Para dar início à discussão da temática da honra e da pureza apresentaremos
dois pequenos ensaios, um sobre honra e outro sobre pureza, que vão estar elucidando essas características, inerentes ao pensamento do grego, seguido de uma aproximação avaliativa da presença dessas duas temáticas na peça de Sófocles: Antígona.
Honra
Na sociedade Grega, um senso de honra parece funcionar como um senso de
obrigação. Ambos refletem a luz da consciência. Ambos operam através da determinação interna da vontade de fazer o que a razão julgue ser certo no caso particular. Obrigação normalmente envolve compromissos com outros mas o senso de honra de um homem pode leva-lo à agir de uma certa maneira, embora o bem de nenhum outro esteja envolvido. Para manter seu auto-respeito, ele tem de respeitar um padrão de conduta que ele tenha estabelecido a si mesmo. Por essa razão um homem pode envergonhar de si mesmo por fazer ou pensar o que nem prejudica ninguém mais ou nem mesmo chega ao conhecimento dos outros. Um senso de Vergonha (reflexo de seu senso de honra) o atormenta por ter sido desleal às suas próprias concepções do que é bom ou correto; e sua vergonha pode ser ainda mais intensa em proporção como o padrão que ele violou não é compartilhado por outros, mas sua própria medida do que um homem deve ser ou fazer. O senso de honra e o senso de obrigação se diferem em um outro aspecto. Obrigação pressupõe uma lei. A essência da lei é sua universalidade. Um senso de obrigação, no entanto, leva um homem a fazer o que se espera dele, mas não dele sozinho, pois ele não é diferente dos outros em relação ao que a lei ordena. Em contraste um senso de honra pressupõe “auto-consciência” da virtude no indivíduo. Isso o liga em consciência a viver à imagem de seu próprio caráter. Sem algum auto-respeito, um homem não pode ter senso de honra. Nos grandes poemas trágicos, o herói que se desonra em seus próprios olhos, morre espiritualmente com a perda de seu auto-respeito. Continuar a viver na carne, à partir de então, seria quase um destino pior do que a morte física, o que usualmente simboliza o fim trágico. O sentido na qual um homem pode honrar ou desonrar a si mesmo, está próximo ao sentido na qual ele pode ser honrado pelos outros. Ambos envolvem um reconhecimento da virtude ou à sua violação. Mas se diferem nisso: A honra pessoal de um homem é uma conseqüência interna da virtude e inseparável dela, em contraste com o fato de que a honra pública, presenteada à um homem é um prêmio externo da virtude. Não é sempre ganha por quem a mereça. Quando dada a um homem por conta de uma qualidade nele e em sinal e testemunho dessa qualidade que está na pessoa honrada. Não há então separação entre o que uma comunidade considera honrável e o que considera virtuose ou qualidade na mente ou caráter. Mas não necessariamente se segue que um homem que é de fato virtuoso sempre receberá a honra que é devida a ele. A honra pública pode ser mal aplicada (tanto desmerecidamente dada ou injustamente negada).
Pureza (mácula e purificação)
A origem religiosa da noção de mácula, não existiria na realidade. É preciso se
ater então aos textos e interpreta-los sem idéia preconcebida sobre o que seria uma religião grega primitiva. Em Homero, a mácula é positiva. É uma sujeira, uma mancha material, de sangue, lama, porcaria, suor. O homem está puro quando está limpo. Não há outras máculas senão a sujeira. A limpeza física transborda, aliás, o domínio do corpo. A mancha que o suja, o enfeia: fere seu íntimo, sua pessoa social e moral. Proíbe-o de entrar em contato com os deuses. A limpeza física talvez se apresentasse, logo de início, como valor religioso. Para abordar a divindade deve se limpar e se lavar da sujeira física. Simplesmente, em Hesíodo, essa limpeza cultual assume valor moral como testemunho de obediência à vontade dos deuses. Surge no decorrer dos séculos VII e VI, uma concepção nova de mácula. Encontramos testemunhada a idéia da mácula do assassino e da impureza da morte. (aparentemente ausente no tempo de Homero.) De início gestos catárticos: sacrifícios purificadores especialmente do assassino, expulsão dos cadáveres e dos autores de sacrilégios para fora de santuários; finalmente, uma extensão mais moral e se aplicam a objetos mais abstratos: uma cidade pode ser maculada. A mácula é uma mancha apagada pelo sacrifício purificador e há diversas circunstâncias em que se impõem as purificações religiosas: nascimento do filho, antes de um sacrifício à um deus, diante da morte e sobretudo em caso de assassinato. As máculas atingem os homens, as famílias, as cidades, os lugares santos, os próprios deuses. No caso do assassinato, a purificação se da para apaziguar o ressentimento do defunto e não lavar a mancha do culpado. A impureza poderá se estender até mesmo à todo um território: terra infértil, rebanhos infecundos, filhos monstruosos. É o sistema amplo das relações humanas, sociais e cósmicas, que o ferimento sacrílego da ordem perturbou. Na fórmula do juramento dos Gregos ante de platéia: “Que haja para os perjuros uma mácula”. Esse termo designa a potência perigosa que o perjuro deve temer, ao lado do valor de sacrilégio.
Comparação avaliativa da presença da honra e da purificação das máculas em
Antígona:
Em vários momentos da peça, estão presentes essas questões. Praticamente,
toda a trama se atêm à questões de honra, máculas e purificação, pois tanto nas atitudes de Creonte e Antígona, percebe-se o quanto esses valores foram vivos na vida dos Gregos da Antigüidade. Antígona defende a honra de sua família ao querer enterrar seu irmão, assim como deseja manter sua religiosidade, através da “entrega” da alma de seu irmão aos deuses. A mácula carregada por ele seria expiada. A própria Antígona então, poderia descansar em paz sem perceber em si algo que a desonrasse perante as pessoas e algo que a maculasse perante aos deuses. Quando Creonte faz o edito proibitório do enterro de Polinícies, tenta defender a honra da cidade (que teria sido vítima de uma guerra externa) mas, transgride as leis dos deuses mesmo sendo advertido por Corifeu(ancião) e Tirésias(adivinho), maculando-se aos deuses. Essas atitudes também podem estas ligadas ao fato de que na religião dos gregos, a não existência de uma autoridade religiosa e um livro que regre as leis divinas, dava a oportunidade de interpretação ampla do que seria uma lei divina e a conduta correta de um homem sob essas leis. Creonte apenas reconhece seu erro, quando convencido de que transgredira as leis inabaláveis, resolve ceder ao que considerava honrável à cidade, temendo a mácula que carregaria não cumprindo as leis divinas. Em verdade a prudência acaba sendo a grande discussão da peça, uma vez que entre tantos valores preservados pelos gregos, apenas a boa medida deles, poderia acarretar à todos uma plena vivência sob a felicidade.
Paulo Roberto Carneiro Pontes - A Construção Da Harmonia: o Socialista Da Provincia Do Rio de Janeiro (1845) e o Conceito de Socialismo Na Década de 1840
Paulo Roberto Carneiro Pontes - A Construção Da Harmonia: o Socialista Da Provincia Do Rio de Janeiro (1845) e o Conceito de Socialismo Na Década de 1840