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A memória de São José Operário vem-se celebrando liturgicamente desde 1955. A Igreja
recorda assim – seguindo o exemplo de São José e sob o seu patrocínio – o valor humano e
sobrenatural do trabalho. Todo o trabalho humano é colaboração com a obra de Deus
Criador, e por Jesus Cristo converte-se – na medida do amor a Deus e da caridade com os
outros – em verdadeira oração e em apostolado.
Tudo isto no-lo recorda a festa de hoje6, ao propor-nos São José como
modelo e padroeiro: um homem que viveu do seu ofício, a quem devemos
recorrer com frequência para que não se degrade nem se distorça o trabalho
que temos entre mãos, pois não raras vezes, quando se esquece Deus, “a
matéria sai da oficina enobrecida, ao passo que os homens se envilecem” 7. O
nosso trabalho, com a ajuda de São José, deve sair das nossas mãos como
uma oferenda gratíssima ao Senhor, convertido em oração.
Qualquer trabalho nobre pode chegar a ser uma tarefa que aperfeiçoa
aquele que o realiza bem como toda a sociedade, e pode converter-se em
meio de ajudar os outros através da comunhão que existe entre todos os
membros do Corpo Místico de Cristo que é a Igreja. Mas, para isso, é
necessário não esquecer o fim sobrenatural que devem ter todos os atos da
vida, mesmo os que se apresentam como muito duros ou difíceis: “O
condenado às galés bem sabe que rema a fim de mover um barco, mas, para
reconhecer que isso dá sentido à sua existência, terá que aprofundar no
significado que a dor e o castigo têm para um cristão; quer dizer, terá que
encarar a sua situação como uma possibilidade de identificar-se com Cristo.
Pois bem, se por ignorância ou por desprezo não o consegue, chegará a odiar
o seu “trabalho”. Um efeito similar pode dar-se quando o fruto ou o resultado
do trabalho (não a sua retribuição económica, mas aquilo que se “trabalhou”,
“elaborou” ou “fez”) se perde numa lonjura de que quase não se tem
notícia”11. Quantas pessoas, infelizmente, se dirigem todas as manhãs ao seu
“trabalho” como se fossem para as galés! Vão remar um barco que não
sabem para onde se dirige, e aliás sem se importarem com isso. Só esperam
o fim de semana e o ordenado. Esse trabalho, evidentemente, não dignifica,
não santifica; dificilmente servirá para desenvolver a personalidade.
III. OBRA BEM FEITA é aquela que se executa com amor. Ter apreço pelo
trabalho profissional, pelo ofício que se exerce, é talvez o primeiro passo para
dignificá-lo e para elevá-lo ao plano sobrenatural. Devemos pôr o coração nas
tarefas que temos entre mãos, e não fazê-lo “porque não há outro remédio”.
“Meu filho, aquele homem que veio ver-me esta manhã – aquele de blusão
cor de terra – não é um homem honesto [...]. Exerce a profissão de
caricaturista num jornal ilustrado. Isso lhe dá de que viver, ocupa-lhe as horas
do dia. E, no entanto, sempre fala com repugnância do seu ofício e diz: «Se
eu pudesse ser pintor! Mas é indispensável que desenhe essas coisas banais
para poder comer. Não olhe para os bonecos, homem, não os veja! Comércio
puro...» Quer dizer que trabalha unicamente pelo lucro. E deixou que o seu
espírito se ausentasse daquilo em que ocupa as mãos. Porque tem o seu
trabalho na conta de coisa muito vil. Mas eu te digo, filho, que se o trabalho
do meu amigo é tão vil, se os seus desenhos podem ser chamados de
banalidades, a razão está justamente em que ele não pôs neles o seu
espírito. Não há tarefa que não se torne nobre e santa quando o espírito nela
reside. É nobre e santa a tarefa do caricaturista, como a do carpinteiro e a do
homem do lixo [...]. Há uma maneira de fazer caricaturas, de trabalhar a
madeira [...], que revela que se pôs amor nessa actividade, cuidados de
perfeição e harmonia, e uma pequena chispa de fogo pessoal: isso que os
artistas chamam estilo próprio, e que não há obra nem obrinha humana em
que não possa florescer. Essa é a boa maneira de trabalhar. A outra, a de
menosprezar o ofício, tendo-o por vil, ao invés de redimi-lo e secretamente
transformá-lo, é má e imoral. O visitante de blusão cor de terra é, pois, um
homem imoral, porque não ama o seu ofício”13.
São José ensina-nos a realizar bem o ofício que nos ocupa tantas horas:
as tarefas domésticas, o laboratório, o arado ou o computador, o trabalho de
carregar pacotes ou de cuidar da portaria de um edifício... A categoria de um
trabalho reside na sua capacidade de nos aperfeiçoar humana e
sobrenaturalmente, nas possibilidades que nos oferece de levar adiante a
família e de colaborar nas obras em favor dos homens, na ajuda que através
dele prestamos à sociedade...
São José, enquanto trabalhava, tinha Jesus diante de si. Pedia-lhe que
segurasse uma madeira enquanto ele a serrava, ensinava-lhe a manejar o
formão e a plaina... Quando se sentia cansado, olhava para o seu filho, que
era o Filho de Deus, e aquela tarefa adquiria aos seus olhos um novo vigor,
porque sabia que com o seu trabalho colaborava com os planos misteriosos,
mas reais, da salvação. Peçamos-lhe hoje que nos ensine a ter essa
presença de Deus que ele teve enquanto exercia o seu ofício. E não nos
esqueçamos de Santa Maria, a quem vamos dedicar com muito amor este
mês de Maio que hoje começa. Não nos esqueçamos de oferecer em sua
honra todos estes dias, alguma hora de trabalho ou de estudo, mais intensa,
mais bem acabada.
(1) Sl 127, 1-2; cfr. Antífona de entrada da Missa de 1º de Maio; (2) Gen 1, 26; 2, 3; (3) Gen 2,
15; (4) Gen 3, 17-19; (5) São Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 47; (6) João Paulo II,
Exort. Apost. Redemptoris custos, 15-VIII-1989, 22; (7) Pio XI, Enc. Quadragesimo anno, 15-
V-1931; (8) Mt 13, 54-58; (9) Mc 6, 3; (10) Conc. Vat. II, Const. Gaudium et spes, 67; (11) P.
Berglar, Opus Dei, Rialp, Madrid, 1987, pág. 309; (12) Oração sobre as oferendas da Missa
de 1º de maio; (13) E. D’Ors, Aprendizaje y heroísmo: grandeza y servidumbre de la
inteligencia, EUNSA, Pamplona, 1973, págs. 19-20.