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- Universidade Federal Fluminense

CEG – Centro de Estudos Gerais


ICHF – Instituto de Ciências Humanas e Filosofia
Graduação em Ciências Sociais

Judiciário e vida política no Brasil após 1988

Leandro Brasil Araújo Pinto

Orientador: Ari de Abreu Silva

Monografia elaborada por Leandro


Brasil Araújo – matrícula 202.05.075-4
como exigência para Graduação em
Ciências Sociais pela Universidade
Federal Fluminense.

Niterói 2006
Dedico este trabalho aos meus
familiares.

2
Índice

Introdução .................................................................................................................. 4

1 - O papel do Judiciário no mundo contemporâneo ................................................. 8

1.1 – Elementos históricos ............................................................................ 8

1.2 - O Judiciário brasileiro pós 1988 .......................................................... 13

1.3 – O conceito de Independência ............................................................. 15

1.4 – A separação dos Poderes .................................................................. 18

2 - O controle constitucional das leis e o STF .......................................................... 21

2.1 - Do controle Constitucional ................ .................................................. 21

2.2 – A composição do STF e o controle de constitucionalidade ................ 23

2.3 – O sistema híbrido brasileiro ................................................................ 25

3 – A expansão do Judiciário ................................................................................... 26

3.1 – Elementos da expansão ..................................................................... 26

3.2 – A expansão do judiciário no Brasil ...................................................... 28

3.3 – O fenômeno da judicialização da política ........................................... 31

3.4 – A judicialização da política no Brasil ............................................. ..... 35

4 – A crise do Judiciário e propostas de reforma

4.1 – Elementos da crise ............................................................................ 40


4.2 – Estrutura para o processamento de demandas .................................. 42
4.3 – As propostas de reforma do judiciário ................................................ 45

5 – Conclusão .......................................................................................................... 52

Bibliografia ................................................................................................................ 55

3
Introdução

O Poder Judiciário nos dias atuais ocupa um lugar de grande destaque tanto
na mídia, quanto na opinião pública. Este poder tem como seu objetivo as
prerrogativas definidas na Constituição Federal de 1988.

Sua estrutura é considerada por grande parte da população como altamente


burocratizada, além disso, possui trâmites processuais que permitem vários
recursos, e em alguns casos, faz com que os litígios se prolonguem por anos. Têm
se observado que sua demanda é muito grande e que sua capacidade de
processamento muito inferior a esta demanda.

Muito se fala de reformas profundas e estruturais. É um tema em voga na


mídia. Diante de qualquer escândalo ou crise envolvendo algum crime, renova-se a
discussão. Este assunto, porém, é um tanto delicado. O judiciário tem em seus
trâmites um comportamento, às vezes, bastante ortodoxo e tradicional. Entre os
seus principais agentes, estão os magistrados cujo ingresso no poder se dá através
de concurso público de provas e de títulos. No entanto, os critérios de admissão são
controlados pelo próprio poder.

A sociedade e a mídia têm falado em reformar o Judiciário, bem como propor


formas de controle sobre este poder. De outro lado, encontram-se os magistrados
que, de uma maneira geral, não estão muito satisfeitos com as propostas de reforma
apresentadas, bem como não há um consenso dentre os magistrados e uma opinião
concreta sobre o assunto.

Pois nunca na história republicana do país, juízes e promotores alcançaram


tanta evidência como agora. Graças às prerrogativas concedidas pela Constituição
de 1988, as duas corporações estão presentes na vida política e econômica, seja
em julgamentos das ADINS (Ações Diretas de Inconstitucionalidade), seja na
aprovação de medidas orçamentárias editadas pelo Poder Legislativo.

4
Estes agentes exercem ainda uma espécie de protagonismo social, tanto por
assegurar a proteção de interesses difusos, como intervindo em questões relativas à
justiça distributiva, tendo nestes dois últimos casos uma ação mais efetiva do
Ministério Público através de seus promotores de justiça e procuradores.

Questões como essas ganharam importância desde que promotores e


procuradores da república adquiriram novas funções, principalmente com a
promulgação da Constituição Federal de 1988, que assegurou prerrogativas nunca
antes presentes a este poder e ao próprio Ministério Público, as quais, serão
apresentadas ao longo do texto como forma de discutir o papel institucional deste
poder de estado.

Perante a opinião pública, o Judiciário tem sido visto como um moroso e


inepto prestador de um serviço público. No Executivo, alguns responsáveis pelo
orçamento geral da União o encaram como um aparato com baixa eficiência
gerencial e insensível ao equilíbrio das finanças públicas, pois seus gastos com
obras de discutível utilidade, suas crescentes despesas de custeio e suas sentenças
comprometeriam as políticas de ajuste fiscal, poriam em risco a estabilidade
monetária e travariam as reformas estruturais. Além disso, juntamente com o MP, o
Judiciário é acusado às vezes por alguns membros do Congresso de exorbitar em
suas prerrogativas, interferir no processo legislativo e bloquear políticas formuladas
por órgãos representativos eleitos democraticamente, "destecnificando" a aplicação
da lei e, por conseqüência, levando à "judicialização" da vida administrativa e
econômica.

Uma grande questão que paira é a discussão sobre o funcionamento deste


poder no contexto político institucional definido em nossa atual Constituição Federal.
Pretende-se também apresentar um processo de reforma cuja estrutura é muito
pouco sabida não apenas pela população em geral, mas também por outros
profissionais e membros de outros poderes, e ainda por acadêmicos não integrantes
do Direito, como por exemplo, a relativamente baixa discussão acerca do judiciário
por parte das ciências sociais. Diante destas questões, surge o fenômeno da
judicialização da política, que será apresentado à luz de conceitos definidos por Neal

5
Tate e Vallinder e, no caso brasileiro, através de trabalhos realizados por Marcus
Faro de Castro e Rogério Bastos Arantes.

A presente proposta é a de formular questões relevantes e hoje discutidas


intensamente sobre uma dimensão da estrutura de um Poder de Estado altamente
criticado e desacreditado pela população em geral, mas que por outro lado é uma
importante ferramenta institucional que o estado tem para a garantia dos direitos
individuais e coletivos. Além, de expor um processo cada vez mais presente no
mundo contemporâneo do fenômeno de judicialização da política. No caso brasileiro,
que é o grande foco deste trabalho, o de discutir o modelo de controle de
constitucionalidade das leis, que no caso, é exercido pelo Supremo Tribunal Federal.

Além disso, para o tratamento da questão acerca da crescente judicialização


do processo político brasileiro, faz-se necessário uma análise comparativa com
outras sociedades e culturas jurídico-políticas diferentes, principalmente países
como Áustria, França, Espanha e Estados Unidos. É importante ainda considerar,
por outro lado, como ponto de partida, um conjunto de conceitos e categorias dos
ordenamentos constitucionais com uma visão histórica.

O trabalho busca em seu primeiro capítulo apresentar um histórico geral e


brasileiro do poder judiciário, seguidos pelos conceitos de “independência” e o da
“separação de poderes”. Será discutido no segundo capítulo o papel institucional
deste poder de estado, tendo como ênfase, a função do Supremo Tribunal Federal
(STF) no controle de constitucionalidade das leis produzidas no Legislativo e
editadas pelo Executivo. Para tanto, serão definidos outros conceitos como o
“controle difuso” e “controle concentrado”, além, da questão do “híbrido” (caso
brasileiro) definido por Rogério Bastos Arantes.

A partir do capítulo 3, pretende-se caracterizar a forma como se apresentou o


processo de expansão da Justiça, utilizando-se principalmente de dados estatísticos,
extraídos de fontes do próprio STF, como por exemplo, o Banco Nacional de Dados
sobre o Judiciário. Apresentadas tais condições, far-se-á ainda neste capítulo o
debate acerca do processo de judicialização, constando desde seus conceitos gerais

6
à sua aplicação em países Europeus, nos Estados Unidos e, especialmente, no
Brasil.

Já em vias de conclusão, o trabalho pretende expor a questão da crise


institucional que o judiciário brasileiro vem apresentando, além da discussão acerca
da reforma do judiciário, contendo temas polêmicos na mídia e dentro do próprio
Poder, tais como a súmula vinculante, o objetivo de consolidar o STF como uma
Corte Constitucional, até a mais polêmica dentro do mundo jurídico e da mídia, que é
o controle externo do Judiciário. Apresentados e discutidos tais problemas, propõe-
se algumas considerações finais para a solução dos mesmos.

7
Cap.1

O papel do Judiciário no mundo contemporâneo

1.1 – Elementos históricos

A teoria clássica da separação dos poderes tinha por objetivo fundamentar a


existência e a atuação dos órgãos estatais em contraposição ao exercício do poder
na época medieval, caracterizado como autoritário e arbitrário. Na base dessa teoria
estava contida a idéia de separação entre Política e Direito, que determinou a
neutralização da política no exercício da jurisdição. A finalidade precípua da divisão
do poder estatal basicamente em duas funções – criação e execução de direito –,
correspondia à idéia da inibição recíproca dos poderes que impedia, em última
instância, o exercício do poder.1

Nesse contexto, o Poder Judiciário tinha que orientar a sua atuação de acordo
com o princípio da legalidade, que transformava a aplicação do direito em
subsunção racional-formal dos fatos às normas, desvinculada de referências
políticas. Desta maneira, o funcionamento do Judiciário era retroativo e
retrospectivo, e visava garantir a recomposição das situações de ilegalidade do
passado de acordo com o quadro normativo pré-constituído2. No período do Estado
Liberal, atribuiu-se máxima importância ao princípio da segurança jurídica, cuja
aplicação deveria proceder de forma automática de modo que os imperativos nela
contidos chegassem sem distorção até seus destinatários. Também nesse período a
atuação dos juízes era circunscrita dentro dos limites da litigiosidade interindividual,
o que correspondia, no plano do Direito, ao advento da ideologia do individualismo

1 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. O Judiciário frente à divisão de poderes: um princípio em decadência? Critério difuso,
que autoriza qualquer tribunal e juiz a conhecer da prejudicial de inconstitucionalidade, por via de exceção. Segundo, porque a
forma de recrutamento de seus membros denuncia que continuará a ser um Tribunal que examinará a questão constitucional
com critérios puramente técnico-jurídico, mormente porque, como Tribunal, que ainda será, do recurso extraordinário, o modo
Revista USP, São Paulo, n. 21, 1994, p. 15-41.

2 SANTOS, Boaventura de Sousa; MARQUES, Maria Manuel Leitão; PEDROSO, João. Os tribunais nas sociedades
contemporâneas. Revista Brasileira de Ciências Sociais, Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências
Sociais, São Paulo, v. 11, n. 30, fev. 1996, p. 32-33.

8
que marcou o início da Era Moderna e que objetivava a extinção das hierarquias e
dos grupos na sociedade.

A função social dos juízes, ao longo do século XIX, estava orientada no


sentido de legitimar a atuação do legislador que possuía um lugar de destaque
político no contexto da distribuição dos poderes constitucionais. O distanciamento da
atuação do juiz do campo da política e da ética visava assegurar a reprodução fiel
do direito positivo legislado na resolução dos conflitos individualizados, garantindo,
desta maneira, os direitos e as liberdades individuais. Em síntese, esse tipo de
configuração das funções dos magistrados correspondia ao entendimento de
legitimidade e de distribuição do poder político num sistema democrático orientado
pelos imperativos do liberalismo.

A partir do final do século XIX, devido às transformações políticas,


econômicas e culturais que marcam o desenvolvimento do estado moderno, começa
também a ser modificado o significado sociopolítico das funções dos magistrados.
No entanto, segundo Boaventura de Sousa Santos, foi só após a Segunda Guerra
Mundial que, nos países centrais, se consolidou uma nova forma de estado, o
Estado-Providência. No que diz respeito aos países periféricos e semiperiféricos, o
referido autor observa a não-adequação dessa cronologia às realidades históricas
desses países, nos quais até os direitos de cunho liberal, chamados também de
direitos de primeira geração ou direitos clássicos, são constantemente
desrespeitados. Na opinião do referido cientista português, a precariedade dos
direitos nos estados caracterizados pelas drásticas desigualdades sociais é o outro
lado da precariedade dos regimes democráticos.3

No Brasil do final do século XX, a questão da implementação plena das bases


do Estado de Bem-Estar Social continua sendo um tema polêmico. Não obstante, a
cultura jurídica e as práticas de aplicação do direito apresentam, nas últimas duas
décadas, modificações significativas que as aproximam às características do Direito
Social, base de sustentação jurídica e política do Estado-Providência.

3
SANTOS, Boaventura de Sousa; MARQUES, Maria Manuel Leitão; PEDROSO, João. Os tribunais nas sociedades
contemporâneas. Revista Brasileira de Ciências Sociais, Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências
Sociais, São Paulo, v. 11, n. 30, fev. 1996, p. 34-43.

9
Com o aumento da complexidade do estado e o surgimento de novos grupos
e atores sociais frutos da atuação acentuada dos movimentos sociais no final da
década de 70, a sociologia do direito constatou que o modelo liberal, no qual se
embasava o exercício da magistratura, entrou definitivamente em crise,
determinando a erosão da legitimação clássica da atuação dos juízes.

Nos anos 90, os sociólogos Maria Tereza Sadek e Rogério Bastos Arantes,
verificaram, que neste período, houve perda substancial na importância do sistema
judicial na resolução dos conflitos e o incremento de mecanismos privados de
solução de litígios de caráter anti-social, o que em outras palavras, quer dizer, fazer
justiça com as próprias mãos, ou por outras vias fora da esfera do judiciário. Isto
pôde ser observado tanto entre as camadas mais pobres da população, como por
exemplo, o episódio de extermínio de moradores de rua, como também, entre as
mais ricas, que, valendo-se do seu poder econômico, nem sempre se submetem à
normatividade estatal.

Já no plano constitucional brasileiro, a partir da Carta de 1988, o elenco de


direitos sociais de natureza coletiva (direitos de moradia, educação, saúde e
trabalho), cuja positivação repercutiu na mudança do modelo liberal e positivista de
produção e aplicação do direito, teve sua consolidação expressa como nunca antes
presentes nas constituições anteriores. A natureza diversa dos direitos sociais, em
comparação com os direitos individuais, decorre do fato daqueles não serem
somente normas com um a priori formal, mas porque possuem um sentido
promocional prospectivo que pressupõe a implementação de políticas públicas.4

Segundo o pensamento de José Eduardo Faria, a caracterização dos direitos


sociais em direitos das desigualdades e das coletividades, realça o fato de os
direitos sociais serem formulados mais na perspectiva dos grupos e comunidades a
que pertencem, do que na perspectiva da figura do indivíduo livre e autônomo, visto
como sujeito individual de direito. O autor observa que os direitos sociais não
fomentam o direito de igualdade, entendido sob o prisma do tratamento formalmente
igual dos cidadãos. Em vez disso, eles contribuem para a constituição de um direito

4 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. O Judiciário frente à divisão de poderes: um princípio em decadência? Revista USP, São
Paulo, n. 21, 1994, p. 18.

10
discriminatório, que leve em consideração as desigualdades reais entre os cidadãos,
objetivando socializar os riscos e neutralizar as perdas. Em decorrência desse
quadro, a aplicação do direito passa a ser determinada pelo conflito, às vezes
inconciliável, entre os interesses coletivos dos vários grupos e atores sociais, ficando
superada, aos poucos, a oposição entre interesse geral e universal versus interesse
particular. Nesse contexto, a idéia de interesse social emerge em um meio capaz de
equilibrar as diversidades dos interesses coletivos em confronto.5

O advento dos direitos sociais repercutiu de forma visível no âmbito da


legislação, tanto constitucional como infraconstitucional, com a promulgação de leis
que visam à proteção específica de determinados grupos sociais, desprivilegiados
do ponto de vista da justiça material, tais como as crianças e adolescentes,
consumidores, idosos e trabalhadores. Essa mudança do modelo de juridicidade
moderno resultou da ruptura que os direitos sociais provocaram no paradigma liberal
de igualdade formal de todos perante a lei, pouco sensível ao equilíbrio material das
partes na relação jurídica.

O modo de efetivação dos direitos sociais não coincide com o dos direitos
individuais. A eficácia dos primeiros pressupõe, por um lado, a implementação de
políticas legislativas e políticas públicas que requerem investimento significativo de
finanças por parte do Poder Executivo, e, por outro lado, a concretização dos direitos
sociais exige a alteração das funções clássicas dos juízes, que se tornam co-
responsáveis pelas políticas dos outros poderes estatais, tendo que orientar a sua
atuação no sentido de possibilitar e fomentar a realização de projetos de mudança
social. A orientação das sentenças nesse sentido levaria à politização do exercício
da jurisdição, o que constitui uma ruptura com o modelo jurídico subjacente ao
positivismo jurídico6, que fundamenta a separação do direito da política. Para
reforçar essa colocação, recorreremos ao pensamento de José Eduardo Faria, para
quem a aplicação desse novo tipo de legalidade (a legalidade pensada em termos
5
FARIA, José Eduardo. Os desafios do Judiciário. Revista USP, São Paulo, n. 21, 1994, p. 54.
6
O Positivismo jurídico é uma teoria do direito dedicada à sua definição e à reflexão sobre a sua interpretação Sua tese básica
é que o direito constitui produto da ação e vontade humana (direito posto, direito positivo) e não da imposição de Deus, da
natureza ou da razão como afirma o jusnaturalismo (teoria que reconhece a existência de um "direito natural"). A maioria dos
partidários do positivismo jurídico defende também que não existe necessariamente uma relação entre o direito, a moral e a
justiça, visto que as noções de justiça e moral são relativas, mutáveis no tempo e sem força política para se impor contra a
vontade de quem cria as normas jurídicas.Muitos filósofos e teóricos do direito adotaram o positivismo jurídico, entre os quais
se destacaram, no século XX, Hans Kelsen e Herbert Hart.

11
concretos) acarreta a realização política de determinados valores, afetando, em
conseqüência, a realidade socioeconômica a partir de um projeto relacionado com a
implementação do direito social.7

Nas palavras de Boaventura Santos, a consagração das reivindicações pelas


quais lutaram os movimentos sociais do séc. XX teve como conseqüência o
fortalecimento dos interesses coletivos, o que levou a uma explosão de litigiosidade
no Estado Providência.8 À medida que essa nova e complexa conflituosidade
chegava aos Tribunais, ela contribuía para o aumento da visibilidade política do
sistema judiciário, ao qual se dirigiam as expectativas sociais de garantia dos
direitos. José Eduardo Faria destaca que o aumento da procura pelo Judiciário,
incrementando sua importância, também decorre da crise fiscal do estado nos anos
90, que impossibilitou a implementação dos serviços públicos efetivadores dos
direitos sociais, o que transformou o sistema judicial em canal institucional de
obtenção de decisões que obrigassem à negociação política.9

A (re)politização do juiz, co-responsável pelos planos do legislador, o advento


da dimensão não somente reativa mas também prospectiva da sua atuação, e o fato
de as decisões judiciais extrapolarem o âmbito de repercussão interindividual para
influir no destino de determinados grupos sociais, deu maior visibilidade social aos
tribunais e transformou o judiciário num locus político privilegiado como espaço de
confronto e negociação de interesses.10

O panorama político-jurídico descrito acima tem dado ensejo a um debate


acerca da possibilidade de os magistrados legitimarem a sua atuação com base em
uma nova função social, determinada pelas exigências dos legítimos interesses
sociais na Era Pós-Moderna.

7
FARIA, José Eduardo. O Poder Judiciário no Brasil: paradoxos, desafios e alternativas. Brasília: Conselho da Justiça Federal,
1996. p. 52.

8 SANTOS, Boaventura de Sousa; MARQUES, Maria Manuel Leitão; PEDROSO, João. Os tribunais nas sociedades
contemporâneas. Revista Brasileira de Ciências Sociais, Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências
Sociais, São Paulo, v. 11, n. 30, fev. 1996, p. 34.

9 FARIA,Op. Cit. p. 37.

10 FARIA, José Eduardo. Justiça e conflito: os Juízes em face dos novos movimentos sociais. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1992, p. 39.

12
1.2 – O Judiciário brasileiro pós 1988

A Constituição de 1988 representou um marco na consolidação do retorno ao


país a um regime democrático de direito. No entanto, sua promulgação não foi capaz
de encerrar os debates sobre a organização política do país. Diante deste quadro a
crise do Judiciário, tema este que será discutido posteriormente se deflagra.

Na estrutura dos poderes, foi garantida a independência e a autonomia do


Judiciário. O princípio da independência dos poderes tornou-se efetivo e não
meramente nominal. Foi assegurada autonomia administrativa e financeira ao
Judiciário, cabendo a este a competência de elaborar o seu próprio orçamento, a ser
submetido ao Congresso Nacional conjuntamente com o do Executivo.

No que se refere à estrutura, houve uma ampla reorganização e redefinição


de atribuições nos vários organismos que compõem o Poder Judiciário. Para
começar, o Supremo Tribunal Federal (STF), como órgão de cúpula, passou a ter
atribuições predominantemente constitucionais. Foi também criado o Superior
Tribunal de Justiça (STJ) que incorporou parte das atribuições antes concentradas
no STF. Foram ainda instituídos os Juizados Especiais, e por último, desapareceu o
Conselho Nacional da Magistratura, para dar lugar ao Conselho da Justiça Federal,
para atuar no âmbito da justiça federal de primeiro grau. O artigo 92 da Constituição
assim nomeou os órgãos do Poder Judiciário: "I. o Supremo Tribunal Federal; II. O
Superior Tribunal de Justiça; III. Os tribunais regionais federais e juízes federais; IV.
os tribunais e juízes do trabalho; V. os tribunais e juízes eleitorais; VI. Os tribunais e
juízes militares; VII. Os tribunais e juízes dos estados e do Distrito Federal e
territórios".

O STF teve sua competência ampliada na área constitucional, tendo em vista


a criação do mandado de injunção e o considerável alargamento do número de
agentes legitimados a propor ação de inconstitucionalidade (anteriormente atribuição
exclusiva do procurador-geral da República). Cabe-lhe declarar a constitucionalidade
ou não de leis e atos normativos em tese (ou seja, em ação direta contra a lei em si),
atribuição jurídico-política própria de uma Corte Constitucional. Compete-lhe também

13
julgar, em recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância
por outros tribunais, quando a decisão recorrida contrariar dispositivo da
Constituição, declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal e/ou julgar
válida lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição. Foi também
lhe dado poder para julgar originariamente as causas em que a magistratura é direta
ou indiretamente interessada, mas foi-lhe extraída, contudo, a função que
desempenhara desde a sua criação, de tribunal unificador da aplicação do direito
federal infraconstitucional.

No que tange à estrutura do Poder Judiciário, a maior alteração foi quanto à


criação do Superior Tribunal de Justiça, cujos principais fundamentos eram os de
descongestionar o STF e assumir algumas das funções antes atribuídas ao extinto
Tribunal Federal de Recursos. O STJ trata-se de um órgão acima dos tribunais
federais e dos tribunais dos estados (1º grau), com as atribuições principais de
guardar a legislação federal e de julgar em recurso especial as causas decididas em
única e última instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos
estados, dos territórios e do Distrito Federal. Tem sede na capital federal e possui
jurisdição sobre todo o país. É composto de 33 ministros, nomeados pelo presidente
da República, após aprovação do Senado.

Foi criado também o Conselho da Justiça Federal, com finalidade de


supervisão administrativa e orçamentária da Justiça Federal de primeira e segunda
instâncias. A Justiça Federal, recriada em 1965, foi mantida na Constituição de
1988. Foi, entretanto, extinto o Tribunal Federal de Recursos e foram instituídos
tribunais regionais federais, com o objetivo de descentralizar a justiça de segundo
grau.

Compõem ainda o Poder Judiciário as denominadas justiças especiais: a do


trabalho, a eleitoral e a militar. Conferiu-se aos estados a organização de sua justiça,
cabendo às constituições estaduais a definição da competência dos tribunais, sendo
a lei de organização judiciária de iniciativa do respectivo Tribunal de Justiça
estadual. A justiça dos estados é formada por órgãos de primeiro e segundo graus.
Os tribunais representam a justiça de segundo grau nos estados e no âmbito federal,
seus respectivos Tribunais Regionais. No primeiro grau estão as varas e os juízes de
direito, tribunais do júri, juízes de paz e juizados especiais.
14
As respectivas competências de cada órgão do poder judiciário estão
expressas no art. 94 da constituição federal, onde são ainda definidas a jurisdição e
formas de organização de cada ente pertencente ao sistema de justiça brasileiro. A
partir da leitura do referido artigo, é possível ter uma idéia da forma como este poder
foi estruturado e sua forma de atuação.

A nova ordem constitucional reforçou o papel do Judiciário na arena política,


definindo-o como uma instância superior de resolução de conflitos entre o Legislativo
e o Executivo, e destes poderes com os particulares que se julguem atingidos por
decisões que firam direitos e garantias consagrados na Constituição. O
protagonismo político do Judiciário está inscrito em suas atribuições e no modelo
institucional. As atribuições não apenas foram aumentadas com a incorporação de
um extenso catálogo de direitos e garantias individuais e coletivos como se
alargaram os temas sobre os quais o Judiciário, quando provocado, deve se
pronunciar.

Ao lado dessas modificações, também foram ampliados instrumentos


jurídicos, responsáveis pela efetivação das obrigações constitucionais. Destacam-se,
entre eles: o habeas-corpus; o mandado de segurança, individual ou coletivo
(partidos políticos, organizações sindicais, entidades de classe ou associações
civis); o mandado de injunção; o habeas-data; a ação popular; a declaração de
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual; a
inconstitucionalidade por omissão.

Expostas algumas características do judiciário, veremos nos próximos


subtítulos, para que haja uma melhor compreensão acerca do papel institucional
deste poder, a questão de independência bem como a questão da separação dos
poderes.

15
1.3 – O conceito de Independência

Diz-se que o Poder Judiciário em seu conjunto é independente, quando não


está submetido aos demais Poderes do Estado. Por sua vez, dizem-se
independentes os magistrados, quando não há subordinação hierárquica entre eles,
não obstante a multiplicidade de instâncias e graus de jurisdição. Com efeito, ao
contrário da forma como é estruturada a administração pública, os magistrados não
dão nem recebem ordens, uns dos outros.

A independência funcional da magistratura, assim entendida, é uma garantia


institucional do regime democrático. O conceito de garantia institucional foi
elaborado pela doutrina publicista alemã à época da República de Weimar, para
designar as formas de organização dos Poderes Públicos, cuja função é assegurar o
respeito aos direitos subjetivos fundamentais, declarados na Constituição.

Desde a nossa primeira Constituição republicana, seguimos, em matéria de


organização dos Poderes Públicos, o modelo original norte-americano, cujo
pressuposto ideológico foi o cuidado em delimitar e restringir a competência do
Poder Legislativo, o qual teria, na opinião dos pais fundadores dos Estados Unidos,
uma inclinação natural ao abuso de poder. "O corpo legislativo", escreveu Madison:
estende por toda parte a esfera de sua atividade, e engole todos os poderes no seu
turbilhão impetuoso11. Acrescentou ainda que o Poder Executivo deve ser temido
num regime monárquico, ou mesmo quando o povo exerce diretamente a função
legislativa, como ilustra a passagem abaixo:

“Mas numa república representativa", ponderou, "em que a


magistratura executiva é limitada, tanto na extensão, como na duração
dos seus poderes, e onde o poder de legislar é exercido por uma
assembléia cheia de confiança nas suas próprias forças, pela certeza que
tem da sua influência sobre o povo; [...] em tal estado de coisas, é contra
as empresas ambiciosas desse poder que o povo deve dirigir os seus
ciúmes e esgotar todas as precauções”.12

11
MADISON, The Federalist, ensaio nº 48, New York, The Modern Library, p. 322

16
Acontece que em nosso país – como na generalidade das nações latino-
americanas, de resto – a tradição colonial moldou os costumes políticos no sentido
da máxima concentração de poderes na pessoa do Chefe de Estado. Ao adotarmos,
pois, o regime presidencial de governo, em que o Chefe de Estado é, ao mesmo
tempo, o Chefe de Governo.

Já durante o regime monárquico, aliás, a predominância inconteste da


vontade imperial sobre todos os órgãos do Estado, e até mesmo acima da vontade
popular, pelo exercício do Poder Moderador, era bem conhecida. O imperador
concentrava em suas mãos todas as prerrogativas do Poder Executivo, o qual, como
reconheceu Joaquim Nabuco, sempre foi onipotente, sendo esta onipotência, em
suas palavras: o traço saliente do nosso sistema político13.

A Constituição de 1891, procurando corrigir tais abusos, determinou, em seu


art. 57, que "os juízes federais são vitalícios e perderão o cargo unicamente por
sentença judicial". Acrescentou que "os seus vencimentos serão determinados por
lei e não poderão ser diminuídos". Mas como a Constituição só se referiu, aí, aos
juízes federais, alguns Estados resolveram não observar essas garantias em relação
aos seus magistrados. O Supremo Tribunal Federal, na ocasião, chamado a se
pronunciar sobre o assunto, julgou que as garantias de vitaliciedade, inamovibilidade
e irredutibilidade dos vencimentos da magistratura deviam ser observadas, como
princípio constitucional, por todos os Estados da federação; o que veio, afinal, a ser
consagrado pela reforma constitucional de 1926.

Já a nossa atual constituição, no bojo de sua elaboração, buscou alcançar um


maior equilíbrio entre os poderes. Esta consolidação de equilíbrio de forças, no
entanto, não alcançou um êxito louvável, pelo menos na questão do judiciário,
quanto à definição precisa no funcionamento de seus órgãos internos. Isto quer dizer
que, com o avento da constituição federal de 1988, o judiciário adquiriu um novo
“status” de sua função institucional, sem no entanto, haver uma definição precisa de
seus mecanismos de atuação. Este problema poderemos verificar posteriormente no
capítulo 2, por exemplo, na discussão do controle de constitucionalidade das leis

12
MADISON Idem, pp. 322-323.
13
NABUCO, Joaquim: Um Estadista do Império, Rio de Janeiro, Nova Aguilar, p. 239.

17
pelo Supremo Tribunal Federal (STF), bem como a existência de um sistema híbrido
de justiça.

1.4 – Separação dos poderes

Um dos princípios fundamentais da democracia moderna é o da separação de


poderes. A idéia da separação de poderes para evitar a concentração absoluta de
poder nas mãos do soberano, comum no Estado absoluto que precede as
revoluções burguesas, fundamenta-se com as teorias de John Locke e de
Montesquieu. Imaginou-se um mecanismo que evitasse esta concentração de
poderes, onde cada uma das funções do Estado seria de responsabilidade de um
órgão ou de um grupo de órgãos.

Este mecanismo seria aperfeiçoado posteriormente com a criação de


mecanismo de freios e contrapesos, onde estes três poderes que reúnem órgãos
encarregados primordialmente de funções legislativas, administrativas e judiciárias
pudessem se controlar. Estes mecanismos de controle mútuo, se construídos de
maneira adequada e equilibrada, e se implementados e aplicados de forma correta e
não distorcida (o que é extremamente raro) permitiria que os três poderes fossem
independentes (a palavra correta é autônomo e não independente) não existindo a
supremacia de um em relação ao outro.

Importante lembrar que os poderes (que reúnem órgãos) são autônomos e


não soberanos ou independentes. Outra idéia equivocada a respeito da separação
de poderes é a de que os poderes (reunião de órgãos com funções preponderantes
comuns) não podem, jamais, intervir no funcionamento do outro. Esta possibilidade
de intervenção, limitada, na forma de controle, é a essência da idéia de freios e
contrapesos. Outro aspecto importante é o fato de que os poderes tem funções
preponderantes, mas não exclusivas. Desta forma quem legisla é o legislativo,
existindo, entretanto, funções normativas através de competências administrativas
normativas no judiciário, executivo e legislativo. Da mesma forma a função

18
jurisdicional pertence ao Poder Judiciário, existindo, todavia, funções jurisdicionais
em órgãos da administração do Executivo e do Legislativo.

Com a evolução do estado moderno, tem-se percebido que a idéia de


tripartição de poderes se tornou insuficiente para dar conta das necessidades de
controle democrático do exercício do poder, sendo necessário superar a idéia de três
poderes, para chegar a uma organização de órgãos autônomos reunidos em mais
funções do que as três formas originais. Esta idéia vem se afirmando em uma prática
diária de órgãos de fiscalização essenciais à democracia como os Tribunais de
Contas e principalmente o Ministério Público.

A separação dos poderes no Brasil é um princípio constitucional. A


Constituição de 1988 estabelece competências exclusivas aos três poderes, bem
como prima pela equipotência desses ramos de poder. No entanto, a história do
Brasil mostra que o dispositivo constitucional da separação dos poderes, tal qual a
democracia brasileira, pouco ou de nada valeu antes da Constituição de 1988. Um
exemplo disso pode ser observado na passagem abaixo, que diz respeito ao
equilíbrio de poderes após o Golpe militar de 1964:

"Depois do golpe (1964), o poder foi assumido pelos militares que


tentariam resolver os problemas a sua maneira. O Legislativo e o
Judiciário sofreram profundas alterações. À semelhança do Estado Novo,
os poderes do Executivo foram aumentados. Seus atos escaparam ao
controle do Judiciário. O Supremo Tribunal Federal foi atingido por várias
medidas que interferiram na sua composição e limitaram seus poderes.
Os direitos e garantias dos cidadãos, assim como a liberdade de
comunicação, reunião e pensamento ficaram subordinados ao conceito de
segurança nacional"..14

Após a Constituição de 1988, pôde-se observar uma relativa perda de


concentração de poderes nas mãos do Executivo, bem como ocorreu uma
significativa transferência de prerrogativas e atribuições antes exclusivas a este
poder, para o Legislativo, reduzindo assim, de forma drástica a esfera de ação

14
COSTA, E. V. 2001. O Supremo Tribunal Federal e a construção da cidadania. São Paulo : Institutos de Estudos Jurídicos e
Econômicos. P 165.

19
normativa do Presidente, como acontecia, por exemplo, com o Decreto Lei (extinto
na Constituição de 1988). Matérias anteriormente reguladas por decreto, simples
regulamentos e portarias, passariam a integrar o rol do processo legislativo. Ou seja,
estes textos deveriam necessariamente passar pela aprovação no Congresso, sejam
através de projetos de lei ou, mesmo em casos de urgência e relevância, através de
medidas provisórias. Por este último instrumento (MP), pode-se afirmar que, ao
contrário do que acontecia com o antigo decreto-lei, a MP perderia sua eficácia se
não convertida em lei dentro de um prazo estipulado.

Tais dispositivos apresentados no presente capítulo refletirão na capacidade e


na modalidade de ação dos órgãos judiciais, principalmente, no caso do Supremo
Tribunal Federal. E tais formas de atuação, serão vistas no capítulo seguinte.

20
Cap. 2
O controle constitucional das leis e o STF

2.1 – Do controle Constitucional

O controle de constitucionalidade tem por objetivo prevenir ou reprimir a


produção de normas legais, ou seus efeitos, assim como atos normativos , sempre
que estes, estiverem em desacordo face à Constituição. Ele surge inicialmente como
uma forma de impedir que leis e atos normativos editados pelo Estado venham a
desrespeitar os direitos e garantias individuais previstos constitucionalmente.

O controle constitucional pode ser dois tipos: o preventivo e o repressivo. O


primeiro tem como principal característica o fato de ser exercido antecipadamente.
Isto quer dizer que o controle é feito antes de qualquer projeto ou iniciativa tornar-se
em lei. Este tipo de controle se consuma durante o processo de elaboração
legislativa. Como exemplo, pode ser citado o caso da França através do Conselho
Constitucional. Já o segundo, é aquele exercido sobre a lei vigente. Neste modelo, a
maior parte dos juristas reconhecem dois modelos básicos: o difuso e o concentrado.
O controle difuso tem como origem os Estados Unidos, e também se faz presente
em outra ex-colônias britânicas como o Canadá, Austrália e Índia. O controle
concentrado teve suas origens na Constituição austríaca de 1920-1929. E também
se faz presente em países da Europa Ocidental como Itália, Alemanha e Espanha. A
tabela a seguir ilustra os dois tipos de controle, bem como exemplos de onde são
praticados:

21
Modelos de controle Constitucional das Leis

Órgão encarregado Natureza do pleito Exemplo

Quando exercido
Qualquer órgão em pleito qualquer,
judicial pode no âmbito dos
Estados
Difuso apreciar a processos comuns,
Unidos
constitucionalidade e não
da lei. especificamente
constitucionais

Quando está em Áustria,


É atribuição de um questão a própria Espanha,
Concentrado
tribunal especial constitucionalidade Itália,
da lei Alemanha

Combinação do Incidental para a


sistema difuso com parte difusa do
Híbrido um órgão de sistema e direta Brasil
jurisdição a/ou incidental para
concentrada o órgão especial

Fonte: ARANTES, Rogério Bastos: Judiciário e Política no Brasil; Sumaré; Fapesp; Educ., 1997. p 36.

O controle difuso surgiu nos Estados Unidos da América mediante uma


inovadora e notável interpretação realizada pela Suprema Corte, através do juiz
John Marshal, no caso Marbury versus Madison, em que se entendeu que todos os
atos do Governo (Estado), inclusive atos legislativos, decorrem da Constituição e a
ela devem respeito, devendo, pois, serem afastados no caso concreto aqueles atos
não conformes com a decisão máxima. Aqui a decisão que afasta a
constitucionalidade da norma tem efeito apenas entre as partes envolvidas no litígio.

Assim, criou-se um controle do Poder Judiciário sobre os demais atos


políticos, atribuindo-se poder a qualquer juiz ou tribunal de afastar a validade de
norma ou ato que fosse incompatível com a Constituição. No Brasil, desde a
Constituição Republicana de 1891 que tal modelo vem sendo expressamente
adotado.

22
O controle concentrado originou-se na Áustria, tendo por seu principal criador
Hans Kelsen. Tal modelo atribui a um órgão especial a função de declarar a
inconstitucionalidade da norma ou ato frente à Constituição. Cria-se a chamada
Corte Constitucional a qual detém o monopólio e função primordial de proteger e
preservar a Constituição. Nenhum outro órgão ou juiz terá a atribuição de declarar a
inconstitucionalidade da norma ou ato. Registre-se que a típica Corte Constitucional
detém competências para tratar de questões de grande relevância constitucional,
sendo que além do próprio controle de constitucionalidade em si, julga causas que
envolvam o Pacto Federativo, a separação do Poderes, garantia dos direitos
fundamentais, entre outras.15

2.2 – A composição do STF e o controle de constitucionalidade

O STF é composto por onze ministros, sendo todos indicados e nomeados


pelo Presidente da República, sendo ainda submetidos à aprovação junto ao
Senado Federal. Para o preenchimento de cargos conforme previsto no art. 94 da
Constituição Federal, serão escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e
menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação
ilibada.

O acesso e a composição do Poder Judiciário em geral, resulta pois, de


critérios que fogem à participação popular, sendo certo que nos tribunais, quanto
mais alta for a hierarquia da corte, mais fluido e aberto é o critério de acesso,
restando muita liberdade ao Executivo na escolha de tais membros, o que implica
em menor legitimidade. Ademais, os membros do Poder Judiciário, diferentemente

15
"Ao Tribunal Constitucional austríaco atribuiu-se, além da competência para apreciar de maneira concentrada a
constitucionalidade das leis, uma série de outras competências originárias, entre as quais a de resolver conflitos de
competência entre o governo federal e os Estados, assim como assegurar os direitos fundamentais". VIEIRA, Oscar Vilhena.
Supremo Tribunal Federal – Jurisprudência Política. 2ª edição. São Paulo: Malheiros, 2002, p.54.

23
16
daqueles mandatários do Executivo e do Legislativo têm vitaliciedade , ou seja,
exercitam o poder político de forma mais permanente.

Por outro lado, os membros do Poderes Legislativo e Executivo chegam aos


respectivos cargos mediante eleição direta, recebendo de forma temporária
(mandato) o exercício das funções legislativa e administrativa, funções estas que
tradicionalmente têm maior âmbito livre de decisão. Importante ressaltar que dada a
forma republicana adotada pelo nosso Estado, há temporariedade no exercício de
tais poderes pelos agentes eleitos pelo povo, sendo que de tempos em tempos o
povo renova e escolhe novos representantes, o que em si, é um mecanismo de
controle político.

Vê-se que para cargos no Legislativo e Executivo o acesso se dá por


indicação direta do titular do poder político, o povo, situação esta consagrada pela
constituinte de 1988 após duras lutas sociais. Contudo, em relação ao Poder
Judiciário não há indicação direta ou participação popular no acesso aos cargos de
juízes e ministros dos tribunais, ao contrário do que ocorre por exemplo, nos Estados
Unidos.
.
O Brasil no que concerne ao controle de constitucionalidade, já vinha
adotando a técnica do controle difuso herdada do modelo norte americano, mediante
a Constituição Federal de 1891, passou com a Constituição de 1934 a esboçar uma
nova técnica de controle de constitucionalidade, mediante ação direta (intervenção
federal) junto ao STF para efeito de garantia dos chamados princípios sensíveis da
constituição Federal.

A partir de então, evoluiu o ordenamento jurídico para, finalmente, introduzir-


se no Brasil, com a Emenda Constitucional 16/65, o controle concentrado da
constitucionalidade de lei ou ato normativo, originário do modelo austríaco.
Outrossim, a Constituição de 1988 consagrou e até ampliou a técnica mista de
controle de constitucionalidade combinando as duas técnicas iniciais: difuso e
concentrado. Daí resulta a questão do sistema híbrido que será debatido

16
No caso dos juízes de primeiro grau a vitaliciedade só se dá após dois anos de efetivo exercício das funções, na forma do
art.95, I, da CF/88.

24
posteriormente. Coube, pois ao STF, em decorrência da técnica híbrida de controle
de constitucionalidade, por força do próprio texto constitucional, um plexo de
competências, que implica em tal órgão ter que conciliar duas importantes posturas:
a de órgão de cúpula do Poder Judiciário (Corte de Apelação) e a de Corte
Constitucional.

2.3 – O Sistema híbrido brasileiro

Nas palavras de Rogério Bastos Arantes17 o sistema híbrido brasileiro resulta


da associação dos dois modelos básicos de controle repressivo: o difuso e o
concentrado. Tendo este sistema adquirido após a Constituição de 1988 uma forma
mais elaborada. Tal afirmação se deve pela própria natureza do texto legal da
Constituição. Nela, a divisão dos poderes adquiriu uma forma de pesos e
contrapesos, em que a rigor, um ato de um poder considerado como excessivo
poderia ser anulado pelo outro.

Sobre esta constituição, ainda caberia ressaltar que o seu contexto histórico
se deu logo após um longo período de Ditadura Militar, seguido logo após um
período de transição no processo de redemocratização. Ainda com resquícios da
Ditadura, o Legislativo elaborou nas constituintes, uma forma de buscar um equilíbrio
entre os poderes. O que ainda segundo Rogério Bastos Arantes, resultou num texto
legal em que o Legislativo buscou aumentar seus poderes, antes reprimidos pelo
Executivo.

O híbrido surge como um resultado de indefinições institucionais que


marcaram a constituinte de 1987 e que estão presentes no texto final da
constituição. Nele fora adotado um sistema de controle constitucional que faz uma
junção entre dois modelos antagônicos, que no caso, os modelos difuso e
concentrado, na forma já definida anteriormente.

17
ARANTES, Rogério Bastos: Judiciário e Política no Brasil; Sumaré; Fapesp; Educ, 1997.

25
Cap. 03

A expansão do Judiciário

3.1 – Elementos da expansão

Este capítulo tem por objetivo o de expor a questão da expansão do poder


judicial como um dos fatores que repercutiu no termo que denominaremos como
“judicialização da política”; e ao mesmo tempo, apresentar fatores de estagnação no
processamento de demandas, em virtude principalmente, da atual estrutura de
funcionamento do judiciário, conforme apresentados nos capítulos anteriores.

A expansão do poder judicial é um fenômeno que tomou conta do final do


século passado. A grande maioria dos países ocidentais democráticos adotou o
Tribunal Constitucional como mecanismo de controle dos demais poderes. A
inclusão dos Tribunais no cenário político implicou em alterações no cálculo para a
implementação de políticas públicas. O governo, além de negociar seu plano político
com o Parlamento, teve que se preocupar em não infringir a Constituição. Essa
seria, de maneira bastante simplificada, a equação política que acomodou o sistema
político (democracia) e seus novos guardiões (a Constituição e os juízes).

Essa nova arquitetura institucional propiciou o desenvolvimento de um


ambiente político que viabilizou a participação do Judiciário nos processos
decisórios. Apesar da assimetria existente entre os poderes, o Judiciário vem
ocupando um lugar estratégico no controle dos demais, principalmente do Executivo.
No caso brasileiro, basta verificar as prerrogativas do controle de constitucionalidade
exercidas pelo Supremo Tribunal Federal Brasileiro no período posterior à
promulgação da Constituição de 1988.

A verificação do fenômeno da expansão do poder judicial em várias


democracias possibilitou a criação de um quadro de condições políticas que
contribuiu para o entendimento desse processo. Esse modelo de análise empírica

26
obedece a um padrão de abordagem institucionalista, que teve como foco central os
estudos de casos do livro: The Global Expansion of Judicial Power, organizados por
Neal Tate e T. Vallinder. Esse estudo foi introduzido no Brasil por Marcus Faro de
Castro e, desde então, norteou o debate acadêmico na Ciência Política em torno da
judicialização no Brasil.

Para Vallinder e Tate, a expansão do poder judicial está ligada à queda do


comunismo no Leste europeu e ao fim da União Soviética. O colapso do socialismo
real promoveu o capitalismo e suas instituições de mercado, além de os EUA terem-
se tornado a única superpotência do planeta. O desenvolvimento da revisão judicial
e dos demais mecanismos institucionais desse país ficaram em evidência. Não seria
surpresa para os autores se a inclusão de um Judiciário forte nas novas
democracias (Ásia, América Latina e África) tivesse como modelo o caso americano.
Ainda se referindo ao caso americano, os autores afirmam que outro fator relevante
para o desenvolvimento da revisão judicial e conseqüentemente do poder judicial é a
recente influência da Ciência Política (teoria) e da própria jurisprudência dos
tribunais nos Estados Unidos. Ambas propiciaram a sofisticação dos mecanismos de
controle jurisdicional.

Na Europa, o fim da II Guerra Mundial acelerou o surgimento dos tribunais


constitucionais. Nesse ponto, os direitos humanos tiveram um papel fundamental,
principalmente a Corte de Direitos Humanos de Estrasburgo, por ter disseminado o
"evangelho" da judicialização nos mais diversos países.

Além disso, há também perspectivas que atrelam a judicialização da política a


interesses econômicos globais, como afirma Boaventura Santos. Baseado em dados
do Banco Mundial, o autor conclui que foi preciso conhecer o fracasso do Estado na
África, o colapso das ditaduras na América Latina e o desmantelamento do Leste
europeu para concluir-se que sem um enquadramento jurídico sólido, sem um
sistema judicial independente e honesto, os riscos de um colapso econômico e
social são enormes. "A reforma judicial é um componente essencial do novo modelo
de desenvolvimento e a base para uma boa governabilidade, devendo, por isso, ser
a prioridade do Estado não intervencionista. A administração da justiça é
essencialmente um serviço prestado pelo Estado à comunidade, de maneira a
preservar a paz social e facilitar o desenvolvimento econômico por meio da
27
resolução de conflitos"18. Conclui ainda o autor: "De todos os consensos liberais
globais, o do primado do Estado de Direito e do sistema judicial é, de longe, o mais
complexo e intrigante"19.

Outros especialistas, como Ibañez20, alertam também para uma mudança de


comportamento jurisprudencial dos tribunais. Estes passaram a atuar nos vazios
institucionais deixados pelos poderes representativos. Essas alterações foram
impulsionadas pelas mudanças interpretativas das escolas jurídicas (crise do
Positivismo Jurídico)21, pela delegação e/ou omissão dos poderes Executivo e
Legislativo, pelo aperfeiçoamento das instituições judiciárias (como, por exemplo, a
criação dos conselhos da magistratura), pela crescente pressão da sociedade civil e,
sobretudo, pela constitucionalização dos direitos fundamentais. "Os direitos
fundamentais recebem por esta via o tratamento jurídico que corresponde à sua
qualidade de 'fundamento funcional da democracia', porque é só 'por meio do
exercício individual dos direitos fundamentais que se realiza um processo de
liberdade que é elemento essencial da democracia” 22.

A expansão da ação judicial é marca fundamental das sociedades


democráticas contemporâneas. O protagonismo do Poder Judiciário pode ser
observado tanto nos Estados Unidos como na Europa, ainda que nos países da
commonlaw esse ativismo judicial seja mais favorecido pelo processo de criação
jurisprudencial do direito. De qualquer forma, mesmo nos países de sistema
continental, os textos constitucionais, ao incorporar princípios, viabilizam o espaço
necessário para interpretações construtivistas, especialmente por parte da jurisdição
constitucional, já sendo até mesmo possível falar em um “direito judicial”.

18
SANTOS, B. 2001. Direito e democracia : a reforma global da justiça. Porto : Afrontamento.
19
SANTOS, B. 2001. Id Ibidem
20
IBAÑEZ, P. A. 2003. Democracia com juízes. Revista do Ministério Público, Lisboa, ano 24, n. 94, p. 31-47, jun.
21
FARIA, J. E. 2002. O Direito na economia globalizada. São Paulo : Malheiros.
22
IBAÑEZ, P. A. Id Ibidem, p. 35.

28
3.2 – A expansão do Judiciário no Brasil

A democratização do país, cujo desenlace político resultou na eleição de


Tancredo Neves para a presidência da República, em 1984, ainda no contexto de
um colégio eleitoral instituído pelo regime militar, foi o resultado da convergência da
ação de duas grandes matrizes presentes na cultura política brasileira: a que se
orienta por uma razão republicana, valorizadora da esfera pública e capaz de
reconhecer no Estado a principal agência de ordenamento da vida social; e uma
outra, de raízes também longevas, que privilegia os valores da livre iniciativa –
concepções distintas de organização social, que, com a aproximação da sucessão
presidencial de 1989, aprofundaram as clivagens no interior do amplo campo de
forças políticas que derrotara o antigo regime e impedira a sua continuidade.

"No Brasil, há uma distância grande que medeia entre o povo e seu
Poder Judiciário. Esta falta de entrosamento do Poder Judiciário com a
soberania popular faz com que ele também não se apresente seguro, com
força bastante para pronunciar aquelas decisões que possam
efetivamente coibir os desmandos de Executivo, sempre inclinado a ser
arbitrário e caprichoso, como todo detentor do poder". 23

Referente ao Judiciário, como já descrito anteriormente, o processo de


recemocratização e posteriormente a constituição federal de 1998 atribuiu ao
Judiciário o papel de guardião das leis e garantiu sua autonomia financeira e política.
A partir deste momento, constata-se que a entrada de processos judiciais aumentou
consideravelmente, seja na 1ª instância, nas Superiores como o Tribunais, o STJ e o
STF. Anualmente, são milhares de processos entrados e milhares de julgados. De
fato, quando se observa tanto a movimentação judicial anual quanto a evolução do
número de processos entrados, não há como fugir de uma primeira constatação: a
demanda por uma solução de natureza judicial tem sido extraordinária e crescente.

23
SANTOS, B. 2001. Direito e democracia : a reforma global da justiça. Porto : Afrontamento. P. 165.

29
Para que se tenha uma idéia, com base em dados obtidos junto ao banco
estatístico do Ministério da Justiça, de 1990 a 2002, entraram, em média, na justiça
comum de primeiro grau 6.350.598 processos por ano, com clara tendência de
crescimento. Efetivamente, enquanto em 1990 chegaram até o Judiciário 3.617.064
processos, em 2002 este número mais do que dobrou, atingindo 9.764.616. Durante
esses anos houve, em média, um processo para cada 31 habitantes. Embora seja
uma média e, como tal, esconda diversidades, revela um ângulo precioso da justiça
brasileira: um serviço público com extraordinária procura. O aumento no volume de
processos entrados é muito maior do que faria supor o crescimento populacional.
Enquanto o número de habitantes no período cresceu 20%, a demanda pela justiça
de primeiro grau aumentou 270% dentro deste período.

Quanto aos processos julgados, sua evolução acompanhou o crescimento no


número de entrados, apresentando uma média anual de 4.593.839. Entre 1990 e
2002 houve um aumento de 311% nos julgados. Contudo, os números referentes
aos julgados, ano a ano, indicam uma defasagem constante quando comparados
aos de entrados: são julgados em média 72% dos processos entrados.

Embora a justiça de primeiro grau concentre a maior parte dos processos, é


também apreciável a movimentação dos tribunais. Comparando-se o início da
década com o final, os resultados são sempre significativos. Entraram, em 1990,
125.388 processos nos Tribunais de Justiça do país. Este número cresceu mais de
quatro vezes em 2000, passando para 545.398. Quanto aos processos julgados,
registrava-se em 1990 um total de 114.237; em 2000, atingiu-se três vezes e meia
mais: 410.304 julgamentos.

Tal como se passa na justiça dos Estados, é apreciável o movimento


processual da justiça federal. O número de processos distribuídos no primeiro grau
aumentou mais de cinco vezes de 1989 a 2002, assim como o de julgados. A
defasagem entre distribuídos e julgados é sempre considerável: em média, são
julgados 57% dos entrados. No que se refere aos tribunais regionais, enquanto em
1989 foram distribuídos 96.021 processos, em 2002, este número passou para
538.104 - um volume cinco vezes maior. Durante todo o período, é alta a diferença
entre o número de processos entrados e julgados - tanto no país como em cada
tribunal.
30
Repetem-se, em relação ao Supremo Tribunal Federal, as mesmas
constatações: uma movimentação excepcional, com crescimentos vertiginosos nos
volumes de processos distribuídos e julgados, e números multiplicando-se a cada
ano. A mais alta corte de justiça do país apresenta totais que surpreenderiam a
qualquer estudioso do sistema de justiça. Em 1940, chegavam até o STF 2.419
processos; em 1950, 3091; em 1960, 6.504; em 1970, 6.367; em 1980, 9.555; em
1990, 18.564; em 2000, 105.307; em 2001, 110.771; em 2002, 160.453. Trata-se,
como se percebe, sobretudo a partir de 1980, de um crescimento extraordinário,
demonstrando a intensa utilização desse tribunal. Os números de julgamentos são
igualmente surpreendentes: 1.807 em 1940; 3.371 em 1950; 5.747 em 1960; 6.486
em 1970; 9.007 em 1980; 16.449 em 1990; 86.138 no ano de 2000; 109.692 em
2001; 283.097 em 2002.24

No entanto, um ponto aqui que há de ser destacado nesse processo de


transformação. Embora o Judiciário tenha sido prestigiado com a guarda dos Direitos
fundamentais e controle legal dos atos administrativos, não houve a necessária
evolução administrativa do sistema. Ou seja, com exceção da criação dos 5
Tribunais Regionais Federais e do Superior Tribunal de Justiça, a estrutura ainda
continua insuficiente. Dentre as medidas estruturais adotadas foi a criação dos
Juizados Especiais Cíveis e Criminais através da lei federal nº 9099/95, que teve o
condão de tentar diminuir os prazos para solução dos conflitos, mas hoje já há o
risco de em pouco tempo os Juizados também ficarem com pautas extensas devido
a enorme demanda acumulada. Lembram Cappelletti e Garth:

“Em muitos países, as partes que buscam uma solução judicial


precisam esperar dois ou três anos, ou mais, por uma decisão exeqüível.
Os efeitos dessa delonga, especialmente se considerados os índices de
inflação, podem ser devastadores. Ela aumenta os custos para as partes
e pressiona os economicamente fracos a abandonar suas causas ou a
aceitar acordos por valores muito inferiores àqueles a que teriam
direito”.25

24
Dados obtidos no sítio eletrônico do STF: www.stf.gov.br/bndpj
25
CAPPELLETTI, Mauro et al. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Fabris, 1988. 20 p.

31
Houve, é verdade, uma grande expansão das atividades judiciais no Brasil.
Entretanto, ela, paradoxalmente gerou profundas crises, bem como segundo alguns
autores, é considerada como um dos fatores para o fenômeno da judicialização da
política, como veremos a seguir.

3.3 – O fenômeno da judicialização da política

A expressão passou a compor o repertório da ciência social e do direito a


partir do projeto de Neal Tate e Vallinder, em que foram formuladas de linhas de
análise comuns para a pesquisa empírica comparada do Poder Judiciário em
diferentes países. "Judicialização da política" e "politização da justiça" seriam
expressões correlatas, que indicariam os efeitos da expansão do Poder Judiciário no
processo decisório das democracias contemporâneas.26 Judicializar a política,
segundo esse autores, é valer-se dos métodos típicos da decisão judicial na
resolução de disputas e demandas nas arenas políticas em dois contextos. O
primeiro resultaria da ampliação das áreas de atuação dos tribunais pela via do
poder de revisão judicial de ações legislativas e executivas, baseado na
constitucionalização de direitos e dos mecanismos de checks and balances. O
segundo contexto, mais difuso, seria constituído pela introdução ou expansão de
staff judicial ou de procedimentos judiciais no Executivo (como nos casos de
tribunais e/ou juízes administrativos) e no Legislativo (como é o caso das Comissões
Parlamentares de Inquérito).

Vallinder considera que existem dois tipos de judicialização: 1) "from without",


que é a reação do Judiciário à provocação de terceiro e que tem por finalidade
revisar a decisão de um poder político tomando como base a Constituição. Ao fazer
a revisão, o Judiciário ampliaria seu poder frente aos demais poderes; 2) "from
within": é a utilização do aparato judicial na administração pública; portanto,
juntamente com os juízes vão os métodos e procedimentos judiciais que são
incorporados pelas instituições administrativas que eles ocupam A forma mais

26
TATE, C. Neal e VALLINDER, Torbjorn. 1995. The Global Expansion of Judicial Power. New York University Press, 1995.

32
difundida de judicialização da política, que pode ser generalizada a todos os casos,
é a from without, ou seja, o controle jurisdicional de constitucionalidade.

Se na idéia da política judicializada estão em evidência modelos diferenciais


de decisão, a noção de politização da justiça destaca os valores e preferências
políticas dos atores judiciais como condição e efeito da expansão do poder das
Cortes. A judicialização da política requer que operadores da lei prefiram participar
da policy-making a deixá-la ao critério de políticos e administradores e, em sua
dinâmica, ela própria implicaria papel político mais positivo da decisão judicial do que
aquele envolvido em uma não-decisão. Daí que a idéia de judicialização envolve
tanto a dimensão procedimental quanto substantiva do exercício das funções
judiciais. No Brasil, o termo passou a ser utilizado em pesquisas empíricas por
Ariosto Teixeira e Marcus Faro de Castro. Em suas análises de ações de
inconstitucionalidade no STF eles já apontavam a inadequação do conceito, dado o
pouco ativismo dos ministros. Werneck Vianna tomou o termo para descrever as
transformações constitucionais pós-88, que permitiram o maior protagonismo dos
tribunais em virtude da ampliação dos instrumentos de proteção judicial, e que
teriam sido descobertas por minorias parlamentares, governos estaduais,
associações civis e profissionais.

Mas a expressão ganhou o debate público e, com isso, multiplicaram-se os


seus usos e sentidos, tornados às vezes contraditórios. De um modo geral, a
expressão é utilizada em sentido normativo, tanto em relação ao papel atual dos
agentes do sistema judicial, assim como em relação a propostas sobre a extensão
adequada do seu papel na democracia brasileira.

Os juristas usam o termo judicialização para se referirem à obrigação legal de


que um determinado tema seja apreciado judicialmente. Próximo a esse sentido,
mas já com caráter normativo, afirma-se que judicialização é o ingresso em juízo de
determinada causa, que indicaria certa preferência do autor por esse tipo de via.
Refere-se a decisões particulares de tribunais, cujo conteúdo o analista consideraria
político, ou referente a decisões privadas dos cidadãos (como questões de família).
Decisões judiciais particulares poderiam ser sujeitas a escrutínio e seu conteúdo
poderia ser avaliado como "grau de judicialização". A expressão é usada neste

33
sentido mesmo para decisões que não são propriamente judiciais como no caso da
verticalização das coligações políticas decidida pelo TSE.

A expressão recebe um sentido de processo social e político, quando é usada


para se referir à expansão do âmbito qualitativo de atuação do sistema judicial, do
caráter dos procedimentos de que dispõem e, ainda aumento do número de
processos nos tribunais. A judicialização é tomada como um processo objetivo
utilizado para defender propostas de mudança na organização do Judiciário ou na
cultura jurídica, considerada defasada face às novas necessidades sociais. Essa
expansão pode ser interpretada em sentido sistêmico, em que a judicialização
implicaria risco de perda das diferenciações funcionais entre os subsistemas do
direito e da política.27

Em relação às causas do processo de judicialização, alguns atribuem-na à


ação do legislador, constituinte ou ordinário, o governo federal, agentes políticos,
grupos oposicionistas ou de associações.28 Há referências a macroprocessos de
mudança social que teriam embaralhado as relações entre direito, política e
sociedade. Outros concentram sua atenção no próprio Poder Judiciário (suas
atribuições, as práticas e cultura de seus agentes) ou na legislação defasada como
por exemplo o jurista Miguel Reale29. O termo aplica-se não só à ação dos juízes
mas também os profissionais de outras carreiras judiciais (especialmente os
membros do Ministério Público), que seriam os responsáveis pela judicialização da
política, por utilizar "excessivamente" suas atribuições para levar os conflitos à
justiça, ou para resolvê-los extra-judicialmente, tendo a lei e seu savoir-faire como
referência. A expressão faz parte do repertório das ações de grupos políticos que
defendem o recurso das arenas judiciais para ampliar a proteção estatal à
efetividade de direitos de grupos discriminados ou excluídos.

No sentido constitucional, a judicialização refere-se ao novo estatuto dos


direitos fundamentais e à superação do modelo da separação dos poderes do
Estado, que levaria à ampliação dos poderes de intervenção dos tribunais na

27 CAMPILONGO, Celso Fernandes. 2000."Governo representativo versus governo dos juízes: a autopoiese dos sistemas
político e jurídico". Revista de Direito Constitucional e Internacional, ano 8, n° 30.
28
FARIA, José Eduardo. 1999. "O Supremo e a judicialização da política". O Estado de São Paulo, 6/11/1999
29
REALE, Miguel. 2000. Um brasileiro do século. Entrevista ao Jornal da Tarde, 04/11/2000.

34
política. Se considerado um processo que põe em risco a democracia, a tendência
seria agravada pelo nosso sistema híbrido de controle da constitucionalidade.

3.4 – A Judicialização da política no Brasil

A face política do Judiciário foi expressa pela Constituição de 1988. A Lei


Maior brasileira, tal como as Constituições que resultaram dos processos de
redemocratização no século XX, é muito diferente das precedentes, típicas do
constitucionalismo moderno. Enquanto nas primeiras Constituições os principais
objetivos eram a limitação do poder dos monarcas, a afirmação do império da Lei e a
proteção das liberdades individuais, as mais recentes guiam-se por valores
democráticos, enfatizando os direitos sociais. A meta não é apenas limitar o poder
absoluto e assegurar direitos, mas ser um instrumento para a realização da justiça
social e para a promoção de direitos, incorporando valores da igualdade social,
econômica e cultural. Em conseqüência, o foco central passa a estar em questões
concretas, de natureza social, política e econômica, fortalecendo a inclinação do
Direito de tornar-se pragmático, embaçando as fronteiras entre o Direito e a política.
Daí, também, a tendência das Constituições mais recentes serem extremamente
detalhadas, procurando resolver temas vistos como relevantes e especificar metas,
regras e políticas de governo.

A Constituição brasileira de 1988 levou ao extremo as potencialidades do


constitucionalismo característico dos processos de redemocratização, incorporando
ao máximo o paradigma normativo. Efetivamente, além de garantir os direitos
individuais, típicos do liberalismo, consagrou uma ampla gama de direitos sociais e
coletivos e definiu metas. Trata-se de texto essencialmente programático, com os
direitos e deveres individuais e coletivos aparecendo antes mesmo da organização
do Estado. A versão final, com seus 245 artigos, acrescidos de setenta em suas
disposições transitórias, resultou de quase dois anos de trabalho, muitas
negociações, árdua composição de idéias, interesses divergentes e costuras
políticas. Somente um texto detalhista poderia sacramentar tantas demandas e

35
garantir formalmente a reconstrução da sociedade e do Estado, tendo por metas o
desenvolvimento e a igualdade social.

A extensão e a complexidade dos direitos sociais garantidos, bem como o


grau de detalhamento combinados com a capacidade do Judiciário de exercer o
controle da constitucionalidade das leis e atos normativos, propiciaram um aumento
substancial das áreas de intervenção e atuação pública deste poder. A Lei Maior
conferiu capacidade aos magistrados e às cortes judiciais de produzirem impactos
sobre o processo de decisão política. Em decorrência, a Constituição transforma-se
em um texto programático, operando-se um estreitamento da margem de manobra
dos políticos e, conseqüentemente, ampliando-se o papel político do Judiciário.

O protagonismo do Judiciário, e também dos demais agentes do sistema de


justiça, como por exemplo o Ministério Público, substantiva-se em um poder até
então desfrutado apenas pelos representantes eleitos pelo povo, seja no Legislativo,
seja no Executivo. No caso da democracia constitucional brasileira, ela passou a ser
mais constitucional que democrática, ou seja, decisões majoritárias são limitadas em
um alto grau pelo Judiciário ao exercitar sua atribuição de controle da
constitucionalidade. Isto se reflete tanto no Supremo Tribunal Federal como nos
demais tribunais sempre que estejam em jogo questões passíveis de serem
examinadas à luz dos preceitos constitucionais.

Sobre o Ministério Público, com a Constituição de 1988, foi transformado numa


espécie de quarto Poder. Sendo subordinado ao Executivo e defensor de seus
interesses. Passou a contar com autonomia funcional e administrativa em relação
aos demais poderes, bem como também assumiu o papel de defensor da sociedade
frente o Estado. Com o advento destas prerrogativas o Ministério Público obteve
condições de se fazer mais presente na vida política, seja na defesa de interesses
coletivos ou difusos. Pois como se sabe, até mesmo devido sua missão institucional,
o Judiciário só se manifesta quando provocado, e tem sido o Ministério Público um
dos órgãos mais importantes no sentido de ativá-lo, particularmente, dentro deste
novo sistema institucional pós 1988.

Assim, ainda que a Constituição de 1988 não tenha alterado nem a estrutura
nem a composição do STF, ao ampliar o rol de matérias que não podem ser objeto

36
de deliberação do Executivo e do Legislativo, transferiu para os onze ministros da
cúpula do Judiciário um enorme poder. De forma semelhante, como resultado deste
novo modelo, a atuação da Justiça Federal e Promotores de Justiça sucedeu uma
extraordinária onda de intervenção dos juízes e promotores de justiça nas mais
variadas áreas de política pública.

No Brasil, o legislador constituinte confiou ao Supremo Tribunal Federal (STF)


o controle abstrato da constitucionalidade das leis, mediante a provocação da
chamada comunidade de intérpretes da Constituição. E tal importante inovação não
pode ser creditada quer a uma expressão de vontade da sociedade civil organizada,
antes, bem mais do que agora, alheia às possibilidades democráticas da intervenção
do Judiciário na arena pública, quer a uma proposta amadurecida no interior do
poder judiciário. Contudo, apesar das ações diretas de inconstitucionalidade (ADINS)
terem caído como um raio em dia de céu azul no cenário institucional brasileiro,
desde logo elas foram reconhecidas como um instrumento de significativa
importância, não só para a defesa de direitos da cidadania, como também para a
racionalização da administração pública.

O mapeamento das condições políticas em torno do fenômeno da expansão


do poder judicial permite dizer que quase todas as condições estão presentes no
caso brasileiro, embora, algumas condições, apesar de formalmente estabelecidas,
não se tenham mostrado realidades factíveis. Entretanto, partindo do pressuposto de
que existem no Brasil as condições mínimas para o afloramento de um processo de
judicialização da política, passemos a uma análise mais apurada da efetividade
desse fenômeno no Brasil.

A definição estabelecida por Vallinder vem sendo utilizada por muitos


cientistas sociais. No Brasil, a explosão de processos, bem caracterizada no mundo
político pelas ADINS, tem sido o mais forte argumento daqueles que defendem a
existência de um processo de judicialização da política. Isso não quer dizer que a
judicialização ocorra apenas nesse nível, mas é nele que as decisões tomadas pela
justiça assumem sua maior dramaticidade no mundo político. É por meio desse
instituto que o Tribunal pode tornar nula uma legislação oriunda dos poderes
representativos.

37
A ampliação da problemática da judicialização, saindo daquilo que chamo de
"conceito mínimo de judicialização", ou seja, o hiperdimensionamento do caráter
procedimental, tem mostrado que o aumento puro e simples do número de
processos não implicou uma intervenção efetiva do Judiciário. Portanto, existe
também um hipodimensionamento do caráter substancial, isto é, até que ponto os
juízes modificam as leis ou atos dos demais poderes? Ou mesmo, até que ponto
essas decisões interferem na aplicação de políticas públicas?

"Se na idéia da política judicializada estão em evidência modelos


diferenciados de decisão, a noção de politização da justiça destaca os
valores e preferências políticas dos atores judiciais como condição e
efeito da expansão do poder das Cortes. A judicialização da política
requer que operadores da lei prefiram participar da policy-making a deixá-
la a critérios de políticos e administradores e, em sua dinâmica, ela
própria implicaria papel político mais positivo da decisão judicial do que
aquele envolvido em uma não decisão. Daí que a idéia de judicialização
envolve tanto a dimensão procedimental quanto substantiva do exercício
das funções judiciais". 30

No caso brasileiro, a importância do caráter substantivo – ou seja, o


comportamento judicial e sua contextualização histórica e política – foi deixada à
margem. Por outro lado, a análise procedimental apropriou-se de um cabedal teórico
que explica a judicialização no Brasil por meio do aumento expressivo das ações
judiciais, entendendo essa explosão processual como uma forma de participação da
sociedade civil.

Os países que possuem a revisão abstrata da legislação (Alemanha, França,


Portugal e Espanha) costumam ter uma média de julgamento das ações próximas do
total de ações ingressadas. Entretanto, nos tribunais constitucionais desses países,
a Corte máxima não representa a vértice de todo o sistema jurídico positivo. No
Brasil, o STF controla boa parte do conflito jurídico, seja por via da competência
originária, seja pela via recursal. Essa demanda implica uma média de 80 000
processos julgados por ano. Na Alemanha, o Tribunal Constitucional julga em torno
de duzentas ações por ano.
30
MACIEL, D. & KOERNER, A. 2002. Sentidos da judicialização da política : duas análises. Lua Nova, São Paulo, n. 57, p. 114.

38
Mesmo se considerarmos a hipótese de que a taxa de julgamento é
satisfatória, o que garante que a decisão proferida foi assertiva? Ou que o juiz
escolheu intervir? O aumento da demanda judicial não diz se o Judiciário está ou
não intervindo. Ora, se o aumento das ações não é suficiente para caracterizar o
processo de judicialização, o que fazer?

Diante dessas perguntas, no que diz respeito às causas geradoras da


expansão do poder Judiciário, a literatura aponta para uma ampla gama de
explicações: colapso do socialismo, hegemonia americana, evolução da
jurisprudência constitucional, as guerras mundiais, os direitos humanos, o
neoliberalismo, ativismo dos juízes, entre outros. Mesmo sem uma justificativa
causal para o processo de expansão do poder judicial, a literatura avança a uma
suposta caracterização das condições institucionais. Quase que de maneira
automática, as causas e as condições são correlacionadas com o aumento da
litigância processual e, conseqüentemente, com um processo de judicialização da
política. Fatores estes reunidos ganharam maior destaque com o que no capítulo
seguinte descreverá como crise do Judiciário e suas propostas de reforma que
tramitam no Congresso Nacional desde 1993.

39
Cap. 4

Crise do Judiciário

4.1 – Elementos da crise.

A visibilidade dos problemas decorrentes da dimensão política do Judiciário,


nos últimos anos, decorre em grande parte do fato do país viver momentos de ajuste
econômico, político e social e de adaptação de toda a sua infra-estrutura às
exigências de inserção no mercado internacional. Assim, em um país com uma
ampla agenda de reformas e que adote um modelo institucional que alarga o espaço
político do Judiciário, como é o caso do Brasil, os problemas oriundos da dimensão
política são esperados.

A tendência à expansão da presença do Poder Judiciário na arena pública


pode ser confirmada pelo expressivo aumento no número de ações diretas de
inconstitucionalidade - o indicador clássico do processo de judicialização da política.
De 1988 a janeiro de 2004 foram impetradas 3.097 ações31. A participação de
partidos políticos, de governadores de Estado e de confederações e entidades
sindicais tem sido significativa, superando largamente o percentual de ações
propostas pelo Procurador-Geral da República, o único agente, antes da vigência da
Constituição de 1988, com legitimidade para propor esse tipo de ação.

A proposição de ações diretas de inconstitucionalidade não cobre o amplo


potencial da dimensão política do Judiciário. A concessão de liminares, a
possibilidade de decisões judiciais paralisando medidas provenientes do Executivo e
do Legislativo ou mesmo impondo determinadas resoluções preenchem essa
dimensão, provocando reações por parte do governo, da classe política e de setores
da sociedade. A dimensão política do Judiciário provoca reações, sobretudo por
parte do governo e dos partidos de sustentação do Executivo - independentemente
do partido ou dos partidos que ocupem esta posição.

31
Retirado do Banco Nacional de Dados sobre o Poder Judiciário em: www.stf.gov.br/bnpj. Dados Atualizados até 05/11/2006.

40
Não por acaso, o tema da reforma do sistema de justiça tem voltado ao
debate obedecendo aos ciclos de decisões que alteram o status quo, quer por
autoria do Executivo, do Legislativo ou do próprio Judiciário. Do ponto de vista do
jogo político, pode-se mesmo afirmar que esta dimensão é apontada como a mais
problemática e, portanto, sujeita a alterações radicais em um projeto de reforma.

Grande parte da insatisfação popular com a justiça refere-se a esta dimensão.


A ela são dirigidas ácidas críticas, tais como: "a justiça tarda e falha"; "a justiça não é
igual para todos"; "a justiça é elitista"; "mais vale um mau acordo do que uma boa
demanda"; "para os amigos tudo para os inimigos a lei" etc.

Para o exame dessa dimensão, uma vez mais, é necessário distinguir alguns
aspectos. Há que se examinar, de um lado, a demanda por justiça e, de outro, o
processamento desta demanda.

No que se refere à demanda, o crescimento nos índices de procura pela


justiça estatal está altamente relacionado às taxas de industrialização e de
urbanização. Crescimentos nesses indicadores provocam aumentos no número e no
tipo de conflitos e, conseqüentemente, torna-se maior a probabilidade de que litígios
convertam-se em demanda judicial. Essa potencialidade depende, por sua vez, da
consciência de direitos e da credibilidade na máquina judicial. Assim, a mera
transformação estrutural por que passou a sociedade brasileira, de
predominantemente agrária e rural para industrial e urbana, num intervalo de menos
de cinqüenta anos, tomando-se 1930 como ponto de partida, justificaria a
multiplicação dos conflitos. Tais tendências foram, no entanto, em grande parte,
contidas pela ausência de vida democrática e pelo descrédito na justiça32.

As dificuldades de acesso ao Judiciário são constantemente lembradas como


um fator inibidor da realização plena da cidadania. O desconhecimento dos direitos,
por um lado, e a percepção de uma justiça vista como cara e lenta, de outro, afastam
dos tribunais a maior parte da população.

Esta constatação não se aplica, entretanto, a todos os estratos sociais. Há


setores que buscam a justiça, extraindo vantagens de suas supostas ou reais

32 Dados do IBGE de 1988 mostram que a maior parte dos litígios sequer chega a uma Corte de Justiça - apenas 33% das
pessoas envolvidas em algum tipo de litígio procuram solução no Judiciário.

41
deficiências, bem como dos constrangimentos de ordem legal. Este é o caso tanto
de certos órgãos estatais como de grupos empresariais. Pesquisa conduzida pelo
Idesp junto a empresários, em 1996, revelava que, embora a principal crítica dirigida
ao Judiciário fosse à falta de agilidade, esta deficiência nem sempre era avaliada
como prejudicial para as empresas. Muitos empresários admitiram que a morosidade
é por vezes benéfica, principalmente na área trabalhista33. Tal como as empresas,
também o governo e agências públicas têm sido responsáveis pelo extraordinário
aumento da demanda no Judiciário. Calcula-se que o Executivo e o INSS
respondem por cerca de 80% das ações judiciais.

Resumidamente, pode-se sustentar que o sistema judicial brasileiro nos


moldes atuais estimula um paradoxo: demandas de menos e demandas de mais. Ou
seja, de um lado, expressivos setores da população acham-se marginalizados dos
serviços judiciais, utilizando-se, cada vez mais, da justiça paralela, governada pela
lei do mais forte, certamente menos justa e com altíssima potencialidade de desfazer
todo o tecido social. De outro, há os que usufruem em excesso da justiça oficial,
gozando das vantagens de uma máquina lenta, atravancada e burocratizada.

As deficiências do aparelho judicial, somadas aos ritos processuais, criam


situações de vantagem e/ou privilégios, portanto, de desigualdade. Assim, a ampla
possibilidade de recursos facultada pela legislação favorece o "réu", o "devedor",
adiando uma decisão por anos. É consensual entre os especialistas a avaliação de
que ingressar em juízo, no caso de quem deve, é um bom negócio, seja este réu o
setor público ou particulares.

4.2 – A estrutura para o processamento de demandas.

Este é o angulo que apresenta os sintomas mais visíveis do que se


convencionou chamar de crise do Judiciário. Diz respeito a uma estrutura pesada,

33
Solicitados a avaliar os resultados econômicos das ações propostas por suas empresas nos últimos dez anos, 59%
responderam que os benefícios superaram os custos; 11% que os custos superaram os benefícios; 13% que os custos e
benefícios foram aproximadamente iguais; 17% não souberam avaliar. Em: IDESP - Relatório de Pesquisa "Justiça e
Economia" , São Paulo, 2000.

42
sem agilidade, incapaz de fornecer soluções em tempo razoável, previsíveis e a
custos acessíveis para todos.

A despeito de se verificar tendências ascendentes na demanda e na oferta de


serviços em todas as instâncias e em todas as justiças, a imagem é de absoluta
inoperância, com descompasso expressivo entre a procura e a prestação
jurisdicional. Calcula-se que, caso cessassem de ingressar novos casos, seriam
necessários de cinco a oito anos, dependendo do ramo do Judiciário e da unidade
da federação, para que fossem colocados em dia todos os processos existentes.

Com freqüência, aponta-se o número insuficiente de juízes como um dos


fatores mais importantes para justificar a baixa agilidade no desempenho do
Judiciário34. Muitos integrantes do sistema de justiça apegam-se a esta carência
para explicar a crise. De fato, o Brasil apresenta uma relação bastante desfavorável
entre o número de magistrados e o tamanho de sua população. Ademais, o baixo
número de juízes é um problema reconhecido pelo próprio poder público, já que, em
todas as unidades da Federação, há vagas abertas. Apesar da inegável
desvantagem da situação brasileira quando confrontada com a de outros países,
estudos comparativos internacionais demonstram não haver correlação significativa
entre o número de juízes e a eficiência e a confiança da população no sistema
judicial.

Embora seja difícil apontar uma única causa como responsável pelos
problemas de distribuição de justiça, seria impossível ignorar o papel desempenhado
pelos próprios magistrados no exercício de suas atribuições. Referimo-nos a dois
aspectos: ao recrutamento e à mentalidade, variáveis com forte influência na forma
de perceber e de lidar com as questões relacionadas à distribuição de justiça.

O recrutamento, no caso brasileiro, é uma atribuição da própria instituição. O


ingresso na carreira depende de concurso público, para o qual estariam
teoricamente habilitados os bacharéis em Direito. A proliferação de faculdades,
sobretudo a partir dos anos de 1970, não foi acompanhada de igual preocupação
com a qualidade dos cursos. Este fenômeno explicaria, em boa medida, o reduzido

34 Dados oficiais do Banco Nacional de Dados do Poder Judiciário de 2004 indicam que o Brasil possui um juiz para cada 25
mil habitantes, havendo vacância na justiça dos Estados, na federal e na trabalhista. O déficit chega a 21% na justiça comum.

43
índice de aprovados nos concursos de ingresso e, conseqüentemente, a vacância
em todas as regiões do país. Mas certamente está aí apenas parte da explicação.
Haveria que se considerar também fatores estranhos a uma prova de proficiência,
como, por exemplo, uma política deliberada para impedir o crescimento exagerado
no número de integrantes da instituição e seus efeitos deletérios sobre o prestígio e
as deferências típicos de um grupo pequeno e mais homogêneo. Esta hipótese
ganha força quando se considera que o sistema de recrutamento adotado no país
permite o acesso de profissionais extremamente jovens35, sem a obrigação de
passagem por escolas de formação, isto é, sem a sujeição a um processo formal de
socialização interna corporis.

Quanto à mentalidade, o Judiciário não difere, neste aspecto, de outras


instituições igualmente fechadas, com traços aristocráticos. O figurino da instituição
tem se mostrado um ponto problemático, uma vez que, longe de encorajar o
substantivo, prende-se à forma; em vez de premiar o compromisso com o real,
incentiva o saber abstrato. O descompasso entre o valorizado pela instituição e as
mudanças vividas pela sociedade responde, em grande parte, pela imagem negativa
da magistratura junto à população. Sublinhe-se, contudo, que nos últimos anos têm
crescido as reações internas a esse modelo. Tanto assim que, hoje, dificilmente,
pode-se afirmar que a magistratura constitua um corpo homogêneo. Ao contrário,
não apenas multiplicaram-se os grupos internos, como muitos juízes têm se
mostrado críticos da instituição e sensíveis a propostas de mudança, mesmo que
afetem diretamente interesses corporativos e tradicionais. Ainda que esses grupos
não sejam majoritários, constata-se uma significativa renovação interna, no sentido
de um maior pluralismo e a uma conseqüente quebra no modelo de mentalidade
tradicional. Esta mudança não deve ser vista como apenas positiva. Ela embute
riscos, sobretudo se implicar uma ampliação do espaço de partidários de um "direito
alternativo", comprometidos com uma concepção de justiça social, que tem no
magistrado um paladino36, ou ainda de juízes que, ao abandonar a discrição, guiem-
se pela presença na mídia e pela ânsia de substituir a classe política, constituída
pelo mandato popular.

35
Dados da pesquisa Idesp (Sadek, 1995b) realizada junto à magistratura mostram que 55% dos juízes ingressaram no
Judiciário com trinta anos ou menos.
36
Pesquisas do Idesp mostraram que tem crescido o grupo de magistrados que julga que o juiz não pode ser um mero
aplicador da lei, deve ser sensível aos problemas sociais.

44
Outros fatores poderiam concorrer para a explicação da falta de agilidade da
estrutura burocrática do Judiciário. Dentre eles, saliente-se: escassez de recursos
materiais e/ou deficiências na infra-estrutura; o conjunto de problemas relacionado à
esfera legislativa propriamente dita e aos ritos processuais.

Mesmo reconhecendo a importância dos recursos materiais, estudos


comparativos internacionais demonstram que incrementos em recursos não
provocam iguais ganhos em agilidade e previsibilidade dos serviços prestados.

Quanto aos problemas relacionados à esfera legislativa, considera-se que a


morosidade da justiça também tem a ver com as normas processuais, isto é, com os
efeitos e dificuldades que podem decorrer das próprias etapas e garantias
especificadas em lei. A discussão dessas normas tem como horizonte a possível
simplificação do processo, com a implantação de procedimentos mais rápidos,
simples e econômicos.

Além da instabilidade legal que tem marcado o país, o excesso de


formalidades também contribui para retardar o trabalho da justiça. Depoimentos de
vários membros do Judiciário e de estudiosos apontam na direção da necessidade
de uma reformulação na lei processual vigente, buscando simplificá-la, removendo
diversos óbices legais que impedem a agilidade dos diversos juízes, nos vários
graus de jurisdição. Investigações comparativas concluem que esses problemas
mostram-se centrais como entrave à agilidade do Judiciário. No caso brasileiro, os
dados disponíveis sugerem que o número de recursos possíveis, mais do que
contribuir para a garantia de defesa de direitos, tem propiciado a litigância de má fé,
o adiamento de decisões. Daí os congestionamentos na justiça de segundo grau e o
retardamento, por anos, na obtenção de sentenças definitivas.

4.3 – Propostas de Reforma do Judiciário.

O capítulo referente ao sistema de justiça da Constituição de 1988 foi o que


recebeu o maior número de propostas de revisão, por ocasião da reforma

45
constitucional de 199337 - foram ao todo 3.917 emendas. Um número nada
desprezível, mas de todo incongruente com o resultado então alcançado: nenhuma
alteração.

Como conseqüência, a proposta de emenda constitucional relativa ao


Judiciário tramita no Congresso Nacional há mais de uma década, a partir de um
projeto apresentado por Hélio Bicudo em 1992, então deputado federal pelo PT de
São Paulo. Esse primeiro projeto sofreu inúmeras modificações, até finalmente ser
votado na Câmara dos Deputados, em junho de 2000. Tantas foram às alterações e
de tal magnitude que é possível afirmar que entre o primeiro projeto e o aprovado
praticamente não há semelhanças. Mais do que isso: após o período de revisão
constitucional, sucederam-se três relatores38 e apesar de todos pertencerem a
partidos governistas, resultaram três propostas absolutamente diferentes entre si.
Em junho de 2004, o texto encontrava-se no Senado, na Comissão de Constituição,
Justiça e Cidadania, aguardando parecer do relator, podendo, inclusive, ser
inteiramente modificado.

As soluções propostas, para efeito de discussão, poderiam ser agrupadas em


dois grupos: as judiciais propriamente ditas e as extrajudiciais, aí englobando desde
sistemas alternativos para a solução de disputas até modificações legislativas.

As propostas de reforma denominadas judiciais procuram dar maior eficiência


ao Poder Judiciário a partir de intervenções internas, na própria instituição.
Abrangem, assim, iniciativas diversas, desde alterações nas competências de seus
organismos até modificações na estrutura da instituição. Entre elas destacam-se:
transformação do STF em uma Corte de Justiça; introdução da súmula de efeito
vinculante; da súmula impeditiva de recurso; do incidente de constitucionalidade;
eliminação de juízes classistas na Justiça do Trabalho; extinção da Justiça Militar;
fim do poder normativo da Justiça do Trabalho; criação de um órgão de controle
externo do Poder Judiciário.

37
O processo de revisão da Constituição, previsto pelo Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, teve inicio em
13/10/1993 e encerrou em 31/5/1994. Nesta fase especial, o Congresso Nacional, reunido em sessão unicameral, poderia
aprovar mudanças na Constituição pelo voto da maioria absoluta de seus membros. Um processo normal de emendas à
Constituição deve respeitar a regra de votação em dois turnos, nas duas casas legislativas, por meio de maioria qualificada de
3/5, nas quatro votações.
38
Jairo Carneiro do PFL da Bahia foi escolhido relator em 1995. Sucederam-lhe dois deputados federais do PSDB de São
Paulo: Aloysio Nunes Ferreira e Zulaiê Cobra Ribeiro.

46
No que se refere ao perfil institucional do Judiciário, a proposta com maior
potencialidade de alterar as relações entre este poder e os poderes propriamente
políticos diz respeito à transformação do STF em uma Corte Constitucional. Esta
modificação teria por finalidade dois objetivos: restringir a atuação do órgão a
questões estritamente constitucionais, deixando de ser um Tribunal de última
instância para qualquer tipo de demanda e redefinir o exercício do controle da
constitucionalidade. Com o primeiro objetivo, seria reduzido significativamente o
número de processos que chega até a mais alta corte de justiça. No atual modelo,
toda e qualquer matéria pode, através de recursos, chegar até o STF, obrigando
seus ministros a lidar com um rol tão amplo de questões que não encontra paralelo
nas demais democracias. A redefinição do controle da constitucionalidade, por sua
vez, alteraria profundamente toda a engenharia institucional. Os partidários mais
radicais desta alteração inspiram-se em um modelo no qual o controle da
constitucionalidade das decisões políticas deve limitar-se a princípios que ponham
em risco a continuidade democrática e o Estado de Direito. Nessa alternativa não
caberia ao Judiciário pronunciar-se sobre toda e qualquer questão, passando a
adquirir as decisões majoritárias (aprovadas no Congresso ou propostas pelo
Executivo) prevalência sobre as judiciais. Seria, pois, reduzida a possibilidade de
ativismo do Judiciário e, ao mesmo tempo, seriam flexibilizados os preceitos
constitucionais e reduzido o número de cláusulas pétreas.

Em uma outra versão, seria reforçado o papel do STF e dos Tribunais


superiores, facultando a essas cortes a emissão de Súmulas e a elas atribuindo
efeito vinculante para os demais órgãos do Judiciário e para a Administração Direta
e Indireta de todas as esferas do poder público. Alcançar-se-ia, assim, a
uniformização dos julgados e condicionar-se-iam as ações administrativas do poder
público. A decisão de um tribunal superior teria que ser obrigatoriamente seguida no
julgamento de um caso semelhante. Essas súmulas teriam força de lei.

A súmula de efeito vinculante (stare decisis) é vista por seus defensores como
indispensável para garantir a segurança jurídica e evitar a multiplicação, considerada
desnecessária, de processos nas várias instâncias. Tal providência seria capaz de
obrigar os juízes de primeira instância a cumprir as decisões dos tribunais
superiores, mesmo que discordassem delas, e impediria que grande parte dos

47
processos tivesse continuidade, desafogando o Judiciário de processos repetitivos.
Seus oponentes, por seu lado, julgam que a adoção da súmula vinculante
engessaria o Judiciário, impedindo a inovação e transformando os julgamentos de
primeiro grau em meras cópias de decisões já tomadas. Dentre os que contestam tal
expediente, há os que aceitam a súmula impeditiva de recurso, um sistema em que
o juiz não fica obrigado a seguir o entendimento dos tribunais superiores e do STF,
mas permite que a instância superior não examine o recurso que contrarie a sua
posição.

Outra modificação de grande amplitude seria a criação de incidente de


inconstitucionalidade, que permitiria ao STF, provocado pelo Procurador-Geral da
República, Advogado da União, Procurador-Geral ou Advogado-Geral do Estado,
determinar a suspensão de processo em curso perante qualquer juízo ou tribunal,
para proferir decisão exclusivamente sobre a questão constitucional suscitada,
obrigando os demais órgãos do Judiciário a adotar a mesma interpretação no
julgamento de casos concretos.

Essas propostas encontram resistências por parte da magistratura, sobretudo


de primeira instância, de setores do Ministério Público e de amplo grupo de juristas,
particularmente da OAB. Tais inovações, na opinião de seus oponentes, afrontariam
duas garantias constitucionais: a) a separação de poderes, uma vez que daria poder
normativo aos tribunais - uma prerrogativa do Legislativo; b) o princípio do duplo
grau de jurisdição, já que retiraria dos magistrados o poder de decidir livremente,
segundo a lei e o seu convencimento pessoal. Alega-se ainda que essas soluções
visam a fortalecer o órgão de cúpula do Judiciário e propiciar agilidade aos tribunais,
implantando uma ditadura e impedindo a autonomia do juiz e, conseqüentemente, a
oxigenação da instituição.

No que se refere ao conjunto de problemas denominados estruturais, também


é amplo o leque de propostas, abrangendo desde alterações na estrutura do poder
Judiciário até modificações nas competências de certos órgãos. Assim, há projetos
com o objetivo transformar o STF em Tribunal Constitucional, no estilo dos modelos
europeus, composto por juízes com mandato fixo. Essa transformação faria com que
o STJ fosse ampliado, cabendo a ele a uniformização da jurisprudência relativa à
legislação federal e à proteção das liberdades fundamentais. Trata-se de proposta
48
polêmica, encontrando ferrenhos adversários no interior da magistratura e entre
juristas.

Quanto às justiças especiais, a solução que sempre obteve um maior número


de adeptos era a que determinava a extinção do cargo de juiz classista na Justiça do
Trabalho. Tal demanda, de fato, acabou sendo efetivada, por meio de Emenda
Constitucional, em dezembro de 1999, deixando, pois, de constar da proposta de
Reforma do Judiciário. Há ainda emendas visando a alterar os artigos 111, 112, 113
e 114 da Constituição Federal para extinguir o TST, a representação classista em
todos os graus de jurisdição e o poder normativo da Justiça do Trabalho. Essa
inovação, que mudaria efetivamente o perfil institucional da Justiça do Trabalho, visa
a possibilitar a implantação definitiva da negociação coletiva em matéria trabalhista.
Argumentam seus defensores que, desta forma, o país daria um salto de qualidade
nas relações de trabalho, assemelhando-se ao que ocorre nos países capitalistas
avançados. No que se refere à Justiça Militar, há propostas pretendendo reduzir a
competência de seus juízes, redefinindo os tipos de crimes sujeitos a seu
julgamento, quando cometidos por militares ou policiais militares. Há também
propostas objetivando incluir a Justiça Agrária entre os órgãos do Judiciário.

A democratização do Poder Judiciário, no sentido de abertura de suas portas


para os setores mais carentes da população, inspira propostas que prevêem a
criação de novos Juizados Especiais, especialmente na justiça trabalhista. Esses
juizados foram implantados na justiça federal e começaram a operar em janeiro de
2002.

A criação de um órgão externo de controle do Judiciário é, sem dúvida, a


proposta que mais tem provocado discussões. Desde que foi apresentada encontrou
ardorosos defensores e recebeu uma avalanche de protestos. Seus adeptos
sustentam que, dos três poderes, o Judiciário é o mais estável e o que tem menos
mecanismos de controle e de fiscalização, seja por parte da sociedade, seja de
outros poderes. Essa proposta já sofreu uma série de modificações, tanto no que se
refere à denominação do órgão encarregado de exercer controle, como quanto às
suas competências e à participação de membros externos à instituição.

49
As soluções extrajudiciais contemplam iniciativas que vão da esfera legislativa
propriamente dita até a criação de novos espaços para a solução de disputas.
Problemas decorrentes da legislação têm sido repetidas vezes apontados como
sérios obstáculos ao bom funcionamento da justiça. Parece existir um relativo acordo
quanto ao fato de que grande parte da legislação brasileira vigente é desatualizada,
tendo sido elaborada para uma sociedade que pouco se parece com a atual,
obrigando juízes a aplicar normas em muitos casos ultrapassadas. Advoga-se que o
país deveria acompanhar uma tendência mundial no sentido de um enxugamento da
legislação, de uma redução da intermediação judicial, da livre negociação e da auto-
resolução dos conflitos.

Na esfera legislativa tornou-se imprescindível ajustar a lei aos imperativos da


justiça, sem que isto implique diminuir o respeito ao devido processo legal e ao
direito de defesa. A lei processual brasileira permite, de fato, uma pletora de
recursos. Pode-se, como lembram seus críticos, até fazer embargo de declaração de
despacho a embargo de declaração. Esta estratégia tem claramente como objetivo
ganhar tempo, retardando a sentença final.

Ainda em relação à legislação processual, há propostas que buscam limitar as


possibilidades de medida liminar ou cautelar. Muitos juristas julgam que todas as
situações jurídicas hoje são passíveis de serem postas em suspenso por medida
liminar ou cautelar, sendo até mesmo executadas em favor do autor antes que o réu
tenha sido ouvido.

Há também forte demanda de desburocratização das exigências legais.


Considera-se que a simplificação dos procedimentos pode significar economia de
tempo e de custos, sem colocar em risco garantias próprias do devido processo legal
e direitos individuais.

Quanto aos mecanismos alternativos de solução de disputas, medidas já vêm


sendo implementadas no sentido de institucionalizar a conciliação, a negociação e a
arbitragem. O juízo arbitral, a chamada "Lei Maciel", já foi, inclusive, regulamentado.
Mas o país ainda está muito distante de aproveitar todo o potencial das soluções
alternativas para a solução de disputas.

50
Essas propostas, classificadas em judiciais e extrajudiciais, não esgotam o
amplo leque de alterações que tem por meta modificar o Poder Judiciário e o
sistema de justiça em geral. Há outras propostas, como por exemplo: alteração dos
dispositivos relativos à promoção dos magistrados; introdução de participação do
Ministério Público no concurso de provas e títulos para ingresso na carreira da
magistratura; modificação de dispositivo referente ao vitaliciamento do magistrado;
estabelecimento de investidura temporária para os Ministros dos STF e do STJ;
proibição de realização de sessões secretas, pelos tribunais, para tratar de assuntos
administrativos; extensão para os Ministérios Públicos dos Estados e do Distrito
Federal do mecanismo de confirmação pelo Poder Legislativo da escolha do
Procurador-Geral, hoje existente para o Ministério Público Federal; quarentena para
juiz que se aposenta; quarentena para nomeação para qualquer tribunal de quem
tenha exercido mandato eletivo ou ocupado cargo de ministro de Estado.

Ao lado de temas que exigem mudanças constitucionais ou na legislação


ordinária, há aqueles que modificariam o Judiciário no sentido de transformá-lo em
uma máquina mais moderna e menos avessa às inovações tecnológicas. Esse
problema, tal como os demais, não é novo, mas acentuou-se nos últimos anos.
Atualmente, o anacronismo da máquina judicial atinge muito mais a primeira
instância do que os tribunais, ainda que também nesses ainda não se tenha
aproveitado por inteiro as vantagens da informatização.

Parece inquestionável que a atual estrutura do Judiciário não tem sido capaz
de atender minimamente às exigências de um serviço público voltado para a
cidadania. O atual modelo, contudo, não provoca malefícios de forma homogênea.
Há indícios de que a morosidade e a possibilidade de um grande número de
recursos, retardando uma decisão final, têm favorecido os principais usuários do
Judiciário. É forçoso reconhecer, entretanto, que a pauta de reformas é ampla e que
dificilmente se obterá consenso. Os apoios são precários, com composições que se
modificam de acordo com o item em discussão.

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Conclusão

O presente trabalho preza pela evolução do debate acadêmico brasileiro em


torno da expansão do poder judicial. Contudo, estamos distantes de uma análise
precisa do funcionamento desse poder no Brasil. Provavelmente, o fato de a
democracia brasileira ser uma realidade recente tenha um grande peso, pois, como
foi possível perceber, não há como se falar em política judiciária fora de regimes
abertos. Contudo, tomando como base o Supremo Tribunal Federal podemos dizer
que, apesar dos avanços, temos muito por fazer.

No caso do STF, o aprofundamento dos mecanismos causadores do


processo de expansão e a maior diversidade em suas abordagens proporcionariam
uma grande contribuição para o entendimento do processo de judicialização no
Brasil. A utilização desses modelos em conjunto ou de maneira separada tem levado
vários pesquisadores nos EUA e na Europa a aproximarem-se de padrões
explicativos do comportamento julgador dos tribunais e suas relações com o mundo
político. Contudo, a pura e simples adaptação dos modelos não seria em si um fato
positivo; sabemos das inúmeras diferenças institucionais existentes entre Brasil e
EUA. No entanto, os modelos atitudinal e estratégico trariam consigo uma forma
mais elaborada de enxergar o fenômeno da política judicial no Brasil.

A jurisdição constitucional provoca uma institucionalização do relacionamento


entre política, Constituição e Justiça. Propõe de fato uma releitura do princípio da
separação dos poderes em que a tese clássica de Montesquieu, sem perder o
sentido de limitação do poder político através de instrumentos de controle entre
poderes, seria fortalecida pela participação do poder Judiciário na defesa das
instituições democráticas e dos direitos de cidadania. A decisão de Justiça sobre
questões políticas não-resolvidas pelo consenso entre governantes ou entre esses e
a cidadania encontraria na judicialização uma possibilidade de fiscalização da
política de governo tendo como norma-parâmetro a Constituição.

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Os governantes devem pois aceitar que os seus poderes estão limitados pela
vontade da Constituição. É certo que receberam através do voto popular um
mandato para criar novas regras jurídicas para assim obterem a realização de seus
programas de governo; contudo, essas leis somente terão validade na medida em
que estejam em conformidade com a Constituição. Não se diga, portanto, que a
última palavra sobre a adoção de uma política governamental estaria sendo
transferida para o Judiciário, reaparecendo o fantasma do governo dos juízes. Ora, o
governante guarda sempre a última palavra, posto que poderá, no limite, reformar o
texto constitucional, e assim obter a implementação de sua decisão política. A
Constituição exige tão-somente um consenso entre governo e oposição que se
expressará no respeito ao processo Legislativo mais complexo e rigoroso para a
aprovação de emendas constitucionais.

O fenômeno da judicialização da política segue a evolução natural do estado


de direito que se democratiza. Com efeito, a decisão judicial, protegida pela
fundamentação jurídica e das garantias institucionais e pessoais do julgador,
contribui sensivelmente para o fortalecimento das instituições democráticas. A
jurisdição constitucional e a democracia caminham lado a lado em busca da
realização de idéia de direito. Essa idéia encontra na constituição não somente um
momento de declaração, programática e sem força jurídica, mas sim uma aspiração
de emancipação do cidadão que, participante, procura influenciar a adoção de uma
política de governo que tenha na Constituição do Estado as bases de sua ação
governamental.

No contexto atual a jurisdição constitucional brasileira vive um momento


delicado de estagnação, como vimos no capítulo 4. Por um lado, ocorre que,
segundo literatura adotada, a imposição de uma política de governo pelo
presidencialismo aumenta significativamente o grau de litigiosidade perante os
tribunais, em particular perante o Supremo Tribunal Federal. Por outro lado, há a
incapacidade do Judiciário em firmar uma jurisprudência constitucional que possa
orientar as decisões da Justiça em todo território nacional. Trata-se sim de uma
questão de técnica constitucional que no fundo encobre uma questão política que
deve ser enfrentada rapidamente. O Poder Judiciário no constitucionalismo
democrático precisa resgatar a sua legitimidade. Essa legitimidade não poderá ser

53
obtida através do processo eleitoral como ocorre com o Executivo e o Legislativo. A
legitimidade do Judiciário residiria na sua capacidade de proteger os Direitos do
cidadão e sobretudo, de resistir à pressão política exercida pelo governo.

A função da jurisdição constitucional é a de preservar a vontade da


Constituição em face das maiorias eventuais que podem violar os Direitos de
cidadania. O seu papel assim definido obriga a uma nova engenharia constitucional
que conduzirá a uma reforma do Judiciário, primeiramente no modo de organização
dos tribunais superiores - quem sabe com a adoção de um Tribunal Constitucional.
Esse tribunal teria a tarefa de redefinir toda a estrutura do Poder Judiciário brasileiro,
inclusive abrindo-se a discussão sobre a admissibilidade de um controle externo,
bem como da revisão de procedimentos que, valorizando o formalismo processual,
representaram, no passado autoritário, um espaço de resistência, mas que no
espaço democrático podem comprometer a força das decisões de Justiça.

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