeita e profética (numa profecia utópica; noutra
ideológica) vergar, vergou... Senti-me como que tendo trazido para cá a visão
do ser supremo, com sua face reta e imponderável, sem medidas humanas
porquanto a súmula de todas elas.
Certamente a crença é o estado maior e Absoluto de um crer. Isto é tão,
que chega a ser bobeira. Mas como então esse abstrato teria se manifestado
antes de ser ação? Como cada pedaço ou parte pode ser representante e
representativo e representado (e representação) do todo se esse todo antes de
haver partes já havia sendo o mesmo todo de antes (antes?!) de sempre
(porque um todo não pode ser menos todo, mais todo: não o é todo agora,
pouco todo antes, muito todo depois; ele, enquanto todo, é sempre apenas todo
 mas, oh Deus, o tempo, Senhor Inexorável, faz haver todos relativos, e,
portanto, todos maiores, todos menores  e de um todo só sai um todo. Em
espaço-tempo há muitos todos e em tempo-tempo  ou tempo-memorial  só
há um todo?). Nem é tanto certa pergunta por quem teria sido criado este, este
todo-mito (mito-total), porque isso é impossível metafísico e, de tolo, morre
nascendo, mas o caso de questionar o momento preciso  e sempre o preciso
da coisa  em que Deus nos fez pedaços d’Ele, abundância. Oh Vossa
Onipotência, a absolutidão de Seu estado nos faz absolutinhos? Somos
milhares de Vós e nem um só Vós? Ou somos um só Vós e Vós sim

75
representais em Vossa Altura milhares de Nós? (Milhões!) Milhões de cacos
esborrifados terra afora? (Bilhões!!!) Quero cegar-me no mito desta Vossa
Totalidade. Preciso extasiado da perfeição de Vossa Luminiscência e
Vastidão. Porque vejo que a cegueira da luz é que fulmina com amor, e dá
subsídios bastantes a que possamos prosseguir, neste glossário-reverência que,
impudico, alimento. A alucinação me parece estar cego na luz, ainda que
privados dela, por isso a prefiro ao fascínio, na escuridão penumbrosa.
MESTRIA: Há dois tipos:
1) quem fala muito (Falar é prata), por isso o que aprende;
2) quem fala pouco ou nada (Silêncio é ouro), por isso o que ensina, porque já
sabe. Que se d6e ao luxo de nem crer, me d6eem licença, mais eis o luxo dos
luxos: não precisar crer para simplesmente  saber.
De que forma haver a divindade antes de ter havido porventura o divino? é
o que preciso precisar por ora. Para isso:

Espaço.

Nenhuma constante é tão variável quanto a luz. Depois dela o espaço


reina ou (melhor, vice-reina soberanamente) secunda a toda. Para que haja
entretanto um lapso nesse espaço nem é tão difícil quanto se supunha ser fácil:
basta que para tanto não exista e, assim de repente, não existe mesmo. É que
constante espaço necessitaria além de si mesma de um fator necessário e
oposto  o não-espaço. Não é verdade que antes de haver espaço-tempo havia,
cosmonautando no universal, matéria só de densidade única em que tudo havia
e fora de que nada vingava, matéria só de densidade única em que etc.? É que
o concreto precedeu o abstrato. O algo de que se desdobra o espaço e, neste
“algo” (o qual por não ter nome assim o terá), não-existindo. Portanto espaço
e não-espaço caminham em tal parelha, que são sós, melhor digo, são só, um.

Fluido.

Vou me valer de um apólogo  prática exaustiva em mim  para ilustrar o


prolegômeno deste verbete.
Para ser uma milionária excêntrica só lhe faltava ser milionária, um pouco,
porque era muito muito rica, da Graça, falta pouco, pois. E apesar de assim era
sem dúvida meio esquisita, alheia, difusa, de olhos pequenos e demasiados,
olhos excessivos, numa grande cabeça acéfala, dir-se-ia com correção, meio
gorda, meio sempre indiferentemente cansada, meio sem-ânimos vivazes,

76
meio meio, enfim. Era coisa de ter tudo o que tinha, mas pela metade em
substância de vida.
Aguada, locomove-se como em pasta de aderência duvidosa, porém
amniótica. Na sua residência cansada, em que havia pedras em direções que,
por lógica, chegariam a excluir-se mutuamente, pendurou a carcaça de uma
tintureira acanhada e de seu marido, aquele tubarão morto, de quem se
alimenta parte a parte esta Baleia.
Mas se alimenta em tese, não é alimento para seu corpo enorme e de
cauda achatada, mas o é ainda assim para sua entranha, a da alma, que pede
lhe sejam poupados os movimentos atrozmente delicados, em uma que se diria
fúria pelo sono.
A vida é hoje em grande parte a manutenção pelo estado de massificação
das partes, a propósito. Algo talvez que se pudesse prever em função de
veículos de comunicação  como a telepatia, a biopsicocinese etc. etc. 
modernos que nos deixam de dar a dimensão exata daquilo de que realmente
teríamos necessidade atávica. Portanto, não existe, em meio a esse fluido
balenar, discordância mais contumaz do que a que apregoa que discordar é
força e crescimento para a homogênea e patética massa da qual se presume
sair, como que emanar “concórdia”. A éris da emulação está aí para provar
que  talvez. Não se surpreende contudo, porque sabe no íntimo, com a maçã
da discórdia fazendo brigar Minerva com Vênus e Juno; Palas, Afrodite e
Hera? (Não há mais? e há quanto tempo não o há? uma voz que se erga em
meio a esse pântano penumbroso que em tantas escuridões se assemelha ao
Érebo? pior, ao Tártaro?) E por cada vez que se tenta delinqüir a massa estar
essa mais corroborada, o que fazer?
O paradoxo moderno é a conseqüência natural seguinte (que de agora em
diante se leiam as palavras dando-se-lhes, a cada uma, o valor de conteúdo
forte como a taça do Rei Artur distribui igualmente, aniquilando em aparente
eqüidade, o Total centésimo qüinquagésimo da coisa): quanto mais o homem
busca a individualidade a todo o custo, tanto mais amorfo se torna, sendo
tragado ostensivamente, ao que se faz cego, pela massa homogênea de que
mais e mais pensa querer distinguir-se; quando na verdade a engrossa na razão
inversa da (presumível) força que faz no sentido de enfraquecê-la. Há portanto
esse notável fenômeno que nos assola hoje: é a gradativa diminuição do
indivisível, que, também talvez paradoxalmente, já que em avessos a força de
seus próprios avessos, à medida que aumenta aumenta a divisibilidade em
qualquer direção, qualquer sentido, a esmo, a torto e a direito, da massa sem
sangues, parada, que. pois, se torna mesmo indivisível em sua
macromicroessência, cheia de si mesma, cheia de fluido só, cheia de enfim.

77
Grandeza.

O Belo é só e apenas o resultado do equilíbrio entre as forças interna e


externa. Não há Beleza então onde houver estereótipo. Este representa antes a
fealdade, a feiúra, é a própria essência do não-Belo movendo-se. Belo é o que
provém do (não o que dá origem ao) equilíbrio, não é causa é causado. A
discussão do Belo está no verbete “Grandeza” porque o é. Aquilo que vem
como causado veio na verdade antes: assim, Beleza é caminho, é veículo, mais
indispensável do que a própria meta última, que, embora seja origem, nem é a
mesma original. Onde não há Beleza nunca haverá Deus, nem iluminação, só
há o vazio do vácuo divino. Enquanto não houver corpos aí, não haverá
propagação de luz. Esta só é vista quando houver presença daqueles. Senão,
pode até existir, mas foi em vão, em vácuo.
Por isso, há, anterior ao belo, a rudis indigestaque moles, ou massa que
não tem forma e é repleta de elementos também sem forma e pois similares
colidindo entre si. O caos é pré-Belo, como se vê. Não não-Belo. Mas no pré
existe (tautologizo) apenas a prefiguração, não o próprio, Belo que o seja, nem
Latência que, portanto, sendo semente que é, deixa de ser em si bela, porque
esta, em masculino maiúsculo alegorizante e abstrato, “não é semente é
colheita” etc. Daí: Belo. O pré-Belo não é Belo, mas também não é não-Belo.
É antes de todas as coisas, antes de mais nada, e por isso me equivoco e
envergo tanto ao tentar descrevê-lo; poderei?
Um dia, sem maiores explicações a quem quer que fosse  muito porque
Caos não é inferior hierárquico a nada, e por isso não lhe precisa dar
explicações  como a própria explicação para a vida, se reconhecem sozinhos
e potenciais elementos para tudo, equilibrando-se e depois. Surge a vida.
Kléos (Glória): a Glória da desocultação da vida: aquilo que precisa ser
desocultado apenas precisa ser desocultado: e será por isso mesmo
desocultado, pela própria força de desocultação em si. Nada há de oculto que
não venha a ser revelado. Porque “oculto” significa “existente”, “ente”, e,
assim o sendo, não pode permanecer na escuridão, nunca no oblívio: Somos
Filhos da Luz. É um preço por sermos. A Luz é Glória porque desoculta o que
deve ser desocultado. Onde há medo? Na escuridão o haverá sempre.
A solidão integral é decerto o princípio da vida. Já há muito tempo 
com Copérnico mais forte  se soube que o equilíbrio é um intricadíssimo
engenho, manejo de desequilíbrios aparentes (ou de desequilíbrios em
essência), em que cada força opera sua supremacia sobre as demais,

78
respeitando-as embora de tal forma, limitada e limitadoramente, que
sobrevivem em suas solidões cósmicas sempre com necessidade vital da
existência (longínqua e essencial) de outros corpos a elas similares no que
tange à importância da influência exercida sobre toda a Fábrica do Universo
equilibrado, só e agora, em Sua Essência. A Gravidade o seria, logo no berço.
Ab ovo.
Tudo o que há na Natureza é, por isso, O Belo. Há uma Beleza ancestral,
uma Beleza furiosa e inocente, por exemplo, na Crueldade da Natura. Lembra-
me que outro dia, em uma caminhada pouco extensa, em que fazia o sol de sua
orgia diária, muito claro e limpíssimo, com raios, vi um corpo rosado,
pequeno e frágil, contorcendo-se no chão. Aproximei-me, era um filhote de
pássaro. Ainda não tinha recebido penas e já se revirava no chão coberto de
formigas, luta inglória... Era a Natureza, orgulhosa de si, nos momentos em
que faz questão de mostrar para fora o quanto pode. O que ocorre fora da hora,
não importa por que ocorre fora da hora, é fulminado pela Natureza. Entendi
que a única pergunta que a Natureza nunca fez nem fará é a seguinte: por quê.
Para Ela importa é isto: o quê. E se, por um segundo apenas, o passarinho se
descuidou a ponto de sair do ninho antes da hora, este segundo o fulmina.
Porque para a Natureza um segundo é eterno. Ela nem conhecer o tempo
conhece, porque tempo são Atos, Natureza é Ação. Em seus filhos o tempo é
Sagrado! É como se alguém, ao se arremessar do vigésimo andar, se
arrependesse... E daí? Perguntará a Natureza? Não, Ela não pergunta nada,
simplesmente não pergunta, a Natureza constata, constatar é a função da
Suma-Natura, o Ato Supremo de Deus. (Veja: a Natureza é Ação para o
Homem, mas apenas mais um Ato para Deus.) Ah, a Natureza... Eu a
reverenciei naquele seu Ato Belo, de extermínio à criatura que despertou a
fúria do tempo, Ato Belo, Belo, comprometido, como sendo Ato que era, com
a única Ação que a Natureza conhece: a Beleza. É improvável que os homens
não vejam quanta Beleza há no mundo. Meu Deus, perdoai-me o Êxtase, mas
Vossa Criação é só Beleza! Vossos seres, Amor, Vossa Essência, é!
É o princípio do nascimento da Beleza a agonia da massa: qual sentido
de agonia aplicar? batalha? falta de nascimento, com alfa privativo e raiz de
gênese (em paretimologia apotropaica e fertilizante como Zeus Olímpico)?
Polémos, Bía, Crato? Não quero, neste agora, ter o preciso da coisa: há coisas
em cuja precisão reside a morte que deixa de frutificar; aquelas que têm no
não-preciso o pulmão eterno, com cheiro de permanência. A massa luta por
desfazer-se  mas com tal belicosidade que não vê aquilo em cujo prol luta 
em milhares de Um, apluralizados, o verdadeiro um ímpar, não mais milhares
de meros milhares iguais em tudo mas em miniatura ao Tudo (a sombra,
equivocada, pois, do Total, este sim uma Grandeza), e com este pareando, o

79
que é incrível. Há uma refutação pelo tautológico, embora seja a ele que se
deva recorrer para que se dê término à tautologia. Pois também tudo já existe
no interior, basta uma flecha de luz para alumbrar e tudo se nos mostra, o que
faz tudo o que for dito ser antes e depois do mais a verdadeira e insofismável
Tautologia do homem. Apenas uma coisa é preciso para iluminar: matéria (no
vácuo? Luz?...). Por isso toda a matéria do universo precisou mesmo ter vindo
antes da Luz (ou do desoculamento desta), porque, mesmo que esta Luz já
existisse antes da matéria caótica, ponderemos que assim o tivesse (ou o
tenha) sido, nem poderia ter sido apreendida sem tal matéria.
Talvez  palavra mágica, mantra sagrado, canto gregoriano  Beleza
esteja assente nessa luta inacabada, ou nessa ausência de nascimentos que vai
em busca de soluções para que não deixe de haver nascimentos. (O estéril gera
o fértil.) Lutar por lutar. O que é a própria belicosidade do mais odiado e
sereno dos deuses: Ares!
Viva a Guerra!

Hibridismo.

Tem-se tentado o ensaio, talvez por influência desses que  superódromo,


ciclocibertrônico, neurorrazotérmico, megaminizás  hoje se sentem
superiores apenas por serem os veículos de transporte do hoje (aliás uma coisa
hilariante que se percebe é a pretensão deste hoje que há, por meramente ser
hoje(1)), veículos que locomovem o homem com indizíveis velocidades
atrozes, vorazes, que os caminhos mais curtos são os que levam mais longe,
além de poderem amiúde ser percorridos em distâncias sempre
comparativamente menores. O tempo é um só, e por isso quanto maior o
espaço tanto maior há de ser a distância percorrida e a velocidade que para tal
se deu. Portanto, quanto mais velocidade se imprime, tanto maior há de ser o
espaço que se percorrerá também no mesmo. Inteligente?
Um erro. Como já se disse aliunde ao reverso: verdades curtas, verdades
passageiras. A rapidez tem querido ter ao longo da vida crescimento inverso
ao da eternidade. Mas o tempi é um só, não há eternidade maior, eternidade
menor, só o que há são eternidades, Eternidade!
A vida não é nem  por todos os tempos ou com todos os rótulos que lhe
tentaram imputar foi  curta. Nem corrida de resistência baixa, nem
obstáculos atrás de obstáculos... é maratona lisa e contínua. E homogênea em
sua aparente heterogeneidade, que não possui exceto que em suas filigranas.
Em ser. Por isso é que é preciso que se aprenda a caminhar devagar, às vezes

80
morro acima, com lentidão e amor. Mas para isso é preciso que se dê uma
série de impulsos, que não só desfaçam a inércia como profetizem o fim da
ordem sem-impulso de modificação de superfícies profundas e rasas, em que,
aí sim, haverá Éris, haverá...

(1) Impulso.

Nem é por outra razão que tantas vezes me encontro  o termo é este
perplexo diante das pessoas atordoadas, aparvalhadas, impensadamente
catatônicas que povoam o mundo de hoje, perplexas. Elas quase sempre me
parece que saíram ou teriam acabado de sair da máquina do tempo, parecem
ser autômatos em cuja regulagem impuseram (alguém impôs) uma ordem de
comando no sentido de que marchassem marchassem marchassem, com
indiferença, desdenhosas, afinal “Vós (elas) sois cada um de Vós seres
superiores aos demais aparentemente semelhantes a Vós; só Vós sois Vós”.
Martela-se esta que se quer impor a mais útil descoberta ao homem depois da
Vida como um inferno passando. Ora como se tivesse havido homem antes da
Vida. Marchai portanto com altanaria e poder  há de completar a engrenagem
 pois que nada é como Vós senão no campo do que aparece. Vós se sois
massa, atendei, soi-lo no estereótipo. No império do aparente ocorre que nada
haveria mais válido que recorrer à aparência como argumento intrínseco a que
se apregoe a supremacia desses “Vós” em face dos outros “vós” em quem não
incidiria nada exceto aparente igualdade. Cada homem  é esta uma das
marcas deste hoje  se sente superior aos outros idênticos que com ele
compõem a Massa rude. Só não saberiam dizer (talvez falar saibam, dizer com
mais dificuldade, mas ainda assim poderiam: nunca entretanto acreditar com a
alma) por que superiores, a despeito da massificação a que se submetem como
tolos indefesos. Em quê, superiores?
Como dizia, é por isso que não é raro que me surpreendam apreciando
as pessoas como se estas tivessem recém-saído da máquina do tempo: este
fascínio e esta adoração pelo tempo de hoje, após passada a ressaca intelectual
e bela que foram os anos 80, parece ter vindo em crescença a pouco e pouco
pelas pernas dos 90, e chegou, agora, de um modo ainda mais postiço e
engraçadíssimo do que o foi nos primórdios dos 20, 10, 00, nas pontas (como
fogo-fátuo) dos tentáculos azulados, expirando santelmo como pirotecnia
acerba. Quando os computadores confundiram 1900 com 2000 (isso teria sido
o perigo do século), estavam muito mais certos do que pensávamos que não
estariam: há uma ânsia pelo 0 que nos fez homens fascinados com tudo o que

81
já havia (outro paradoxo, uma vez que o fascínio é permanência no escuro,
como se fascinar com algo já tão às claras e já de há tanto?); dando-lhe novas
roupas (até nem tão diferentes daquelas com que iniciou o século, no mesmo 0
que ora busca), roupas que em muito se assemelham aliás às dos 70, uma vez
que estaria aí a semente para os humanos 80, em que se sentiu novamente o
homem como homem, o homem, o de hoje, em nada se diferiria de um alguém
entrado na máquina do tempo: retrocedeu horrores, e por isso mesmo pensa ter
avançado. Ó Vós, vosso impulso não foi para a frente não, cuidai que estou
certo.

Janeiro, ou, simplesmente, 01.

Muito menos foi para trás, porque se o tivera sido garanto que teríeis
alcançado o princípio da espiral acronológica do mito da escatologia. Isto é,
teríeis podido reiniciar  como oroboro , em espécie de acróstico de vida, a
cosmogonia vital das artes humanas todas. Foi vosso impulso para baixo, nada
nada ctônio, se aprofundando ainda mais no mastigado e repisado “mesmo” de
que pensais estar fugindo. “É preciso distância!”, gritais. Mas distância para
baixo deixa criticar, avaliar? Sim, por isso preferistes tal modalidade da
distância, pois sois pigérrimas criaturas que vos contentais com alimento
ruminado e maturado por outrem como base de vossa ração diária, como pão
vosso de cada dia, e dizeis “sim” a tudo o que se mantiver estagnado na lama
fétida que por ela se metamorfoseia em rã (castigo de Zeus àqueles insolentes
símeis que se recusaram ao auxílio aquático à esposa Leto  de quem falarei).
Penso que em alguns casos  mais críticos  achais ser essa lama aquela que
após o dilúvio cobriu de fertilidade a terra, dando-lhe, até, a serpente
fantástica etc. (de nome Píton), lama de que sobreviveram Noé, sua esposa
sem nome, Deucalião e Pirra. Todos nós também, vomitados pelos Titãs
contendo a súmula benéfica de Baco (mas a insolência para a hýbris dos
mesmo Titãs) e sacrificados  por isso renascidos , depois, na cruz de Jesus
Cristo, o Messias Judeu.
Vive-se no Império da liberdade, onde qualquer um faz o que entende
estar correto (palavra diáfana), com a única justificação legitimadora de fazê-
lo por estar satisfazendo a si mesmo (eis o “correto”). E com isso recebe o
carimbo da licitude. As culpas, e os remorsos, dores morais? isto não há, nem
deveria havê-lo, uma vez que são antípodas  eis que por isso mesmo ainda
existem no penumbroso fascínio, pois sem eles o prazer minguava  do
hedonismo de si mesmo, como que morrendo envenenados pelo gás que

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emana das próprias ilimitações, ou alimitações, ou dislimitações. Pois a vida
(arte não raro) nasce da coação e morre da liberdade. O excesso de liberdade
ou leva à morte ou ao nada ou ao reinício coagido que é como o caos primevo
a fonte infinda de tudo o que há, pode haver. Ou ainda à postergação dessas
três possibilidades  tendo sido essa a vertente escolhida pela Massa  até não
se sabe quando, que foi o que ocorreu no momento em que o impulso vital
resolveu se embriagar das águas do Letes, e descer, descer... crendo tolamente
que é para baixo que se vai rumo a respostas. Descer descer. Quem sabe
Estige aonde só Íris poderia ter ido... Adiou a saída mais natural e está lá como
um ovo cozido quebrado sem gema e quicando. Géia e Úrano pedem para sair
das cascas de tal ovo assim como o próprio Amor (Eros) saíra. Graças aos
deuses enlouqueci a tempo da lucidez.
Oroboro. Prever-se-á, pois, que, como no rito de um ano novo, januário,
com Jano por perto, o excesso de liberdade dos significantes, das formas, a
ausência esquiza de conteúdos é a porta ou o Portal primeiro para o
surgimento de uma personalidade (evoco agora pela primeira vez a
emergência de Indivíduos em meio àquela Massa rude) que, em tamanho grau
de alucinação (ou Lucidez, como se queira), haverá de poder sozinha
distinguir a enormidade do lixo infértil que a massacrou... (Massa, Massacrar)
podendo enfim coagir com a mera autoridade presente as formas demasiado
livres e infrutíferas, estéreis? Aqui se reinicia a coação. Como tinha que ser.
Dar-se-á momento entretanto de puro intervalo, como Brahms soía fazer,
Chopin, gênios...

Luzazul.

Decerto é a expressão mais perfeita havida na minha língua, porque retine


em meio a obscuros “uu”, o “l” líquido e o “z” palatal em São Sebastião 
Oxóssi  do Rio de Janeiro, um “Á” de esplendor negro e faiscado. E, afora a
mera estrutura, forma, possui o significado, ou conteúdo, FUNDO, exato que tal
estrutura impõe. Materiem superat opus. É um palíndromo só por isso é
perfeito? não: é perfeito exatamente porque não teve o mau-gosto de vir
entrosado em sua fonte radical o fim das possibilidades aviltantes que
transportaria, quem sabe? Não pediu  como Dafne a seu pai, rio deus Peneu 
que a transformassem em qualquer coisa para fugir de algo a ela estranho (o
Amor de Febo, Apolo), e por isso deixou de ser a “árvore favorita do deus
favorito de Júpiter com Latona-Leto”, me parafraseio. Nem foi qual Aretusa
em fonte, Io em ovelha, Calisto em ursa maioral e mais tarde em constelação

83
com o filho caçador, nem hamadríade, nem Tisbe morta com Píramo em amor
vermelho ou amora de sangue, “cerejas púrpuras nalguma pintura”,
parafraseando Camões, nem o que quer que seja, Céfalo e Prócris. Não!
É luzazul, virando.

Matéria-Movimento.

Houve um instante  um instante entretanto  em que o tempo estancou do


modo como a ferida esgarça jorrando na hora do contato com a faca que a
fendeu, igual à racha de um terremoto abrindo. Antes de ela ser havia se
manifestado na sala o quão desconfortável o frio excessivo será. Uma lareira
apagada, as paredes pardacentas, e limpas, o lustre estremece com vento  que
não há , e não estremece e a sala é limpa e intocada, muito branca, muito
branca, pelo tempo inexistindo e chove. Não existe tempo nem existe som
porque não existe a pessoa que os possua, nada excessivamente delicado ou
grosseiro, tampouco, se apossa da soberania do tapete persa  Persa  e
desfiando de uma sala assim tão  ao mesmo tempo  arrogante, tão pobre. De
um silêncio prolixo, pássaros haveria? Três quadros em retângulo esboçam, no
seu conjunto, uma pirâmide estilizada com três pontas de ponta-cabeça. Em
cada um dos quais teria havido decerto os pássaros duvidosos cujo canto e vôo
reais não se sabe se haverá... ali fora não. Quadros de pássaro, enigma,
Kerigma, céu e alma por si sós de tal forma apagados, apagados, apagaram...
hoje simplesmente não. Resta a moldura como fica a memória de quem morre.
Por que em amenidades se assuntos frívolos em toque? se o instante que não
passa é excessivo e seco por demais?  a ponto de não passar. Mas alguém,
tolo, esperaria que o vento soprasse, quando janelas perras e aranhas que
moram nelas. Há pó, silêncio, solidão, calor. E frio. O amor habita a seu modo
o jeito de separá-los: criado-mudo de mogno vermelho, mesa-de-jantar com
seis cadeiras, feita e pronta para que se coma no vazio que ostenta. Beleza e
feiúra. Conflito entre existir e ser eterno. Só o silêncio, abissal, plácida e
gigantescamente cresce, a olhos vistos, intransitivo e arrogante e solene, como
um verbo impessoal. E pobre. Muito pobre como é rica a variedade de
espécies que habitam o mar; como é rica a paucidade das habitantes da lua.
Eis uma sala que açambarcava em seus limites físicos assim o mar como a lua,

84
sua amiga esposa, sem limitações aparentes de amor, fraternidade e
compaixão. Nem um nem outro elemento toca o que passa de sua casa, mas
um e outro se beijam e tocam abraçando-se, querem-se... Mais talvez que a
própria querência haveria de supor aumentar. Aumentar aumenta: o silêncio
petrifica o sofá de linho, intolerável. Silêncio maduro, amarelo já, sumarento e
esfumaçado. Nada, nada de tédio ou excitação. Mas palor um tanto rosa a não
ser visto, não se tendo, pois que sentido! Sente-se, que a casa é de alguém,
alguém a faz em coerência e amor. Ouve-se uma terrível luz amarela com peso
de quem tem cheiro de fá maior (como a Flauta), modulando para tonalidades
de azul, violeta e jasmim... rosa e preto salgado azul e branco.

Nada.

Substrato mais primitivo. Causa e conseqüência de todas as coisas. Realidade


apreensível mais imediata e escorregadia. Após percorrido exaustivamente o
Tudo, chega-se à sua conclusão única: Nada. É como atravessar a densidade
da terra  planeta  e sair do outro lado. Garras da existência sensível
imaginada... nada... nada... eco. Latência. Realização. Princípio e Fim. Bem e
Mal. Além deles... Homem e Deus. E Homem. E Deus. E.

Ovo.

(Só um pequeno desabafo: ab ovo porque quem domina as origens domina as


forças latentemente cósmicas  Epifania!  que lá irromperam com
vulcanidade. Eis a metalinguagem completa deste livro: a quantas veio!

*
* *

Bem, bem, bem... há duas fases igualmente importantes para a


consolidação da existência de tudo o que existe: a fase da vivência e a fase da
inteligência. Digamos que ver e olhar. Isto é, primeiro se adentra
incoerentemente na res, depois desta se traçam espécies representativas, com
coerência e forma. Ou Forma  porque mais importante que a essência dessa
res será sua forma  ou Forma.

85
A diferença decerto entre o louco e o lúcido, plácido, são, é que aquele
permite, louco, cheio de conivência e estrutura, que a primeira das fases se
instaure e edifique, ao passo que este último (já se disse bem ao se chamar de
“último” o “lúcido”, que vem de luce em latim, Luz, a grande das grandes
rupturas Deus/Homem) quer, logo, partir à segunda fase, porque não aceita
que antes de entender tem que ter vivenciado  e não entendido mesmo! O
problema do louco, entretanto, é que, uma vez tendo de passar da primeira
para a segunda fase, nada se lhe dará... E, então, pobre diabo, de suas linhas
desconexamente coerentes só restarão linhas coerentemente desconexas.
Morre-se afogado na profundidade. Potência semiótica in vitro.
O lúcido não se sente confortável no mundo das vivências, e o pula
(tenta) direto para inteligi-lo, quer coerência a todo o custo, antes de qualquer
coisa, o que não conseguirá por não ter assimilado a matéria bruta na
qualidade, preliminar, de matéria-bruta, incompreensão; ou de matéria bruta
mesmo, vamos com isso. Assim será, igualmente, ineficaz, porque descrever
ele descreve, sim, mas com tanta superficialidade e aproveitando-se, por falta
de recursos  que teria conseguido colher no meio do caos ininteligível e
cósmico (total, porque antes de fragmentar-se toda coisa é um Tudo) , de
tantas ferramentas caquéticas e obsoletas, ou usadas eficazmente, mas para
fins outros que de forma nenhuma aquele, que, pobre diabo, de suas linhas
coerentemente desconexas só restarão linhas desconexamente coerentes. Este
morreu também, por agora intoxicado com seus gases diáfanos de superfície.
Ou bem abstrato sem concreto, ou bem este sem aquele. Um é terra e
água; o outro fogo e ar. Busca-se o equilíbrio entre a loucura e a sanidade,
ponto de partida para o conhecimento e a descrição, conseqüente domínio.
Digamos que um éter metálico, feito de amor, de saber, simplesmente feito de.

Pérola.

Permito-me uma experiência insólita e distinta, embora nobre. Trata-se de


uma atitude que eu poderia nomear de mágica, indevida, poderia nomear de
qualquer coisa porque nome não importa nunca à essência eterna da coisa, que
pode, inclusive, existir sem ser.
Por exemplo este verbete  pérola , que o é, mas é para falar da
resignação.
A primeira coisa que me veio à mente com um significante tão significativo
(perdão em nome do trocadilho), mas que redondo mesmo, branco de ovo, o

86
primeiro foi a questão de uma grande e negra e poderosa bruxa. Ocorre o
seguinte, serei conciso:
Começa que a maior palavra da minha língua o é em significado,
conteúdo, essência:  é (ou não é?), nem sendo em físico e asséptico som
grande realmente, mas surrealmente.
Dessa forma que o ato de resignação é a mais poderosa forma de
verdadeira rebeldia latente e virtual e, ao mesmo tempo  a única delas ,
concretizada. Nenhuma outra rebelião é tão ao mesmo tempo interna e
externa, ou talvez demais esta por sobejar naquela, ou quem saberia? Sei
apenas, o que já me é bastante, que todas as coisas do mundo, sei apenas, à
medida que evoluem, foram buscando sua forma linear e simples de
expressão, porque estar truncadamente expresso de certa forma, definitiva e
letal, atravanca igualmente o conteúdo interno que se queria mostrar. Assim,
há uma noite que só pode ser não evidenciada mas mostrada de fato pela
existência precípua do dia? Parei, repare bem, de falar em contrastes
necessários, imprescindíveis, olhe que por ora falo é da importância do
veículo, o fato, meio com que se chega ao fim. E que o fim é o próprio fato, ou
em suma a suma de seu próprio desregramento, que é, por fim, este fim, agora
reorganizado.
Qual é o fim? Sei que este poderia ser o próprio veículo, digo, aliás já
disse de mil outras formas distintas, ser o caminho, ou ser o caminhar, ou
simplesmente  ser.
O que me parece é que este grande estado de ação estático-dinâmica,
que vem a ser ser, é a justa soma do total e das suas partes componentes. Por
isso as bruxas, com sua vassoura doméstica, símbolo da aceitação de um
estado imposto, representam nobremente este meu dicionário: porque são
força pulsando através da resignação de um estado impróprio; e do símbolo
fálico que é uma vassoura, são elementos da maior masculinidade possível,
calcada entretanto no ato feminil de serem as mulheres que plantam,
cozinham, colhem e vivem. São os seres de beleza andrógina. O oroboro
talvez. Hermafroditas. A mulher é sempre e em tudo, por todas as coisas do
Universo, o ser realmente superior. São a luz, são a magia. São simplesmente
A.

Quintessência.

Primeiro se pergunta algo para se preencher de resposta o que ficou


cavado, ou existirá de antemão a matéria  concreto-abstrata  a pedir
implorando que se lhe cavem nichos para seu próprio descanso eterno e

87
imutável? Quando baixar à campa, esta resposta será, então, afinal, o que
pensou ser necessário: a essência resposta-pergunta indecomponível. Penso
que uma pergunta vem depois de uma resposta, porque esta, ao ser, apenas
exigiu rapidez para a existência daquela, que no entanto às vezes nem rápida
consegue ser. A resposta simplesmente é, e como o ser precisa existir (isto
quer dizer: a essência, o conteúdo carece de forma final, pois tem finalidade),
logo a resposta (o é) precisa de uma pergunta (o existe), senão fica sem casa e
um homem sem casa não é, porque não existe e tampouco tem. E, portanto,
preciso ter para ser mas ser para ter. Coisas ligadinhas, ligadinhas... chega até
a cocegar-me...
Mas há tanta coisa ainda sem seus nichos, pobres coisas! Coisas órfãs de
filho, de tudo! E quanta coisa havia a explodir in extremis dentro de meu
pobre coração forte e sutil, como o raciocínio mais fino e ulcerante e
espraiando-se que vicejava nas entrelinhas das certezas que eu nutrira
cuidadosamente como filhas no mais alto  e para mim até então mais nobre 
ponto de minha essência somática: o cérebro ou a mente.
Foi então quando Marcel Proust avisou, no seu francês impecável e
tortuoso, que a inteligência (meu Deus, e quanto eu a desprezara!) que a
inteligência, por não ser o instrumento mais sutil, nem mais avassalador,
tampouco mais poderoso e adequado para a captação da Verdade  ele a
chamou de “o verdadeiro”), deveria ser, portanto, o primeiro instrumento
utilizado para aquela captação  indo de encontro fatalmente à minha prédica
até agora  em vez de utilizar-se do intuitivismo desregrado, logo de chofre,
para a obtenção daquele fim.
Adoto por inteiro o que disse meu sucedâneo. Adoto mas com a ressalva
de ver nele meu antípoda (não-dialético), por exemplo, que Brahms vê em
Schumann, Mozart em Haydn, Debussy em Ravel, Bartók em Bach, Afrodite
em Hera, Zeus em Crono (e quiçá Este em Urano). É portanto  e como se vê
 uma relação que ultrapassa a de bipartições opositivas, indo além,
outrossim, da simples relação causa-efeito ou, também (e seria este o ponto de
verossimilhança maior, pelo que a muitos outros já enganou...), da existência
da mera complementaridade que se estabeleça em nexo entre dois (não se nega
contudo a dicotomia)  e apenas dois  elementos de semelhante jaez, a
despeito de análises qualitativas quanto à envergadura ativada por cada um
dos tais de quem se coseu intrincada malha. Pessoas que dizem o mesmo por
cortes epistemológicos diferentes, e necessários. Que fundem portanto duas
respostas e dessa fusão recortam nichos enviesados e avessos, perguntando. É
como fundir Amor com Ódio e perguntar: O que é Paixão? Não é a soma
exata dos dois, porque da soma exata do Amor com o Ódio só nasce mesmo

88
Amor e Ódio, mas é filho das entranhas ambas, como um filho o é tão ao
mesmo tempo o pai quanto a mãe, e também ao mesmo tempo nem um nem
outro, porque é ele. O que dilapida o “mesmo tempo” da coisa. Que nem
sequer sucessiva soube ser tampouco. Pouquinho. Não como o Euzebius &
Florestan schumanniano, mas como, numa mesma metade da laranja, o azedo
e a água, o líquido e o caroço, a casca e o movimento, o bagaço e o aroma, a
cor e o peso: o ser e o ter, o parar e o continuar, morrer e surgir.
Dada a ressalva, coadunarei, enfim, e muito provavelmente sozinho em
minha escuridão aterradora e sórdida, com Marcel Proust. Aceitarei por idônea
a sua teoria da “fé experimental” (sic), através de cuja desenvoltura  e
afirmando-se, oriundo desta, que a inteligência abdica de sua pretensa força
em prol dos veículos mais eficazes de captação da Verdade (a intuição) ,
desenvoltura que me pareceu em princípio acanhada, mas crescente a olhos
vistos, através da qual, por fim, a morte da Verdade está, com razão (veja
bem: com razão, com razão), no assassinato cônscio da inteligência, assassina,
esta própria, da Verdade.
O fato está na razão, portanto. A razão será, se me desculpam a sanidade
extrema, como o aroma é para o caroço da laranja: não se relacionam segundo
padrões epistêmicos óbvios, notórios, gritantes; e no entanto quem imaginaria
uma laranja (ser) sem um dos dois elementos relacionados (ter)? Passa que
pode existir, passa sim: uma laranja é sempre uma laranja; como um elefante o
será posto que sem tromba; um cachorro que nunca tenha latido; mas o corte
maior que abarca os elementos  as hipóstases (estar)  menores (mas que
bobagem: hipóstases e elementos são de natureza eternamente menor,
mesmo!) é, pois, o redondo. Este não não deixa de ser.
E eis que comprovo estarmos, Marcel Proust e eu, dizendo a mesma
coisa: não se dá razão ao princípio das coisas, senão que a elas se chegará com
os veículos  acanhados, incipientes e sem rumo  que permitiriam a gradação
ao auge do conhecimento humano, ou a cegueira iluminada pelo membro
binário (e agora sim dialético) inteligência-intuição, cegueira esta (cegueira
suprema, cegueira para iniciados, cegueira ímpar) que chamei (ou chamamos
nós, talvez) de Fé  a quintessência do moralismo divino. E, a propósito, nem
sempre é ao princípio da coisa que se chega, às vezes, quando já se é, partir-
se-á de um ponto assim avançado como evoluído: in medias res.

Rio pantanoso*.
*Também sobre como superar nublados. Outro pequeno apólogo impróprio.

89
Mas que amanheceu chato amanheceu!...
Chato! Gritou o grilo. Dirigindo-se, digo, ao sapo companheiro.
Como assim? Chato!?
Pergunta.
Chato é chato, vem do verbo achatar, não conhece? o verbo, oi.
Não conhecia  resposta de um batráquio em forma de sapo.
E assim começou nossa aventura.
É que na verdade amanhecera sem o sol, habitual, aquele que vem nas
manhãs  sabe como é?  catar dos serezinhos hediondos e benquistos da
mamãe natureza. Por que então existiriam dias se os havia sem o sol que nos
alumiava imperioso às vezes sim? Porque (ora) também tinha de existir a
noite, seus matizes, sua sombra, seu mistério supremo: ser cara-metade
daquele dia de sol sendo portanto escurissíssima. Assim como o menor
vocábulo da minha (e deles) é pequenininho. Tão.
Que fora hoje. Na floresta a modorra. A vandriice de um hoje tão pouco
hoje que chegava a parecer amanhã, tão chato na floresta.
Riacho, córrego (mas zinho), rios de água tão clara quanto eram
transparentes (e preguiçosas) as ilhotas: houve pânico incrivelmente sem nada
além de...
...Tédio?
Tédio.
Que dia é hoje mesmo? O grilo.
Sei lá... sapo  como ontem.
Não,como não? sim, digo... O quê?!
Diz tu.
Tu.
Á.
Ficando nessa o dia todo. Era nublado um dia belo.
Lá pelas veredas da noite, quando o mesmo dia anterior e imponente
vislumbra o sonho da própria derrocada, o sapo se entorna inteiro para o grilo
e pergunta:
O dia nublou por conta própria.
Não entende o grilo.
Poderia ter sido diferente?
Continuaria.
Ou teve alguém que deu àquele azul luz  que nós conhecemos com o nome
de céu  a vestimenta cinza-escarlate?
Foi.
Que tristeza!

90
Conhecer que acima deste cinza nunca deixa de existir o mesmo sol amante?
Conhecer que até algo tão poderoso tem seu dia de recolhimento...
Recolher-se é grandeza.
Mas é causa de grandeza?
Conseqüência.
De grandeza?
Da mesma causa...
Passando para o outro dia.

Sonho.

 Nunca mais!  Gritou; e, depois, desceu as escadas com o nariz


empinado de quem tivesse acabado de, uma vez se defrontando com
rinocerontes e abadas, vencer-lhes a fúria, malgrado chifres, ventas, sanha...
dela própria. Sem olhar para trás, chegou ao salão pequeno onde desemboca o
derradeiro dos degraus da escadaria. Tudo às pressas. Tudo seco. Apenas tudo.
 Imensa! Minha fúria é tamanha!...
Com a moral desabotoada e derretendo:
 ... que... Nunca mais!  Houvesse um coro, algo se responderia.
 Adeus.
Tonalidade azul é o que dissolve o amargor do estômago. Um
inimigo figadal e em sonho, isto a Princesa acabara de encontrar  próximo
como se lhe fora um pai  no Rei, seu pai, próximo como se lhe fosse um
sonho. Razões para insanidade, os sonhos as têm em profusão. A saber: não
houve motivos para o denodo e a sobranceria com que desceu as escadas e,
ventando, cruzou  e saiu rua afora  o pequenino salão que separa a escadaria
da porta; rua para a porta; salão; escadaria para os quartos; salão para nada. É
onde está, aonde foi, donde sairá agora.
Adeus!
Ficou tudo azul.
Silenciaram-se pássaros, se já os tivesse havido antes.
Azul.
 Um livro inteiro por dia!  A considerar o que afiança a vastidão
bibliográfica aleijadamente presa ao Mago (vide “Poluição de anjo”),
concluir-se-ia ter sido precisamente este o ritmo que lhe fora imprimido desde
há muitos anos, ininterruptos; presuma-se, até, Deus, tê-los perdido na

91
morosidade da linha do horizonte da velhice, os anos como os livros, todos
como cada um; a incluir idade, cansaço  aquilo que provém não raro do grito
“Socorro!” que damos, descrentes, embora, de tê-lo a contento , núpcias,
dilapidações. Índice remissivo. Luís de Molina, Occam, Paracelso, Pelágio,
São Tomás, Thritennius e os mais variados (até se soube alguma coisa sobre
as bodas de Lutero? heresia...), em atendendo a que a quantidade influi no
comportamento de homem letrado  ser letrado..., avesso à literofobia, de um
pouco, tudo se lhe passou em proveito pelas íris enfermiças, pela pendência
por assim dizer à insurreição, à oblação, à pré-anestesia visual, auditiva,
onanista. Hereditariedade? Legado desta? Saber de um homem é, ao contrário
do que pensas, Princesa dócil, mão cheia de pó a demarcar, deslindar,
meticulosamente, fronteiras; tijolos opondo-nos resistência cabal, qual
anteparos compostos por nós próprios.
Ironia azul. Antífrase anil. Atenuemos, litotemos, eufemizemos...
assim são os sonhos!
É isso? Se não será, já foi; com fazerem ecos de confusão em nossa
mente, esta sorte de ninharias intelectuais e muito arcaicamente artísticas e
filosóficas. Vê? “Artísticas e filosóficas!” Que despautério fazê-las, essas
palavras, coabitarem num sintagma único, quase fixo (embora fantasiado de
seqüência  não vês que é mentira? Mendax... etc.). Que aleivosia tê-las como
consangüíneas sintagmáticas. Ai! Às mil maravilhas; ao inferno com o
perjúrio, com o “falso” testemunho em prol do academicismo um tanto
mágico (pois é do Mago  e num sonho  de quem falo): a filosofia, se é que
não o foi sempre, anda uma arte menor. E, em missiva direta, ao lembrar-me
de um célebre professor, discorro: quase não me foi maior o pecado,  quase,
por um triz, não faço o sintagma-oxímoro “filosofia-arte”. Entende?...
professor?! estais onde? Vedes o que, por sorte... (“Eu diria por um punhado
de instintos superiores que de ti naturalmente evaporam, meu aluno!”)... eu...
não fiz... Obrigado! De qualquer forma agradeço.
Alusivamente à patológica arte de confeccionar dicionários (sendo
que “patológica”, em se tratando de arte, é dos elogios o maior, entenda-se),
arquitetá-los internamente  eu digo no âmbito mesmo do estofo, do recheio,
da linhagem genética, enfim ... ou melhor, de confeccionar, com o mesmo
cabedal, em lugar de dicionários reles, Tesouros (cemitérios de palavras  por
isso santos  que se pretendem exaustivos na exploração e no destrinçar de um
dado léxico), quanto à arte, mimética, de fazê-los (Lexicografia), é de
estranhar-se que não hajam pululado de buracos podres e profiláticos alguns
estudiosos da  vai uma metáfora  “Onomasiologia Filosófica”. Ai, quanta
besteira, quanto ensaiozinho não se teria podido evitar em se implantando, a

92
golpes de martelo que o seja, tal ofício medieval e bruto na tibieza da filosofia.
E, sendo mole e volátil como é... como está (isto é o mínimo!), quão
facilmente não se moldaria aquela pré-arte gasoso-líquida às fôrmas que se lhe
impusessem. Sou a favor das marteladas ostensivas e lúcidas; mas sem perder
a loucura. Se em Lexicografia podemos dar abrigo a um interesse primitivo
em se levantarem palavras irmãs de sangue semântico (Onomasiologia?
justamente partir do significado, talvez do referente, partir do mundo de
Cassirer  o dos objetos, enfim  em busca ávida de uma saraivada de
significantes, de símbolos que estejam em concerto com aquele significado
estipulado algures), por que o não termos feito à exaustão, nos moldes dos
grandes mas parcos Tesouros, quanto à desorientada filosofia? Partiríamos,
explico, dos temas pescados, e, disso (ou a isso?), retiraríamos subterfúgios
que nos pudessem remeter a uma constelação espúria, apenas com
micropontos de referência  “referência!” não prescindamos do “referente” ,
de outros temas que, embora mascarados, são sinônimos daquele primeiro que
nos foi o ponto de partida... e de chegada. “Há quem o faça!” alegarás, leitor.
Mas com tão misérrima eficácia, alego eu, com tão pouca destreza, que, hoje,
ainda, discute-se a “diferença” semântica entre temas que,
onomasiologicamente analisados, não iriam além dos tijolos demarcadores do
sinônimo substantivo, do idêntico, a bem saber. Ou é mentira? Riamos! prova
da ausência de um verdadeiro afã dicionarístico na comarca, nas orlas da
filosofia... perdida no meio do oceano, às escuras, sem farol... desde Nietzsche,
o Mestre a quem aludi há pouco e respeitoso. Falar do que falo significa dar
por falta da aplicação daquele método, fora do qual não se conceberia (nem no
estado mais infrutífero do homem  o da lucidez) a análise de certas idiotices
e genialidades correndo em parelha; fora da condescendência e justificação de
uma Onomasiologia, não se cogitariam muitos pensamentos como, mesmo
isoladamente, estremes de redundância, de perissologia, de pleonasmos...
tautológicos e devastadoramente inóspitos. Assim é a mentira filosófica.
Pretendendo-se teleológica, ó libertina santa, não passarás de redundante e
cíclica no sentido de um hic et nunc exausto.
 Pusilânime!  Em seu sonho, a Princesa gritava ao léu, enquanto, já na
rua, sorvia os eflúvios pútridos de uma longínqua plantação de berinjela azul.
Pediu, como seu antepassado Dom Insano II, fé. Pediu fé... que reverbera.
 A fé  foi respondida pelo antepassado morto há quatrocentos anos 
é apenas um sintoma da força interior. Não se busca fé porque não se buscam
sintomas; porque não existem sintomas sem causas; e fé não é causa; nem
conseqüência: é sintoma, repito.
Nada mais azedo que olores de berinjela, senão os das azuis.

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 Se existir uma conseqüência que provenha da fé (entenda-se: uma
conseqüência oriunda da mesma causa que tem, na fé, as pegadas do urso na
neve...), tal conseqüência é o perdão, indulgência, mais tolerância, menos
agressividade, mais observância, menos sensibilidade, mais libertação, menos
desejo  um homem que perdoa... mais.  Pedalou a roda de fiar.  E, por ser
sintoma, não se mexe na fé; não se “cura” fé; não se “aumenta” fé: que
médico, ruim que seja, abafaria uma infecção ministrando antipiréticos 
paliativos  que reduzissem a febre? Ou pior, qual médico, tolo, precisaria
aumentar, acirrar uma febre para certificar-se de que naquele paciente há, de
fato, uma infecção? Ao menor vestígio da força-infecção, é preciso dispêndio
maior com a fé-bre que daí promana fluidicamente? Há de se demandar maior
preocupação com um sintoma quando este, sintoma que é, já desempenhou
seu papel de indicar a existência de uma causa donde saíram ele e uma
conseqüência? (porque ele não é conseqüência) e uma enxurrada de fontes
remansosas? Outra dessas fontes é a esperança, esta é conseqüência da Fonte-
Primitiva, cujo sintoma é a fé; ela sim  esperança  é conseqüência da Fonte.
E não é com essa conseqüência que nos devemos abastecer? Ah, vá se catar.
 Perdôo-te por seres um sonho.
Ia por uma estrada com os passos doídos de quem calçasse  existisse à
época  sapatos de couro justos... injustos. O couro, não que isto não houvesse
desde então (desde sempre), ocorre que, não obstante a já existência da
matéria-prima em si, a manufatura (que é aquilo a que se faz alusão direta)  o
sapato  não tinha ainda atingido os requintes de tortura que se nos impõem,
hoje, por tais formas de masoquismo estéril e presunçoso  a matéria-prima ou
a manufatura?!  que, pior, vêm aos pares. Como é um sonho, fundem-se
conteúdo a continente; sapato a couro; lembro-me até do teu “Brocas”, Camilo
Castelo Amarelo... digo...
Neste sonho há um tênue vapor a ligar o hoje a quatrocentos anos atrás;
cheiram-se tais vapores pelos homens atentos ou conhecedores da gramática
(ou ambos)...
Em sendo um sonho que era, a ambiência pendia de quando em vez a
sutilezas impensáveis em outros pastos que não os oníricos: a luz, bailando,
esvanece do amarelo ao azul, caminha das primárias às sombreadas, sem
deixar de decalcar no sonhador, contudo, a impressão livre  e impressão livre
é sempre forte , a de que se munem os sonhos face a nós, sonhadores (de
quem se alimentam). A estrada tende ao azul, como na iniqüidade da sombra
rosa que, impondo sua existência, teima, contudo, em desaparecer, fustigando
e ferindo a visão; deixando-a órfã.
Passa em frente ao orfanato.

94
Terminando o sonho acordaria feliz.
Ou acordaria feliz terminando o sonho?
Ou acordaria feliz o sonho terminando.
Temos causas e conseqüências... assim é o problema da fé...
Porque os parágrafos estão demasiado curtos, tem-se a impressão, errada
(ao menos em português), de ter-se formado naturalmente um acróstico! Aliás,
os concretistas hão de estar detestando a configuração, a disposição trôpega
deste sonho (é que, na verdade, os concretistas detestam mesmo é o sonho,
qualquer um, esteja apresentado este como estiver). Apesar de que são os
únicos gênios que conhecem que o Abstrato sempre se formulará sólido. E que
antes de haver abstrato deve mesmo ter havido é o sólido. E que só mesmo um
sólido diáfano se presta à representação de um abstrato concreto.
Depois da estrada, posto estar agora num como que descampado, a
visão, a iminência, a espera de uma surpresa degradante é ameaça a rondar-lhe
o espírito, qual as andorinhas que, estas sim, ali sobrevoavam e pela Princesa
eram vistas. O vale é verde e, talvez desconhecedor da incongruência que isto
representa, severamente estéril. Água, se houver... água, onde houver, deve
ter-se esquecido de, generosa, vir à tona; mas os lençóis fartos onde vivem e
dormem, a água como a Princesa, têm certamente seu lado de caridade: não
transparecem, o sonho como a água, mas, lá do lençol de onde (e graças ao
qual) vêm ao mundo, de lá mesmo hão de revelar campinas verdes, estéreis,
aguadas e secas.
Pede-se veementemente perdão: isto é um sonho: vive-se em febre.
Na seqüência, uma dolce fase entre sono e vigília (há de ter batido
uma janela), vêem-se peixes voando em redemoinho alaranjado. Daí à loucura
suprema, um pulo.
Que foi, francamente, dado: uma imensa baleia, redonda porém negra,
ao som de Bellini, sobrevoa pla-ci-da-men-te... o-c-é-u-a-z-u-l..., com a
madorna de quem, nos pés, não tivesse nada, acarretando, fe-li-ci-da-de... , as
benesses, prejuízos de uma tal campina verde sendo sentida na descalcidão do
pé? Ai...Ai... Um par de barbatanas  esperando perdoarem-me os biólogos se
baleias o não possuírem , aquelas “asinhas”, enfim, que fazem do mamiferão
em pauta um, ao meu ver (é óbvio; sou eu quem escreve), animal
simpaticíssimo, aquilo girava como hélice de avião (avezão), dando o
sustentar inconcusso e risonho que configurava a aludida “loucura suprema”
que brinda com seu cerne o tópico frasal deste imenso (qual baleia), lerdo
(idem) e engraçado (ibidem) parágrafo. Este e o que lhe antecede, sim, de
certa forma.
Conquanto se tornasse interessantíssimo o sonho, a baleia pulverizou-se,
assim serôdia como prematuramente.

95
Bum!
(...)
Ai!
Zurrou, blaterou um camelo
Uma criatura corcovada e ruminante, como nós...
Lindo cogumelo de berinjela azul (o cogumelo e a berinjela).

(Acróstico à vista! Uff! Puff! Relede-o.)


Terra.

Lá vamos nós uma vez mais para capítulo inútil e com muito mais
perguntas que...
Não, não desta vez. Não. Desta vez, caros, ocorre que se trata de um
punhado de respostas muito mais prolíficas do que as perguntas que,
porventura, tê-las-iam feito. Na verdade (que grande ironia) é um daqueles
episódios da vida  em quem sempre se esbarra com o problema dos conceitos
 onde as respostas pulam, jorram, vicejam aos brados, em muito maior
profusão do que teriam vindo, é verdade, acaso tivesse havido perguntas por
detrás delas. Assim as respostas nascem por autogênese, quem sabe
abiogênese, por ausência mesmo de uma vida  a pergunta  primitiva ou
sementeira que a tivesse posto em virtualidades onde quer que seja. É vida em
vida, tão excessivamente vida (sobressacralizada) que chegaria a prescindir de
vida para ser a mesma vida que é e será. Seria algo como o estatuto perfeito da
fé, de que já falei: a grande abre mão de si mesma para continuar sendo.
Quando descubro por exemplo o que é Deus sem nunca ter perguntado o
que é Deus, será que se trata de uma resposta ou teria sido apenas o que é
Deus? Sim.
O que é Sim? Por que um Sim tão maiúsculo pode responder a duas
perguntas paradoxais a um só tempo? Porque sempre se é paradoxal a um só
tempo. E porque o fato de ter havido pergunta não legitima a essência da
Verdade enquanto Resposta, é apenas e tão-somente tudo aquilo que nasceu
para ser e que, pois, sempre foi, sempre fora. Dentro também.
Mas todas as respostas saltaram, como eu disse, exceto no que tangeria
a uma delas, me refiro a uma das perguntas virtuais existentes: por quê.
Essa, caros, acreditem, essa nunca se responde por completo, nunca é
total, nunca é perfeita, nunca nada; porque vai deixar abertas sempre novas
grandes imprecisões advindas de novos porquês e por quês, respostas,
perguntas, etc. Assim por diante. Sendo Nada, repararam que é a Pura

96
Essência do que Deus de mais Profundo nos deu a conhecer? Ele Próprio sem
precisar de sua crença, amado.
Eu que diga, sinceramente, nesta missiva, que a única verdadeira
resposta na polissêmica vida, a única real existência de vida real, vivida, é a
resposta do como, do como sou, como faço, como estou, como tenho... como
quero. Mas também aonde.
Porque além ou aquém desta verdade dolorosa, a verdade do aonde e a do
como, que não são duas porque na verdade uma só, nada existe
verdadeiramente profundo ou raso o bastante a sustentar-se ereto. E
desmorona sempre. Vento levaria.
Feito castelos de papel e areia, agregados em sofrimento de vida exausta,
perguntando-nos por quê... por quê?
Porque a única essência verdadeira da vida é a forma bela e arrefecida
através da qual se desdobra do  e talvez com certeza ao  grande e
inquestionável Por-quê.
E como isto se faz? mas será que é mesmo preciso perguntar? Mas será
que não é esta a resposta que a todo o momento grassa e grita e glosa como ar,
como água, como gelo e fogo, e finalmente como terra em nosso exterior. Isto
de COMO não é pergunta, até agora não notaram? é a Resposta Exterior.
De Terra.  A Terra.
Da Terra.

Uma carta a Deus:

I
A relação morte/agora

Uma das pessoas mais importantes da minha vida (este que é o


sobrenome complicado que Deus escolheu para Si), quando morre, morre sem
saber este quanto, ou este quão, já não me importa. Assim, depois dessa
pessoa, após ter ido inconsciente da circunstância  porventura tão importante
para mim quanto pouco importante para ela  inevitável, e que me passou a
representar antes do mais um incômodo, ainda assim, e com tudo isso unido
em feixes, a big one bundle, jurei que nenhuma outra à minha volta haveria de

97
partir nas mesmas condições. (Para mim, precárias.) Condições
desconfortáveis e pouco a pouco mais. Presentes.
Temi no começo tornar-me um grande piegas, um abraçador de pessoas
compulsivo, sabem como é?, um descuidado nos assuntos do afeto. Ou
descomedido nos assuntos do afeto. Ai quanto medo. Condições reformuladas.
Um descomedido, um contumaz. Condições venenosas e autocuráveis. Um
amoroso apiedado quanto às menores lascas que, bem, sabe-se lá o quê
provocaria em sabe-se lá quem...
Embora dominando a certeza de que a vida não raro provoca lanhões
para que se renove a celulose do espírito, de natureza perfeita e, por isso
mesmo, acomodada, e tão-só à espera do novo Impulso pela Expansão, eu
sentia-me comovido por ver tais pequenas frestas abertas intencionalmente em
almas alheias. Era preciso que, na carne, portanto, se sofressem amiúde
pequenas lesões, a fim de agitar, nesse invólucro duvidoso (e duvidante),
registros de cicatrização e de  crescença gradativa. (Pelo gradativa é que a
paciência se tornou imperiosa, aleluia.) Como o próprio tronco vai rompendo
a queratina à medida que evolui, a cobra se troca, o caranguejo despoja, o cão
solta pêlo e renova.
E a alma?
Tive medo mesmo assim de nem saber, a partir dali, medir a conta
exata (pouco mais tarde avaliei, acho não haver exatidão realmente para isso)
quanto ao quinhão de ternura que deveria ser destinado a esta ou àquela
pessoa de meu convívio, de meus círculos mais íntimos e pessoais, de minha
roda de vida, de minha própria vida, desde aquelas cujo relacionamento no
que me tange não passasse de ademanes, até as outras em quem depositara eu
próprio metade das ânsias e esperanças do meu trajeto. Convivi tempo grande
(ou alargado, porque tempo é uma só) com a sombra da ausência de medidas
para a cordialidade que despenderia. (Ou que distribuiria.) Muito pior ainda: e
a quem, repito. O medo que tive mesmo foi o da inobservância do amor.
Nessa ocasião (infância), a imagem mais nítida que rondava a minha
inteligência era a da indagação dos limites e das abrangências, amplitudes,
portanto, daquilo que se poderia chamar de crença. (Não do que se poderia
chamar de “crer”.) Perlustrei, com a mesma superficialidade, naturalmente,
que permeia a infância, as plagas solares da presença de Deus, a Sua Presença,
portanto, em mim mesmo. Tanto contemplativa quanto pacificamente; ou seja:
defrontando e recebendo.
Nunca fazendo...
Com essa investigação descobri que, se fomos criados para Deus 
Fecistis nos ad Te , é muito natural, e mesmo prudente, que nossos corações
voguem em desamparo  ... et inquietum est cor nostrum...  enquanto não

98
repousem indistintamente, eternamente, no objetivo a que estiveram sempre
destinados  ... donec requiescat...  ou melhor, indo ao local aonde devem
chegar com Bagagem e Destemor  ...in Te.
Bonita e plena esta palavra: Te. Além disso tão Deus quanto “Deus”; é o
eu a Ti e o Tu a mim.
Théos é Te? Ou esta nova confusão entre latim e grego me torna
inválido ou é o Casamento mais esperado na Vida, cujo filho é, fruto desse
enlace, Nos, as asas (e cuja raiz é por fim, e talvez, Ego).
(Alegorizei tão-somente para abarcar, com isso, nesse “vida” maiúsculo,
quero dizer, vida/não-vida.)
E daí a imensa vontade de Deus que nos carreia, o imenso  e cada vez
mais  desconfortável sentimento, sentido de que nada passa do efêmero se
não repousa na Eternidade de Deus? (Mas que Eternidade se o que nos aplaina
é Passagem pura?) E ainda que certamente o que não adviesse daí seria apenas
gozo, mas nunca plenitude, apenas alegria, mas nunca felicidade? Tempo? Ou
Graça? Porque afinal, vais negar-me, Ó, a passagem que aplaina o corpo
aplaina a alma? E por quê?! se esta é tão eterna quanto aquele é efêmero? Por
que aplicar em veículos distintos  embora casados  estratégias idênticas?
Porque são casados? Porque o que Vós unistes não separará o homem?
 Intellige ut credas, crede ut intelligas!
 Que a gente entende para crer e crê para entrender, sei lá, alguma
coisa...
Disse-me, nesse instante, aflitivo instante, igualmente tão cheio de
instância, Santo Agostinho, não sei se irônico ou se apaixonado, nem sei
tampouco se a comiserar-se ou se ardiloso em excesso, não sei se ainda na
África ou se já em Roma ou aonde mais tenha ido o Hiponense Misógino, ops.
O fato é que já disse (felizmente não quis se arvorar ao aprendizado daquele
idioma que eu tampouco: grego) em latim, que, este, entendo bem:
 É preciso compreender para crer, e crer para compreender.
(Ora, que busca é a maior da Filosofia senão que a da Felicidade? Leia-se
a Ética, depois a rasgue.) Se a Filosofia é decerto a ordenação lógica de
pensamentos ditados e abonados pela Razão  ou Inteligência , é dela,
realmente, que se originarão os Mistérios cuja revelação é intrínseca? (Ou
seja, só é dada aos que em contato íntimo  Te  com o devastador Sol de
Deus, que não deixa nunca de ser Razão.) Ou é esta Razão um princípio da
generosidade e abundância divinas, portanto sendo tão Mistério quanto o é
este próprio, e, pois, imperscrutável?
Nem apenas o amor é o sentido ou a mola para a vida; mas o seu freio, o
seu cavalo-de-batalha: Arte citae veloque rates remoque moventur, Arte leues

99
currus; arte regendus Amor  disse Ovídio, discordando de mim, em sua Arte
de Amar. Traduzir-Vos-ei, deste e de outros remoques, assim, livre:

Por causa da Arte é que barcos vão no mar


vogando com remos e com vela,
também vão os carros, por causa d’Ela,
mais ligeiros no caminho a deslizar.

Não este amor.


Pensei, em muitas circunstâncias, em tantas quantas as de que guardei a
recordação rara que me aflige e liberta, estar sendo excessivamente fraternal,
em outras, compassivo, cheio de indulgência e, até,  um tanto ausente.
No intervalo da esperança, descansei. Minha expressividade começou
a dar sinais de cansaço, ressecando-se e querendo  o que eu imaginava 
querendo esmorecer, naquela fatia de esmorecimento último e definitivo: a
indiferença.
Pois assustei-me sobremodo com essa nova característica que se me
impunha de alhures. Chego a pensar que é como o influxo do abjeto,
hediondo, hórrido, nefando sobre mim. O mais assustador porém foi a
constatação de que: oh, aquele nefando, de que nem mais aquele nefando me
assustava... Sem reticências.
Ah como eu quis o privilégio de uma criança ou sua voz ensinando-me:
Tolle, diria, lege!
(Um dia uma criança, muda, segurava uma placa na minha frente:
“Água: elemento vital para a vida na Terra”. Elemento que eu sem saber
desprezava... Cada um tem na vida o seu tolle-lege; mas alguns simplesmente
não olham, embora vejam, não dispõem; ou não querem. Ou não sabem.)
Ou não crêem.
Mas é preciso.
Em muitos casos, nesse intervalo, meu maior pensamento foi o de que
minhas fontes haviam secado, ressequido, decomposto, falhado. De que meu
rio, endorréico, sumira, adentrando por um filete pedregoso de argila e seixos,
terra abaixo. Ou de que esse mesmo rio enveredara por grutas insólitas, um rio
criptorréico, um sumidouro, um enorme, agora, nada. Apenas o que eu via
eram ausências, apenas ausências e  mas isto quando a fartura teimava em
prevalecer  a sombra dos momentos passados de abundância e alegria. Não
existe futuro.
Cada vez se tornava mais insuficiente, para mim em meu estado,
estado nada enfermo, saciar uma tamanha sede com a sombra dos momentos
passados de abundância e alegria...

100
Era irônico saber que o apogeu do presente sempre haveria de possuir
raízes agarradas no passado. Saber que o futuro nos pertence de um modo
misterioso (portanto revelável). E que tudo isso não passa de alegorias para a
única coisa que realmente (e a cada momento de novo) temos de nosso: que
era o presente. Ou, melhor dizendo, o instante-já. (Sempre haverá Clarice
Lispector para dar cabo do assunto? será possível?) Irônico também saber que
neste exato presente é tudo a um só tempo resultado e origem. Deixai-me em
Paz. É o que sou, uma aluna disse para mim.
(É por isso que a morte vem a ser tão suprema: sendo, como de fato é, o
resultado máximo da vida, como não percebermos que acumulará, aí,
igualmente a origem máxima da mesma vida que, disfarçadamente, oculta sob
seu manto de luz branco-negra.)
A morte. Não foi exatamente remorso ou ressentimento o que tive em
relação à pessoa que se foi daqui (para aí) desprovida de uma ciência: a de sua
importância em relação a mim. O que senti foi apenas vontade de rir, não de
ir, mas de rir, porque acreditei que aquela informação teria, para ela, e em
algum lugar, serventia, valor, causalidade.
Eu, todavia...
Nunca, durante esse tempo todo, nunca deixei de crer na vertente
oposta a tudo o quanto pensara (inclusive no fato de eu não ter sabido medir a
real relevância da tal pessoa  Fulana  para mim), sem que tal modalidade,
entretanto, pudesse interferir no grande desfecho de todas aquelas rebeldias
constrangidas e taciturnas.
O desfecho foi a silenciosa resignação.
Mas se posso avaliar, depois de tanto pensamentos  e de tal
experiência parca , o quanto se pode ser cordato e a quem se pode doar essa
cordura? Não.
Ninguém sabe ao certo. O certo é que nada é para agora. E por ser agora
a única realidade que existe, nada é digno de causar-nos apreensão ou
desconforto.
Espero sinceramente que eu nunca venha a saber a medida do amor. E
que essa inconsciência me seja sempre alimentada com a própria condição
humana. E por fim que todas as pessoas recebam de mim a mesma dose do
máximo que eu lhes puder oferecer inconsciente. Mas que seja este máximo
sempre inofensivo... Porque entre a Morte e o Agora só existiria ou
sobreviveria o Amor. E que a doação por fim seja tão vasta quanto minha. E
só Ele, o Amor, explica.
Mais nada.

101
Ver ou saber?

Um dia eu punha final e felizmente o último ponto no meu incansável


capítulo de gramática e filologia versando longas horas sobre semiótica. Na
minha  na minha não!  não poderia faltar, eu pensei, alguma exegese com
tal cunho, me sentiria eunuco, manco, me sentiria desprevenido ante a sanha
da Comunidade Acadêmica, por quem tenho apreço. Tenho certeza também de
que dedicara com fúria mais de quarenta páginas à análise, gloriosa análise e
sígnica, de um vasto em conteúdo, curto porém em forma, poema de João
Cabral de Melo Neto. Minhas mãos talvez só tenham tido igual habilidade na
Appassionata  vão me desculpar a imodéstia  ou mais ainda na Après une
lecture de Dante, que eu dominava com tal tensão, que ouvi, em um concurso,
concurso em que fui o vencedor, Iara Bernette mencionar a meu respeito que
lhe parecera estar ouvindo (e vendo, disse ela) o próprio Liszt, em sua frente,
garboso, grande, ele! A propósito desta mesma sonata infernal, sim infernal,
me pareceu, desta vez a mim, porque evoca em seus muitos acordes cheios e
ubíquos a geena, me pareceu no dia da prova em que a executei com desvario
e fervor que a audiência estivera aprisionada em ferro durante a execução 
sumária  a que dei guarida, proteção. Depois da qual cheguei a ter sentimento
de culpa já que admirara desnorteados os circunstantes todos presentes  e a
um tempo ausentes, talvez de si mesmos.
Pois eu ia me enchendo e enchendo, e enchendo. E enchendo...
E enchendo.
Até que num relance me espetava com agulhinha tonta que vazava ar a
não poder de tanto... Ar...
E eu quero recolher-me sem ninguém. O que me importa é aquele
imenso pontinho prendendo a respiração da minha análise semiótica de João
Cabral de Melo Neto. Dante é Dante, Beethoven também é. Mas havia o resto.
Como faltou pão, preciso ir à padaria, preciso a pé, obviamente,
porque perna é para andar, não obstante a pequena distância que não convida
ao curso ensaiado. Vou sim sim, vou.
Dou de cara na rua com uma senhora grave e cheia de má-vontade na
vida. Recuo de poder olhá-la de longe sem ser ela, entretanto. Mas que espécie
de pássaro é aquele que voava sem sair do chão? uma galinha presa na
circunstância impossível de ser ela própria. Ai, tem um cachorro latindo
(ainda bem que o que faz é latir), um gato miando, mas miando mudo, boca
aberta, preto e enferrujado no portão, rangendo, fechava, em arranhões
sonoros íntimos. Um grande e azul dia era tão ostensivo. Um grande e azul

102
dia. Era tão ostensivo que ofuscava. Se Deus o visse, revolver-se-ia em Seu
Trono de Ouro todo o mais. Espero ter sido reverente o bastante, maiúsculo o
suficiente. Não fui, quero ser claro como o dia, irônico; fui natural. E natural.
Uma frase que venho precisando bradar há tempos:
 Eu sou bonito, sim. Não sei se  mas acho de cara que não  houve
quem tivesse tido a coragem de falar isso de si mesmo. Qual a obra em que o
autor  não o personagem  em que o autor tenha tido a desfaçatez de dizer,
de si próprio, ser bonito? Talvez num excesso de revertere ad locum tuum, ou
de puluis sumus, sei eu lá mais o quê!, não queiramos elevar nossas virtudes a
nada além do rodapé de uma casa, e demolidos. Tenho tanta beleza quanto é
aberto o espaço que lhe dedico exaustivamente: muito, portanto muita! E a
quero espalhada nas mais multiformes presenças, pelos mais dessemelhantes
rincões.
O certo é que quando me faço uma pergunta é criado o nicho vital para
que eu passe a saber o que não soube até então. Não saber é metade, no
mínimo, do espaço consagrado a saber. Quando pergunto, por exemplo, qual a
razão da vida, falta muito pouco para sabê-lo: apenas, para sabê-lo, basta sabê-
lo, apenas, o que é muito pouco,  agora é muito pouco tão pouco que há de
ser esta a razão de não ser encontrada (aquele tédio típico do final da
empreitada bem-sucedida). E se tivesse sabido numa espécie de chute da vida,
que é coisa que também acontece, decerto este conhecimento não seria tão
forte e pungente, pelo simples fato de não ter tido o seu nicho cavado, com dor
ou sem dor; o que importa, agora, que o preenchi fartamente? Assim preparar
o terreno. Ele floresce, flora, visível e para sempre mais. Preparar o terreno.
Adube-o mas deixe que adversidades se encarreguem igualmente da
abundância  isto nada tolhe  da colheita.
Foi um dia de alívio observar que a vida era simples, homens simples, ar...
simples, natureza, muito simples; Deus. Simples. Sempre quis ser reverente ao
máximo sem ferir a lei, nem a da gramática: fui maiúsculo sem feri-la, e
prestei minha reverência de forma a obedecer-lhe ao máximo.
Só pude ser paciente e paciente. A palavra que mais soube repetir nos
últimos segundos foi esperança, esperança, repararam. E todas elas se fundiam
no ar como graxa celestial  como!?  que teriam sujado os anjos mecânicos
de trabalho. Gritei e gritei e veio um cheiro de extremamente vazio,
limpíssimo e pronto, pronto, para receber o âmago de uma essência misteriosa.
Foi a frase mais longa da minha história.
Também há tal possibilidade: a de criarmos ou termos criado
inadvertidamente um nicho mas sem sabermos para quê. Não será perigoso,
não, não será. Ou deveria isso ter sido uma pergunta, também? Desde que

103
tenhamos a paciência e a esperança  assim  de enchê-lo com o que não
conhecemos.
E não conhecer... como às vezes é bom, às vezes é também a única
resposta que preenche, de vazio, o vazio criado pela própria mãe que a deu à
luz  a pergunta. Este misterioso Eros que se alimenta de mistérios e
nascimentos.

Xis.

E ainda porque permanecerá esta incógnita. Parece-me que a Lucidez


Primitiva  embuste, insurreição, obediência?  tão-só a um tempo seria
estado de iluminação prévia que, em poucas palavras, consistiria na exata
conjuntura de que todas as coisas (num indecomponível estado originário e
Total) primeiramente são vistas para, só depois, e aí sim uma a uma, serem
olhadas.
Esse fator é possível que conte com variantes extrínsecas (como teria
mesmo Maquiavel chamado?... Acaso? pode ser que Sorte... Fortuna)
porventura mais nítidas que as interiores (Virtù, disse nosso príncipe). Ou
seja: que não deixaremos de notar (sentir) as tentativas, muitas e desenfreadas,
de causar não sei se avarias, se melhoras, se reparos na incógnita X, o saber
(notar) antes de ver (sentir-fazer/descrever). Ou, melhor dizendo  e
aprimorando o verbete imediatamente anterior a este a que damos azo , o ver
antes de olhar.
Até por estarmos tratanto de Matérias distintas, os dois verbetes gozam
de autonomia (epistemológica, é evidente), podendo, por essa razão,
permanecer incólumes em seus campos de atuação e domínio. Um só vai
interferir no outro a partir do momento em que se queira tal interferência; mas
esse que é querer não raro é também que destitua  ou talvez por isso  do real
sentido intrínseco os conceitos a que se dêem crédito e valoração. (É esse aliás
um dos males mais recorrentes na Filosofia, na Teologia, em tudo: a tentativa
de inoculação artificial, em ostras filosóficas, por exemplo, de anticorpos ou
antígenos teológicos, o que daria uma Pérola... Como já disse Beethoven: Ora,
mas há gemas sobremaneira mais interessantes que pérolas. Por que pérola?)
Se por exemplo uma esmeralda é muito mais rebelde e grosseira, ou um rubi
lascivo. Quem desconfia da serenidade vulcânica das águas-marinhas, um
topázio quebra o enjôo e ninguém ameaça com brilho a um diamante solar,
que simplesmente é?

104
Zero: Zona de passagem.

Assim, damos por findo nosso glossário. Agora o que se fende nele é
apenas a estreiteza da entrada para um decurso já tão imaginário quanto
factível e, talvez, realizado. Perfeito ou perfectível é tudo aquilo que se faz
terreno pronto para a expansão, promovida por outros. Perfeito não é terminar,
é inacabar mas sempre... como prontidão acabada interminavelmente apta a.
Não ser pronto necessariamente por, mas pronto conclusiva e abertamente
para. O por da coisa desimporta rude quanto ao a da coisa: a quem, aonde,
assim (paralogismos guiam-me). É como um querer a, precisar de, recomeçar
com, enviar-se por, persuadir-se em. Agora releva-se importante o por. Antes
não. É um por semelhante ao em. Enfim o interminável da coisa por que. A
solicitude eterna em que. Mas tudo é interminável.
É este último e derradeiro verbete  “Interminável” a suma de todo o
nosso Livro. Não passa disso. Nem quer passar. Todo discurso sobre Deus
será sempre em vão: porque ou bem é sempre assaz inferior ao Tudo que Deus
representa, em Sua Imagem, que é o Tudo que Deus é, não alcançando, por
isso mesmo, essa Natureza Divina; ou bem porque, sendo Deus também o
Nada, uma vez que seu Prana Vital foi soprado sobre Nós e Ele, por ora,
apenas descansa, retirando-se e regozijando-se, qualquer palavra que se
proponha descrevê-lO acabará ultrapassando em sua linha geral  excessiva,
dessemelhante, forjada  esta Sua Natureza de Agora, sendo Imagem,
portanto, exagerada, surreal. Idolatra-se em qualquer Circunstância... uma vez
que: tudo são Imagens?
Falar sobre Deus é Tautologia Divina: Deus é Deus. Eu sou o sou Eu.
Nada é tão Tudo que O definisse porventura, porque Tudo é uma definição
Perfeita para o Nada que O corporifica e que é por Ele corporificado?
Estanca. E Acaba. Volta. I-

105
APÊNDICE:
NOTAS BÁRBARAS.

4 de novembro:
como numa espécie de folha, diário.

Estou abertamente, francamente louco.


Não. Eu não pareço um petardo, um copo com trinitolueno, ou tampouco
uma dinamite com pavio molhado...
...mas quase a ponto de secar...
Sabem de uma coisa? em definitivo começo a perceber que vou precisar
seguir as anotações do que me vem acontecendo ultimamente. E neste
ultimamente, em que caberiam talvez uns dez meses, pareceu-me não ter
havido mensuração mais precisa para o tempo, tempo em que tudo o que eu
sou começa a querer vir mais rapidamente à tona, como que impelido por uma
alavanca estreita e forte que nem eu próprio saberia dizer onde teve sua
origem. Nunca me lembro de ter “tido” um tempo de certa forma tão exato e
contável como estes últimos. Ou nunca um apuro tão inflexível para medi-lo.
Exatamente do dia 15 de agosto, antevéspera do meu aniversário, para cá,
entretanto, o que posso dizer? que tudo repentinamente toma um rumo que sei
ter fugido de minhas mãos, de meu alcance, de meu poderio bélico-passivo. É
como se a bomba finalmente resolvesse explodir, fazendo-o com civilidade e
destruição, num traquejo de amor. Uma bomba que estremeceu, ruiu, marcou,
pressentiu. Quebrando, mas espalhando muito pouco, para eu ter material com
que reconstruir minha saga. Meu campo de batalha foi o “mesmo” de antes,
com o “mesmo” material de antes, porém que reorganização passou a ser-me a
meta. O que uma bomba não pode fazer!... Desculpem a franqueza, a
simplicidade da metáfora da bomba, mas foi exatamente como se um gatilho a
tivesse detonado em um segundo apenas. Bastou um, um segundo.
Mas foi eterno. O cras que ela fez quase levantou  ou levantou de
fato  o Guerreiro que pisa o corvo, subjugando-o e dizendo: Hodie!
Tenho ainda gravadas na carne as máximas de uma religião inteira.
Mas de fato é preciso ser hoje. Sinto-me de certa forma irado e saúdo as
palavras de Gandhi: “A ira controlada pode converter-se numa força capaz de

106
mover o mundo.” Será que o Gandhi nem se diferia tanto assim da minha ira,
que eu julgava tenebrosa (mas é) e terrível (também)? Só me faltaria, então,
dar a ela o “controlada” da coisa. (Porque cá entre nós, ter consigo uma
dinamite não é tão ruim... Em primeiro lugar porque só tem quem pode, não é
para todos... Imagine: ter uma dinamite e não saber usá-la...) Por exemplo
comecei a me lembrar que, se não fosse pela imensa raiva controlada, o Leão
da Neméia, invencível, jamais teria sido ele próprio controlado por Hércules.
Não foi a força, foi a raiva controlada, canalizada. Ainda lembrei-me de outras
palavras de Gandhi: “A força não é atributo físico, mas vem da determinação
férrea da alma.” Ao transformar raiva em força, sinto ter adquirido não só
motores a explosão, propulsão, mas também a vapor, com pistões rígidos e
flexíveis como braços. Também me lembrei da música do Milton “Solto a
voz...”, em que com o braço (oh ele!) se faz o viver... Com o braço, que é filho
da alma, tanto  aquiete-se, menina  quanto a mente.
Pois de volta à bomba, hecatombe implícita.
Eu vi meu mundo passado ruir como um edifício de vinte andares, à
terra com a facilidade que um pássaro tem para voar. Eu vi, ou melhor, eu revi
cada pessoa que se aproximara de mim com o olhar novo que, daquele
maremoto em diante, fez de mim próprio uma pessoa nova. E como não
mudar enfoques quando todo o meu corpo, incluindo minha visão, havia
mudado?
Não sei exatamente o quanto. Nem sei se de fato mudei, ou se apenas o
que fiz foi entrar num eixo que eu nem sequer sabia que existia. Em vez de ter
mudado, penso que agora sim permaneci aquilo que sempre fui. Ou seja, não
mudei, mas só agora. Isto é o que me pareceu mais de perto: entrei numa linha
férrea, como um trem, que ia enferrujando no meu centro, por falta de
cuidado, e que, aos poucos, por força ou por rebeldia (muito mais
provavelmente pelos dois), começa a desvelar-se meu único caminho, quer eu
o quisesse, quer eu o tentasse, ainda, evitar.
Não, evitar não é mais possível, é como querer evitar o trajeto de um trem
com as mãos. Agora, sinto que só o que me restam são as mãos. Não disponho
mais da força da mente contra aquele trem em minha vida. Apenas disponho
da força do braço. Que é força da alma. Enquanto eu era resumido e
arrematado apenas e tão-só por minha mente, ah era um tempo em que aquele
trem, se andava, andava de passo a passo, quase parando, enferrujado em sua
linha enferrujada, porque a mente sim tem força bastante para atravancá-lo,
impedir-lhe o trajeto.
Mas o braço não tem. A alma sabe até onde pode avançar. O braço é
minha ferramenta mais útil atualmente.  E passam paisagens de casa,
paisagens de gente, um boi que puxa arado na terra, vê uma pequena menina

107
de tranças sorrindo?  Eu penso com o braço, em cujas extremidades, por sua
mera conseqüência, porque luto com o braço, as mãos, e meu pensamento hoje
é lutar. Sinto que toda uma vida passou em detrimento da mais sagrada
missão: a luta. Pressinto que isto nunca mais aconteceu de novo, não comigo,
porque uma vez tomada a consciência, o que resta é o sabor aguerrido da
batalha, que quem experimentou não larga jamais...
Às vezes me flagro sanguinolento e cheio de piedade da vítima
esfarelada. Como não ter comprometimento com a vítima, se ela é tão
importante para mim por ter sido exatamente a precocidade alheia a si que foi?
Não alheia no sentido de sonâmbula. Mas de quase loucura mesmo. T
odos, na verdade (em que estão), são loucos às verdades alheias. Não há
sanidade absoluta, porque sempre haverá a loucura, em sua verdade inquieta e
calma, para observar alerta o fluxo da liberdade. Para alguém estanque, por
exemplo, poderia haver maior loucura que o movimento? E para alguém que
cresça a olhos vistos, como encarar a estagnação além da loucura? Tudo são as
paralelas que se pedem em casamento: aceito, aceito. Na verdade em tudo se
pode ver o encontro das paralelas no infinito. E o que é o infinito?
Ambas? Tempo de andar, tempo de parar. Quais paralelas?
Esta noite, por exemplo, sonhei que havia um leão  de novo leão 
enorme, com o corpo todo submerso nas águas de um lago, apenas tronco e
pescoço  e naturalmente cabeça  apareciam. Ele agarrava um pássaro, que
às vezes se parecia com uma cegonha, às vezes com um pelicano, às vezes
com uma garça, e cujas penas e carnes se debatiam placidamente, acho que
sorriria, ah este meu pássaro, que soube da maior de todas as rebeldias, do
humano a Deus  sorrir! , conhecendo talvez que a hora sempre chega, e
que, finalmente! Chegara. Ele é sempre o que é: pássaro. O leão o tinha entre
os dentes, e a última imagem que me resta do sonho foi a das imensas asas
cinzas do quase avestruz abrindo-se por trás da cabeça do leão, como se este
as tivesse assimilado para si próprio, assumindo-as, aquilino, ao passo que,
lentamente, já saciados e vitoriosos, caçador e caça  não caçados, mas
casados  tornavam a descer às águas do mesmo lago em que haviam vivido e
se somado um ao outro em casamento, hierogamia que Deus une. Eram um só
agora. Sim, sim. E apenas caçavam.
Aliás, são os dois animais que mais me têm rondado nos últimos
tempos: felinos e pássaros. Tenho escrito certos poemas a esse respeito, o
último dos quais intitulado “Curtos, infindos poemas”. Não sei se deveria
fazê-lo, mas resolvi reproduzi-lo aqui, muito certamente tomado pela ânsia
indômita que sempre tive de ser o mais didático possível  para mim mesmo.
Sempre desenvolvi excelentes métodos de ensino e pesquisa por nunca confiar

108
de todo na habilidade de minha inteligência, e memória. Minhas inúmeras
anotações remissivas, encontradiças em qualquer dos livros que eu já tenha
lido, são a prova do quão desconfiado eu sou a respeito de minha própria
capacidade de lembrar-me à exaustão de tudo o que houver pertinente a
determinado assunto. Ou, por outro lado, pode ser mesmo a manifestação de
minha famosa síndrome de imperfeição cognoscitiva, através da qual nunca
admiti saber menos do que tudo o que certo assunto tem a mostrar, praticando-
lhe uma curetagem epistêmica, para ir, deste ponto, àquilo que o mesmo certo
assunto resolveu não mostrar. Pois o poema é este:

Curtos, infindos poemas.

O pássaro, invenção do homem


que simplesmente não existia,
como nunca houve existir o sonho
que gatos passam vinte horas por dia
sorrindo, acontecendo, impondo

um dia fez verdade rebelar-se


contra si mesma, compromisso
a ser além do limite
que teve, herança de Deus,
e arcou, na conseqüência eterna,
de ter inventado a mentira...

Enquanto o grito de um pavão perfurava


as sedas, matas em que o Leão
 imperioso com seu manto de açafrão 
tranqüilamente, incomparável caminhava...

muitos bichos não dormiam com viver


por receio de morrerem um pouco;
dormir não é morrer
a mais que caminhar não sendo louco...
E a verdade, contínua em sua marcha
rumo à cisão que se causou
agora, vendo que se desencaixa
de si mesma, deixa a mentira viver. E se aquietou...

109
O pavão enfim soergue os rabos,
se arrosta lindo  afinal é pavão 
com Sua Majestade, o Imperador Leão.
Sorriem-se mútuos, nababos,
Leãomente, a verdade é uma  somente são!

É este.
Sinto-me louco.
Venho querendo calmamente saber o que é um Alter-Ego, do que se trata.
Porque ontem, por exemplo  saibam que estou sendo muito curto, para
começar, nestas memórias, porque aos poucos sairei do âmbito deste eterno
ontem e caminharei ao passado cada vez mais remoto e cristalizado em âmbar
vital , ontem travei um diálogo de duas páginas com alguém que se
denominava “Eu”. Venho vendo este homem há um bom tempo, já me referira
a ele em outra de minhas obras, mas ontem, sentado à mesa de jantar, após
fazê-lo, empunhei caneta e papel e perguntei-lhe, escrevendo, o que registro
agora.

BLA BLA BLA.

Vejam, meus caros, todas estas primeiras anotações são meramente o


argumento para provar-lhes o quanto venho dizendo: estou louco. Há, sei
muito bem, vários graus de loucura, e o meu decerto não é inferior hierárquico
a nada que se contradiga menos louco do que eu. Apenas o que difere entre
mim e os homens e mulheres trancafiados no hospício é o fato de eu ter
acordado cedo, com minha bomba-relógio, programada para o dia 15 de
agosto de 2000 às 15 horas, a tempo de ver o abismo, o vácuo que me
separava de. Apenas me separava de.
Sinto-me próximo de Dioniso admirando seu Alter-Ego, o Infante Iaco,
mas muito mais próximo de Zeus chorando a morte que causou à sua amada
Sêmele, mãe do próprio Dioniso  filho predileto...
Na verdade sou como a última gota de mel que escorre dentro do copo
de leite morno que a menina insegura segura. Sou a primeira pétala que toca o
chão de terra para anunciar a chegada do outono tardio.
Se me propus uma revelação completa de mim mesmo, é mister que,
nesse comenos, tudo se me abra em placidez e modéstia. É muito difícil para
alguém que escreva ser modesto o bastante para se considerar “comum”. É
quase impossível arcar consigo mesmo nos pesos da mediocridade. Porque é
como um arauto da Verdade Humana, ama-seca disfarçada que tem por rotina

110
vestir verdades, alimentar e nutrir de cereais e fogo os recônditos arquétipos
do homem. A imortalizá-lo. Um alguém que cuspa, escrevendo, Verdades
humanas, simplesmente as domina como se fossem suas verdades. Mas são
humanas, de todos. Quem fala só domina por falar, não por ter.
Mas quem escreve tem, porque domina outrossim o que dominara o falar:
a escrita. É o que de mais próximo pode haver do “ter” da coisa. A verdade
simplesmente é, e sempre será, ainda que nunca vista, mas quem a vir
primeiro  e a escrever ou disser  num prenúncio de eternização, este homem
não possui a verdade que limpou, mas limpou a verdade que possui. A
Medicina deu três revoluções a nós  higiene, imonologia e antibiótica , mas
em nosso campo filoteológico, apenas o que vale é a higiene, o sanitarismo é o
grunhido da filosofia. Na quarta revolução, que se agiganta  a genética ,
talvez haja participação da Nova Teologia, ou do campo de estudo a que
denominei alhures de “Psicossemântica”, deixando de lado Santo Agostinho,
Wittgenstein, Lacan, Jung. Preferindo Câmara Cascudo, Sílvio Romero,
Gilberto Freyre... Espantalhos Sagrados do conhecimento inato de minha
nação.
E não deixarei de contar nenhuma das visões e encontros, secretos ou
não, que tive, porque, ao me ter reconhecido louco, ah meus caros, já não
tenho mais nada a perder. Quem me chamar louco apenas estará repetindo,
papagaiando o que na primeira frase destas anotações retine como o primeiro
raio de sol.
Sinto-me como este, um raio que, tendo tentado penetrar as janelas da
fachada, não pôde fazê-lo, e ficou do lado de fora, consolado pelo jardim de
dálias, crisântemos e violetas, regado por um enorme silêncio de folhas
douradas e de arbustos incandescentes, chorando embora o embuste daquele
interior da fachada modesta e de cristal fino que jamais conhecerá.
Mas eu também sou o de-dentro daquela casa. Eu a sou e vejo que
ela me pertence por uma única razão: fui eu quem a limpou. Ela passou a não
poder nem querer ser de mais ninguém porque  ó grande majestade  eu sou
o único responsável por ela a partir de agora, já que a deixei limpa. Ninguém
mais é responsável por minha casa  apenas eu. Apenas eu mesmo me
responsabilizo por tudo o que fizer nela e dela de agora avante. Esta casa
também é o retrato da minha vida. Pela qual, portanto, sou responsável único.
E, como disse meu aliado em dramaturgia, Molière, “somos responsáveis pelo
que fazemos, e pelo que deixamos de fazer...”
Mas é difícil e louco ser responsável  ou reconhecer-se responsável 
pela própria vida? O que sei é que me sinto assim por ter remexido em suas
estruturas profundas, tirando o pó que a embrutecia e deixava eternamente
cúmplice de um embaçamento aniquilador. Onde deixei de tirar pó, aí o pó

111
continuou. Não, não é luz o que tenho em excesso, porque se você se lembra
bem o próprio raio de sol teve de pedir licença para entrar, e não entrou, ainda.
O que tenho é um vazio, um vazio primordial ávido por vida nova. Água. Um
império de Amor. Ágape. Foi como se eu já tivesse cavado os nichos para as
verdades, ou seja, foi como se já tivessem sido achadas todas as respostas para
a vida, que estão enfileiradas e limpas. Agora só o que preciso encontrar são
as perguntas, porque cada uma das respostas arrumadas tem por chave uma
única e intransferível pergunta. Se eu fosse um espírito de conhecimentos
superiores, é claro que poderia pular as perguntas, porque, ao apenas sentir as
respostas  e estas já me foram enfileiradas e limpas , estaria eu sentindo
igualmente suas maternidades embutidas e grávidas em si próprias: a
pergunta... que, pois, seria tautológica, e, assim o sendo, mera razão, filosofia
(que é inferior à revelação da teologia? sim, talvez, porque a revelação é  a
resposta!) Toda resposta é teológica e toda pergunta é filosófica. E respostas
antecedem perguntas. A resposta é o brilho do sol, mas a pergunta é o trigo da
terra. A função do filósofo será eternamente dar motivo de existência (não de
essência) à teologia das respostas. Ao perguntar, eis que finalmente uma
resposta recebe seu atestado de presença e sorri. Sei que sou minha própria
Verdade, porque cada um é assim: de si. Jesus Cristo já avisou: “Eu sou o
caminho, a verdade e a vida, ninguém chega ao Pai senão por mim.” Este era o
mantra individual de Jesus. Com isso, ele ensinava o mantra individual e
intransferível de todos os homens, porque ninguém chega ao Pai senão por si.
Logo: Eu, Marcelo, sou o caminho a verdade e vida. Não há outro caminho,
em ninguém mais.  Aprendi com o Messias.
Sim. A pergunta é sempre conseqüência de uma resposta. Esta sim é a
causa de tudo. Por sê-lo, veio antes. Causas antecedem, aqui, suas
conseqüências. Nem sempre é assim que ocorre, sabemo-lo. Já o disse várias
vezes, mas meu único temor é não dar a algumas das claras embalagens sua
justificativa de vida: sua pergunta-mãe. Porque assim como a causa vem antes,
é na conseqüência, contudo, que todas as causas acham o repouso quebrado ao
nascerem causas. Se fossem apenas Ações, ó sim...
Sou responsável por minha casa simplesmente porque a limpei? Apenas
o que me importa é a certeza de ser o arquiteto-aprendiz deste momento em
diante, porque os demais “por quês” da vida instauram dúvida e, embora
necessária, neste momento tem a mesma importância que teria para um peixe
saber do que é feita a água do mar. E esta dúvida se torna estéril quando uma
certeza maior a vem açambarcando com sua fé: sou responsável, e já não
importa por quê. Um peixe nada  e na água do mar  e nunca soube por quê.
Ele é responsável por ela, que, então, se torna responsável por ele. Para
sempre.

112
Quem sabe estas anotações não são um passaporte definitivo para que
me ponham junto àqueles loucos que eu, em minha imodéstia, considerei
adormecidos? Quem sabe a única diferença entre eles e mim seja o fato de eles
serem eles e eu ser eu, mais nada? Quem sabe, enfim, isto aqui não me leve a
análises infinitas de comportamento, revelando patologias psíquicas tantas, a
ponto de?
A visão mais próxima do aterrador que tive  e que quase cheguei a
negar, a repelir  foi:

(O fundo era a Kronungsmesse, a Missa da Coroação, de Mozart.)

Eu vi o céu se revolver como numa crise de intestino.


Vi um submundo, isto é, tão longe da terra quanto esta do céu, em
ebulição.
No céu, via bolas douradas. No submundo, bolas azuis.
A terra.
Uma trombeta possante e dourada corta o perfume de ar. Outra trombeta
azul e possante perfura o seio do solo.
Uma mulher, virgem e vestida de branco.
A mulher sorria, estava, porém, assustada e confortável.
Pequenas crianças começam a envolvê-le e, lentamente, todos vão
subindo rumo ao céu, que se abre num incomensurável túnel de luz branca.
No submundo, vejo criaturas horrendas pondo línguas de fogo para fora,
negras e cor-de-abóbora, encarquilhadas e ressequidas como grifos medievais,
espécies de leões-rompantes, bestas indomáveis e com os olhos azuis.
No céu, a Virgem é sentada num Trono de Marfim e Nuvem por crianças
de vestes brancas e douradas.
O submundo vai-se aproximando de mim, e aqueles grifos medonhos
começam a revelar-se grandes homens, de traços muito finos, pele muito
branca, de extremada beleza e cordialidade, maduros, cabelos são negros, lisos
e fartos, com muito brilho e vigor, e seus semblantes são tranqüilamente
graves, como se fossem responsáveis pelo enterro do inimigo. Vestiam um
manto negro, cor de carvão, e azul como o fundo do mar. Tinham asas cor de
bronze e em volta de suas cabeças refulgia a luz dourada.
A mesma luz dourada que havia em volta das cabeças das criaturas do
céu, em torno do Trono. Estas criaturas eram do mesmo porte e da mesma
estirpe das criaturas do submundo. Mas vestiam-se de branco e dourado, e os

113
cabelos eram encaracolados e loiros, cabelos também à altura dos ombros,
como nas criaturas do submundo, quase como formando um capuz ou um
embuço natural. As asas eram cinzentas, muito brilhantes e fortes, e a
expressão era séria e sorria de leve, como quem tem nos braços o filho do
inimigo morto.
A mulher, de pé, era revestida de um enorme manto azul e branco, de
bordas com rosas douradas. (Um homem enorme vestido de branco e de
braços abertos sorri para todos por trás do Trono, e dá um sinal para que
subam...)
As criaturas do submundo, todas, com aquela roupa de gala, começam a
subir, e em um segundo chegam ao céu, onde grande, enorme festa os abraça,
recepcionando-os com imensa celebração. Todas as criaturas se abraçam
mutuamente, sorrindo-se por enorme motivo de festejo.
O céu se fecha.
(Acho que a partir de agora me foi vetado o prosseguimento da narração
do que se passou.)
Todos, brancos e negros, reúnem-se em torno da Mulher, e esta recebe,
das mãos de um negro, o cetro, e, das de um branco, o outro cetro. Um é ouro,
o outro, platina.
Senta-se no Trono a Grande Virgem. Um branco e um negro seguram,
cada um de um lado, a Coroa, que é dourada e com uma enorme pedra lilás
sobre o cimo.
Depois de se colocar a Coroa, todas as criaturas do céu se prostram
imediatamente. Caem por terra e permanecem num silêncio de três dias.
As criaturas negras retornam ao submundo levando, de presente das
criaturas brancas, cada uma delas um ramo de palmeira dourada. As criaturas
brancas, por sua vez, receberam das negras, de presente, cada uma uma grande
pérola branca e cintilante.
Reboam as trombetas e toda a criação se tornará dourada e azul, como
símbolo filial dos anjos negros e brancos.
A terra é apenas a terra.

Não estou confuso, mas estou calmo e limpo de tanta beleza. Não
estou inebriado, mas tampouco poderia dizer que me sinto sóbrio, porque é
como se toda a vida fosse feita de pequenas e alucinantes viagens de retorno à
lucidez. É isto: retorno à lucidez. Retorno à inocência da união, à quebra do
embuste atraente das fachadas do temor, que dilaceram com doçura.

114
O que mais venho fazendo é isto mesmo: quebrar. Venho rompendo 
às vezes temo ser muito selvagem e rude  os limites de todas as pessoas que
me cercam. Sei que esta minha violenta expansão, que eu mesmo descreveria
como sendo azul e dourada, não vem ocorrendo só comigo. Sabem, vou
observando as vidas das pessoas que me cercam irem se transformando como
gás. Observo-as, desde as menos íntimas às mais próximas, num crescimento
até mesmo involuntário. É como se, ao me tocarem, ou pela simples
circunstância de me conhecerem, fossem tocadas pela chama irremediável da
ascenção.
É uma chama perigosa, sobretudo porque não tem retorno, e só descansa
quando alcança o seu fim. Esta chama  lá vêm os pássaros  é como a pomba
que Noé enviou para saber do fim do dilúvio, e que só retornou ao trazer no
bico o galho da oliveira. E todo ser precisa poder voltar. Ou simplesmente é
assim. Quanto maior forem as raízes, maiores serão as asas. Quanto mais
organização na casa, maior é o mundo. E talvez sejamos de fato filhos das
pedras que Pirra e Deucalião arremessaram após a inundação perpetrada por
Zeus. O fato é que, o que quer que sejamos, às vezes quero me isolar por saber
que os que me vêem não saem incólumes, pagam o soldo verdadeiro do
ilimitado.
E no entanto meu limite é tudo. É a terra, o ar. É.
Sou enfim um broto de bambu. Estou limpo e tenho poucos medos além
do medo de crescer. Mas vejo que apenas vou, não sei por quê, ao fim do
infinito.
Não os convido. Mas também não os impeço...

*
* *
De repente começo a sentir que é como se minha vida, meu prana vital ou
sei lá o quê (nem sei o que é prana vital) estivesse preso à terra por um fio.
Um fio tenaz, como de seda, teia de aranha única, mas ainda assim um
fio, um fio fio e mais, ligando-me pelo umbigo à minha mãe, a terra.
Tenho imensa vontade de chorar (mais tarde o farei, choro como quem
vomita, pondo na nobreza das lágrimas uma carga vil que desconhecem),
porque tenho medo do que poderá ocorrer às pessoas que continuarem vivas
por aqui ao se “lembrarem” de mim. Não tenho nenhum apego à minha vida,
porque eu apenas a amo, não sou seu dono, muito menos seu amo. Amar é tão
outra coisa, tão distinto de agarrar... Porém não tê-la mais a meu lado é tão
assustador quanto porventura tê-la mais de uma vez.
Estou com medo.

115
Não, eu não tenho medo da morte, Tenho medo de morrer, o que é muito
diferente. Tenho receio da passagem, porque, embora até me sinta desprovido
do peso que a vida impõe à morte, como já falei, desconhecendo se com
franqueza, não sei bem quantas são as agruras por que passamos até atravessar
por completo o Portal.
Assim sendo, continuo extremamente assustado, como a larva de um
inseto, mais indefeso que o caranguejo ao trocar de pele.
Mas esta falta de medo da morte, avivada agora pelo medo de seu
processo mais humano, isto tudo, somado, me aguça o momento único da
vida. E por isso, me rebelo, por isso quero viver sim.
Nada, hoje, me passa como se fosse nada. O mesmo que era nada é
agora alguma coisa, e, por só haver na vida alguma coisa, é tudo o que tenho,
por que luto. Nunca em vão. Nem quero ver o luto da coisa, quero sê-lo, se for
necessário.
A vida representa agora o sal-mor. O sal é o mito simbólico da vida
vivendo homem na ptialina da boca. É a maior alegoria da vida, porque a sega
numa grande foice que lhe dá o nascimento... lhe dá a morte. Desenvolver é
trabalho próprio, só depende de nós. Nascer e morrer...
Não.
É tudo tão bonito, na vida só há beleza. Nas grandes coisas não sei,
mas nas pequenas...
Sim.
E o que eu mais quero hoje é não ter apenas o brilho do sol, mas
além dele a utilidade da terra. Não viver apenas de brilho, quero dizer, mas
também de trigo. E de pão. É claro.
Subi há pouco o morro da Igreja de Nossa Senhora da Pena, e, para
lembrar minha visão da Virgem ascendendo, aquela que contei há pouco, a
primeira coisa escrita, grande e azul, que vejo no portal da igreja é: VIRGO
SINGULARES. Assustei-me com a coincidência.
Dou a volta, atravesso brevemente o dossel da entrada principal, e
outro escrito: MALA NOSTRA PELLE. Assinei no pequeno livro da capela 
que, acreditem, pela primeira vez na vida consegui penetrar , subscrevendo a
mesma data que sobrescreve estas minhas confissões: 4 de novembro. Foi
como se o mesmo dia tivesse sido por duas vezes consecutivas e simultâneas
ele próprio. Já viveu isso? Como se eu tivesse morrido ao escrever esta data lá
em cima, e renascido ao escrevê-la 4 de novembro “mais uma vez” no livro da
igreja.
Eu me dei minha segunda chance por hoje?
Aqui estou: Hodie. (E para sempre.) Sem corvos, sem abutres (havia
gaviões sobrevoando a igreja), sem andorinhas, por favor, apenas hoje.

116
O fato é que aquelas placas em torno da entrada da igreja me fizeram
lembrar também o regresso sonhado pelos antigos da Princesa Astréia,
Constelação de Virgem, que, como no Inconsciente Coletivo judaico-cristão,
faz esperar-se na vinda de uma virgem o anúncio da Idade Plena.
Shangri-lá, Nirvana, Éden, Saturnália, o que importa o nome? São muitas
perguntas para a mesma resposta. É simplesmente a Idade em que os homens
de ouro e barro conseguem retomar seus arados idílicos novamente, pondo-se
à mercê de uma ordem maior, à qual não mais precisam obedecer, porque é a
ordem natural que não carece mandar nada, pois apenas consuma, constata,
perfaz. Como eu já disse de certa feita, a função da natureza não é impor, mas
antes averiguar, e, uma vez averiguado, constatar, para que nada possa desviar
o fluxo daquilo que ela houve por bem descrever nas linhas de sua História
sem tempo. Aí a Natureza deixará de ser Mãe, e passará a ser Soldado.
Estou ainda intimidado por sentir o fio tênue e tenaz que me une à
terra. Mas sei que este fio o será apenas enquanto precisar sê-lo, e que, se eu
não o temesse, também minha própria vida perderia no mínimo um timbre de
seu matiz colorido  o vermelho , e ela passaria a ser pior do que se fosse
monocromática, porque passaria a ser colorida em excesso, brilhante e alegre
demais, o que me atordoaria e não me deixaria crescer. Como se eu lho
permitisse...
Com licença.
Mas hoje foi um dia excessivamente dia para ser mentira. A verdade
nem sempre é confortável, mas é a única coisa que é. Meu dia hoje foi
nitidamente cindido em duas partes, eu ainda posso ver a rachadura que aquela
fenda causou nele. Sei que às vezes precisamos lidar com o não-é, também,
mas agora estou me sentindo afogado em tamanha beleza, em tanto é, posso
dizer é-é-é, em tanta doçura, sinto o peso de um amor azul entrando em minha
infância e olho o céu pela janela da grade do computador que é visto com as
nuvens brancas que atravessam com unidade e paz mas sempre úmidas a
Eterna das criações da Justiça Celeste por todos os tempos...

*
* *
...a Beleza...

117
O que é isso?

Nesse mundo de tantos espantos,


cheio das mágicas de Deus,
o que existe de mais sobrenatural
são os ateus...

Disse Mario Quintana, que, por favor, crede-me, não serviu de epígrafe a
esta esquisita crônica pela qual  “O que é isso?”  me perfilo por agorinha
mesmo, porque este epitáfio veio, como todo bom epitáfio que se preze de
estar vivendo quem é, passado o sofrimento ao orgulho, apenas ao término de
tudo o que excomunguei de mim, sendo aquilo que está. Ou seja, bem assim
como a epígrafe, ele, epitáfio, que se porta no alto, mas, ao contrário dela, vem
no fim, que, por ele, é feito para túmulos, mas, como com ela, é apenas e tão-
somente o começo das coisas, porque o universo tem Finalidades que Ele
próprio nem assumir assume, se portaria outrossim no baixo. Ah... Já que o
Fim do Universo cada vez mais se aproxima de Seu Começo: explico. Antes:
imaginarias tu uma espécie de universo dobrando-se por cima da própria
barriga, encostando a boca  ou tentando  no pé, de onde renasceria sorrindo
à vera como verdadeiro nenê recém-nascituro? Imaginas.
O Fim  Finalidade  é aquilo por que um Universo qualquer nasce, um
Universinho, Universão, tanto faz. Se nasce para, obviamente neste nascer
(começado) está a semente-raiz-liberdade-asa-prisão de todo o trajeto, já que a
criatura que nascer para, esta nasce igualmente por e como. Etc. Além do
fatores extra-destinados”, que chamariam de coisas do acaso, da fortuna, da
sorte, e por aí. É mapa? Sim. Não. Digo: Igual.
 O que te importa, Vós que sois tão tu quanto eu somos? criatura? Tive
um sonho esta noite que me reportava exatamente que: mais e menos dá igual,
bem Matemático e limpo, não? [(-1+1=0)] Logo o Fim do Universo é seu
começo porque Ele nasceu para e, pois, como eu já disse, nasceu por um
trajeto. Etc. de novo. E quão inútil e mukltiplicador pode ser (é) um zero à toa.
Eu diria que o zero é o máximo da cabala matemática, chegando, pois, a ser
nove. O 0 é o 9.
Ah... brinco de ter personalidade. Enquanto tantas pessoas se movem no
sepulcral terreno lamacento da inconsciência, tropeçando em penumbras e
galhos caídos, olhando para o lado a cada movimento e sparendo sim,
esperando a sombra do não para se movimentarem mais, eis-me eternamente

118
tropeçante em galhos que nascem a cada instante mais galhos e por eles
próprios. Um milhão de fios novos arrebentam em crise para nascer. E, depois
que nascem, crescem como galhos, milhões e milhões de galhos vistos de
cima, de baixo, de frente, de costas, de lado e de lado e de lado...
Aliás, vejo pessoas petrificadas na pubescente fase alienante, adolescem
em vida, paralisadas no choque em que Perséfone mal pôde crer que era
arrastada de seu terreno florido aos limbos do Submundo. Estas pessoas,
paralíticas, pobres delas, estas pessoas apenas continuaram sendo o que foram
um dia. Pode-se pensar: mas é bom! porque assim se permanece igual? Erro:
não se pode permanecer igual sendo-se igual, para se permanecer igual  e é
esta a Finalidade Humana  deve-se ao mesmo tempo, e sucessivamente, ao
mesmo tempo, ser mais e ser menos, um e um respectivos, para, daí, nascer o
que se deve estar e ser, igual (a zero). Quem quer alcançar equilíbrio de igual
com igual vai no fundo apodrecer, é como um retrato parado na parede que
deixou de expandir-se, e, portanto, seus dias passam apodrecendo-o,
apodrecendo-lhe o reboco... Tenha cuidado, pessoa! Não seja o retrato de si
mesmo, seja si mesmo, seja Vivo!
Nada me abriria tanto os braços como as resultantes vetoriais de duas
velocidades contraditas. Enquanto há pessoas  mas é assim mesmo que se
porta a essência diferencial da vida  em busca de quem são, quero eu não
exatamente livrar-me deste excesso de Eu que me acomete, mas, ao contrário
disso, fazer este excesso deixar de acometer-me e passar a embalar-me, dócil
e convicto com toda a excessiva Graça que o  sustém  alimenta e nutre.
Finalmente acho um verbo neutro, semelhante, em suas raízes greco-latinas 
“suster”  à que fomentou (ops...) “habitar” (vide ensaios anteriores
cronológicos). Tenho personalidade em demasia e ou bem isto me afoga ou
bem me enche de abundância. Escolher?
Eu posso. Dentre as coisas importantes da vida, existem aquelas que
superam todas as demais em falta completa de relevância: o que simplesmente
não se vê, não só não podendo ser visto como sobretudo não conseguindo,
digamos, mirar-se a si mesmo num espelho plano.
Quando eu estudava Física  esta Matéria que como nenhuma outra é
capaz de explicar a importância paradoxal de Deus, e que apenas compete
talvez com a Matemática por ser pensamento quase indolor (porque indolor
mesmo só a tal Matemática) , eu me recordo que apenas um espelho não
danificava, caso estivesse também ele de conformidade com sua natureza
plana mais reta, a imagem do  digamos  consulente! que era o espelho
plano. Tinha um côncavo e outro convexo (um lá era o do dentista, o outro
ui...), ai meu Deus do Céu.

119
Nem sei por que hei de ter dado ensejo a esta aleivosa crônica, em que
estabanado escorreguei, de que muito pouco provavelmente hei de sair invicto
como não entrava. (Além de tudo isso  como dói ser honesto  além de tudo
isso me regenera as idéias moribundas um copo terrivelmente feito para
acondicionar requeijão porém cheio até menos da metade com um vinho tinto
não só doce como também suave.) Pensei em comê-lo com duas torradas de
pão de centeio com passas, que eu beberia feliz, mas mudando de idéia 
minha religião  apenas o bebo por enquanto, porque já predisponho meus
ânimos a se levantarem rumo à cozinha, onde estaria o pão...
Por quê? Percebi, já que minha vida era a grande rebelião do Por Quê, já
que teimava em comportar-se desta feita (ui!), que nada melhor do que fazer
então dela uma piada. A joke! I mean: I wanna find out both of me... Please,
together. Ai que merda. Desculpem a grosseria, mas me redimo: ai, que Mer-
da! Maiusculona! Macha que nem minhas atitudes ante o amargo regresso,
que, pois, se torna amável e dulcíssimo, como a Virgem Maria.
Nossa, mas ordeno aos poucos uma espécie de exorcismo de mim próprio
com a violência quieta de vós mesmos... Ui! Juro-vos, ai ai, que nunquinha
publicarei esta crônica, porque estou gargalhando de bêbado com uma lucidez
nunca dantes perscrutada. Caralho!  esta palavra eu pensei que já estivesse
esgotada no limbo completo do mais perfeito oblívio grego em harmonia.
Não, não, “caralho” é demais para um conto (aliás, uma crônica), não pode vir
nunca, nunca ser entre aspas, que é isto? Ca-ra-lho! pior melhorado ainda: Cá-
Rá-Lê-Ô! Ah, esqueci que ninguém a está lendo, por isso posso escrever na
verdade tudo o que eu bem entender, desde que não fira a índole
incomensurável e inferível de Deus, vamos lá. Mais que nunca é preciso
cantar, é preciso cantar e alegrar a cidade... Você vai ser tão feliz, que vai ser
preciso um guindaste olímpico para rebocar o peso de sua leveza de alegria!
Voltando à inferibilidade do Deus! Ah, se é inferível (não pense em
dicionários, nem em consultas a estes cenotáfios, porque essa palavra 
inferível  é muito minha propriedade e proprietária para que a tenham já
colocado no R.I.P. do léxico) eu bem que posso abusar um pouco, desde que
não abuse do abuso, vou lá, mais tranqüilo e mais fundo que antes.
Eu.
Sou o que merecerei porque já doei muito de mim. Não, como poderia me
arrepender se apenas graças a tudo o que fiz de não-eu sou quem serei? E vejo
hoje todas as pessoas se prostrando diante da minha genialidade... An? Sabe
que é escroto? Todas me adulam como se eu fosse um  às vezes penso que
sou, por causa das pessoas aludidas, este  Deus. Eu as vejo se achegarem
perto de mim quase com a cabeça baixa. Outro dia uma chegou a se ajoelhar a

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meus pés. Juro por tudo quanto é mais sagrado que ela pegou minha mão, se
ajoelhou e pediu-me  Puta que Pariu!  licença! Mas como, eu mesmo (que
sou quem me lê) não ser desbocado? Sim sim, meu caros, eu sei quem eu sou,
nunca duvidem de que eu sei mesmo! não preciso reprimendas, não quero
amores falsos, nem verdadeiros, não tolero amadorismos. Não se ajoelhem à
minha passagem. Sejam vocês mesmos, mas, por favor, mantenham distância
do meu Gênio se for apenas para aboná-lo, amá-lo falsa ou verdadeiramente
ou talvez, quem saberia, extingui-lo quase com suas falsas promessas de vida.
Não amem quem eu tenho, se quiserem me amar, amem o que sou, porque sou
muito mais do que o que tenho. (Sabendo entanto que um é filho alheio do
outro.) E ter é para mim outra coisa, que possuo com desmedo. Por favor,
pessoa, deixe-me achar-me, preciso demais descobrir se é realmente quanto à
minha genialidade que tudo se tornará mais claro (porque até aqui não o tem
sido) ou, em vez de mais claro, muito mais claro! E assim:
 Queria ser verdureiro! eu...
(Ele deve ter querido dizer “verdadeiro”.)
 Eu disse ver-du-rei-ro!
Amanhã continuo. Serei feliz por toda a minha vida, por um dia e os
demais todos outrossim, amanhã darei tréguas à infindável teia da vida inteira,
pão nosso de vinho. Tchau, gostosão.
Um gênio, um gênio! Porra, gente, eu quero é vender repolho! será que
é difícil entender? (acreditar)...
Que por toda a vida eu sempre fui o melhor no que me dispus a fazer
(sabem o que eu estou escutando? Maria era uma boa moça pra turma lá do
Gantois... tinha um particular: além de cozer, além de rezar, também era Maria
de pecar...). E, sendo o melhor, será que poderei ser o melhor em vender
repolho? Como vou saber se não fizer? sabem o que eu sinto, que meu brilho
interno mais intenso está em vender repolho! Como vou saber se não fizer?
Como vou fazer se não souber, assim! Ai como é difícil acalentar um sonho...
sem adversas vicissitudes da mais doce das vidas: a real.
Já passaram dois dias desde o parágrafo anterior.
Pois é que meu pensamento às vezes é curvo e tortuoso como a foice
de Crono, o que recebe Poder e O transforma em Limite, às vezes reto como a
lança de Palas, que também recebe Poder, mas O ransforma, também, em Si.
Ninguém me convenceria  nem nunca tentou  do contrário. Mas se tentasse
não conseguia, não conseguia tentar, porque até para isso eu teria de dar
acesso a quem nem sequer vi mais gordo e cheião de frente e de perfil
sobretudo. Então, fique onde está, respeite-me, não lhe dei confianças
bastantes para que sua aproximação me pudesse macular...

121
Meu temperamento. Por que é que sempre o vira como um altar
barroco? um tanto grosseiro e celestial. Ou como as colinas da Arcádia?
lúgubres disfarçadas de solaridade.
Mas vi uma tão pura estrela que brilho que ofusca, parece um solzinho.
Mas vai crescer, ah não se aproxime sem proteção, porque cresce a olhos
vistos, a cada minuto cresce como o próprio minuto não existe mais, porque
passado? Sim.
E a propósito, a que horas vamos começar a ler nestas linhas algo de,
por assim dizer, producente?
Há produção mas vinda do seu reverso, que é o caos?
Não é em princípio o vazio (o caráter de um homem  disse o
Heráclito  é o seu destino) ou o nada, mas o amontoado de todas as coisas
(Hildegard, mística medieval, dizia que Deus é nossa mãe?) geradas por Deus.
Por Deusa. Que é maravilhosa e perfeitamente Cru. Deus não é tudo, mas tudo
é Deus. As coisas se conformam, como no caos, a se resumirem numa casca
(fechada) de semente, ou numa casca de somente, cognatas matafísicas. E
(Hildegard também falou?), sim, e todo o mais é a mesma coisa que há no
miolo cético e divino da semente. Com ou sem fé, uma semente é uma...
somente... uma semente. E apenas uma semente: a anciã perfeita de toda a
deusa Géia, ou em seu apelido Flora? Não, não, a deusa Géia-Flor é
propriedade, acho eu, penso eu, ao menos, de Perséfone, Core, Climene,
Prosérpina ou como mais a quiserem apelidar, inclusive (suponho), inclusive 
Deméter, a própria (mas esta seria fruto, em vez de flor?). É tudo. (Só faltou a
bruxa Hécate, que é a fase anciã da lua em nós?) Em nós, vírgula, em vocês,
queridos, porque apenas preciso viver e vivenciar experimentando a fase
menina, criança quero dizer, masculina porém infantil e madura do
solaríssimo Apolo das madeixas douradas.
Sou Apolo? Sei, mas o pressinto. Sua presciência  de Apolo  é-me
hoje deveras mais relevante que o eremita guiador (por exemplo nos mistérios
de Elêusis) Iaco, o Dioniso querido e santo, a face digamos feminina de Zeus.
Ou o próprio Zeus das mulheres (e um Zeus agrário), como Dione? De quem
nasceu Afrodite? Desculpem, acabo trocando as estações, embora não me
importe nada com isto e assim sendo retiro as desculpas pedidas, imponho
agora dane-ses (para não dizer foda-ses).
Cada vez o título disto se precipita mais e mais verossímil: o que é isso?
Sei que agora vou dormir para caramba, como um sono pesado e
acordando leve, porque amanhã começa a novíssima etapa de minha vida,
como se eu já começasse a colher os frutos do que me foi amargo e tortuoso,
para ser agora doce e muito, muito reto, ainda mais que a lança de Palas, ainda
mais versátil e belo e redondamente perfeito que a couraça-escudo de

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Hércules. Amanhã são 10 do 10 do 00 (ou 2000, se preferirdes), quer data
mais minha que esta? Boa noite. Bem-vinda, Vida Nova! Adeus, Tífon, que
sua mãe Hera o possa receber de novo em sua fúria civil. Deixem-me em paz,
I want to be alone.
Ainda digo muito mais: corram de mim enquanto é tempo, porque, meus
caros, eu teria medo, se fosse vocês, de mim, ou da minha honestidade
causticante e severa agora, que tudo o que direi serão verdades, e tantas e tão
prolíficas quanto são as mentiras que nos cercam de voz a voz (o Mario
Quintana também falou dos “Frutos que a mentira dá”. E dá mesmo, todas
vidas inteiras  que se dane o português  são calcadas em frutos vertiginosos,
como que delírios, da Mentira: e mais: parecem o êxtase do caminho
perpetrado por Dionísio... aos que, levados por Hermes  o mesmo que leva
ao Hades , iam a Elêusis, à Elêusis de Deméter... de novo). Digo: muitas
vezes na vida, quando me uni a pessoas humílimas, pensei tê-lo feito por ser
eu próprio humilde. Eram mentiras, porque muitas o foram para que eu, diante
de mim, me pudesse ver maior, aumentado mentirosamente pela diminuta
pequenez daqueles a quem eu cercava convicto de uma falsidade: minha
“humilde essência”. Depois desconheci, revejo-me que nasci para ir de cima a
baixo, como o sol, naturalmente, porque devo aprender os altíssimos da vida 
incluindo a Fé  para, com eles, descer àqueles que precisarem de minhas
sol(id)ari(e)dades (esta palavra parece o ninho semântico de sol, solar, só,
solidão, sólido, solidário  agora é possível! , árido, aríete, ares, ida, idade, é
enfim: SOLARIDADE, na minha disciplina, criada por todos e vestida por mim:
a Psicossemântica). É como ser luminoso para espalhar luz sem deixar haver
sujeira em mim. É como se eu já soubesse que minha sombra é minha, não
pode ter contaminação alheia. Sabem como eu me sinto? como a expansão de
Urano que faz os vidros do limite se estilhaçarem. Sou um Sol-Urânico meio
que sem limite. Na verdade total sem-limite. Já que nasci de Satuno-Cronido?
Porque meu único limite é Deus, e este é em Mim, sem ser-me, porém que me
existindo em ser, fazendo-me seu mais perfeito e plástico legitimador em
causa-efeito, sou o princípio-meio de Deus Pai, minha causa maior, sendo,
pois, sua e minha exata e perfeita conseqüência, o Eu Solar, o Sol de Mim, o
Deus Único VERDADEIRO. Em sua Mentira tudo são Verdades. Douradas como
o mel e fios de ouro nascendo finos e vigorosos da cabeça de um homem de
óculos cercado de amarelo  uma flor, um crisântemo gigante  que de um
tempo para cá deu de me seguir à direita, sempre sorrindo e bem-humorado de
me fazer rir de tudo o que eu próprio faço, obrigado a você, quem quer que
seja, em sua luminescência reparadora e clara como seu próprio MEL.
 De nada!

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Sabem o que o Mario Quintana dizia uma vez, em que, presumivelmente,
como em todo o mais de sua poesia capturadora e selvagemente delicada, a
quem quer que o estivesse escutando na visão, rascunhar-se-ia? que “Cada
coisa é ela própria a sua maravilhosa imagem!”... Bonit(inh)o... Mas só -inh-.
Muito... Demais... Ele também falou que “Um lampião de esquina só
pode ser comparado a um lampião de esquina, de tal maneira ele é ele mesmo
na sua ardente solidão!” Sabem do que mais? eu sou aquele ardente lampião
da esquina. Eu me acendo sonhando como se meus íncubus e súcubus, ó vinde
espíritos das tenebrosas alamedas aéreas dos sonhos, como se meus
antepassados oníricos e terráqueos me quisessem prevenir dalém sobre a
labareda intensa e discreta que pode fulminar-nos em nossos âmagos, se não
as controlássemos. Ser um lampião de esquina. Ser o fogo da pira olímpica
por cinqüenta meses corridos, que é o tempo corrido pelo qual deixam os
gregos o ardor da vitória e do combate percorrer-lhes os corpos sedentos de
Glória, isto é, de Desvelações. Eu sou Dois? Não. Porque daí nasce o Três que
é, no começo, Um. “Sou nada, e entanto agora eis-me centro finito do círculo
infinito de mar e céus afora.” Disse o Bandeira “ Estou onde Deus está”,
desabafo. Moi aussi, mon chèr Manuel, soi entièrement sûr, je suis où Dieu se
trouve, parce que nous deux sommes toujours ensembles et, alors, nous
“deux” ne sommes q’un, seulement... Sou este círculo infinito resumido
entanto no finito de um lampião de esquina. Ah, só se pode agora dizer ah...
Que belo Archote com Luzes...
A raiz é o segredo das coisas, é como achar o lenho verde que une
vasos...
EXPLICAREI PORQUE HOJE ESTOU DE UMA BENEVOLÊNCIA ÍMPAR:
O princípio é o dos vasos comunicantes: sempre que possuem o esteio,
chão em comum, serão equilibrados eternamente, mesmo que aparentemente
em desequilíbrio, porque, em relação ao eixo horizontal da cruz, ficam mais
retos que tudo: Justiça! A vida é assim! É feia de dois pilares  vasos  que, se
se comunicam embaixo, se equilibram para o sempre das coisas, torna-se
LINDA. Vida. Vasos, Raízes, Água para promover o equilíbrio, e só, e somente
só, Isto. Ipseidade.
Minha vida é uma estrela. Tem luz própria, às vezes vem de longe,
onde fica por tempos, retorna a meu cerne e faz de mim a de quinta grandeza
(tinha de ser cinco, não é, Da Vinci?) que se chama o Sol. Há uma incidência
por certo assaz cômica por arrefecimento de toda a minha obra pulsante: que é
o Sol. Às vezes me sinto  até porque sou Leão  como o Sol. Ah, vai tudo
que é uma questão de Juba e Majestade? Sim, Senhor, sim mesmo: é tudo
questão de sermos.
Fortuna Imperatrix Mundi: A Roda Eterna do Ciclo.

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Vida de ser quem sou e muito eu, bem mais feliz de hora em hora que
já fui. Pitoresco ter meu livro I, afável, ter sido extinto em 12 de outubro...,
mais conhecido como hoje... Feliz de quem me vir, porque espero que saiba
trilhar os passos que meu pé de pegada pôde rascunhar, e assim sendo não
apenas encontrará alegria, mas acima disso  e simultâneo , fartura,
generosidade, plenitude e gratidão, Felicidade, aquilo que não é deste mundo
porque não é feita de pequenos intervalos, é Um imenso tempo, eis enfim o
tempo que não acaba, que se chama Felicidade, não é deste mundo porque
desconhece fragmentos, é inteira, Integral, digo melhor, é só Felicidade.
A Deus... Agora mais que Nunca.

SIM

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