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CURITIBA
2
2009
ROBERTO LANGER
CURITIBA
3
NOVEMBRO 2009
RESUMO
Introdução
O Brasil teve uma inflação muito elevada durante a década de 1980 que foi
causada principalmente pela inércia inflacionária que realimentava a inflação e a
tornava incontrolável. O controle da inflação brasileira só veio em 1994 com o
lançamento do Plano Real que conseguiu acabar com a inércia através da criação
da Unidade Real de Valor (URV). No início do Plano Real, a política monetária era
muito rígida, com altas taxas de juros e elevadas taxas de depósito compulsório, o
que reduziu o crédito e os investimentos produtivos e, conseqüentemente, fez com
que a economia brasileira não registrasse taxas significativas de crescimento
econômico entre 1996 e 1999.
A partir de 1999 a política monetária brasileira adotou o regime de metas de
inflação que utiliza a taxa básica de juros de curto prazo como principal instrumento
de política monetária para atingir uma meta de inflação pré-determinada. Assim o
Banco Central passa a realizar operações no mercado aberto para influenciar a taxa
de juros de curto prazo. A partir das mudanças na taxa de juros, a demanda
agregada é afetada através dos diversos mecanismos de transmissão. No Brasil
essa taxa básica de juros utilizada para alcançar as metas de inflação permanece
em patamares muito elevados, o que acaba reduzindo os investimentos produtivos e
gera diversos custos sociais como, por exemplo, o desemprego. Esta taxa de juros
elevada também atrasa o crescimento econômico e o desenvolvimento da economia
brasileira.
Diversos autores1 sugerem que um dos principais fatores que contribuem para
a existência desta taxa mais elevada seria a menor eficiência de um mecanismo de
transmissão da política monetária, o efeito riqueza. A principal justificativa para esta
menor eficiência do efeito riqueza seria a existência de títulos públicos pós-fixados,
as Letras Financeiras do Tesouro (LFT’s), que por serem indexados à taxa básica de
juros acabam sendo insensíveis as mudanças nesta taxa e, portanto não geram
nenhum impacto sobre a riqueza das famílias e conseqüentemente sobre o consumo
dessas famílias. Assim, como estes títulos representam uma boa parcela da dívida
pública, seria necessário uma taxa básica de juros cada vez maior para que fosse
gerado um impacto negativo sobre a demanda agregada e conseqüentemente sobre
a inflação.
O objetivo deste artigo é verificar e avaliar as características do efeito riqueza
na economia brasileira e a sua importância na transmissão da política monetária.
Para isto o trabalho foi dividido em três partes. Na primeira parte é feita uma revisão
de literatura sobre os mecanismos de transmissão da política monetária, dando uma
maior ênfase na teoria do efeito riqueza. Na segunda parte é feita uma análise dos
mercados brasileiros de ações e de títulos públicos, buscando verificar o tamanho e
a importância destes mercados na transmissão da política monetária via efeito
riqueza. Na terceira parte é calculada a sensibilidade dos preços dos principais
títulos públicos brasileiros com relação à taxa de juros para compreender melhor
como o preço desses ativos se comporta frente às alterações na taxa básica de
juros e qual o papel destes títulos na transmissão da política monetária brasileira.
Para os cálculos da sensibilidade destes títulos será utilizado o conceito de duração,
que é uma das principais ferramentas para cálculo de uma variação no preço de um
determinado título com relação a uma variação na taxa de juros.
1
Ver, por exemplo, Bresser (2007).
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Operações no
Mercado Aberto
Reservas
Canal do
Canal da Taxa
Preço dos
de Juros
Balanços Ativos
Canal da Taxa de
Canal do Cr édito
Canal do Crédito "Am plo" Demanda Câm bio
"Estreito" Agregada
FONTE: Adaptado de Kuttner e Mosser (2002).
moeda ofertada seja maior e conseqüentemente a taxa de juros seja menor. Com
isso a função LM é deslocada para baixo, sendo representado na figura 3 por “LM’”.
FIGURA 2 - O EFEITO DE UMA POLÍTICA MONETÁRIA
EXPANSIONISTA
Taxa de
Juros
LM
E LM'
i E'
i'
IS
Y Y' Renda
Mishkin (2001) afirma que o canal da taxa de juros não existe nos regimes de
câmbio fixo. Segundo o mesmo autor, no regime de câmbio flutuante a política
monetária pode influenciar a taxa de câmbio entre dois países através de mudanças
na taxa de juros. Assim, uma taxa de juros mais baixa (política monetária
expansionista) torna os depósitos denominados em moeda doméstica menos
atrativos em relação aos depósitos denominados em moedas estrangeiras, o que
leva a uma redução nos depósitos em moeda doméstica em relação aos depósitos
em moeda estrangeira. Tem-se então uma desvalorização da taxa de câmbio em
virtude de uma política monetária expansionista. Os impactos diretos de uma taxa de
juros desvalorizada seriam o aumento das exportações líquidas que
conseqüentemente, através do efeito multiplicador da renda, aumenta o produto da
economia. Esse seria o principal papel da taxa de câmbio na transmissão da política
monetária.
Mishkin (2001) também sugere que a taxa de câmbio tem efeitos importantes
sobre o produto da economia através dos balanços das empresas financeiras e não-
financeiras quando existe uma parcela substancial da dívida doméstica denominada
em moeda estrangeira, o que ocorre com mais freqüência nas empresas dos países
emergentes. Neste caso uma política monetária expansionista gera uma taxa de
câmbio mais desvalorizada que faz com que o custo da dívida das empresas seja
maior. Como a maioria das empresas possui ativos em moeda nacional, isso leva a
uma redução do valor das empresas. Assim tem-se um aumento do risco moral e da
seleção adversa no mercado de crédito, tornando os empréstimos mais escassos e
levando a uma queda nos investimentos e no produto da economia.
O canal do preço dos ativos pode ser explicado por dois mecanismos. O
primeiro, que é chamado de q de Tobin, consiste no aumento ou na redução dos
investimentos das empresas ocasionado por uma mudança no preço das ações. Já
o outro mecanismo, chamado de efeito riqueza, consiste no aumento ou redução do
consumo das famílias em função do aumento do nível de riqueza das mesmas.
Tobin (1969) propôs uma razão entre o valor de mercado das empresas pelo
custo de reposição do capital. A essa razão ele deu o nome de “q”. Segundo o autor
quanto maior o “q”, maior será o valor de mercado da empresa em relação ao custo
de reposição do capital. Assim os custos de novos investimentos na produção se
tornam relativamente mais baratos, conforme o novo valor de mercado das
empresas.
Conforme Mishkin (2001), o “q” de Tobin é um mecanismo de transmissão
que, através de um aumento no preço das ações da empresa, torna os
investimentos mais baratos se comparados ao maior valor de mercado da empresa.
As empresas poderiam então emitir menos ações, captando mais recursos para
novos investimentos. Com a redução da taxa de juros, através de uma política
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C' = αW' + βY
Cons um o
C = αW + βY
αW'
αW
Renda
A riqueza das famílias consiste basicamente em três ativos. Esses ativos são
(i) os imóveis, (ii) as ações das empresas privadas e (iii) os títulos públicos.
Os imóveis são caracterizados por possuírem uma menor liquidez que os
outros ativos e, portanto, afetam com maior intensidade o consumo de bens duráveis
que também refletem decisões de consumo de longo prazo, onde o financiamento se
torna necessário devido ao alto valor desses bens. Na maioria dos casos são
necessários financiamentos para a compra de imóveis, assim a taxa de juros mais
baixa torna esses financiamentos mais baratos o que aumenta a demanda por
imóveis e, conseqüentemente aumenta os preços e a riqueza das famílias.
As ações têm como principal característica a maior liquidez e o risco mais
elevado. O preço das ações, em geral, sofre muita influência das condições
macroeconômicas da economia num determinado período, além de outros diversos
fatores relacionados à empresa e ao setor da economia em que a empresa atua.
Uma das principais características macroeconômicas que influencia o valor das
ações, principalmente no curto prazo, é a taxa de juros.
Os títulos públicos representam investimentos de longo prazo e de risco
baixo, assim como os imóveis, só que diferentemente destes, possuem uma liquidez
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muito maior. Essa liquidez maior gera um impacto sobre o consumo num tempo
mais curto, podendo influenciar diretamente na eficiência da política econômica.
Diversos estudos foram realizados para tentar mensurar o efeito riqueza,
comprovando que o efeito riqueza é significativamente relevante para a função de
consumo agregado.
Catte et al. (2004) fizeram um estudo para verificar a propensão marginal a
consumir da riqueza financeira e imobiliária no curto e no longo prazo para alguns
países membros da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento
Econômico (OCDE). O estudo realizado estima a propensão marginal a consumir
das riquezas financeira e imobiliária através de uma regressão baseada na teoria de
consumo do ciclo de vida. Os resultados mostrados na tabela 1 mostram a
existência do efeito riqueza em todos os países. Ainda deve-se destacar uma maior
propensão marginal a consumir da riqueza imobiliária no longo prazo do que a da
riqueza financeira em países como a Austrália, o Canadá, a Holanda, o Reino Unido
e os Estados Unidos.
TABELA 1 - ESTIMATIVAS DA PROPENSÃO MARGINAL A CONSUMIR DA RIQUEZA FINANCEIRA E
IMOBILIÁRIA NO CURTO E NO LONGO PRAZO
Como foi verificado, o efeito riqueza pode ser transmitido basicamente por
três ativos: as ações; os títulos públicos; e os imóveis. Neste item serão vistas as
características dos principais mercados de ações e de títulos públicos. Como não
existe nenhum indicador que possa mostrar alguma evolução no preço dos imóveis
a nível nacional, assim como não existem pesquisas sobre a importância dos preços
dos imóveis no efeito riqueza no Brasil, não será possível caracterizar o mercado
imobiliário brasileiro.
Desde 2000 o Brasil passou a ter uma redução nesse número, saindo de 467
para 292 empresas listadas em 2008, número que não chega a representar nem um
quarto (1/4) das empresas que possuíam ações em bolsas de valores na China. A
Alemanha, dentre os países desenvolvidos, apresenta um número menor (832
empresas negociadas em bolsa de valores em 2008), mas que ainda representa o
dobro da quantidade registrada no Brasil. No Japão e na Inglaterra o número de
empresas negociadas em bolsa de valores passou dos 3.000 no ano de 2008. Já
nos Estados Unidos, centro financeiro mundial, o número de empresas negociadas
em bolsa de valores chegou a 6.449 em 2008.
Através desses dados pode-se verificar um mercado de ações no Brasil em
crescimento, porém ainda muito pequeno se comparado com outros países. A
elevada dependência de investidores externos faz com que o mercado fique muito
dependente, se tornando mais volátil, e também faz com que uma parcela grande do
efeito riqueza seja transferida para outros países.
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Segundo Villela Pedras (2009), pode-se verificar que o Brasil até 1964
utilizava a dívida pública apenas para o financiamento de alguns projetos
específicos. Com o Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG) em 1964, o
mercado de títulos públicos ganhou uma maior eficiência. A intenção desse plano
era de consolidar as operações de mercado aberto (open market), obter recursos
para financiar o déficit orçamentário, financiar investimentos específicos e aumentar
o giro (volume de negociação) da dívida pública mobiliária interna.
Para compensar a elevada inflação do período e continuar a atrair
investidores, foi instituída a correção monetária no mercado de títulos públicos, que
surgiu com a criação da Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional (ORTN) A
partir do lançamento das ORTN’s o mercado de títulos públicos brasileiro passou a
ter uma maior representatividade. É importante destacar que a parcela do déficit que
não era financiada pela emissão de títulos púbicos no mercado era financiada pela
colocação de títulos na carteira do Banco Central.
Com a consolidação do mercado de títulos públicos no início da década de
70, foi criada a Letra do Tesouro Nacional (LTN) que era mais apropriado para a
política monetária. As LTN’s chegaram a representar 33,6% do total da DPFi em
1972, o que de certa forma era reflexo do milagre econômico registrado no período e
também de uma desaceleração da taxa de inflação. Com isso a dívida pública
brasileira passou a exercer também a função de auxiliar na execução da política
monetária.
Já entre 1973 e 1979, o aumento dos preços ocasionado pelos choques do
petróleo gerou um aumento considerável na inflação e com isso a preferência dos
investidores voltou a ser pelas ORTN’s que eram indexados à taxa de inflação.
Assim, em 1983 esses títulos chegaram a representar 96% da dívida pública em
poder do público.
Segundo Villela Pedras (2009), a partir de 1986 o governo procurou fazer
alterações na estrutura institucional da área fiscal, buscando um maior controle fiscal
e uma centralização do controle dos gastos públicos através da criação da
Secretaria do Tesouro Nacional. A função de colocar e resgatar os títulos públicos
que era do Banco Central passou a ser da Secretaria do Tesouro Nacional.
Esse período ficou marcado pelas diversas tentativas de combate a inflação
que já atingia níveis preocupantes. Essas tentativas de combate acabaram por
influenciar também a política da dívida pública. Em 1986 foi lançado o Plano
Cruzado que, numa tentativa heterodoxa de combate à inflação, congelou os preços,
decretou o fim da correção monetária e reduziu as taxas de juros. Assim as ORTN’s
passaram a ser chamadas de Obrigações do Tesouro Nacional (OTN’s) e também
deixaram de ser indexadas á taxa de inflação. Com isso as novas emissões de
títulos do Tesouro Nacional ficaram reduzidas, pois as LTN’s que eram pré-fixadas
se tornaram menos atraentes com as elevadas taxas de inflação e as ORTN’s não
poderiam ser mais emitidas por causa do fim da correção monetária. Assim o Banco
Central acabou absorvendo as novas emissões da dívida. Em 1986 e 1987,
conforme Villela Pedras (2009), o estoque da dívida pública em poder do Banco
Central foi de 68% e 72% respectivamente. Em meados de 1986 o Conselho
Monetário autorizou o Banco Central a emitir títulos próprios, visando aumentar os
instrumentos de política monetária. Assim o Banco Central lançou as Letras do
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Banco Central (LBC’s) que eram títulos indexados a taxa Selic diária3. Como a
emissão desses títulos interessou os investidores e considerando que a
responsabilidade de administração da dívida pública passou a ser da Secretaria do
Tesouro Nacional, foram criadas as Letras Financeiras do Tesouro (LFT’s). As LFT’s
possuíam as mesmas características das LBC’s, porém a responsabilidade dessa
dívida era do Tesouro Nacional que poderia utilizar esse instrumento apenas para
cobrir os déficits orçamentários.
Em fevereiro de 1987, o Brasil acabou decretando a moratória da dívida
externa por causa dos insucessos das políticas econômicas que deixaram o déficit
orçamentário fora de controle. Esse acontecimento acabou por aumentar a
necessidade de o governo buscar o financiamento interno.
A nova constituição de 1988 acabou por desmembrar a autoridade monetária
da autoridade fiscal. O final da década de 80 ficou marcado por elevadas taxas de
inflação, déficit fiscal e aumento da dívida pública através de emissões de LFT’s.
Conforme Villela Pedras (2009), a dívida pública já representava 15% do PIB
brasileiro em 1990. Essa dívida estava concentrada basicamente em LFT’s, com
prazo médio de 5 meses.
Com o Plano Collor em 1990 foi determinado o congelamento de 80% dos
ativos financeiros do país. Assim a dívida pública em poder do mercado foi
substituída compulsoriamente pelos Bônus do Tesouro Nacional (BTN’s) que tinham
um prazo de 18 meses e uma remuneração muito inferior a taxa Selic. Ocorreu uma
forte redução na liquidez deste mercado e o Banco Central foi forçado a recomprar
as LFT’s que ainda estavam no mercado. Com esses acontecimentos o governo
registrou superávit de mais de 4% do PIB em 1990, mas graças à falta de confiança
do mercado gerada pelo congelamento dos ativos financeiros e pelas elevadas taxas
de inflação, a emissão das LTN’s ainda era difícil. Com isso o Banco Central decidiu
emitir os Bônus do Banco Central (BBC’s) que serviriam como instrumento de
política monetária. No final do ano de 1991, com o início do processo de
descongelamento dos ativos, o Tesouro Nacional passou a emitir as Notas do
Tesouro Nacional (NTN’s) para pagar os BTN’s que estavam vencendo. As NTN’s
foram classificadas em diversas séries, conforme um determinado indexador. As
principais séries eram a “D” que era indexada ao dólar, a “C” que era indexada ao
IGP-M e a “H” que era indexada a Taxa Referencial (TR).
Em 1993 foram tomadas algumas medidas para aumentar a transparência na
relação entre o Banco Central e o Tesouro Nacional e reestruturar a carteira do
Banco Central para melhorar os instrumentos de política monetária. Assim, conforme
Villela Pedras (2009), os títulos em poder do Banco Central caíram 24% ao longo
deste ano. Esta menor participação do Banco Central como financiador do déficit
público, além de melhorar a transparência das autoridades fiscais e monetárias
também traz um maior papel do efeito riqueza gerado através dos títulos públicos.
Isto ocorre porque mais títulos estão em poder direto ou indireto (através de fundos
de investimento) das famílias.
Em 1994 foi lançado o Plano Real que conseguiu controlar a taxa de inflação
da economia brasileira. Logo após o sucesso do Plano Real, o governo tomou
algumas medidas para melhorar a qualidade da DPMFi, passando a emitir mais
LTN’s e buscando prolongar o prazo da dívida. Em 1996 foram emitidas LTN’s com
o prazo de 6 meses e no final do ano de 1997 o governo já emitia esses títulos com
2 anos de vencimento. Este processo de alongamento da dívida teve de ser
3
A taxa Selic diária é a taxa de juros média das operações compromissadas lastreadas em títulos públicos
federais.
15
4
Estatísticas da divida pública, Secretaria do Tesouro Nacional, 2009.
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Pode-se destacar também o prazo médio das NTN-F’s que em 2008 foi de 29,84
meses, contra apenas 7,04 meses das LTN’s. Assim como as NTN-B’s, as NTN-F’s
também tiveram sua representatividade sobre a DPFi aumentada de 4,47% do total
em 2006 para 13,39% do total em 2008. O aumento da participação destes títulos foi
fundamental para o alongamento da DPFi no período entre 2006 e 2008.
Conclusão
REFERÊNCIAS