POLÍTICA
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Poder 2.0
AS ELEIÇÕES DE 2010 SERÃO AS PRIMEIRAS EM QUE A INTERNET SERÁ
USADA AMPLAMENTE NA CAMPANHA ELEITORAL, INAUGURANDO UM
ESPAÇO INÉDITO DE COMUNICAÇÃO DIRETA ENTRE ELEITOR E CANDIDATO.
VEJA COMO OS POLÍTICOS ESTÃO UTILIZANDO AS FERRAMENTAS SOCIAIS E
QUAIS OS EFEITOS DESSA EXPERIÊNCIA NA SOCIEDADE.
POR CAROLINA CASTRO, HELDER SANTOS E ROGÉRIO DE SOUSA
Quando subi para a sala da subprefeita da
Lapa, bairro da Zona Oeste de São Paulo, me
deparei com uma cena que não se espera
encontrar quando se pensa em entrevistar
uma autoridade. No lugar de formalidade,
pompa ou austeridade, o que encontrei foi
simplicidade: uma mulher de tênis, camiseta
larga, calça jeans, cabelos soltos, lisos e retos e
sem nenhum traço de maquiagem no rosto. Ela
me cumprimenta sorridente, com beijo no
rosto, pede para que eu me sente e pergunta:
“Aqui está bom de ruído para você?”. Logo de
cara, vê-se que Soninha Francine (PPS), que já
foi VJ da MTV, repórter do ESPN e colunista da
Folha de S.Paulo, é uma comunicadora nata. E
se comunica com a mesma simplicidade com
que se veste. Ela atualiza pessoalmente – e de
maneira pessoal – o twitter @SoninhaFrancine
e o blog Gabinete da Soninha e, para ela, é
natural responder diretamente aos leitores,
muitas vezes com uma intimidade que pode ser
prejudicial. “Eu acho a facilidade de
comunicação e a rapidez da internet fantásticas
mas, com tudo isso, vem a ressaca. Muito
rapidamente se propaga uma bobagem e as
pessoas perdem o lado humano. É como se
entrassem na sua casa e berrassem ‘Sua
vagabunda!’, depois saíssem andando. É
preciso ter fígado blindado para aguentar”.
Soninha criou seu blog depois que entrou para
a administração pública e não podia mais
trabalhar como repórter. “Eu precisava expor o
que eu estava pensando, contar alguma
FÍGADO BLINDADO:
Soninha critica
internautas que a
desrespeitam na
internet
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barbaridade que presenciei ou algum fato muito
legal que estava acontecendo.” Ao longo de sua
“
trajetória na rede, percebeu que algumas pessoas
passavam a entender mais o jogo político e a se
colocar em seu lugar, mas também notou o efeito
de manada que a distância proporciona. “Se você
anda na rua, ninguém te ofende, mas, na internet,
as pessoas gritam, xingam, dizem barbaridades.
Isso é muito nocivo”. Mesmo assim, a política
SE VOCÊ ANDA NA
avalia a comunicação direta entre eleitor e RUA, NINGUÉM TE
candidato como algo positivo. “Mesmo que
eleitoralmente não me leve a lugar algum, a OFENDE, MAS, NA
experiência vale a pena só pelo efeito de se
comunicar”. INTERNET, AS
O presidente da Câmara Municipal de Americana,
PESSOAS GRITAM,
Cauê Macris (PSDB), também está em várias
redes sociais. Tem perfil no Flickr, no Orkut, no
XINGAM, DIZEM
Youtube, no Facebook e no FotoBlog, mas o único BARBARIDADES.
que atualiza pessoalmente é o Twitter. Ele
enxerga a importância da ferramenta e se orgulha ISSO É MUITO
em dizer que a Câmara que preside é a primeira
do país a utilizar recursos da web 2.0. “Estar NOCIVO.
incluído nesses locais é não temer
questionamentos, é prestar contas e receber
sugestões. Trata-se de um grande instrumento
democrático”. Enquanto Soninha utiliza o serviço
de microblog como usuária, misturando
informações de interesse público com sua vida
pessoal, Cauê reserva os 140 caracteres para
assuntos estritamente profissionais. “Tenho
restrições quanto a abrir demasiadamente a vida
pessoal nesses veículos. Creio que o caráter deve
ser mais profissional”, defende.

A diferença com que os dois políticos lidam com a internet ilustra
como as eleições de 2010 servirão de laboratório para as que estão
por vir. Pela primeira vez, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
permitiu uma candidatura ampla na internet: os candidatos
podem criar blogs, twitter, sites e até pedir doações pela rede
mundial de computadores. Alexandre Inagaki, consultor da
Polvora! Comunicação, agência especializada em mídias sociais,
reforça o caráter de aprendizado dessas eleições. “É lógico que em
meio ao tsunami de informações da internet, um político receberá
centenas de mensagens inúteis, mas faz parte do jogo democrático
saber peneirar o que há de mais relevante em meio a ofensas e
piadas bestas. Em contrapartida, o cidadão também deve saber
utilizar de forma consciente essa possibilidade de comunicação
direta”. Inagaki também acredita que o Twitter possa servir como
um “termômetro” da sociedade. “Políticos que se demonstrarem
receptivos a críticas e sugestões dadas por eleitores no Twitter
podem humanizar suas imagens, além de ter uma noção mais
precisa da temperatura da sociedade, descobrindo seus principais
temas, preocupações e reinvindicações”.
Mesmo com os olhos voltados para a internet, a estrela das
eleições deve continuar sendo a televisão. “Nós temos no Brasil 12
ou 13 milhões de famílias recebendo cesta básica todos os meses.
A grande maioria desse contingente social ainda não sabe ler ou
escrever”, analisa a socióloga Lúcia Rangel Azevedo. Ela acredita
que a televisão continuará a reinar absoluta não só por sua ampla
distribuição no território nacional, mas também por ser uma mídia
oral. Mesmo assim, afirma que a campanha na internet surtirá
efeitos. “Há uma grande parte da população que tem acesso à
internet e o fato de ela ser utilizada na campanha política é um
avanço, sem dúvida. As camadas mais informadas poderão ter
melhor conhecimento dos candidatos através do uso dos blogs,
twitter, etc., o que vai dificultar a eleição de candidatos
comprometidos com atos irregulares, corrupção e má-fé”.
Alexandre Inagaki vê a rede como uma coadjuvante. “A internet
deve ser trabalhada com outro foco, complementando e
detalhando informações que não foram veiculadas na TV por falta
de tempo, e estimulando a participação direta das pessoas por
meio de comentários, fóruns de discussão, enquetes e fomento de
conteúdos colaborativos”. Soninha partilha da mesma opinião.
“Acredito que no horário eleitoral o político tem que falar o que
pensa e o que pretende fazer, não usar uma marca registrada que o
torne mais visível. Por isso, nossa campanha vai usar o espaço na
EFEITO OBAMA
Muito do entusiasmo dos políticos em relação à internet deve-se ao
sucesso eleitoral do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama,
que teve como principais plataformas de publicidade o Twitter e o
Youtube. A prova disso é que tanto a equipe de Dilma Rouseff
quanto a de José Serra procuraram o americano Ben Self,
responsável pela campanha vencedora de Obama, para cuidar de
sua imagem na rede. Mas especialistas acreditam que é difícil o
cenário se repetir por aqui. “Nenhum político brasileiro deve se
iludir achando que basta contratar os mesmos marqueteiros de
Obama para que a repercussão na internet seja a mesma. As
estratégias deverão se adequar ao perfil de cada político para que
se tornem eficazes”, alerta o consultor de mídias sociais Alexandre
Inagaki.
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Para Macris, a
internet tornou-se
quase uma
imposição aos
políticos
TV para puxar o eleitor para a internet, onde o espaço é ilimitado”,
explica a candidata ao governo do Estado de São Paulo.
Utilizada como complemento ou plataforma principal, o fato é que a
internet entrou na administração pública de maneira irreversível.
Cauê Macris acredita que seu uso tenha virado uma necessidade.
“Mesmo os políticos mais antigos aderiram a sites de seus mandados
ou ao Twitter. É quase uma imposição, nem tanto pela exposição, mas
pela interatividade e poder de comunicação com os eleitores de
base”. Vereador de Lages (SC) e cientista político, Marcius Machado
(PPS) observa que diversos órgãos federais já estão online. “As novas
mídias já estão sendo utilizadas pelos políticos, pelos candidatos e
pelas instituições, como ocorre no Twitter com diversos ministérios,
como os da Saúde, do Turismo e da Cultura. Hoje, podemos encontrar
até mesmo julgamentos do Supremo Tribunal Federal no Youtube”. E
a expectativa é que a interatividade entre eleitor e candidato
aumente com o passar dos anos. “Um plenário pela internet é muito
mais democrático que um presencial, onde só aparecem militantes de
causas, que dedicam sua vida a isso. O cidadão comum não consegue
participar dessas reuniões por causa do horário de trabalho, então,
mesmo que haja umas 200 pessoas numa sessão, menos de 10% da
sociedade se vê representada ali”, explica Soninha.
Um fator crucial para o sucesso da candidatura do presidente
americano foi o cenário político. “Nos Estados Unidos, não foi a
estrutura de uma campanha que mobilizou as pessoas, foram as
pessoas que se mobilizaram espontaneamente em torno de um caso
muito especial, que representava muita coisa diferente. Os
americanos passaram por dois anos de administração Bush, um
governo repressor e conservador, e, de repente, aparece um cara que
de todas as formas era o contrário daquilo”, afirma Soninha. Para ela,
a única candidata que tem esse poder de mobilização no Brasil é
Marina Silva. “Acho que em torno dela pode surgir alguma
mobilização espontânea na internet, para propagar a ‘candidatura
Marina’. Mesmo assim, o que é forte aqui no Brasil ainda é a militância
do partido”.