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RESUMO: O presente artigo apresenta algumas idéias sobre a análise de erros e sua utilização na
educação matemática. Iniciando com uma retrospectiva de pesquisas realizadas no século passado,
apresentamos ainda um esquema para uso dos erros, ilustrando-o com exemplos. Em seguida,
propomos um exemplo de uso de erros que levam a resultados corretos – os chamados misteaks – e
apresentamos considerações sobre avaliação, de uma maneira geral, para inserir a análise de erros em
uma perspectiva mais ampla, no sentido de enfocar as variadas habilidades de cada aluno.
ABSTRACT: This paper presents some ideas about error analysis and how to use it in mathematics
education. Beginning with a retrospective of researches made in the last century, we present
alternatives to use errors, followed by some examples of “misteaks”. Finally, we consider some
proposals to evaluation in math, trying to insert error analysis in a broad perspective, focusing abilities
of each student.
INTRODUÇÃO
A avaliação da aprendizagem dos alunos em matemática é uma das tarefas mais difíceis com
que se deparam os profissionais da área. A complexidade se instala quando os procedimentos
avaliativos se unem às concepções de avaliação dos professores, às exigências da sociedade
representada por pais e pelas direções de escolas , às demandas dos alunos, a toda uma série de
fatores que fazem parte do que consensualmente se apresenta como “o conteúdo mais difícil do
currículo, em qualquer nível de ensino”. Dessa forma, propomo-nos a apresentar elementos para
discussões sobre avaliação, levando em consideração uma abordagem de pesquisa que procura
explorar as próprias dificuldades dos alunos, a saber, a análise de erros.
Analisar erros cometidos pelos alunos é uma tarefa habitual de um professor de matemática,
pois nessa disciplina há, em geral, um consenso de que só se pode avaliar se aplicar provas, testes,
instrumentos em que o aluno “produza” uma resposta, cópia fiel do que lhe foi “passado” pelos seus
mestres ou criação sua a partir dos conteúdos apresentados. De qualquer forma, sempre se fará a
correção da prova e a forma com que a elaboramos, bem como os objetivos com os quais analisamos
os erros, podem ser fatores determinantes de fracassos ou de sucessos.
Assim, discutir erros, alternativas para sua análise e objetivos da avaliação pode ajudar o
professor a escapar do que Chevallard e Feldmann (1986) instigantemente chamaram de “pequena
crucificação”, a saber, a sensação do professor quando corrige uma prova e vê, através dos erros dos
alunos, suas próprias inabilidades para ensinar.
1
Este artigo é baseado nas idéias apresentadas em palestra realizada pela autora no Núcleo de Pesquisas em
Educação Matemática, da Universidade Católica do Salvador, em julho de 2002.
2
Professora da Faculdade de Matemática da PUCRS, doutora em Educação.
2
As pesquisas sobre erros cometidos pelos alunos em disciplinas matemáticas tiveram início em
trabalhos desenvolvidos na primeira metade do século XX. Dependendo da teoria educacional vigente,
os investigadores preocupavam-se com aspectos técnicos dos erros, com teorias psicológicas, de
ensino ou de aprendizagem. Teóricos como Bruner (1966), por exemplo, teceram considerações sobre
o problema do erros. Este autor considerava que, ao aprender algum conteúdo, há duas condições
finais que o aluno apresenta e que devem ser separadas: sucesso ou insucesso de um lado e
recompensa ou punição do outro.
Um dos autores que revisou pesquisas sobre erros, apresentando um retrospecto até a década
de 80 do século passado, foi Radatz (1979, 1980), que fez um apanhado dos trabalhos realizados,
especialmente nos Estados Unidos e Alemanha, apontando os objetivos das investigações. Nos
Estados Unidos, os pesquisadores eram ligados ao behaviorismo e realizavam investigações sobre
erros em operações fundamentais, especialmente nas séries iniciais. Na mesma época, os ale mães eram
influenciados pela Gestalt e pela psicanálise, procurando estabelecer padrões individuais de erros.
Segundo Radatz (1980), as diferenças de abordagem talvez sejam responsáveis pelo fato de não haver
troca de informações entre os diversos investigadores.
Uma segunda fase na análise de erros ocorreu a partir dos anos 50 do século passado, a partir
do enfoque do processamento da informação. É desta etapa o interesse pelos protocolos verbais que,
segundo Newel e Simon (1972), foram a marca registrada dos trabalhos realizados, com a solicitação
de que o aluno pensasse em voz alta para que fosse possível detectar a forma de pensar. No entanto, a
idéia de ouvir o aluno ou anotar suas verbalizações já vinha sendo utilizada há muito tempo na análise
de erros, pois, segundo Hutcherson (1975), em 1927 já havia trabalhos sob essa perspectiva.
Uma terceira fase das pesquisas teve início na década de 70, quando a influência do
construtivismo fez com que o erro passasse a ser encarado como ferramenta para a aprendizagem ou
construtor do conhecimento. Vem daí a ênfase na aceitação do erro do aluno, com interpretações
diversas de acordo com os professores e pesquisadores. Vale apontar, assim, a idéia de laissez-faire
que tomou conta de alguns docentes, como se aceitar os erros significasse aprovar o aluno que não
construiu conhecimentos. Acreditamos que a falta de discussão sobre os resultados de pesquisas e a
incorporação acrítica de pressupostos das pedagogias não-diretivas fez com que essa postura de
“aprovação” do erro originasse uma reação contrária por parte de alguns pais e educadores mais
comprometidos com a educação. Dessa forma, foram perdidas muitas oportunidades de explorar os
erros e auxiliar os alunos a superarem suas dificuldades.
Voltando às classificações dos erros, podemos citar várias delas, iniciando pela de Radatz
(1979), que apoia -se em pressupostos do processamento da informação. Segundo este autor, os erros
são decorrentes de:
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Newman e Casey (apud Clemens, 1980) propuseram modelos para a seqüência de passos
realizados por um aluno na solução de problemas matemáticos. Juntando as idéias dos dois
pesquisadores, a classificação para as causas dos erros é baseada nas etapas da resolução:
Essa classificação lembra as etapas de resolução de problemas proposta por Polya (1979) e
não nos parece elucidativa das dificuldades; na compreensão do problema pelo aluno estão envolvidos
seus conhecimentos anteriores, pois é necessário fazer um “gancho” com o que já sabe para poder
entender o que pode usar no problema. Da mesma forma, em qualquer outra das categorias, há
inúmeras dificuldades que podem emergir e não estão sendo contempladas nessa classificação.
Nessas categorias, algumas imediatamente nos lembram problemas que também detectamos
em nossas salas de aula, como por exemplo a linguagem mal interpretada; efetivamente, parece-nos
que um dos maiores problemas dos estudantes é a compreensão do que é pedido em uma questão
discursiva. Talvez também se possa creditar uma parte da responsabilidade aos professores, como já
foi apontado na classificação de Radatz, mas, se problemas de linguagem existem, inclusive de
simbolização matemática, é preciso analisar quais são as causas dessas dificuldades. Assim, vemos
que em qualquer classificação há muito mais elementos que ficam à descoberto e que podem gerar
pesquisas, debates, correções de rumo, por parte de alunos ou professores.
O artigo de Batista (1995), sobre a pesquisa com erros em operações elementares, apresenta
poucos exemplos de cada categoria, o que nos impede de fazer comparações com outras classificações
que enfocaram o mesmo conteúdo. De qualquer forma, há alguns pontos em contato com idéias já
apresentadas e suas categorias são as seguintes:
Bathelt (1999) realizou um exaustivo estudo sobre erros relacionados com a idéia de número,
cometidos por alunos de 5ª série. Além da classificação, a pesquisadora fez uma análise de conteúdo
do material apresentado pelos alunos, hipotetizando sobre as possíveis causas. Sua classificação foi
apresentada em uma tabela de dupla entrada, com erros de quantidade ou de qualidade, sendo que cada
uma das classes foi dividida em erros evitáveis e inevitáveis. Após a descrição detalhada, Bathelt ainda
subdivide cada categoria, especificando os tipos de erros que surgiram, como conceituais, de
interpretação, algébricos, simbólicos, etc.
Os erros de conceituação, lógicos ou relacionados com uso de teoremas, são típicos de análises
que envolvem demonstrações e suas causas são variadas, podendo ser geradas por desconhecimento do
conteúdo ou por deficiências do raciocínio lógico, especialmente se não foram suficientemente
desenvolvidas as habilidades de formular hipóteses, testá-las e discuti-las. Ainda foram considerados
os lapsos, de escrita ou de leitura, e cujas causas não analisamos, pois seria necessária uma
fundamentação psicológica ou psicanalítica que fugia dos pressupostos do trabalho.
Ainda sob a abordagem da análise de erros, realizamos uma nova investigação, sobre erros
cometidos por alunos de cálculo diferencial e integral I, da PUCRS (CURY, 1990). A amostra foi
composta por cerca de 450 alunos, de treze turmas da disciplina. Nesse trabalho, a par da classificação,
ainda procuramos estabelecer padrões para os erros mais freqüentes. As categorias que emergiram da
pesquisa foram:
Notamos que há uma série de problemas cujas origens estão nos conteúdos do ensino
fundamental ou médio, pois muitos alunos têm dificuldades em operar com números reais, em
localizar pontos em um sistema de eixos coordenados, em reconhecer leis de funções, mesmo as mais
elementares, como a linear ou a quadrática. Além disso, surgiram “falsas generalizações”, em que o
aluno parece fixar uma imagem referente a uma determinada propriedade e aplicá-la em outro
contexto. Por exemplo, muitos alunos, ao derivar uma função produto, simplesmente realizavam o
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produto das derivadas das funções fatores, “generalizando” a regra da derivada da função soma. O
quadro a seguir apresenta essas falsas regras, obtidas em nossa investigação.
Uma categoria de erro que apareceu em vários sistemas classificatórios é referente aos erros
técnicos ou de cálculo. Apesar de também termos indicado essa classe, é de questionar a validade
dessa colocação, pois podemos perguntar: qual a sua causa? Pode-se garantir que é apenas um erro
técnico ou um lapso? Não haverá outros elementos, como, por exemplo, problemas conceituais?
Acreditamos que é necessário investigar com mais profundidade esse tipo de ocorrência ou, pelo
menos, deixar os problemas em aberto.
Nas décadas de 80 e 90 do século passado, uma nova abordagem começou a ser empregada na
análise de erros, sob a influência do paradigma construtivista. Idéias de Piaget, Vygotsky, Kuhn,
Lakatos, Papert e outros influenciaram autores que fugiram de certas limitações do behaviorismo e do
processamento da informação, usando os erros para explorar o funcionamento da mente, aproveitando-
os como elementos fundamentais para o desenvolvimento da disciplina ou avançando na compreensão
de linguagens de programação, como o Logo, e do próprio conteúdo estudado.
O erro a que nos referimos ocorreu quando solicitamos aos alunos a determinação da equação
da reta tangente à curva definida por f(x)=1/x5 , no ponto de abscissa x=2. Alguns estudantes
derivaram corretamente a função, indicando que f ’(x)=(-5)x –6 , mas quando substituíram x por 2, para
determinar a declividade, escreveram: m=(-5).2 –6 = - 10 –6 . Obviamente tal erro não é de derivação
nem de geometria analítica, mas de conteúdo do ensino fundamental.
Se tivermos como objetivo a eliminação desse erro, podemos diagnosticá-lo como sendo
devido a uma aprendizagem equivocada de regras de potenciação; a seguir, podemos retomar tais
regras, explicando uma a uma, para depois repetir o exercício, com uma função semelhante,
verificando se o aluno aprendeu o conteúdo e não erra mais.
Ainda sob o objetivo da exploração do erro, podemos pensar nos limites da matemática, nas
questões que ficam em aberto para as gerações seguintes de matemáticos ou educadores matemáticos,
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nas possibilidades de planejar estratégias para apresentar o conteúdo de forma mais interessante, etc.
Finalmente, se enfocarmos o processo de aprendizagem, podemos procurar entender como o aluno
pensa quando faz tal erro e quais os processos cognitivos envolvidos em tais resoluções.
Para exemplificar possíveis usos dos erros em sala de aula, apresentamos algumas idéias
retiradas de um artigo antigo, de Carman (1971), em que o autor define “misteak”, palavra sem
tradução para o português, e apresenta situações interessantes, que podem nos auxiliar a criar
estratégias de ensino não tradicionais.
Segundo Carman, mathematical misteak é uma expressão que tem o significado de operação
incorreta que leva a um resultado correto. Não sabemos a origem da palavra, mas supomos que possa
ser uma adaptação de mistake “engano, equívoco, erro” (NOVO MICHAELIS, 1972) ou então
pode ter sido criada a partir de mis-teach “ensinar mal ou de forma errada”(WEBSTER’S, 1976).
De acordo com o autor, misteak é um passo em falso, com várias características que o redimem: a)
produz um resultado correto e a correção deste pode fazer refletir sobre algum conteúdo matemático
interessante; b) a busca por generalizações subjacentes pode ser instrutiva para os estudantes; c) um
erro deste tipo serve freqüentemente para enfatizar, com humor, as operações legítimas que estão
sendo ensinadas.
Aproveitando os exemplos de Carman (1971), vamos citar alguns tipos de misteaks e depois,
com base em um deles, vamos propor uma tarefa relacionada com conteúdos de teoria dos números.
Assim, podemos ter:
10a + b
a) cancelamentos excêntricos: em uma simplificação de uma fração do tipo , com
10b + c
ab,c, números naturais, “cancelar’’ b no numerador e denominador;
b) “erros de impressão”: 2 5.9 2 = 2592
c) “indecências trigonométricas”: da igualdade cos 4 + cos 2 =2 cos 3. cos 1 , obter 4+2 = 6,
pelo “cancelamento” de “cos” em ambos os membros.
log 2 2 1 1
d) logarítmos “desajeitados”: na igualdade = = , obter a resposta pelo
log 4 4 2 2
cancelamento de “log” no numerador e denominador; da mesma forma, em
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log( ) = log 4 − log 2 , concluir que ó valor final é 2 por ter cancelado “log” nos dois
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membros.
d (2 x )
e) outros: obter = 2 pelo cancelamento de “d” e de “x” na expressão.
dx
Este exemplo de uso de erros foi criado a partir de uma situação fictícia, mas podemos
trabalhar com os erros cometidos pelos nossos alunos, explorando os seus problemas, pois esse tipo de
estratégia, em geral, leva à descoberta de dificuldades sequer imaginadas por nós, especialmente se
dispusermos de tempo para questionar o aluno sobre cada afirmativa feita, em prova, quando resolve
algum problema no quadro-verde ou quando usa algum software para estudar conteúdos matemáticos.
Consideramos que é possível fazer uso da análise de erros em quaisquer circunstâncias, desde
que sejam consideradas algumas premissas básicas, quais sejam:
A avaliação é um processo que envolve inúmeras facetas, tanto relativas aos conteúdos
avaliados quanto às concepções do professor sobre os fins da avaliação e também quanto às diversas
habilidades que os alunos disponibilizam em uma resolução de questão. Para finalizar, queremos
apresentar uma metáfora da mecânica quântica, aproveitando idéias de Zohar (2000). Segundo essa
autora, a dualidade onda-partícula, conceito fundamental para esse ramo da ciência, baseia -se no fato
de que a luz tem, ao mesmo tempo, propriedades de onda e de partícula e ambos os aspectos se
complementam. No entanto, podemos ver apenas um de cada vez.
Em uma experiência clássica, é emitido um feixe de fótons a partir de uma fonte e diante dela
é erguida uma barreira com duas aberturas, pelas quais os fótons podem passar. À frente, são
colocados ou detectores de partículas ou uma tela (“detector” de ondas). No primeiro caso, os fótons
atravessam uma das aberturas do detector de partículas e produz-se um sinal; no segundo caso, eles
passam pelas duas aberturas e deixam na tela um padrão de interferência de onda. Portanto, antes de
serem observados (ou medidos), não é possível dizer se os fótons são partículas ou ondas, pois eles
têm o potencial de ser as duas coisas. Entretanto, quando “forçamos” uma das suas potencialidades
para detectá-los, eles se revelam como “esperamos” que o façam, ou seja, conforme o anteparo que
lhes proporcionamos.
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REFERÊNCIAS
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ZOHAR, D. Sociedade quântica: a promessa revolucionária de uma liberdade verdadeira. São Paulo:
Best Seller, 2000.