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ENDEREÇAMENTOS
Presidente da Mesa:
Sr. Presidente: satisfação por sua presidência e por atuar com companheiros de mesa
sobressalentes por sua inovação e criatividade, duas qualidades realmente apropriadas a
Fórum em que se conta com a participação de Jacques Chevalier.
Se trabalhar nessa linha, parece em princípio tarefa fácil, pois o caminho principal
está aberto - se vai tornando difícil tanto escolher as inúmeras veredas que a partir dele se
apresentam como trilhá-las proveitosamente.
Mas, uma vez aceito o desafio - como homenagem ao apreciado ao renomado visitante
deste Fórum - a opção se concentrou apenas na análise de certas relações críticas entre
sociedade e Direito, como contribuição para elucidar, entre outros aspectos, esses dois
intrigantes fenômenos xifópagos contemporâneos: o da juridicização da Política e o da
politização do Direito.
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2. O HUMANISMO PÓS-MODERNO
Não poderia ter sido mais intenso este anticlímax que prenunciou, germinou e
precedeu a eclosão da consciência - quase em escala planetária – da incontestável
superioridade do homem sobre todas as suas criações e das sucessivas e sempre mais
enérgicas declarações de seus direitos fundamentais, em Estados que não deveriam ser
apenas contidos pela lei, mas limitados pelo direito.
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3. A TRANSFORMAÇÃO DA SOCIEDADE
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Resta, portanto, aguardar que essas miríades de relações que paulatinamente se
globalizam prossigam no caminho da liberdade e não no caminho da servidão, de modo que
efetivamente prenunciem, pelo menos atualmente - na ausência de um poder político central
que entenda que deva ditar ordens - uma autêntica renovação dos modelos de convivência
humana e a recuperação da prístina espontaneidade de um verdadeiro e legítimo
ordenamento jurídico.
4. A TRANSFORMAÇÃO DO DIREITO
Entretanto, na baixa Idade Média, com o imenso vazio de poder político deixado pela
queda do Império, portanto, sem legisladores poderosos, o Direito, voltou à sua clássica
formação costumeira, para refletir então as fragmentadas ordens jurídicas das pequenas
sociedades feudais, em muitos aspectos autorreguladas, até que, a partir do século X, com o
surgimento dos collegia studii, as proto-universidades prenunciadoras do Renascimento,
voltou-se a trabalhar com categorias gerais de direito, restabelecendo um precioso
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fundamento para o desenvolvimento das importantes alterações juspolíticas necessárias para a
criação das primeiras monarquias.
Eis porque o triunfo das monarquias renascentistas veio acompanhado do poder real
de ditar o Direito através de leis e porque, durante toda a Idade Moderna, se foi aos poucos
deslocando a soberania da pessoa do monarca para o Estado e neste se concentrando,
sempre mais, o poder político. Na precisa lição de PAOLO GROSSI, “O príncipe se converte,
cada vez mais, em um legislador e, por conseguinte, o Direito é cada vez mais legislativo.”
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a expressão da vontade do poder soberano – se identifica axiomaticamente com a expressão
da vontade geral, convertendo-se deste modo no único instrumento produtor do Direito
merecedor de respeito e reverência e em objeto de culto pelo fato de ser lei e não pela
respeitabilidade de seus conteúdos.”
Pode-se entender, portanto, porque, no agitado curso do século curto, haja entrado em
crise esses e outros mitos do racionalismo, notadamente o de se tratar, este Direito moderno
quase integralmente estatizado, uma legalidade positivada nada mais que pela vontade de
assembléias e de chefes-de-estado, conformando desmedidos acervos legislativos, profusos,
superabundantes, pouco eficientes para evitar e superar conflitos, quando não
caoticamentemente produzidos: uma duvidosa conquista da modernidade.
Ganhava, por isso, nitidez a percepção pós-moderna de que houvera uma grave perda
juspolítica com o descomprometimento do Direito com a vontade de sociedades - ainda
porque no curso do século XX se haviam tornado cada vez mais complexas e pluralistas –
explicando, assim, a ressurreição da antiga concepção pretoriana, que o tinha como
espontâneo e lídimo produto das sociedades.
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Estas breves observações jurídicas desenvolvidas sobre as transformações do Direito
Moderno para o Pós-Moderno não estariam, contudo, concluídas, sem se apontar algumas
conseqüências, já claramente observadas, do fenômeno da globalização - como fato e não
como valor – sem os aspectos de modismo ou ideológicos que porventura o acompanhem,
embora não o caracterizem.
Menciona-se como uma delas a pluralização das fontes de Direito – hoje, não-
estatais, estatais e mistas - densificando uma juridicidade expandida além das fronteiras
políticas e até mesmo dos espaços etno-geográficos, de modo que o Direito pós-moderno
pode hoje prescindir de qualquer vinculação geográfica e política.
Finalmente, transitando agora pelo plano instrumental do Direito, tem-se que, como
receptáculo principal dessas inelutáveis contingências referidas, do pluralismo e da
afirmação de valores – estes, por sinal, bastante aproximados daqueles sustentados pelos
jusnaturalistas de tantas épocas e correntes – não há dúvida de que, sob este aspecto, a
consequência mais importante a ser destacada é, quase como unanimidade, o advento do
neoconstitucionalismo, com os seus fundamentos teóricos no Juristenrecht, brilhantemente
construídos a partir da segunda metade do século XX, e pioneiramente manifestados nas
Constituições do Segundo-Pós-Guerra da Itália e da Alemanha.
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Como resultado, a legalidade, entendida estritamente como produto do Estado,
expressada por seus parlamentos, chefes-de-estado ou chefes de governo, é um conceito que
se redimensiona para referir-se apenas à sua atuação no delimitado espaço de juridicidade
que lhe é constitucionalmente aberto e rigorosamente compartimentado. Em outros
termos: a constitucionalidade passa então a ser gloriosamente entendida não apenas como a
inspiração e a motivação, mas como o limite da legalidade.
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4. TRÊS PROMISSORAS INDICAÇÕES QUANTO AOS RUMOS QUE O
DIREITO PÓS-MODERNO ABRE À CIDADANIA
Essas três indicações tudo têm para serem consideradas realmente promissoras em
razão de seu imenso potencial benéfico de mudança, que se fará sentir em atitudes e em
ações públicas com um elevado conteúdo ético transformador, tais como são, entre tantas
outras, as que conduzem ao acesso universal à Justiça, à promoção da boa governança e
ao controle judicial dos resultados da ação política.
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Garantindo-se acesso universal à justiça rápida e barata, a sociedade verá no juiz um
de seus membros - outro cidadão, seu par - comprometido com seus mesmos valores, e não
apenas um distante e álgido agente do Estado.
Pela promoção da boa governança a sociedade poderá exigir dos políticos e dos
administradores públicos uma atuação eficiente e não apenas no âmbito de Estados
isoladamente considerados, mas se estendendo a um conceito de boa governança global, que
se faz cada vez mais necessária, já indicando a utilidade de se explorar as vias participativas,
características de uma autorregulação regulada presente em cada vez maior número de
setores críticos das atividades econômicas e sociais que se processam em escala global.
Com o controle judicial dos resultados da ação política, a sociedade se sentirá cada
vez mais responsável e participante nas ações do Estado e consciente dos valores
republicanos.
Leon Tolstoi escreveu certa vez que “todos pensam em mudar o mundo, mas ninguém
pensa em mudar a si mesmo”... o que ele talvez não pudesse prever em seu mundo czarista é
que, com o vitorioso épico afirmativo da cidadania pós-moderna, que auspiciosamente se
desenrolaria um século depois, os cidadãos poderiam efetivamente mudar o mundo e se
tornarem simultaneamente agentes e beneficiários das transformações que produzirem, como
senhores de seus destinos.
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