Sunteți pe pagina 1din 24
Revista de Economia Politica, vol. 21, n° 3 (83), julho-setembro/2001 A Reestruturagao Industrial Brasileira nos Anos 90. Uma Interpretacao ANTONIO BARROS D! The Brazilian industry has heen deeply changed during the nineties although it is not easy to have a synthetic and encompassing view of the transformation occurred. In order to have such a view one have to take into account the h influence of the years of high inflation (until mid 1994). Stabilization and overvaluation (of the real) in the years following the launching of the Real Plan were another decisive influence. The article argues that submitted to this set of conditioning events, industry in Brazil went through a (limited) catch up during the nineties. Italso tries to show how progress has been mainly concentrated at the plant level — both in multinational and in do- mestic industrial firms. HIBERNACAO Do inicio dos anos 1980 ao lancamento do Plano Real, a elevagao (irregular- mente) galopante dos pregos ¢ os brutais solavancos da politica econdmica impu- nham as industrias sediadas neste pais politicas agressivas de pregos ¢ uma gestao financeira flexivel ¢ super-atuante. Em tais condigdes (e, sobretudo, enquanto a economia se manteve fechada) as atengdes das empresas nao estavam, sendo secun- dariamente, voltadas para a produgao e a eficiéncia operacional. As empres trangeiras, em particular, imobilizadas diante de um contexto a tal ponto idios- sincratico, “hibernaram” (na expressao de um concorrente nacional) do ponto de vista produtivo. Nao tentarei recapitular o que faziam as empresas para conviver (e sobreviver) no ambiente da alta inflagao. Lembro apenas que, como alguns autores ja sublinha- $ es Do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, IE/UFRJ. © autor agradece a Adriano Proenga (Engenharia de Produgo, Universidade Federal do Rio de Janeiro) o debate incessan: te de certas idéias aqui contidas € o apoio dado & realizagio deste trabalho. ram, a diversificagao produtiva ¢ a das apl direcdes) funcionavam como importantes mecanismos de protegao frente a insta- bilidade acentuada ¢ crénica.' E isto significa que a adaptacao a um tal ambiente implicava ineficiéncias, associadas, por exemplo, ao aumento dos custos requeri- dos para a preparagao de linhas e maquinas, bem como a ampliagao dos overheads administrativos. Isto sem falar nas ineficiéncias relacionadas com a precificagio em condigées de alta inflagao: de acordo com o depoimento de uma empresa pesquisada 4 época, 30% dos seus gastos administrativos decorriam das necessidades de “ad- ministrar a inflagao”, com destaque para a revistio de tabelas de precos a cada més? (e por que no quinzenalmente?). iudo indica que, neste contexto, tanto a ampliagio (excessiva, diante de con- diges menos excepcionais) do leque de negécios, quanto a necessidade de anteci- par-se A proxima rodada de alta de precos (para evitar descapitalizacao) levavam a existéncia de “folgas” (slack) intimamente associadas as caracteristicas do contex- to.* Vista a questao por este prisma, a protecdo concedida a producio doméstica (constante, por hipétese, a taxa de cambio), apenas compensava ou viabilizava, em maior ou menor medida, a manutengao do peculiar arranjo de instituigdes ¢ prati cas imperante no Brasil. E importante acrescentar que o problema que acaba de ser apontado se agra- vou ao longo dos anos 1980. Enquanto no mundo desenvolvido a renovagio dos métodos de organizacao e gerenciamento, bem como novas técnicas produtivas, ganhavam vigor, aqui —e muito particularmente na segunda metade dos anos 1980 — virtualmente cessavam as mudangas do lado real da economia. Com razao, pois, a segunda metade dos anos 1980 ja foi referida como “o qitingiiénio perdido da década perdida”.* Uma idéia da revitalizagao — ¢ multiplicagio das oportunidades — em curso 8 época no mercado internacional pode ser dada pelos seguintes fatos: as exporta- Ges mundiais de manufaturas, que de 1980 a 1985 haviam crescido 1,0% ao ano, passaram a se expandir a 12,5% ao ano de 1985 a 1990.5 A economia brasileira, Ses patrimoniais (atirar em varias ' Veja-se a propésito a Dissertagao de Mestrado de Ricardo de Machado Ruiz, “Estratégia Empresarial © Reestruturagdo Industrial (1980-1992). Um Estudo de Grupos Econdmicos Selecionados”. Instituto de Feonomia da UNICAMP, 1994, > Proenza, Adriano, “Projeto Modernizacao Industrial e Desenvolvimento de Recursos Humanos: Um Estudo de Prospeegio na Inckistria Brasileira: Relatorio 1”, mimeo, BNDES, Junho 1994. * Diferentes autores ja advertiram sobre a necessidade de se distinguir entre pregos altos determinados pelo poder de mercado (exercido em condigoes de limitada capacidade de contestagao), € pregos altos de terminados por ineficigncia (slack). No caso em foco, seguramente, ambos os mecanismios estavam em aco. Willianson, Olivier F., “Strategizing, Economizing, and Economic Organization”, em Rumelt, Richard, Schendel, Dan ¢ Teece, David Fundamental Issues in Strategy. Harvard Business School Press. 1995. * Chami Batista, Jon ‘c Fritsch, Winston, “Dindmica Recente das Exportagies Brasileiras” em Reis Vello: jo Paulo ¢ Fritsch, Winston (orgs.) A nova insergao internacional do Brasil. Jose Olympio, 1994, ae Innovacion en ef Suleste jones para Argentina después de la crisis”, Em Seminario Internacional: Politicas para A informagio encontra-se em Lal, Sanjaya, “Politicas de Ciencia, Tecnolog Asiitio: lec por contraste, perdia market share nos mercados mundiais, enquanto as suas em- presas industriais, em regra, apenas sobreviviam, permanecendo margem da onda de renovagao ¢ mudanga que varria as regides industrializadas. Cabe registrar, no icas iniviaram, antes de 1990 (pelo menos), a adogao dos novos métodos organizacionais e gerenciais entao referidos como ja- poneses. Entre elas podem ser destacadas a Freios Varga, a Marco Polo e a Cofap.* entanto, que algumas empresas domé: CIRURGIA E REORGANIZAGAO (1990-1994) Ainda a excepcionalidade do contexto © quadro que acaba de ser evocado sugere que a abertura anunciada em 1990 apanharia a indiistria aqui instalada numa situacdo bastante dificil. Para entendé- lo basta reafirmar 0 que ja foi sugerido: se por um lado as barrciras protecionistas permitiam precos (em délares) bastante superiores aos vigentes no mercado inter- nacional, por outro, parte pelo menos destas diferencas havia se tornado efetiva- mente necessaria, dadas as ineficiéncias engendradas pela evolucao recente da eco- nomia.” O argumento, evidentemente, nada tem a ver com a idéia de “indistria infantil”: a estas alturas histéricas, a ineficiéncia microecondmica denotava, essen- Imente, a metabolizacao de um contexto altamente adverso. Mas é também importante se dar conta de que a propria excepcionalidade do contexto, enquanto durasse, impunha freios ou limites as mudangas detonadas pela abertura anunciada. E isto pode ser percebido de trés maneiras. Primeiramente, as empresas transnacionais aqui instaladas, que mais répida e profundamente poderiam reagir ao novo quadro, bastando para isto, resumidamente, alterar o status da filial local, permaneciam de maos amarradas. De fato, doradas de autonomia bastante limitada, continuavam enfrentando grandes dificuldades para Fortalecer el Sistema Nacional de Ciencia, Tecnologia e Innovacion. Secretaria de Ciencia, Tecnologia © Innovacién Productiva, 2.000, Ali se vé como os paises do leste asiitico (dotados de uma macroeconomia bem-comportada} praticavam politicas industriais ¢ tecnolégicas super-ativas (c drasticamente red ama distancia que os separava dos paises desenvolvidos) enquanto a Argentina 0 Brasil febrilmente se debatiam, reféns da alta inflagao, © Por outro lado, conv n advertir que no caético quadro do inicio dos anos 90 facilmente poderiam ser identificadas tendéncias contraditérias. Assim por exemplo, segundo certas fontes, Collor, ao deixar clara a vulnerabilidade da riqueza financeira, no que parecia ser o limiar da hiper-in- flagdio, acabou tendo efeitos inesperados e em certa medida salutares para o chamado lado real da eco- nomia. Se por um lado avolumava-se a retirada de liquidez do pais, por outro, recursos financciros pas savam a migear para aplicagoes fisicas (Hxame, 28/4/93), brutalidade do Plano 7 As excegdes residiriam (sobretudo} em certas contmodities, em rclagao as quais as ineficié as ao contexto de alta-inflagao nao se revelaram capazes de anular as vantagens do pais em termos de escala, tecnologia ¢ dotagao de recursos naturais. Quanto As vantagens competitivas com que 0 pais continuava a contat vide Coutinho, Luciano e Ferraz, Joao Carlos, Estudo da Competitividade da br diistria Brasileira, IEAUNICAMP, Papirus, 1994. jas propri- explicar as matrizes os padrdes locais de conduta.* Por isto mesmo viam-se quase impossibilitadas (enquanto durasse a alta inflagao) de pleitear recursos para novas iniciativas, junto a matrizes. E aqui residia um tipo muito especial de “proteca s empresas locais. Além disto, enquanto se continuasse a beira do precipicio hiperinflacionario (e desde que mantido o principio da indexagao), continuava extremamente perigo- so 0 endividamento. Isto obviamente continha o apetite das empresas no tocante a introdugao de substanciais avangos — mas obviamente nao as impedia de promo- ver cortes e introduzir mudangas organizacionais. inalmente, é preciso atentar para o fato de que os proprios consumidores, aturdidos pela alta desenfreada de precos — e praticamente incapacitados de com. parar pregos —, no se encontravam em condigdes de efetivamente usufruir do au- mento da competigao decorrente (em principio) da abertura. A bem dizer, para os consumidores (mais do que para a demanda intermediadria procedente das empre- sas), 0 aumento da competigio $6 podia se materializar com a chegada da estabili- zagao. Ora, pretender intensificar a competigao sem a presenca ativa dos consumi- dores, equivalia a representar Hamlet sem o Principe. Vista a questo contra este pano de fundo, entende-se por que a severa recessi0 do inicio dos anos 90, que, combinada com a abertura, poderia ter graves conse- giiéncias para a inddstria, tenha tido efeitos relativamente limitados. Ao que pare- ce, embora tenham visto suas receitas se reduzirem com a retragio das vendas trazida pela recessio, as empresas industriais conseguiram, ressalvadas excegdes, proteger as suas margens de hucro e preservar os respectivos market shares.’ Tudo indica, em suma, que, durante a fase aqui focalizada, a abertura funcionou, essencialmente, como uma ameaga! — 0 que é aliés corroborado pelo fato de que as importagdes s6 dispararam na segunda metade de 1994. Nestas circunstancias e frente & nova e grande ameaga, qual foi a resposta pre- dominante? o” * © avango em direcio aos “mercados emergentes” passou a ser recomendado pelo governo dos Esta- dos Unidos no inicio dos anos 90 — mas isto, no caso do Brasil e pelas razdes acima apontadas, nio parece ter surtido sensiveis efeitos até a segunda metade da década. Garten, E. Jeffrey (Under Secretary ‘of Commerce for International Trade). Competing to Win int the Global Marketplace. Council of Foreing Relation, New York, jan, 1993 * “Uma Anilise dos Anos 90 ¢ uma Agenda de Politica de Desenvolvimento Industrial para a Nova D cada”, IEDI, Indiistria e Desenvolvimento, vol: Politica Industrial, Empresa Nacional e Mercado Inter no. p. 22, nov. 2000. " Simbolo das mudangas esperadas, a importagio de automéveis ocupava apenas 3,5% do mercado doméstico em 1991. Entre os carros recém importados havia contudo uma alta proporgao de procedén ia japonesa — o que ajudava a difundir o temor de que estaria por se repetir no Brasil, possivelmente ‘em maior escala, 0 fendmeno ocorrido nos Estados Unidos, onde 25% do mercado havia sido tomado 6 Cirurgia ¢ reorganizagio Existe um relativo consenso entre os analistas quanto ao fato de que na supe- ragdo das ineficiéncias herdadas do ambiente dos anos 80 se encontram nao sé pro- cessos cirtirgicos de redefinigao do alcance e perfil dos negécios, como também im- portantes esforcos de reorganizagao produtiva." De fato, os processos de rees- truturagao perseguidos pelas empresas entre 1989 ¢ 1994 incluiram nao apenas 0 redimensionamento de quadros, 0 enxugamento do catdlogo de vendas e o fecha- mento de instalagdes, como também, destacadamente, a adogao de novas praticas gerenciais tipicamente associadas & Geréncia da Qualidade Total (TQM) e ao Just in Time (JIT)." Multiplicam-se, em suma, as experigncias com mini-fabricas e “células de pro- dugéo”, bem como solugées de tipo kan ban, visando “puxar” a produgao de acordo com a demanda (todas associadas a sistemas JIT). Destacam-se também as politi- cas do tipo TQM, como a difusio de praticas de identificagdo ¢ 0 uso intensive de indicadores operacionais para gestao. Hi ainda a busca de certificagio nas normas ISO, e considerdveis esforgos visando o treinamento de pessoal. Diversas pesquisas confirmam a propagacao das novas praticas. Proenga, por exemplo, encontrou em 1993-1994, em 15 empresas lideres de diversos setores de produgao discreta (calgados, automobilistico, méquinas e equipamentos, produtos elétricos, entre outros), estratégias de producao associadas adogao de politicas de JIT © TQM." Ja Abranches, Fleury ¢ Amadeo (apud Fleury)" em pesquisa sobre 508 matérias publicadas na revista Exame, registraram que 59% das empresas analisadas adotaram uma estratégia de modernizagao, contra os restantes 41%, que simplesmente se encolhiam, com demissdes e fechamento das instalacdes. O fato deste universo de “casos” estar associado ao interesse gerado pela noticia pode, sem dé © pioneiro na identificago das tendéncias, no que toca aos primérdios da reestruturacao, parece haver sido Bielschowsky, Ricardo. Vide, por exemplo, Adjusting for Survival: Domestic and Foreign Firms in Brazil in the early 1990s, ECLANINCTAD, 1993; Veja-se também: Miranda, José Carlos, em Rees- tructuracin Industrial en un Contexto de Inestabilidad Macroecondmica. EI de Caso de Brasil. Esta- hilizacion Macroecondmica. Reforma Estructural y Comportamiento Industrial. Katz, Jorge M. (org.) CEPALIDRG, Alianza Editorial, 1996, p. 163, ¢ Fleury, Paulo e Arkader, Rebecca,. “Ameagas, Opor- tunidades e Mudangas. Trajet6rias de Modernizagao Industrial no Brasil”, em Castro, Antonio Barros de, Possas, Mario Luiz ¢ Proenga, Adriano, (orgs), Estratégias Empresariais na Indiistria Brasileira. Fo- rense Universitaria, 1996 © Convém advertir que o realce (a seguir) da reorganizagao nao deve ser entendido como desconsideracio da importancia dos profundos cortes realizados no periodo. Referindo-se a severidade destes cortes afirma com razio o Estudo da Competitividade da Indistria Brasileira (ECIB, op. cit.) que em muitos casos: “a sobrevivéncia implicou a eépida implementagio de ajustes — varios deles cirdrgicos, abruptos e emer genciais.. 10 Industrial e Desenvolvimento de Recursos Humanos: Um Relatério 1”, mimeo., BNDES, Jun, 1994, ™ Fleury, Paulo, “Ambiente Econdmico e Resposta Empresarial: O Ajuste da Indistria Brasileira nos Anos 90”, IIdes, FFE, Policy Paper, n° 19, 1996. " Proenga, Adriano, “Projeto Modernizag. Estudo de Prospecc4o na Inckistria Brasileir vida, introduzir algum viés, levando a destacar experiéncias de impacto ou exitosas. Ainda assim, cabe observar a alta incidéncia do objetivo de reducao de custos e, por tiltimo, mas de grande significado na caracterizagao do periodo analisado (1990- 1994), 0 fato de que, em 94% da casos, a escotha da trajetoria de modernizacao se deu primordialmente através de procedimentos gerenciais — e nao sob a forma de aquisigéo de maquinas e equipamentos. No tocante a (ja referida) necessidade de focalizagao das atividades e selec3o dos produtos, que rompe com a diversificagdo voltada para a redugao de riscos (imperante durante a alta inflagio) e prepara as empresas para a maior competi- 40, uma interessante ilustragdo pode ser encontrada no ocorrido com a empresa Alpargatas. Entre 1991 ¢ 1992, a empresa enfrentou um grave periodo de sua his- toria, amargando um prejuizo de US$ 121 milhées. Partiu entao para um amplo Processo de reestruturacdo, fechando 11 de suas fabricas, ¢ reduzindo seus quadros de 32.000 para 17.000 funciondrios. Das 17 marcas de confeccdes que fabricava, passou a fabricar cinco. Das 40 de calgados, permaneceram 17. Mais enxuta e pro- dutiva, veio a ser premiada pela explosio de demanda do real, que nao apenas ex- pandiu as suas vendas, como evidenciou a maior lucratividade aleangada em cada dolar vendido. Por tras do melhor desempenho ¢ do ressurgimento dos lucros et contravam-se a duplicagio do faturamento por empregado (entre 1990 ¢ 1995) ¢ grandes economias de custos fixos.!° Sumariando, as diversas cirurgias atingiram nao s6 0 “astro” de produtos, pes soal, maquinas ¢ espago, como também um conjunto de praticas de gestdo torna- das pouco competitivas. Isto permitia sem diivida melhorar o posicionamento em termos competitivos — mas pouco trazia como soluc&o para um dos maiores pro- blemas enfrentados pelas empresas. Refiro-me a descoberta por parte de numero- sas indiistrias (desde pequenas e médias até, por exemplo, uma Ford ou uma GM) de que nao tinham produtos para o mercado renovado. Este tipo de questao s6 passaria ao primeiro plano na fase subseqiiente da reestraturacao. Sumiria reflexao sobre a fase “Cirurgia ¢ Reorganizagio” ‘Tento no que segue refletir ou acrescentar especificacées relativas a algumas das caracteristicas maiores do movimento até aqui examinado. A economia brasileira viveu, neste primeiro periodo, o equivalente de uma “abertura travada”.'* E nao me refiro aqui ao (relativamente prudente) programa de rebaixamento tarifirio anunciado em 1990, ¢ sim, mais uma vez, & excepcio- nalidade do contexto. A este propésito parece-me correto afirmar que a abertura andou a frente da contestabilidade. Vale dizer, a proximidade do caos hiperinfla- jondrio reduzia a capacidade dos agentes econémicos de exercer a contestagao — Exame, 5 de Julho de 1995, "6 Esta é uma aplicagao sin em decorréncia da alta inflagio crénica, Castro, Antonio Barros de, “O Paradoxo do Desajuste na Es. rabilidade”, em Jodo Paulo dos Reis Velloso (org.}, O Real e 0 Futuro da Economia, José Olympio, 1995, ular da nogao mais geral de uma economia (em varios sentidos) “travada”, via nfo aquisigao de mercadorias que pudessem (talvez) ser adquiridas em melho- res condigdes. Alias, enquanto perdurassem os distiirbios maiores, era inclusive dificil financiar importacées: todos, inclusive potenciais financiadores de importagdes, mantinham o pé pousado sobre o freio. Complementando 0 argumento anterior, cabe acrescentar uma caracteristica estrutural da economia brasileira. Trata-se do alto grau de encadeamento vertical observado em diversos setores da industria, uma heranga do intenso e duradouro processo de substituigao de importagées. Admitida a caracteristica, acrescente-se que as demandas intermedidrias apresentam relag6es de maior inércia do que as do consumidor final com o varejo. E isto nao s6 pelo maior grau de conhecimento reciproco, como porque as trocas de fornecedor (de insumos) requerem, freqiien- temente, outras mudangas e adaptagées ‘Tomemos a questao por outro Angulo. Entender 0 corte/eliminagao de postos de trabalho, linhas de produto e equipamentos como uma simples reagdo a am de uma maior pressdo competitiva é, em certa medida, enganoso. Ha, freqientemen- te, algo mais sério e profundo nestas dolorosas cirurgias: 0 que esta sendo muitas vezes eliminado sao possiveis trajetorias futuras, que passaram a ser percebidas como, digamos, nao férteis. Vista sob este prisma, a radicalidade dos cortes contém, possivel- mente, um ingrediente estratégico. Afinal, estao sendo preservados aqueles recursos e desenvolvidas aquelas capacitagées percebidos como dotados de potencial. Conse- giientemente, a (re)sintonizagao com o contexto esté sendo feita a partir de um exame critico das proprias premissas das empresas. Nao se trata, apenas, de aproveitar melhor os recursos, mas de um reposicionamento que define as trajetdrias de pos- sivel interesse dai por diante. E isto mexe com a propria identidade das empresas. O que acaba de ser dito fornece elementos para a distingao entre experiéncias nacionais em que a indtistria passou exitosamente pelo teste da abertura, e outras em que isto ndo ocorreu. Refiro-me, no caso, muito particularmente, a orientagao dada aos cortes: seletivos, de maneira a preservar possiveis futuros, ou, no polo oposto, a tal ponto indiscriminados e profundos, que o resultado sejam induistrias meramente de fachada (fendmeno por vezes referido como hollow-out). Este ulti- mo tipo de mudanga, caracteristico de outras experiéncias de abertura comercial na América Latina, certamente nao veio a predominar no Brasil. Convém, por fim, acrescentar uma consideragao de natureza profundamente diferente. Refiro-me a importancia da tomada de consciéncia, no inicio dos anos 90, de que o excepcionalismo brasileiro estava com os seus dias contados. Difun- de-se nesse contexto a convicgao de que, no tocante s empresas nacionais, generi- camente, havia que mudar para permanecer. Este clima iria contagiar e induzir a reestruturacao, inclusive, de atividades nao expostas 3 competicao de produtos importados. Uma boa ilustracao deste iltimo fato pode ser observada no ambito do comércio de varejo. Assim, por exemplo, a “palavra de ordem” na cadeia de varejo Pao de Agtcar passaria a ser: “corte, concentre, simplifique”."” De igual maneira, ¥ Examte, 12 de abril de 1995, Ver também 24 de fe reiro de 1999, p. 68. no Nordeste, a cadeia Paes Mendonga entraria em reestruturagao em resposta (an= tecipada) presumivel migracao para o Nordeste de cadeias do Centro-Sul. Ja no caso das multinacionais, estaria chegando o momento de redefinigo do status das filiais aqui sediadas.'* Em outras palavras, nao se tratava apenas de que as multinacionais estariam prestes a deixar seu imobilismo. O importante é que 0 repert6rio de modernizagao (af incluidos novos produtos) ¢ racionalizagao a ser por clas eventualmente adotado era enorme —¢ podia ser facilmente visualizado. Res- tava saber, no entanto, no tocante a reinsercao das filiais nas estratégias (globais) das matrizes, entre outras questdes, como ficaria a relativa autonomia decis6ria ensaiada durante a fase da substituigao de importagées —e confirmada durante a alta inflagao. Seria o novo do mix de produtos simplesmente definido a um nivel mais alto?"” Ha que lembrar que alguns dos produtos, agora evidentemente obso- letos, haviam sido desenvolvidos com participagao da engenharia local. Fungdes como a (modesta) engenharia de produtos seriam ou nao retidas pelo pais? A propésito da ameaga de transformagao acarretada pela reativagao e chega- da de novas multinacionais, convém evocar um caso que nos parece emblematico. Na avaliagao do seu fundador e principal executivo, 0 crescimento esperacu- lar da empresa de perfumaria ¢ cosméticos O Boticario — compartilhado por ou- tras empresas nacionais do ramo (como a Natura) — s6 foi possivel pela protegio oferecida pela “economia fechada”, e pela “hibernacao” da lider do mercado, a nor na Avon. Em outras palavras, a gigante Avon encontrava-se, no pais, fla- grantemente abaixo de suas possibilidades. Por outro lado, desde meados dos anos 80 a industria mundial de perfumaria vinha atravessando enormes mudancas — com grandes investimentos em tecnologia, fuses e aquisigdes. Nao era pois dificil prever que nos anos 90, além do redespertar das multinacionais j4 aqui sediadas, o Brasil atrairia a atengao dos grandes fabr cantes internacionais. A percepgao das ameagas se agravaria com o advento do Real — e a stbita explicitagdo do imenso potencial do mercado brasileiro. Conseqiientemente, e nao obstante os excelentes resultados obtidos pela empresa em 1994 e 1995, a direcao de © Boticério decide redesenhar completamente suas operagSes, avangando inclusive no sentido de superar a cultura paternalista original da empresa.2” Nao prossegui- rei na caracterizagio deste interessante caso, que fica aqui apenas como um teste- munho do represamento de possiveis mudangas no periodo que precede a abertura e se prolonga até a estabilizagao da economia.”! te-america '* Sobre o (mutivel) status das filiais, vide Ferdows, Kasra, *Making the Most of Foreign Factories” Harvard Business Review, margo e abril de 1997, " Fleury, Afonso, “The Changing Pattern of Operation Management in Developing Countries. The Case of Brazil”. International Journal of Operation and Production Management. vol. 19,1 5, 1999. ° Exame, | de julho de 1998; Exame, 27 de janeiro de 1999. " Sobre o potcneial de (rapida) convergéncia (catch up) vide “Catching Up, Forging Ahead, and Falling Behind”, de Abramovitz, Moses. Journal of Econontic History, junho de 1986. 10 UM CATCH UP PRODUTIVO “A festa da estabilizacio””” “.... © quadro que acabo de sumariar sugere a existéncia de diversas molas comprimidas — prestes a saltar com a estabilizagao. £ fundamen- tal dar-se conta, no entanto, que apés anos a fio de contengio, teré natu- ralmente ocorrido um elevado grau de adaptacdo a perda sistematica de oportunidades. O aparelho de oferta, em particular, ter, em boa medida, se ajustado a demanda cronicamente contida. O desequilibrio latente en tre oferta e demanda tera, pois, se materializado e, neste momento, © pais padece de um descompasso entre sua demanda (eventualmente) desre- primida e os estoques de capital fixo e financeiro de que dispoe.” (...) “Fique claro, no entanto, que os problemas dai advindos nao se manifestam en- quanto a economia se mantém sob o império da alta inflagao e da estag- nagao a ela associada. A inflagao crénica tem, neste, como em outros sen- tidos, 0 seu equilibrio interno. Paradoxalmente, é com a estabilidade que aflora 0 desajuste”®. Do anterior se infere que a transigao para a estabilidade a partir de situagdes de inflacao alta ¢ crénica tende a trazer consigo uma situagao de relativa euforia — especialmente se a experiéncia nao for acompanhada, por exemplo, de politicas de contensio da expansio crediticia. Se 0 stibito término de uma alta inflagio croni- ca, em si, jd seria motivo para a “festa da estabilidade”, com mais raza verificar-se uma situacdo cuférica, numa situagao de super-abundancia de liquidez internacional, acompanhada (pelo menos até a crise do México) da reedigao da crenca de que se podia impunemente delegar aos fluxos internacionais de capitais © financiamento do déficit de transagées correntes. Voltando ao exuberante quadro com que se defrontariam as empresas a partir do langamento do Real, convém relembrar alguns dados reunidos pela empresa Austin Assis, a partir de uma amostra englobando 330 empresas de 21 setores Segundo a pesquisa, no terceiro e quarto trimestres de 1994 (em relagao aos mes- mos periodos de 1993) as vendas teriam saltado 39,8% e 63,9%, respectivamen- te?! As cifras —e sua aceleragao, A medida que os efeitos do plano vao sendo sen- tidos — dispensam comentarios. 10 haveria de A siibita derrota da inflagao alta ¢ erdnica mediante m plano como Real deveria levar, no meu entender, a uma situacao cuférica, referida no texto apresentado ao VI Frum Nacional (abril de 1994) como “festa da estabilizagio”. Castro, Antonio Barros de, “Estabilizagio, Crescimento ¢ Politica Indus: trial”, em Velloso, Joa |, Estabilidade ¢ Crescimento, os Desafios do Real. José Olympio, 1994, Paulo dos Reis (org. 280 texto acima, é parte integrante da estilizagao de uma economia longamente submetida a uma infla- io alta e instavel presente em Castro, Antonio Barros de, Estabilizar e Crescer: O Paradoxo do Desajuste na Fstabilidade, op. cits, p. 69. + Exame, 5 de julho 1995, E bem verdade que, ja em 1995, se verificou uma grande frustragao de expec- tativas, trazendo consigo severas dificuldades para muitas empresas. Em meados de 96, contudo, a economia estava de volta ao crescimento, liderada pela industria, © com expectativas em relagao ao futuro majoritariamente otimistas. A rigor, nos 12 meses findos em junho de 1997, a indistria cresceu 7,5%. Lamentavelmente, entretanto, logo a seguir teria inicio a crise asiatica — e a economia brasileira vol- taria a ser longamente travada por politicas monetirias brutalmente severas. A es- tas alturas, contudo, j4 estava aparentemente incorporada a percepgao de muitos a enorme potencialidade de diversos mercados brasileiros — especialmente na esfera dos duraveis e de numerosos bens-salario. inalizando esta brevissima caracterizagao da revitalizagao do mercado domés- tico aps a estabilizacao, caberia realgar o fato de que o crescimento das vendas parcialmente se explicava pelo rebaixamento dos precos relativos dos tradables vis @ vis 08 salarios. E aqui, evidentemente, a sobrevalorizagio do cambio teve, direta ow indiretamente, uma decisiva influéncia, Sua contribuigéo para a desrepressao do consumo se dava através do chamado “excedente do consumidor” — que oriundo da reducao de pregos, voltava ao mercado sob a forma de poder de compra adicio- nal. Nao é preciso sublinhar que a situagao assim criada favorecia o redespertar das multinacionais (anteriormente referido), assim como estimulava a recuperacao do tempo perdido por parte das empresas de propriedade nacional. O catch up produtivo Esquematizarei, a seguir, 0 que me parece ser, a grandes tragos, 0 comporta- mento tipico, frente ao novo quadro, de um grande ntimero de empresas industriais. Lembremos que, no que toca as oportunidades e desafios com que elas se defron- tam, devem ser destacados, por um lado, a brutal expansao dos mercados e, por outro, a abertura e a valorizagao do cambio, com seu duplo e contraditério papel: de barateamento tanto das importagdes de produtos concorrentes, quanto de insumos e bens de capital capazes de propiciar a modernizacao produtiva e a diversificagao da linha de produtos.* As respostas massi trés grandes planos: * prosseguimento da reestruturagdo, visando a adogao de métodos modernos de gestio e a busca de padrdes e gabaritos contemporaneos de eficiéncias * modernizagao/diversificagao das linhas de produtos, visando acompanhar a mente dadas ao novo quadro podem ser distribuidas em renovagao em curso no mercado doméstico. Este tipo de mudanga traz consigo 0 * Um caso a parte ¢ 0 das indistrias capital intensivas e processadoras de produtos primarios [tipo petroquimica), até enrio dotadas de vantagens competitivas vis-a-vis 0 mercado doméstico, que nao ti nham por que ampliar a importagio de insumos ou equipamentos, e que pela primeira vez passavam a enfrentar a concorréncia de produtos importados. Vide, adiante, algumas consideragdes sobre setores singulares. 12 aumento das importagdes de insumos ¢ equipamentos, com o intuito de baratear e acelerar a absoreao da tecnologia contida nos novos processos e produtos; para dreas com boa infra-estrutura e facil acesso a * deslocamento de fabri grandes mercados, com mao-de-obra ou matérias-primas baratas, e/ou massivos beneficios fiscais. primeiro pode ser encarado como mero prosseguimento da cirurgia e mo- dernizagdo caracteristicas da etapa anterior. Mas é preciso destacar que a estabili- zagao acarreta 0 surgimento de um quadro muito mais transparente, onde se torna mais facil responsabilizar divisdes, produtos etc., pelos éxitos ¢ fracassos da empresa. Evidentemente, isto corre paralelo com o maior poder conferido aos consumidores e, num outro plano, contribui para revigorar o animo reformador das empresas. Por outro lado, ali onde a distancia para com os padrdes e praticas internacio- nais se revela muito ampla, a situacdo pode ser interpretada como dificilmente re mediavel, predispondo a busca de sécios, ou mesmo a venda do patriménio. Nao tratarei aqui do tema da venda de empresas, fendmeno que reconhecidamente ad- quitiu crescente importancia ao longo da década de 90. Registrarei apenas que de acordo com um amplo levantamento — sio 308 transagées para as quais se dis- poem de informagdes — “157 foram de aquisigées de empresas brasileiras e de fi- liais de empresas estrangeiras por empresas estrangeiras, correspondendo a um in- vestimento de US$ 23.215 milhées brasileiras (de outras brasileiras filiais), equivalentes a US$ 22.842 milhées; ¢ 19 por consér- cios mistos, cujo montante foi de US$ 13.723 milhdes”.?* Convém acrescentar que “... segundo os setores, a compra de empresas privadas brasileiras por estrangeiras concentrou-se nas indtistrias farmacéutica, higiene ¢ limpeza (97,1% do valor to- tal das aquisigdes), eletroeletronica (96,3%), quimica (88,6%), alimentar (82,4%), autopecas (74%), ¢ comércio varejista (73,5%). J4 as aquisigdes por empresas pri 126 foram aquisiges por empresas vadas brasileiras (de outras brasileiras e estrangeiras) teve a seguinte distribuigao: téxtil, vestudrio e calgados (100%), mecinica (77,2), papel e celulose (76,1%), petroquimica (74,1 %), construgao civil (72,8%) e comércio atacadista (65%).” No que toca a renovagao de produtos e processos, a primeira observagio a ser feita se refere ao contraste com o periodo anterior. Enquanto na fase denominada “cirurgia e reorganizago” o cixo das mudangas residia no corte € na reorganiza- cio, nesta segunda etapa 0 uso de novos insumos ¢ a aquisigao de equipamentos de Ultima geragao assumem uma importancia decisiva. Isto implicava uma sensivel reativacao dos investimentos.” 2 Os levantamentos foram feitos pela Securities Date ¢ pela KPMG ea citagao provém do texto do IEDI Indiistria e Desenvolvimento... j4 anteriormente citado, Para um balango das tusdes ¢ aquisigdes ovor ridas na década e, em particular, das mudangas no controle societario das 100 maiores empresas, vide Siffert Filho, Nelson ¢ Souza ¢ Silva, Carla: “Grandes Empresas nos Anos 90: Respostas Estrat um Cendrio de Mudangas”, em Giambiagi, Fabio ¢ Moreita, Mauricio Mesquita (orgs.), A Econontia Brasileira nos Anos 90, BNDES, 1999 PAL, Investimentos na Indiistria Brasileira 1995/1999, Rio de Janeiro, 1997. Veja-se também » Barros de, “Limitagies ¢ Potencialidades da Nova Safra de Investimentos” em Mineiro, Adhemar dos Santos, Elias, Luiz Antonio ¢ Benjamin, sda Crise, Contraponto, 1998, F (orgs.) Vi Cabe ainda ressaltar que, nesta etapa, a abertura ¢ 0 cambio tornam-se (uma ver assumida a opgao pela renovagao) funcionais as mudangas pretendidas pelas empresas, A bem dizer, o baixo prego ¢ as facilidades de pagamento para a aquisi- do de equipamentos importados* atraiam empresas a tentar auténticos saltos de desempenho. E isto se verificou, inclusive, no caso de pequenas e médias unidade Tratava-se, em suma, de “comprar capacitaco”, tanto na esfera fabril quanto na informatizacao dos procedimentos de gesto. No tocante a este tiltimo ponto, a onda teria seu Apice nas vésperas do bug do milénio, mas 0 movimento vinha ganhando importancia desde meados da década de 90. Quanto a terceira reacao tipica acima apontada, lembremos, inicialmente, que em determinados casos o deslocamento de fabricas reflete a busca de fatores pro- dutivos mais baratos, em resposta A maior pressio competitiva trazida pela aber tura, Este é 0 caso do traslado para o Nordeste da produgao de calcados originaria- mente sediada no Rio Grande do Sul. Nao se verifica, no caso, a adogao de novas idades produtivas parecem ser, inclus ples e despojadas que os seus congéneres gatichos. Ou seja, nao fosse a influéncia nada desprezivel dos estimulos fiscais acionados pelos estados para onde vao as fabricas, estariamos diante de um caso de livro-texto de realocagao de recursos comandada pelos pregos relativos dos fatores. Ja no caso de deslocamentos para fora e longe dos grandes centros urbanos, os menores custos do espaco ¢ da mao-de-obra contam, mas ha fortes indicios de que se trata de algo bem mais complexo que um mera reassignagao de recursos orien- tada por sinais de pregos. De fato, 0 que freqiientemente parece ocorrer (disponho apenas de ilustragGes a esse respeito) é que a migracdo é pensada e levada a efeito como parte integrante do esforgo de convergéncia (catch up) — ai incluidas mu- dangas de processo, linhas de produto etc. Por fim, no importante caso da descentral motivo, encontramo-nos diante de uma atividade de densidade tecnolégica alta (média, em contextos mais avangados), onde os menores custos da mio-de-obra contam, mas seguramente nao decidem. Ou seja, neste caso, os beneficios fis foram indiscutivelmente fundamentais. Além disso, ha indicios de que foi se tor- nando cada vez mais importante a possibilidade de experimentar nas plantas des- centralizadas novos métodos de trabalho, de relacionamento com os fornecedo- res, de logistica etc. Numa palavra, algumas das novas unidades regionais da Volkswagen (Resende, no Rio de Janeiro, bem como Sao José dos Pinhais, no Parana), da teenologias — e as novas faci /e, mais sim- ado verificado no setor auto- cas. 3M e da Ford, sao experiéncias na exploragdo de novos padrées * Quanto ao pregos dos equipamentos veja-se Souza, Francisco Eduardo Pires, “O Investimento Antes € Depois do Plano Real”, em O Real o Crescimento ¢ as Reformas, de Velloso, Joao Paulo dos Reis (org). José Olympio, 1996. Vide também Relatério MeKinsey, Productivity — The Key to an Accelerate De velopment Path for Brazil, McKinsey Global Institute, 1998, Sumario Executivo. * Proenga, Adriano ¢ Caulliraux, Heitor, “Estratégias de produgao na Industria Brasileira: Evolugio Recente”, em Velloso, Joao Paulo dos Reis, org, Brasil, Desafios de um Pais em Transformaciio, Jose Olympio, 1997, organizacionais e sistemas de produgao, em relagdo aos quais as fabricas do ABC representam o passado.”” Em suma, mesmo no terceiro tipo de reagao aqui apontado, em que certamen- te contou o custo relativo dos fatores (chegando possivelmente a predominar no caso da migracao de calcados para o Nordeste), as decisdes empresariais devem ser en- tendidas como parte integrante do catch up produtivo. Nele contam, decisivamen- te, as estratégias para recuperacdo do atraso por parte das empresas, bem como numerosas iniciativas no campo das politicas de atragao de investimentos levadas a efeito pelos estados ¢ municipios. Em resumo, nao se tratava, para as induistrias, meramente de nao ter pregos para fazer frente ao novo ambiente competitive. O problema era estar fora da (nova) fronteira de produgao. Estamos portanto falan- do, nao de distorgdes provocadas por precos “fora do lugar”, ¢ sim da adogao de formas de organizagio, téenicas ¢ produtos “superiores” — capazes de poupar,si- multaneamente, trabalho e capital."! Nao caberia aqui tentar sumariar as caracteristicas do complexo movimento de descentralizacao da produgao industrial em curso no Brasil. Assinalo apenas que © mapa regional da industria esta efetivamente mudando.** Um dos mais patentes exemplos de mudanga reside no caso da Bahia, cujo panorama industrial continuava até muito recentemente dominado por grandes plantas produtoras de bens inter- mediarios — e a abertura pouco havia trazido, além do endurecimento da compe- tigdo. Nos tiltimos anos, contudo, além de avangos significativos na verticalizagao da cadeia petroquimica, deu-se a chegada de empresas produtoras de bens de con- sumo, que culmina com a instalagao de um complexe (‘sistemistas” — montadora) sob 0 comando da Ford. Algumas observagGes sobre setores e estrutura ¢ produtividade Indiistrias tradicionais do tipo téxtil, confecgdes e calgados, custaram a reagir a altura do desafio com que se deparavam. Jé certas indtistrias de maior conteddo ™ Uma das mais interessantes conseqiiéncias do atual proceso de descentralizagao de investimentos é 6 surgimento de possiveis “inversdes”, em gue as plantas mais avangadas de uma determinada empresa sio localizadas em regides pouco desenvolvidas. Exemplificando: plantas téxteis ou de processamento de alimentos mais avangadas no Nordeste e em Goids do que, suponhamos, em Santa Catarina, " Para uma vis direydo esperada e dese} a protegdo anterior “favoreceu particularmente setores que demandavam recursos escassos no p. Moreira, op. cit., pp. 294 ¢ 329. » Sabdia, Jodo. “Desconcentragao Industrial no Brasil. Um Fnfoque Regional”. Pesquisa e Planejamento Econdmico, abril de 2000. * Vide Uderm: do Plangjamento, a, pela qual se eré que “os impactos da abertura foram, de maneira geral, na ia”, ou seja, “em linha com a disponibilidade de recursos no pais”, enquanto vide 1, Simone, *Perspectivas Industriais, em Tendéncias da Economia Baiana”, Secretaria ncia ¢ Tecnologia, 2000. £ interessante acrescentar, a proposito da Ford, que esta smpresa parece ser um caso limite, no passado recente, no tocante a perda de espacos, a desatualizai de produtos, ¢ outros desavertos. Grandes avancos verificaram-se também em estados como o Parand ¢ ‘o Rio Grande do Sul, Quanto a este tiltimo caso, vide “O Mapa dos Novos Investimentos do Rio Gran: de do Sul”, Secretaria de Estado da Coordenagao ¢ Planejamento, 1998. tecnolégico, em muitos casos, nao conseguiram jamais se reposicionar. Encaremos, pois, sumariamente, estes contrastes. No caso das tradicionais cabe lembrar que, acossadas por importagdes proce- dentes, em regra, da Asia, foram levadas a uma séria crise que prometia repetir no Brasil a devastagio verificada, por exemplo, na Argentina. Na realidade, contudo, ocorreu apenas uma dolorosa depuracdo, ao término da qual as empresas sobrevi- ventes mostravam-se — antes mesmo da desvalorizagdo — fortalecidas ¢ aptas para a retomada do crescimento. Advirta-se, porém, que neste vasto campo numerosas empresas (sobretudo pequenas) desapareceram, absorvidas por outras também de nacionalidade brasileira. Em simultanco, uma intensa compra de equi pamentos permitiu um inicio de reafirmagao. Mais adiante, com a forte depreciagao do cambio (1999), as indtistrias tradi- onais entraram em franca reafirmagdo — situagdo em que se encontram neste momento." O quadro 1 sintetiza dados relativos ao ocorrido no plo téxtil de re- gidio de Americana (SP). No caso da indiistria de calgados, algo semelhante pode- ria ser dito — sendo que neste tiltimo setor a reafirmagao foi beneficiada, no caso brasileiro, pela concentragao geografica da produgao (facilitando captar externa- em regra, ci lidades), pelo ativismo das associagGes, ¢ pelo apoio governamental..* Quadro 1 Evolugéo do Polo Téxtl de Americana 1990 1995 1998 Nede Empresas 1.486 778 665, Emprego 31.000 17.750 13,300 Producéo 100 50 130 Fonte: Exame, 11/08/99, Ja no caso das empresas de maior contetido tecnolégico, 0 escasso dominio das técnicas, dificuldades de natureza financeira, ¢ em diversos casos, insuficiéncia de escala, levaram ao desaparecimento de muitas firmas — e, genericamente, & forte » das atividades de pesquisa. Aqui, reconhecidamente, haviam ocorrido exa- redu geros no tocante & substituigdo de importagdes — ¢ o setor se encontrava excessi- vamente fragmentado.”* E preciso lembrar no entanto que a Embraer se destaca neste conjunto, como um caso excepcionalmente exitoso — cujo entendimento vem sen- do buscado por diferentes pesquisadores.7 * Vide Katz, Jorge, Reformas Reestruturales Productividad y Conduta Tecnologica en América Latina, CEPAL — Fondo de Cultura Economica, México, 2000, O autor supde no texto que 0 o¢orrido em outras economias latino-americanos também se verificaria no Brasil — mas as evidéncias contririas vém se acumulando de forma inequivoca, * Bekerman, Marta, ¢ Sirlin, Pablo, *Impactos Estaticos y Dinimicos del Mercosur. El Caso de! Sector Calzado”. Revista de la CEPAL. ™ Tadini, V. “Perspectivas do setor de bens de capital sob encomendas no Brasil”. Trabalho apresenta: do ao V Forum Nacional, Sao Paulo, 1993. ¥ Bernardes, Roberto, Embraer elo entre Estado e Mercado. ED. Hucitec, Fapesp. 2.000, No pélo oposto, ou mais precisamente no campo da mecanica de baixa sofis- ticagdo tecnolégica (por exemplo, na area dos bens de capital orientados para em- presas de modestas exigéncias tecnolégicas), por sua vez, as fortes relagdes com os clientes (inclusive por conta dos servigos pés-venda), garantiam uma certa Simuni- dade-frente & abertura”.** Quanto as indtistrias mecdnicas de nivel tecnolégico médio — como, notoria- mente, a automobilistica — 0 caso brasileiro se destaca pela vigorosa reafirmacao em termos de capacidade, modernizag4o produtiva e densidade das cadeias. Vere- mos nos proximos anos em que medida esta reafirmagao permitird a constituigdo de auténticas vantagens competitivas. Ja na Argentina, apés uma forte reativacao na primeira metade dos anos 90, verifica-se uma aparente regresso para a (mera) montagem.” Aqui reside, alids, uma das patentes especificidades do caso brasilei- ro. Com excegio da Coréia (onde as empresas so nacionais), as experiéncias re- centes de industrializagao tém revelado mais facilidade para saltar para os produ- tos de alta tecnologia (onde realizam apenas montagem), que para consolidar-se nos ramos de médio contetido tecnolégico. Encerrando estas sumarias € assistematicas observacdes sobre setores, acr cento que a stibita exuberancia exibida pelo mercado doméstico, aliada a facilida- de para importar, deu lugar, em certos ramos, a multiplicagao de negécios em maior ou menor medida informais, mas capazes de disputar a franja inferior de certos mercados. Ea proliferagio dos “nanicos”, das “tubainas” e do “mercado cinza”, que entre outros fatos dao testemunho da vigorosa luta por espagos, especialmente nos mercados correspondentes a base da piramide social. No que concerne & evolugao da estrutura industrial na década de 90, os dados presentes no quadro 2 —~ que comparam o diltimo censo disponivel (1985) com a Pesquisa Industrial Anual (PIA) — apresentam interessantes resultados. Antes de mais nada, chama a atengao o diminuto recuo relativo da categoria Bens de Capi- tal — ao contrario de temores amplamente difundidos. No que toca ao recuo de Intermediarios é preciso advertir que o fendmeno esta fortemente influenciado pela baixa do prego no item combustiveis ocorrida entre 1985 ¢ 1997. E de destacar-se também 0 avango da categoria Bens de Consumo Duraveis, filha dileta de uma cer- ta etapa do processo de substituigao de importagdes, e que, dado o baixo percen- tual exportado, da testemunho do avango da revolugio do consumo de massas. ™ Veja-se o interessante estudo de Lins, Hoyédo Nunes, sobre 20 pequenas ¢ médias empresas catarinenses. Do autor, “Pequenas e Médias Empresas Fabricantes dle Bens de Capital Frente as Mudangas da Econo- » 18, n° 34, mia Brasileira. Revista Andlise Economica, * S6 recentemente ficou clara a divergéneia entre as experiéncias brasileira e argentina. Para uma apre~ ciagio do quadro argentino antes de evidenciar-se 0 contraste aqui assinalado, veja-se Kossakof, B. Corporate Strategies under Structural Adjustment in Argentina, Nova York, St. Martin's Press, 2000. #1, |, Sanjaya, Politicas de Ciencia, Tecnologia e Innovacién, op. cit. Quadro 2 Estrutura Industrial por Categoria de Uso Valor da Transformagao Industrial (%) 1985 1997 “Bens de Capital 12.5 113 Bens Intermediarios, 59,9 46,4 Bens de Consumo nao duraveis 22,2 33,0 Bens de Consumo duraveis 54 9.3 Industria Geral 10,0 10,0 Fonte: IBGE/DPE/Departamento de Indistria — PIA, No tocante & produtividade, os avangos que vinham sendo alcangados desde os primeiros anos da década de 90, prosseguiram ao longo da década. Nao discu- tirei aqui a magnitude do aumento médio da produtividade: se mais proxima 2 in- formagio procedente do PIM (IBGE) ou das Contas Nacionais."’ O importante € que qualquer magnitude situada neste intervalo representa um ritmo excepcional- mente elevado de evolugao média — o que corrobora informagdes procedentes de fontes assistematicas, bem como de entrevistas por ocasiio de pesquisas de campo por nds realizadas.*” £ importante, por outro lado, lembrar que a produtividade média no Brasil é fortemente puxada para baixo por amplos setores de escassa formalidade — como, por exemplo, a construcao civil e © pequeno comércio. A adverténcia foi reproduzida no conhecido Relatrio McKinsey, o qual acrescenta, entretanto, que em determi- nados setores: “¢ importante notar que os players mais produtives ja esto proxi- mos ao nivel das melhores praticas, provando que elas podem ser aleangadas no Brasil”. Ainda quanto aos indices alcangados de produtividade, ¢ interessante registrar que recentemente tém surgido relatos sobre casos excepcionais, em que o desempe- nho (produtividade incluida) alcangado no Brasil por certas filiais se compara ou mesmo excede 0 alcangado nas matrizes. A General Motors do Brasil, por exem- plo, tornou-se modelo para toda corporagao — por ser uma empresa “eficiente, gil e lucrativa”, nas palavras do executivo Jack Smith.*' O fato de que a operagao de +! Uma ampla discussdo do tema ¢ feita por Carvalho, Paulo Gonzaga Mibielli em “As Causas do Au mento da Produtividade da Indiistria Brasileira nos Anos 90”. Tese de douroramento, Instituto de Eco: nomia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2000, © Minha referéncia é aqui exclusivamente a produtividade do trabalho. Nao vejo por que ter em conta dados relativos a chamada produtividade total do trabalho, que além de requerer séries de dados “ea~ pazes de deixar qualquer purista louco” (Solow), enfrentam i Basta, alids, observar o grau de discrepancia nos resultados obtidos, para suspeitar da pou deste tipo de informagao. Ver Felipe, J., “Total Factor Productivity Growth in East As Journal of Development Studies, vol. 35, n° 4, 1999. nsas dificuldades no plano conceitual validade Critical Survey”. * Relatorio McKinsey, op. cit., Synthesis and Implications, p. 5. Exame, 09/09/98, 18 sda gestao de operagées e de organizagao industrial tipicas da reestruturagao ocorrida no pais, e pela migragao bem-sucedida de sua linha de produtos para modelos mais moder- nos, transforme-se em referéncia para toda a corporacao, isto parece ratificar a profi- ciéncia que o tecido produtivo vem se mostrando capaz de alcangar neste pais. producao e vendas da GM no Brasil, mediante a adogao de técni AINDA O CATCH UP PRODUTIVO: OBSERVACOES ADICIONAIS E CONJECTURAS Como jd vimos, ha grandes diferengas entre a fase aqui denominada catch up produtivo e 0 periodo anterior de cirurgia e reorganizagao. Delas, a mais relevante pode ser apreendida a partir do duplo papel exercido pelo barateamento, renova- cio ¢ intensificagdo das importagées: colocar em cheque as opcdes das empresas (no que concerne a di cedores locais) e, simultaneamente, facilitar a rapida incorporagao de avancos. Poderiamos mesmo afirmar que, nesta segunda fase, o mercado “puxa” na direcao da renovagao, e as facilidades de financiamento/compra de produtos importados “empurram”: seja na mesma diregao (da atualizacao/reafirmacio), seja ramo ao esvaziamento (das empresas ¢ das cadeias). Tratava-se sem divida de um jogo peri- goso,** nao sendo de surpreender que alguns analistas se mostrassem altamente pessimistas.** Entre as caracteristicas adicionais da postura aqui caracterizada como catch up produtivo, ha que assinalar a recusa implicita ao esforgo proprio de —o que chegoua ser percebido como pouca importancia conferida ao objetivo “ino- mente compreensivel: a prioridade conferida 4 busca, tao rapida quanto possivel, da renovagao e da eficiéncia, e a percepcao de que nao se deveria mais contar com 0 apoio de instituigdes publicas," tendia a minimizar os espagos reservados a iniciativas inovadoras (inclusive pro- gramas de P&D). A percepgao dominante parecia ser de que o segredo da sobrevi- véncia estava em atingir um patamar de desempenho das operagdes semelhante ou idéntico ao alcangado nos paises centrais. Uma frase emblematica deste mindset teria sido proferida por Margaret Thatcher: Vocés brasileiros nao tém que inventar nada. sjuntiva fazer x comprar, ¢ ao relacionamento com os forne- vatividade”.*” A tendéncia era, no entanto, alta A borda do precipicio cra visualizada por alguns — e parece ter sido (antecipadamente) explicitada por exemplo pela diregao da Gradiente. Apés trés anos consecutivos de prejuizos, fontes da empresa wentadas, Exame, 10/11/93, pp. 66-7. declaram que as importagdes estavam sendo fortemente incre * Coutinho, Luciano, “A Especializagao Regressiva: um Balago do Desempenho Industrial Pés-Estabi- lizagao", Em Brasil, Desafios de som Pais em Transformagao, op. cit. © Fleury, Pau * Como bem se sabe, nio foi desprezivel ou raro 0 apoio de politicas pablicas as empresas. Ocorre, porém, que, especialmente no que toca a inieiativas federais, elas tenderam a ocorrer em carter excepeional ¢ em meio a crises — 0 que certamente nao condiz com politicas voltadas para a inovagio, por nacureza nao emergenciais ¢ de longo prazo. oe Arkader, Rebecca, op. cit. ¢ Procnga ¢ Caulliraux, 1997 Olhem os melhores exemplos e copiem”, tendo o empresario Jorge Gerdau decla- rado segui-la como 0 seu motto estratégico."” Conv sm insistir em que a opgao em favor da exceléncia manufaturcira no deve ser confundida com uma opgio estratégica voltada (unicamente) para custos bai- Trata-se de centrar as capacitagées das empresas em produgio —acrescida das logisticas de entrada e saica (tema mais adiante retomado). Mas as capacitagdes assim desenvolvidas, além de se prestar a redugao de custos, podem também colaborar para a diferenciagao. Ea diferenciagao deve aqui ser entendida num sentido am- plo, que inclui desde a migragio para mercados demandantes de acabamento dife- renciado, até aqueles que demandam produtos eferivamente mais sofisticados.*” Neste tipo de opgao, as melhorias na producao tendem a ser acompanhadas de maiores gastos em marketing ¢ publicidade. Por outro lado, levar adiante a corrida em diregao aos gabaritos internacionais ja operacional nao implica a auséncia de preocupagdo com a manuten- 40 € 0 fortalecimento dos canais de comercializacao. De fato, a consolidagao das posigdes competitivas desenhadas pelas novas estratégias produtivas — isto é, de produto ¢ produgio — requeria, em regra, 0 reforco das cadeias de distribuigao e vendas. ‘ E, no tocante aos fins perseguidos pelas empresas, convém assinalar que 0 ob- jetivo primordial neste contexto é 0 reposicionamento no mercado em transforma- Gao. Nesse proceso, as decisées das empresas so obviamente condicionadas pelos recursos produtivos de que dispdem e pelo desenvolvimento de suas capacitagées Mas nao é deles (do inteligente uso dos recursos e capacitagdes) que a empresa es- pera poder tirar bons lucros — e sim da ampliagao/renovagao em curso nos merca- XO: de eficiéne’ dos. A hipstese talvez merega algumas conjecturas. Em condigées normais, as empresas obtém “rendas de escassez”,"! seja atra- vés do uso de barreiras por elas mesmo impostas aos mercados, seja através do uso de recursos diferenciados — ai incluidas, com destaque, as capacitacées por ela mes- ma desenvolvidas. Isto equivale a dizer que rend: sez no podem, em prin- cipio, derivar de produtos livremente compriveis em mercado, Elas surgem pelo «: s de ese * Exame, 4/10/00. O que esta sendo dito pelo lider empresarial & que ha que buscar os parimetros de exceléncia consagrados la fora, e aplicé-los com disciplina e determinagto. © Quanto ao tiltimo ponto, a importancia da renovagao da pauta de produtos, viemos em boa medida a convergir com Carvalho ¢ Bernardes, que a consideram “a mais importante” caracteristica da condu- tudada, Carvalho, Ruy de Quadros ¢ Bernardes, Roberto, em Gant ta das empresas na amostra por eles biando con la Eeonoméa: La Dinamica de Empresas Lideres en Brasil. Grandes Empresas y Grupos Indus- triales Latinoamericanos, Siglo Veintuno editoresCEPAL, 1" Edigao, 1998. Devo acrescentar que a com- preensio deste fato alterou meu entendimento do ocorrido com as empresas —e me levou a abandonar a metéfora do “entrincheiramento”, até entZo por mim empregada, € que me parece hoje demasiado estitica. Castro, Antonio Barros de. “Indistria: 0 Crescimento Facil e a Inflexdo Possivel”. em A Crise Mundial ¢ a Nova Agenda de Crescimento, em Velloso, Joao Paulo dos Reis (org.), Jos Olympio, 1999, “! Veja-se Peteraf, Margaret, “The Comnerstones of Competitive Advantage: a Resourse-Based Perspective” ¢ Rumelt, Richard, “Towards a Strategic Theory of the Firm”, em Resources Firms and Strategies, de Foss, Nicolai, (ed,), Oxford, University Press, 1997. 20 contrario, na medida em que se consiga escapar a vala comum do plenamente co- nhecido e amplamente disponivel. Jno caso aqui focalizado estamos diante de mercados longamente contides — por protecdo, por politicas macroeconémicas refreadoras do nivel de atividades, e por comportamentos privados de atores que introjetaram a crdnica fragilidade e os temores de um quadro intrinsecamente instavel. Neste contexto, a mudanca de ex- pectativas trazida pela estabilizagao (acompanhada, no nosso caso, de notéria inten- sificagao da abertura) traz consigo a “festa” da demanda anteriormente assinalada — que compreende, mas nao se resume, a explosio das importagdes. Numa pala- vra, a oferta revela-se entdo escassa para atender a demanda, aos pregos a que os produtos (finais, insumos e equipamentos) podem ser adquiridos no mercado mun- dial. Conseqiientemente, tudo se passa como se as importagGes se tornassem porta- doras de rendas. E é valido supor que normalizagao do quadro exija tempo. Duran- te esse periodo, os que conseguem suprir © mercado (ainda nao normalizado) com produgao doméstica podem utilizar as rendas embutidas nos ingredientes importa dos, como compensacao para 0s seus custos (ainda) nao suficientemente reduzidos. Entretanto, uma situagdo em que uma ampla gama de produtos compraveis em mercado (basicamente importagdes) € capaz de gerar rendas de escassez, ndo pode ser sendo excepcional. Ela tende a durar, no entanto, enquanto a oferta estiver cor- rendo atras da demanda — subitamente excitada pelo efeito demonstra nado pelo novo quadro. Compreende-se também, a partir do que acaba de ser dito (e nao apenas pela apreciagio cambial), os pifios resultados obtidos pelas exportacdes no perfodo. A ninguém ocorre buscar novos mercados no exterior. Buscar mercado externo (res salvados casos de vantagem comparativa consagrada) é disputar espacos saturados, de cuja saturacdo 86 se escapa com criatividade, inovagao (propria), investimentos em marketing e em marcas — esforgos que o mercado doméstico, por hora, em boa medida dispensa. Paradoxalmente, portanto, as mudangas em curso estavam reforgando a posi- gdo do mercado doméstico como centro de gravidade da economia e para o qual se voltavam, justificadamente, as atengdes, taticas e estratégias das empresas. Insinua- se evidentemente, aqui, uma not6ria contradigao entre a movimentacao microeco- nomica ¢ as necessidades da economia como um todo. O movimento de catch up produtivo avangou intensamente antes da desvalo- rizagao de janeiro de 1999. Um indicador indireto porém elogiiente disto consiste no fato de que ja em 97 as empresas mostravam-se bastante otimistas no que se refere as suas perspectivas individuais. Segundo pesquisa realizada pela Fundagio Dom Cabral e 0 Instituto Vox Mercado (ouvindo 146 das 500 empresas tiradas de Me- Ihores ¢ Maiores da revista Exame), 55% das empresas declaravam-se totalmente fortalecidas pelas mudangas recentemente introduzidas, enquanto 40% assumiam que esse objetivo fora parcialmente atingido. E isto numa entrevistados acreditavam que a estabilidade continuaria no futuro — o que impli- io deto- ituagaio em que 90% dos cava, de acordo com as crengas dominantes na época, que nao haveria desvaloriza- Go cambial. Alias, os precos relatives dos produtos para os quais as empresas es- 21 tavam se voltando deveriam inclusive cair como resultado da pressio niveladora exercida pelos pregos vigentes no mercado internacional. O éxito do movimento pode também ser aferido por indicadores gerais de de- sempenho da industria, como os que integram 0 quadro 3 a seguir. Nele merecem destaque, além do explosivo crescimento dos duraveis, o desempenho modesto, porém longe de desastroso, do grupo dos setores difusores de progresso técnico. Neste Ultimo conjunto estao compreendidas as atividades de onde se originam — junta- mente com as importagdes — 0 progresso técnico da economia. Quadro 3 mpenho da Indiistria {indice acumulado 1993-1997) Commodities Industriais 128,2 Commodities Agricolas 102,1 Tradicionais 115 Tradicionais Alimenticias 133,0 Duraveis 184,7 Difusores mia Industria Gerat 124.5 Fonte: IBGE/DPE/Departamento de Industria/PIM-PF O Catch up Produtivo ea Estrutura das Empresas Tratemos agora de analisar o significado do catch up produtivo do ponto de vista das atividades desempenhadas pelas empresas. Para tanto, iremos valer-nos do grafico 1 a seguir, Nele esta representado o valor adicionado por funcionario em diversas fungoes corporativas de uma empresa moderna, madura e de bom porte. No eixo horizon- tal estariam discriminadas as referidas fungées, comecando, a esquerda, pelo con- junto upstream (planejamento estratégico, pesquisa e desenvolvimento, design, en- genharia de produtos e processos). A parte mais baixa da curva corresponde as tarefas levadas a efeito nas proprias plantas industriais: fabricagdio e montagem (inclusive acabamento). A direita, encontram-se atividades downstream (tais como distribui- 40, marketing, geréncia de marcas etc,). © grafico 1 nos diz, em suma, que as fun- ces de fabricagao e montagem geram menor valor agregado, por func © Revista Exame, 29/07/98. Advirta-se, adicionalmente, que ano acima considerado (1998), s6 encontramos registro na imprensa de uma empresa denunciando a insustentabilidade do cambio — e isto parece estar associado ao faro de que esta empresa (Siemens) pretendia ampliar substancialmente suas exportagies a partir da base brasileir mente dificultado pelo cambio vigente. 0 contrario do ocorrido entre 94 a 96, no © que era inequivoca: * Os dados foram elaborados por Carvalho, Paulo Gonzaga, a partir da metodologia desenvolvida em “Made in Brazil. Desafios Competitivos para a Indiistria”, de Ferraz, Joao Carlos, Kupfer, David e Haguenauer, Lia, Campus, 1996. Gratico 1 \Valor agregado por fungao empresarial* NY Valor Agiegado PED design engenharia fabricar mamagem lagistica marketing gerencia produtas® <0 dstibugie cemarcas pregado.** Além disto é bom lembrar que ai residem os custos diretos de produgao —enquanto nas demais funcées residem os overheads. A idéia de que se optou no Brasil por privilegiar as atividades de fabricagao e adjacéncias significa, a luz do grafico 1, que a escolha incidiu sobre funcées fre- giientemente tidas, na atualidade, como, digamos, menos nobres.** Farei no que segue algumas observagées adicionais sobre a escolha aqui realizada, e acrescentarei umas poucas ponderagdes sobre as dificuldades embutidas neste tipo de opgio. Inicialmente caberia lembrar que as filiais de empresas estrangeiras, carac risticamente, tendem a privilegiar, especialmente nos paises menos desenvolvidos, o tipo de perfil (com hipertrofia seletiva das fungdes manufatureiras) aqui focaliza- do. Esta é, alids, uma das propriedades ressaltadas nos modelos de “ciclo de pro- duto”. E bem verdade que em casos relativamente bem-sucedidos de industrializa- do por substituigao de importagoes, as filiais foram levadas a adaptar produtos e pirado na “Curva de Valor da Indiistria” presente em Bartlett, Christopher A. ¢ Ghostal, Sumantra, “Going Global: Lessons from Late Movers”. Harvard Business Review. Margo/Abril de 2000. “ £ dbvio que o valor agregado por operadon, na fabricagao, pode variar, enormemente, em fungao do grau de automagao adorado pela empresa. Convém também advertir que determinadas empresas se notabilizaram por transformar a fbrica em laboratorio, Neste tipo de empresa a fabricagao inclui grande parte da inteligéncia nela exercida — e nao caberia supor que o valor agregado por funcionario de fi brica fosse inferior. Um bom exemplo é a Chaparral. Ver Leonard-Barton, Dorothy, “The Factory as a Learning Laboratory”. Sloan Management Review. Fall 1992, pp. 23-38. % Esta questio foi levantada por Furtado, Joo, em “La Transformation des Conditions d'Insertion des Economies 4 Industrialization Tardive dans Economie Mondiale”. Tese de doutoramento, Paris XIII, 1997. processos, em alguma medida, as peculiaridades dos mercados locais — 0 que por vezes se fazia acompanhar de um certo grau de autonomia administrativa. O novo paradigma tecnolégico, contudo, parece tendente a limitar ainda mais este tipo de arranjo, ja tendo sido registrados casos de transferéncia de volta para as matrizes, de atividades aqui referidas como nobres.** O que acaba de ser dito levanta uma questao aparentemente ainda em aberto. Primeiramente, porque tém ocorrido, na pratica, deslocamentos de centros de pes- quisa (por exemplo, para a india) — e é plausivel supor a existéncia aqui de um campo pouco explorado de negociagées e politicas.*” Além disso, porque certos novos modelos de organizagao, na légica de rede articulada em volta da empresa lider (formagio de cadeias localizadas), oferecem amplas possibilidades de reconfiguragao ¢ adensamento do tecido industrial. Voltemo-nos para as empresas domésticas E plausivel pensar que a atrofia relativa das funcdes ndo manufatureiras seja, especialmente no caso do Brasil, uma heranga da fase de substituicao de importa- goes. E isso por uma dupla razao. Primeiramente porque com a fome de manufatu- ras de uma economia protegida (mas amplamente exposta ao efeito demonstracao) era possivel usufruir rendas de escassez mediante plantas-empresas produtoras de artigos (j4 entdo) maduros nos centros desenvolvidos. Além disso, porque os pro- jetos originais de que se partia, para a obtengao de financiamento (frente ao BNDE, muito especialmente), deviam enquadrar-se nos critérios de uma tecnocracia imbuida da convicgdo de que esta era uma economia vocacionada para o crescimento. A partir desta visdo (especialmente nos anos 70), as proprias entidades governamen- tais muitas vezes se encarregaram de aumentar as ambigdes dos candidatos a finan- mento, no tocante a escalas de produgao e atualizagao tecnolégica. periodo subseqiiente, aqui referido como de hibernacao, teria também dado a sua contribuigdo, ao exacerbar a tendéncia a diversificagao produtiva, como po- litica de protegdo dos lucros. E quanto a recente fase de catch up produtivo, é bom lembrar que jogar prefe- rencialmente nas atividades fabris era 0 caminho direto para a absorgao de novas técnicas. Além disto, e como jé foi dito, enquanto perdurasse a relativa escassez de produtos atualizados, podia-se dai derivar rendas de escassez — importantes para compensar deficiéncias sistémicas de variada natureza. Por outro lado, conter as demais fungées significava poupar overheads — poder alcangar (ceteris paribus) bons retornos com menores margens. ci © § Philips do Brasil, por exemplo, decid tos, Exame, 23/8/2000. © Fleury, Afonso e Fleury, Maria Tereza, E’stratégias Empresariais ¢ Formacao de Competéncias, capi- tulo 5, Editora Atlas S.A., 1999, % Castro, Antonio Barros de, “Renegade Development: Rise and Demise of Stare Led Development in Brazil” em Democracy, Markets, and Structural Reforms in Latin America, Smith, William, Acuiia, Carlos © Gamarra, Eduardo (orgs.), Transaction Publishers, 1993, em 1997, acabar com o desenvolvimento local de produ: 24

S-ar putea să vă placă și