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SOBRE SÓBRIOS E EMBRIAGADOS

Três dias se passaram sem nenhuma


novidade. Neste ínterim, não acontecera
nenhum crime que justificasse a presença de
Epaminondas no local. Mas, uma frase não
saia da cabeça de Tito: me aguarde, eu te
acho... o que o ex-policial queria dizer com
eu te acho? Nestes dias quando saía da
delegacia, nem que fosse para fazer um
lanche, olhava para todos os lados à procura
de algum sinal. Procurava alguma pessoa
estranha, algum aceno no outro lado da rua,
alguém que lhe entregasse sorrateiramente
algum bilhete contendo instruções sobre
como e quando encontrar aquela enigmática
figura. Estava criando o hábito de tomar
algumas cervejas com Nina quando um ou
outro não estava de plantão. Às vezes Edson
também participava, mas nestas ocasiões
tinham os dois, ele e a colega, de cuidarem o
que diziam, afinal, tinham um segredo. Um
olhava para o outro, de um jeito que ficasse
claro quando o álcool ameaçava fazer
derrapar a língua, pondo em perigo seus
planos. Às vezes reparava melhor na mulher,
principalmente quando a bebida lhe
afrouxava o espírito sisudo; olhava-a então
com mais atenção e tinha de admitir que o
riso brincalhão de Nina ‘mexia com ele’.
Algumas vezes lhe ocorria convidá-la para
continuarem a festa em seu apartamento, mas
em seguida sua costumeira insegurança com
as garotas apossava-se de seus nervos.
Melhor deixar assim, de mais a mais, ela
tinha um espírito brincalhão que talvez o
fizesse confundir as coisas. Sabia também,
que não podia perder esta forte aliada; se
cometesse algum deslize que desgostasse a
moça poderia pôr tudo a perder. Foi assim
que três dias se passaram e ele já começava a
cogitar ligar mais uma vez para o homem; no
entanto, quando pegava seu celular desistia.
O que dizer? Epaminondas disse que o
achava, e se isto fosse alguma regra que
deveria obedecer com total reverência?
Poderia ser a condição sine qua non para o
encontro. Não, melhor não; desistia então da
ligação e ficava entregue à ansiedade. Foi
pensando nestas coisas que chegou em casa,
depois de mais um dia de trabalho em que
nada acontecera digno de nota. Cansado,
talvez da modorra do dia, não conseguiu
naquela noite nem ver um pouco de televisão,
indo direto desabar em sua cama, de roupa e
tudo, adormecendo em seguida. Caiu então na
imensidão do nada. O sono profundo em que
mergulhara aos poucos dava lugar a uma voz
arrastada e grave, era a voz de Epaminondas.
Enquanto despertava lentamente, juntava
preguiçosamente as migalhas de seu
raciocínio perdidas na escuridão silenciosa do
sono. Aquela voz... Achou que estava
iniciando um sonho e entregou-se lentamente
à doçura etérea daquele canto de Morfeu.
Uma gargalhada então, alta e lasciva, o trouxe
à superfície. Abriu lentamente os olhos numa
luta serena contra pálpebras de chumbo.
Começou aos poucos a divisar algumas coisas
à sua frente; a princípio imagens desconectas
que dançavam; eram luzes salpicadas de
escuridões. Num esforço mais intenso
obrigou suas pupilas a lhe fazerem uma
tradução mais fiel do que via. Dezenas de
círios acesos, pretos e vermelhos,
emprestavam suas luzes a imagens
assustadoras, carrancas, cabeças de bronze
com imensos chifres. Nas paredes pululavam
imagens estranhas, pareciam demônios que
zombavam do recém chegado com seus
sorrisos ruidosos. A dança lenta, porém
intensa daqueles pontos de fogo faziam com
que claridade e sombra brincassem em suas
fisionomias assustadoras e alegres. Davam-
lhes os movimentos necessários para que
mostrassem todo o êxtase de suas alegrias
pagãs; demônios orgulhosos que realizavam
extáticos, suas danças infernais. O medo
exalado pelo inusitado visitante parecia
arrancar-lhes risadas maldosas embora
surdas, como que em agradecida celebração
pelo inocente, que agora ali, petrificado, era
oferecido em holocausto. Tito reparou então
em uma imensa e temerosa pira que ardia no
centro do recinto, sentindo arrepios. Estava
nauseado e verdadeiramente apavorado. Não,
aquilo não era um sonho! Decididamente
aquilo tudo era real, podia sentir o calor
daquelas chamas e sentia também o aroma
inebriante e suave de incenso; sim, seus olhos
estavam bem abertos.

- Não, garotinho, você não está sonhando... –


aquela voz bêbada e arrastada ele já conhecia.
E o pavor da situação o fez pensar se
realmente acertara naquela procura. Estava
com muito medo. E se Epaminondas fosse
um louco! E se ingenuamente, caíra como um
cãozinho estúpido e xereta nas garras de um
depravado! Ali imóvel, a mercê de seu raptor,
que reação poderia exercer? Levou a mão,
num ato mecânico, abaixo do braço;
procurava sua arma no coldre axilar, o
movimento saiu lento e em vão. Ouviu então
a risada debochada de Epaminondas. Aquilo
o fez tremer. Sentiu uma vontade incrível de
chorar, chorar um choro infantil, de
criancinha desamparada e então percebeu que
estava entrando em pânico. Começou a
respirar fundo e tentou levantar-se de um só
golpe; não conseguiu. O sentimento de medo
foi dando lugar ao de raiva, seu corpo imóvel
possivelmente drogado, fora conduzido sabe-
se lá como, para aquele lugar assustador.
Pesava agora trezentos quilos. Desistiu de
uma reação, apenas olhou para o raptor à
procura de alguma indulgência. Nos seus
olhos estava escrita a rendição, e os de
Epaminondas pareciam-lhes mais sinistros do
que nunca – Meu caro e indefeso amigo -
prosseguiu Epaminondas, que vestia uma
grande capa negra com capuz. Esta
indumentária dava aspecto mais sinistro ao
evento e a seu principal personagem –
Permita que me apresente: eu sou eu e não
eles. Eu sou aquele que escutou quando
menino, ‘seja nós’, e respondeu: não posso
porque eu sou eu. Mais tarde escutou, então
seja igual, e respondeu: impossível, porque
sou diferente. Por fim escutou, então pelo
menos seja ‘bom’ e respondeu: como assim,
me pedir um sentimento? Ficou então
enojado dos pedintes e foi embora. Não me
presto a ser comestível, queriam que eu fosse
mais um arroz...branquinho, coletivo e
indefeso, mas não. Eu sou a mosca que
pousou no prato! Este sou eu. Portanto meu
caro espero que você não seja um babaca
qualquer, que venha apentelhar meu sossego.
Imagino que o que lhe fascinou naquela noite,
foi o inusitado, estou errado? Claro que não.
O inusitado, quando se está entre sóbrios é
entretenimento que desconcerta, é diversão.
Sob a luz mortiça da Razão, todo mundo é
valente! Todos, sob a tutela da sobriedade,
essa parca luz, são muito curiosos. No
entanto, basta apagar a luz, e voltam a ser as
criancinhas mimadas, desprotegidas e
chorosas, que os sóbrios, em ultima instancia,
são. Crianças que têm medo do escuro.
Apresenta-se a você uma situação inédita, e
seu coraçãozinho sóbrio entra em desespero.
Por que? Porque o dia a dia em que sua
cabecinha é viciada, não pode prever que
exista vida onde você não enxerga. Ninguém
me vê durante o dia. Pois saiba novato! Na
sombra a vida é mais intensa que na luz.
Porque à sombra, só enxerga quem ilumina
com o próprio fogo, se não, morre de fome!
Quem não tem luz própria, apavora-se na
escuridão, não vê nada, e que perigos podem
surgir de onde não se enxerga! Ajoelha-se
então e reza por uma lanterna salvadora. A
lanterna da luz sóbria! Olhe você! Queria ter
comigo. Dou-lhe uma chance e você se caga
nas calças! O que você imaginou? Que eu
estaria à sua espera em um botequim de
quinta categoria, em uma esquina qualquer?
Claro que sim! Tenho certeza, há,há,há... mas
não, meu filho, embora adore botequins de
quinta categoria. Só cuide com esse hábito
sóbrio de rebaixar o que não conhece à
imagem e semelhança do conhecedor. –
Epaminondas abriu os braços e saiu andando
pela imensa sala com seus passos trôpegos –
Olhe tudo isso! Estes todos são avatares de
uma embriaguez cósmica! Estão lhe
recepcionando com intensa alegria! São os
melhores amigos que você pode ter, desde
que possa percebe-los quando vêm dançar, no
silêncio misterioso da sombra. Oh, não!
Esqueci-me, você é um sóbrio! Tem pra você
tudo bem iluminadinho! Escolhe as coisas
pela incidência de luz que nelas refletem;
narcisicamente, escolhe então os reflexos de
luzes que mais lhe agradam. Alimenta-se de
luzes refletidas, reflexos de luzes alheias.
Mas, e a sua luz? Não existe? Há,há,há...
Você só saberá se dançar com seus demônios
danças infernais, menino, sob a luz negra de
sua própria sombra. Olhe essas velas...
iluminam na escuridão com luzes feitas de
fogo! Luzes que dançam! E só pode haver
fogo, se este vier da nossa mais profana
profundidade. Para mim, filhote, não há
dúvidas, ou iluminamos com nosso fogo ou
somos iluminados por luzes mofadas. Esse
pavor estancado em seus olhos vem do mofo
sóbrio em que você foi criado. Vocês
civilizados, há.há.há... os civilizados me
divertem muito! Você sabe realmente o que é
ser um civilizado? Eu tenho um palpite: é
nada mais nada menos do que assumir o
compromisso de ser hoje, ao acordar, o
mesmo que você foi ontem. Você se
transformar no seu próprio circulo vicioso, é
isso que esperam de você, que seja um óbvio,
um previsível. Só assim pode ser medido o
grau de perigo que você eventualmente possa
representar à sociedade sóbria; se for um
óbvio, receberá o selo de ‘bom’. Divirto-me
quando vejo aquelas figuras empoladas
falando; o discurso combinando com a
gravata, almas decoradas. Aliás, creio que a
‘alma’ é a armadilha do ser. Caralho! A
‘alma’ é a jaula dos instintos! Para quem os
têm bem fracos ou praticamente não os têm,
essa dama é uma benção! Praticamente pode
justificar toda uma existência débil. É o
manto sagrado vestido pelo sóbrio; no
entanto, é uma camisa de força a ser rasgada
pelo embriagado! Quem não tem nada se
apega a qualquer coisa, principalmente se
vem pintada de branco e tem ornamentos
santarrões. A alma é a carteira de identidade
dos sóbrios, assim, reconhecendo-se nela,
reconhecem-se todos, e todos querem
também a imortalidade dos seus pequenos
egos. E assim conduzem à imortalidade... o
‘divino’ Platão. Nada mais. Divertem-me
esses sóbrios, acocorados sob a luz platônica!
Lutando contra seus instintos, lutando contra
si próprios! Ficam com a ‘alma’ e jogam no
lixo o que têm de mais profundo, forte e
original, dando-lhe o nome de diabo. Mas é
no lixo dos sóbrios que faço minhas melhores
pescarias. Qualquer coisa que não sirva para
um sóbrio torna-se uma iguaria para um
embriagado! Costumam desfazer-se do fruto,
consumindo avidamente a casca. Bem, digo-
lhe tudo isto, porque realmente me
surpreende seu medo. Você foi valente para
me encarar, ou foi uma súbita curiosidade
tola? Se foi, tudo bem, estará em casa logo
mais e faz de conta que tudo não passou de
um pesadelo; agora não repare, mas tenho
que tomar um gole! Minha boca está ficando
seca. Porra, eu falo pra caralho, compadre!
Foi você aí deitado, abatido, que me inspirou
esta fúria verborrágica! É que vocês me
enchem o saco com esses medinhos tolos. –
Epaminondas serviu-se de uma garrafa de
champanha, enchendo também uma taça para
Tito. Estendeu-a ao assustado rapaz, que a
apanhou com mão trêmula. Este em seguida
conseguiu sentar-se com dificuldade no
acanhado sofá, que só agora percebia,
estivera por este tempo todo deitado. O pior
já havia passado, e aos poucos, Tito
reorganizava suas idéias. Planejara não
fraquejar quando estivesse na presença do
negrão e dava-se conta de ter protagonizado
um pequeno vexame. Embora tivesse ficado
este tempo todo em silêncio, o lance de tentar
pegar sua arma demonstrava uma patetice à
toda prova. Resolveu então, entrar de bem na
dança. Epaminondas sugeriu um brinde e os
dois bateram os copos. Em seguida, Tito
ensaiou suas primeiras falas.

- Perdoe-me Sr. Epaminondas – disse isso


levando a mão à cabeça, ainda estava meio
zonzo – foi tudo muito rápido, ainda agora
dormia em minha casa e... de repente...

- Deixa comigo que eu sei como é, mas não


posso correr riscos. Compreenda, estou em
meu habitat, não posso permitir que venham
xeretar por aqui, tomei a precaução de
remove-lo dormindo, sei alguns truques, é
fácil. Assim, com este pequeno ardil, eu
garanto minha tranqüilidade, pois se você
falar disso para alguém, dirão que sonhou e
que você não passa de um lunático. Aliás,
penso que você é meio maluquinho, não e?
- Epaminondas sentou-se em uma poltrona
de espaldar alto, ornada com mantos de cetim
com variadas cores e estranhos brocados, mas
estava difícil para Tito divisar pormenores
naquele ambiente; o negrão olhava-o e sorria
com a taça de champanha na mão, o rapaz
achou melhor corresponder-lhe o sorriso.

- Você é corajoso garoto, gosto disto. O


pessoal da policia é só interesseiro. Querem
somente os meus préstimos, e quanto mais
rápido eu partir da cena do crime, melhor.
Mal sabem eles que tudo que quero é sair
logo de suas presenças sóbrias. É um bando
de cínicos. O Santos mal consegue disfarçar o
seu desgosto com minha presença, mas
trabalhar pouco é tudo que ele quer,
portanto, chama o negão Epaminondas! Só
vou nessas porras todas porque gosto de
praticar, botar um vagabundo mentiroso e
covarde na cadeia é uma delícia! Veja, e você
é novato e vai se acostumar, como é a
condição humana; eles cometem crimes e
escondem-se atrás de mentiras, das mais
variadas, isso não é uma vergonha? Os
sóbrios e seus crimes... não conseguem nem
assumir a própria violência de suas paixões.
Não assumem nada, afinal. O que me deixa
puto é que muitos botam a culpa na bebida!
Ora! Eles são sóbrios! Sóbrios quando bebem
não ficam embriagados, ficam bêbados! e
nesta condição encontram a desculpa
adequada para todo tipo de patifaria. ‘Eu
estava fora de mim!’ é isso que alegam.
Porém, como aqueles cãezinhos de circo que
só têm valor porque andam ‘de pé’, nas
patinhas de trás, adestrados que foram para
isso, quando andam com as quatro patinhas
perdem o glamour e a serventia, porém
tornam-se o que realmente são, cãezinhos,
nada mais. Assim é que imagino a condição
humana, ‘eu estava fora de mim!’, aqui ó!
Quando botou as patinhas no chão, tornou-se
por um momento o que é lá nos recantos mais
profundos de seu ser: uma besta! É quando a
máscara do adestramento sóbrio cai, e vemos
o rosto que se esconde por detrás da mascara
‘civilizada’. É irmãozinho... acho que o velho
Freud realmente tinha razão. Dá um tremendo
mal estar ter de estar sóbrio o tempo todo!
Mas estar embriagado é uma delicia! Amo a
embriaguez! Por isso, vamos tomar outra! –
encheu então sua taça e a de Tito, que
continuava um pouco aéreo, sentou
novamente e continuou – À besta humana! –
ergueu um brinde, ato contínuo, sorveu tudo
em poucos goles - À besta humana, por
encenar esta maravilhosa ópera buffa que me
diverte tanto! A essa canga pesada que são
obrigados a carregar, sua santa Razão, uma
Razão de túnica branca. Muito bonita e que
cheira a jasmim, para combinar com suas
almas puras, tão branquinhas. Tudo muito
bonitinho, muito comovente... oh, como me
toca! Sabe, pimpolho, a maioria dessas caras
que você encontra lá fora, quando está ao Sol,
precisam mesmo de uma alma, de um rótulo,
de um comportamento; ser sóbrio é uma
profissão. Parece-me que agradecem
aliviados, já existir de antemão um molde os
aguardando, para que, tal qual a água que
toma a forma do recipiente no qual é vertida,
seu ser assuma uma função nesse grande
negócio. Será remunerado com grana! Grana
e reconhecimento.Terá uma bela família, para
mostrar fotos aos amigos. Não precisará
existir fora disso, para alívio seu, pois não
teria para onde ir. Não é nada, só um molde.
Acho isso a ditadura do frasco sobre a
essência, quando esta é parca ou não existe. O
sóbrio é uma aparência. Mas existem os
embriagados, ah... os embriagados, os que
vertem seu ser para fora do acanhado
recipiente, porque este por si só não basta.
Uma coisa eu aprendi nestas minhas andanças
pelos becos da existência: o pequeno precisa
de um conteúdo que lhe dê forma, e o grande,
precisa livrar-se de um conteúdo que lhe
deforma. Isto é tudo. Saiba, esta pode ser a
fórmula para entender o mundo sóbrio. A
sociedade detesta qualquer superfície em que
não possa colar seus rótulos. Eu, por
exemplo, sou um ‘bêbado’! Há,há,ha... um
mero bêbado, porém, pensam eles, talvez até
um homem demoníaco! Há,há,há... a única
coisa que quero do sóbrio é o seu medo.
Assim, ficam longe de mim. Que vão pra puta
que pariu! Há,há,há... o sóbrio e sua ‘alma’!
Eu não tenho alma, meu garoto! Sou só
instintos! Sou um monstro instintivo, uma
espécie de Dragão de Komodo, negro, gordo
e malevolente, que anda nas quatro patas com
aquela lassidão que uma existência
confortável proporciona. Carrego comigo
uma garrafa de aguardente, e ando pelos
esconderijos mais escuros e sujos, sempre
com minha língua de dragão dando rápidas
investidas no nada e sempre lascivo, com
meu pau arrastando por onde ando!
Desapareço nas sombras atrás de minhas
presas, caço os demônios mais escrotos, os
devoro com a calma dos crocodilos, mas
sempre mastigando com cuidado para não
matá-los, pois ao ingeri-los vivos, passarão a
fazer parte do que sou, acolherei suas danças
em meu ventre. O velho e bom dragão sai de
suas sombras de buxo cheio, mais pesado,
mais preguiçoso, e mais forte. Quero que me
chamem de diabo! Quero os epítetos mais
escabrosos! Quero ser o adversário! O do
contra! O bárbaro! O parta! O godo! O
herege! Quero ser queimado em suas
fogueiras! E então, em meio às chamas, riria
minha mais diabólica risada e diria em alto e
bom som:

Cá estou eu

Na fogueira de novo!

Mas saibam, senhores:

De tanto ser queimado,

Fiquei amigo do fogo!

Epaminondas falava alto e transpirava. Estava


bastante embriagado e Tito não sabia
realmente onde tudo aquilo ia dar. O negrão
falava todas aquelas coisas que o confundiam,
era um sujeito extremamente debochado,
concluíra Tito; e vertia aquelas palavras de
um jeito que realmente pelo que parecia,
estavam engasgadas há muito. Tito então era
o ‘sóbrio’ que caiu em suas redes; mais que
isto, às procurou. Achou, então, que devia
dizer alguma coisa; talvez dizer que muitas
vezes não se sentia como um sóbrio, e quando
isso acontecia tinha vontade de sumir. Mas
‘sumir para onde?’ Talvez tivesse uma ‘alma’
e não soubesse lidar com ela, mais que isto,
talvez algumas vezes sentisse o peso da
responsabilidade de a ter, mas quem sabe era
tudo que tinha. Seria ele um ‘sóbrio’? Estava
confuso. Teriam as recém chegadas palavras
de Epaminondas despertado alguma coisa
adormecida na sua curta existência? No
torvelinho da situação, preferiu deixar para
pensar nestas coisas em outra ocasião.
Reparou então que Epaminondas dançava, e
naquela dança estranhamente, sua bebedeira
parecia haver passado. Dançava com uma
leveza surpreendente para o cara pesado que
era, estava de braços abertos e dava suaves e
precisos rodopios no ar, parou então e
encarou Tito. – É aqui que pratico meu
misticismo. Sacou, garoto! É aqui que
mergulho nos meus mais profundos abismos.
É aqui que confraternizo com meus
demônios, é aqui que a cachaça que é o meu
ser exala seu perfume, um perfume negro e
demoníaco, profundamente delicioso e
inebriante! Instintos lascivos e embriagados
encontram guarida nas mais tesudas
companheiras de jornada. Adoro mulata,
então trepo muito! Bebo e trepo! E aí? Quem
vai dizer o que? Os sóbrios não praticam suas
religiões ajoelhados em seus templos? Pois eu
pratico meu misticismo fodendo, dançando e
bebendo aqui no meu! Ah... As delicias
dionisíacas... este hedonismo manso, esta
alegria incontida no meu corpo e na minha
mente! Sempre mais vinho, garoto! Sempre
mais vinho! Quem poderá me atirar uma
pedra? Acaso não é enojado que eu volto
daquelas cenas de crimes? Crimes de sóbrios!
Aqui não existe mentira, não existe cinismo
nem a desfaçatez, sou o que sou no meu mais
puro ser. Não quero a luz, quero a escuridão.
Não quero o ranço da existência
comprometida com o desempenho, o ranço
das coisas ditas e repetidas, de pessoas
carameladas pelo açúcar da alma. A chatice
desse dia a dia na parca luz. O que poderia
dizer a mim, o que não tem voz? O que não
tem cor? Só o odor de pensamentos
coagulados! A roda morta do dia a dia na
promessa traiçoeira de mais dinheiro! Muito
pouco, meu nêgo! Muito pouco pra mim.
Quero as cachoeiras que brotam de mim
mesmo, cachoeiras de cerveja preta! Delicia!
Sóbrios filhos das putas! Deixem-me viver o
que é meu, fora daqui! Fora da minha cabeça!
Pulgas brancas! Sanguessugas de meus mais
violentos instintos! Se o velho Freud tinha
razão, se temos dentro de nós sentimentos aos
quais ele denominou Eros, instinto de vida, e
Tanatos, instinto de morte; este segundo, eu
dei para o Estado. Matei muito. E quando
matava todos me amavam. Este meu instinto,
então, servia à sociedade! Meu instinto de
morte! Sempre o tive muito forte e eu matava
mesmo. Sem perdão, sem compaixão. Matar
ou morrer, foda-se! E sabe que mais,
neguinho... eu adorava fazer isto: matar!
Sempre tive comigo, que só me realizaria
enquanto o homem que sou, se matasse.
Sentia um poder indescritível, o poder de
sentenciar e executar a sentença. Nunca
questionei estes meus sentimentos, pois sabia
serem instintivos e eu não questiono meus
instintos, apenas dou a eles a mim mesmo,
inteiro, total. Sempre fiz meu trabalho com
eficiência; alguém há de duvidar? O que me
impressiona é esse seu olhar assustado.
Assustado com o que? Não é isso que
esperam de um bom policial? De um bom
servidor da sociedade? Não espantei, por
acaso, os vagabundos da cidade? Não fiz
despencar os índices de criminalidade nesta
porra de cidade sóbria! Esta cidade sóbria,
por isso mesmo hipócrita e cínica, que diz:
‘bandido bom é bandido morto?’ Todos
passaram a dormir tranqüilos em suas camas
quentes, não sem antes beijarem as testas dos
filhos, assegurando-se de que seus anjinhos
dormiam seguros. Enquanto isso o negão
aqui, com o olhar repleto de sangue, no vento
frio da madrugada violenta e com o dedo
coçando a ponto 45, encarava os lugares mais
escabrosos. Lugares, meu querido novato,
que fariam você tremer, suar pela bunda e
pedir pela mamãe. Sou um louco
sanguinário? Que seja, mas no mundo sóbrio
é uma linha tênue a que separa um louco
sanguinário de um herói, não é mesmo? Eu
seria um assassino filho da puta, cassado
pelos quatro cantos, tendo sob meus ombros o
ódio desta sociedade se esta não tirasse
proveito de meus instintos mortais. A mesma
sociedade que tem exércitos e treina
adolescentes para serem assassinos frios em
suas guerras podres. Mais uma vez o proveito
próprio vem em primeiro lugar. Viu como
tudo é relativo meu caro aprendiz de polícia?
Há,há,há... se eu levasse chumbo, caísse
morto em qualquer beco escuro, todos
continuariam dormindo seus sonos de anjo,
afinal, me pagavam para isso, certo? Saí de
cena amiúde, ninguém viu meu rosto. Sou um
homem das sombras, para que os sóbrios me
vissem, eu precisaria sair à parca luz. Talvez
então, esta sociedade que dorme tranqüila, me
olhasse nos olhos e horrorizada, me
expulsasse para a sombra, esconjurando seu
protetor, dizendo ser lá o meu lugar e de onde
nunca deveria ter saído. Não precisariam mais
de mim, me chamariam de demônio. Eu
agradeceria comovido, pois meu habitat
natural é o escuro e uma vez não precisando
mais de meus préstimos, me proporcionariam
a alegria de me dedicar à lascívia serena de
minha proverbial embriaguez. Eu sumi nas
sombras e a partir deste dia um batalhão de
inseguros insones assumiu os corpos daqueles
seguros dorminhocos de outrora. O medo,
apanágio do sóbrio, estava de volta. Mas eu
sou a morte impiedosa. Sou aquele que as
lagrimas e pedidos de piedade não
convencem. A sociedade sóbria sempre
precisará de mim! Só tenta se convencer de
que não. Mas de minha parte já chega;
sugaram meu Tanatos como um bebê suga as
tetas fartas de uma mãe matrona.
Aposentaram-me. E sabe por que? Porque
descobriram que meu Eros não interessava;
deste meu instinto, ela, a sociedade sóbria,
não tiraria nenhum proveito! Não é irônico?
Sempre a utilidade! O que ou quem, não é
função, não interessa. Você só é reconhecido
enquanto função. Mesmo quando eles tenham
de fechar os olhos para seu zelador, enquanto
ele faz o trabalho sujo! De minha parte, dei
algo de mim para esses utilitaristas de merda
e é o que basta! Agora desabrocho em mim
mesmo, na volúpia deliciosa desta
embriaguez. Nesta dança alegre do
autoconhecimento, neste despencar
despreocupado e inebriante dentro de mim
mesmo. Longe das pulgas morais, soldadesca
espúria, sempre zelosa em sua missão de
cravar ‘nãos’ em nosso Sim! Mas comigo
não, sou mais eu, sou um embriagado. E não
se consegue colar rótulos em um copo
transbordante. Saiba garoto! Só se deixa
apanhar o que é extático, parado, inerte. Um
corpo dançarino estará sempre livre! E
longe... bem longe das redes dos sóbrios.

***

Tito conseguira retomar agora amplamente


seus sentidos, e mais que isto: já sentia os
torpores do champanha com que
insistentemente Epaminondas completava seu
copo. Talvez até pelo efeito do álcool, agora
se sentia à vontade com seu raptor. Sentia
mesmo até um sentimento de cumplicidade.
Achava que Epaminondas não estava tão
errado naquilo que até então expusera com
sua língua arrastada, embora claramente
compreensível. Avaliara que o ex-policial
fizera seu trabalho, e bem, ao tempo em que
prestou seus inestimáveis serviços à
corporação. Também não era falso quando
afirmava que seus instintos assassinos foram
de grande proveito seu, enquanto a pura
catarse de sua agressividade; e, todavia,
também proveitoso a todos, porquanto disto a
sociedade também usufruiu. A franqueza
enigmática de Epaminondas lhe
impressionava, não julgava que merecesse tão
rapidamente a confiança de alguém,
principalmente daquele velho ex-policial.
Mas tinha de admitir que estava gostando do
crédito que lhe era concedido. Mais que isso,
aquilo lhe conferia até uma certa importância,
julgava ele. E o sentimento de medo agora
dava lugar a uma sensação de felicidade. Este
é um momento etéreo, devo segura-lo,
pensou. E então tomou a iniciativa de erguer
a taça para Epaminondas – Estou feliz de
estar aqui, veterano colega! – disse, com um
brilho verdadeiro nos olhos.

- Há, há,há... – gargalhou


despreocupadamente o negrão -Ora, ora...
quem sabe você tenha algumas sombras que
precisam ser visitadas! Quem sabe esta minha
humilde moradia não seja a porta de entrada
para um mundo muito maior? E que você não
pode ver, por estar ainda sóbrio? Você me diz
que está feliz! Ora, ora... Não seria por causa
do champanha? Do incenso? Do fogo
dançarino das velas? Dos rostos dos faunos
risonhos que brotam das paredes? De toda
essa infinita escuridão que nos circunda? E
deste seu amigo, que diz coisas embriagadas?

- Acho que de tudo isso, estou feliz,


realmente feliz! Há,há,há....

- Há,há,há... – Epaminondas riu junto com


Tito, tornando mais hilária a cena. E os dois
então desabaram em muitos risos. Um não
podia olhar a cara do outro sem dar início a
novas gargalhadas. Tito sentiu uma alegria
extasiante, parecia perceber, que um átimo de
tempo poderia conter a eternidade. Talvez
até, o segredo da existência coubesse num
momento fortuito. Estava feliz e nada mais.
Nada mais existia em sua volta, somente
aquelas presenças fantásticas... seu hilário
anfitrião, os demônios risonhos, o fogo
inquieto, o delicioso incenso. Seus sentidos
estavam em festa, nunca vivera algo parecido,
era a sensação da alegria mais pura e mais
inebriante. Sem porquês, sem motivos
aparentes, sem responsabilidades, sem
perguntas e sem respostas, só aquela alegria
etérea, - Acho que engoli o Céu! Há,há,há... –
brincou então.

- Não é uma deliciosa ironia? – disse


Epaminondas – dizer que engoliu o Céu,
quando se está nos portais do inferno?
Há,há,há... Você me diverte muito querido
amigo! Curta! Curta este momento intenso! -
ato contínuo, bateu palmas, duas vezes, e a
porta daquele estranho recinto abriu dando
entrada a duas mulheres fantásticas, de
formas voluptuosas, que fizeram Tito
estremecer de prazer ante aquela visão.
Estavam nuas, porém portavam máscaras
estranhas, com imensos chifres e intensa
cabeleira; eram máscaras de demônios
semelhantes àqueles da parede. Começaram
elas então a dançar numa coreografia mansa e
estranha; uma terceira pessoa entrou então no
local, desta vez um corpo masculino, mas
com máscara semelhante e tocava flauta
enquanto saracoteava numa dança mais
frenética. Uma das mulheres sentou no colo
de Epaminondas, que, para surpresa de Tito,
havia colocado uma amedrontadora máscara
de demônio. Tito reparou também que
Epaminondas não vestia nada por baixo da
sua capa negra, estava completamente nu. A
mulher começou então a manusear a imensa
pica do negrão e este começou a soltar
gemidos de incontido prazer. Em seguida, a
outra mulher sentou-se no colo de Tito, que a
princípio ficou meio atônito, mas,
embriagado com aquela situação cedeu com
alegria àqueles deliciosos apelos eróticos.
Caíram no chão. O cheiro daquela pele eriçou
seus sentidos, entregando-se ele então a um
sexo carnal e despreocupado, de puro tesão
incontido, emitindo gemidos prazerosos que
se confundiam com os da companheira; esta,
após arriar calças, montava na posição
‘cavalinho’ no rapaz que se encontrava
saborosamente vencido, estirado no grosso
tapete. Os gemidos de Epaminondas,
abafados pela máscara, eram cada vez mais
lascivos e o sátiro continuava a tocar sua
ruidosa flauta; dançava circulando por todo o
recinto. Acirrava sua música, conforme
pressentia o momento do gozo dos
participantes da orgia. De repente
Epaminondas levantou-se de chofre e prensou
a mulher contra a parede, cavalgando-a por
trás, com força e determinação, até atingir um
gozo alucinado; gritando, gemendo e bufando
como um potro. Tito tesionou-se mais ainda
com aquela cena e no embalo, acabou-se
numa alucinação deliciosa, intoxicado pelo
incenso e por aquela dança ardente das velas;
o sátiro pulava em volta com sua flauta em
êxtase! – Que tesudo esse rapaz! – brincou
Epaminondas, trazendo à Terra um saciado
Tito. Este reparou que o negrão estava de pé
ao seu lado, já sem a máscara, acompanhando
o gran finale do ato. O manto negro do
anfitrião estava entreaberto, dando vista a
Tito do imenso membro pendurado e em
proximidade temerosa. Tito então removeu
carinhosamente a moça, e procurou distancia
segura. Epaminondas, percebendo a
preocupação do rapaz caiu em sonora
gargalhada.

- Há,há,há... Meu assustado amiguinho!


Mesmo que eu quisesse, não teria fôlego para
tanto! Portanto, que minhas amigas desfrutem
de seus dotes físicos e vice-versa, fique
tranqüilo. Porra! Dou-lhe minhas boas vindas
e você ainda tem medo de mim, caralho! Que
convidado difícil de agradar esse! – disse,
enquanto com um sinal, mandou que os
demais se retirassem.

- Não, não... fique tranqüilo. – disse Tito


ofegante - Apenas, tudo isto é muito pra mim!
Não estava preparado para estas emoções. É
natural que fique um pouco assustado, só
isso. Estou extasiado, realmente extasiado, só
posso lhe agradecer por esta noite louca.

- Isso não é nada meu filho! – disse


Epaminondas sentando-se em sua poltrona,
visivelmente cansado – vamos beber... é sua
vez, sirva-nos de mais champanha!
O véio aqui está mortinho.

Tito serviu duas taças e entregou uma ao ex-


policial, este então ergueu uma libação.

- A Dionísio! Deus embriagado! A Sileno,


sátiro safado! Às ariscas ninfas, com seus
aromas de mato e rio! Duendes e Egipãs! À
flauta de Pã! Flauta da embriaguez, da
desmesura, dos sentidos em êxtase... deus ao
qual as fronteiras sóbrias que delimitam os
seres seriam motivo de risos. Ah... que
trepada gostosa! Celebremos, meu amigo,
celebremos! – Tito ergueu a taça a
Epaminondas em retribuição. Estava sereno e
feliz, o efeito da embriaguez já se fazia sentir.
Sentou-se então no velho sofá, e observou seu
extasiado interlocutor sem o sinistro capuz,
com o rosto à mostra com seus olhos de sapo
e a capa aberta sentado em seu ‘trono’.
Ostentava várias correntes no pescoço que
serviam de amparo a mandalas estranhas e em
quase todos os dedos das mãos haviam anéis
das mais variadas formas e tamanhos. Estava
com as pernas despudoradamente abertas,
quase que em exibicionismo desleixado e
oferecia uma visão desconfortável a Tito; o
imenso pênis jazia desabusado tendo como
arrimo um gordo saco, imenso e negro. O
rapaz evitou então, esbarrar os olhos naquela
região. Epaminondas, indiferente às
comezinhas preocupações do moço,
prosseguia: - Ah... como eu gosto destas
incursões orgásticas! É a famosa blitz do
prazer! Gostou? Criei este negócio para meu
mais etéreo gozo. De repente, estamos no
caminho desse ditirambo frenético de sexo e
alegria. Esses deliciosos súcubos nos acham,
nos usam, e partem com seu sátiro
saltitante; voyeur lascivo na excitação de sua
flauta! Aí, celebro sua aparição bebendo
champanha e vinho. Posso querer mais que
isto? Que tipo de papel eu teria de
representar, que personagem teria a força de
me remover do meu mundo? A sobriedade de
qual função utilitarista teria o condão de me
remover da sombra? Diga-me, fazer o quê,
sob a incidência da parca luz? Ou talvez, seus
apelos de consumo exerceriam sobre mim
alguma influência? Há,há,há... essa é boa! Por
que eu abriria mão do meu paganismo; meu,
só meu? Este delicioso misticismo saído das
minhas impressões digitais, para cair no canto
das sereias corporativas? Tão zelosas com os
hábitos de seus clientes. Sabe garoto... hoje
olho espantado para do que são capazes estes
‘deuses corporativos’. Encaixotar as mentes
com seus rótulos, seus comportamentos.
Fabricando gente em série. Até quando
vendem ‘rebeldia’, deixam claro que estão
fabricando um ‘rebelde’. Você é ‘rebelde’
desde que consuma seus produtos...
há,há,há... me divirto muito! Ah... vocês
sóbrios... há muito achei uma função para
vocês, a função de me divertirem com seus
comportamentos comprometidos, assépticos,
consoantes. Vendem também ‘liberdade’,
há,há,há... me perdoe, mas não consigo parar
de rir; ‘liberdade’ há,há,há... – Epaminondas
riu muito e então enxugou com as costas da
mão as lágrimas provocadas pelo riso – Ah,
que deliciosa bebedeira! Não repare menino,
é que gosto de caçoar dos sóbrios. O que me
restaria em relação a eles? Leva-los a sério?
Impossível. Acho até que eles hoje têm
vergonha de seus dentes caninos. Talvez estes
lhes lembrem o animal desfalecido que são
obrigados a carregar; até acredito, ao
contrário de Aristóteles, que esta é a única
essência do ser humano. E o que dizer de seus
entretenimentos patéticos? E suas mídias? E o
pânico das grandes corporações de que em
suas iniciativas persuasivas possa vazar
inadvertidamente um átomo de inteligência?
E que dizer da Arte? Que finalmente agora se
encontra quase que totalmente sob o domínio
dos sóbrios? A Arte agora é sóbria, pobre,
comprometida. Os sóbrios finalmente abriram
totalmente mão da Arte, acho que este era um
velho sonho. Ela não precisa mais expressar,
não precisa mais exprimir beleza, não precisa
mais ser a flor nascida da criação. A que
sobrou só precisa vender, nada mais. Que fim
levou a capacidade do homem de admirar-se
perante as coisas, perante o próprio homem?
Foi relegada aos becos escuros da existência,
onde o artista cria a partir do próprio sangue,
quem ousará molhar os dedos nesse sangue?
Agora tudo o que viceja sob a parca luz é o
que se pode comercializar. Os sóbrios sempre
‘toleraram’ a Arte. Detestam qualquer coisa
que não possam reduzir ao tamanho da palma
de suas mãos; haja vista de como sempre
interpretaram seus textos religiosos. A
metáfora, ou seja, a pérola contida na ostra, a
mensagem viva, é desprezada; porém, a
forma como ela é dita, através das mais
variadas metonímias e polissemias, são
consumidas ao pé da letra! Os sóbrios só
consomem a forma, posto, que são só forma.
São incapazes de perceber que a forma é a
encarnação de uma mensagem mais profunda.
As formas são fantoches que ganham vida e
movimento pela mão da Arte. Só que essa
mão é invisível ao sóbrio, portanto, este ficará
somente com as formas e as interpretará
colando seus rótulos, principalmente os seus
preferidos: os do ‘Bem’ e do ‘Mal’. Sendo
assim, criam seu próprio Céu e Inferno, creio
que jamais poderiam viver sem estas
instituições; precisam submeter-se a elas, os
sóbrios são altamente ‘morais’. Acho até que
é só para isso que existem. Talvez agora nesta
porra de pós-modernidade, em que a
economia de mercado feriu de morte o velho
deus moral deles, comecem a bater cabeças
gerando feridas novas. Não imaginam, nem
por sonho, que mundos possam existir fora de
suas redomas em forma de ‘Céu’. Ahhhh!
como vivo bem fora do Céu! No orgasmo
constante da minha singularidade, um ébrio
de mim, um homem das sombras! Bem, assim
penso eu. Ninguém é obrigado a concordar
comigo, aliás, sempre desconfio quando
assentem muito rápido com minhas idéias.
Esta é minha leitura de mundo. Isto é tudo.
Adoro opinar; mais que isto, preciso!
principalmente quando encontro um amigo
tão atento. Tenho opinião, portanto a
exponho; claro, à medida que o silêncio de
meu interlocutor permita. Posto isto, eu
pergunto: quem poderá me atirar uma pedra?
Os ‘livres’? há,há,há... portanto, querido
amigo, que marche o exército de autômatos
sóbrios, que o façam com seus olhares mortos
sob essa parca luz! Porque da minha parte,
prefiro observar tudo daqui da minha sombra,
que é o meu lugar. É na sombra que
constatamos até onde nosso olhar alcança,
porque somos obrigados a enxergar emitindo
nossa própria luz, a luz de nosso fogo, a luz
mais intensa do mundo, porque é nossa! Este
é o lugar mais negro e mais belo da face da
Terra! Porque é meu! Meu paraíso, minha
delícia! Bebamos, há muito que celebrar!
Celebremos! Celebremos a alegria de existir,
de existir no único lugar onde podemos
realmente ser felizes... em nós mesmos! Não
quero seguidores, não quero ser exemplo de
nada, não nasci para ser função de porra
nenhuma! Nasci para a embriaguez, a
embriaguez de desabrochar em mim mesmo!
Celebremos! - Tito ergueu sua taça com
incontida alegria, mas sentia o peso da bebida
sorvida em excesso, longe de tentar
acompanhar o ritmo do raptor-anfitrião
Epaminondas. Sabia que não teria a menor
chance de permanecer consciente. Observou
Epaminondas levantar-se, colocar novamente
sua máscara de demônio e iniciar uma dança
em volta da pira cantando coisas
desencontradas, talvez num dialeto
desconhecido. Os gestos e as palavras do
negrão foram confundindo-se suavemente em
sua cabeça, as luzes vivas dos círios
concediam um pano de fundo que dançava
amarelado, pontilhado por infinitas
escuridões; e foi numa destas que Tito
mergulhou sua mente cansada, para em
seguida, carrega-la consigo e dissolver-se no
nada.

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