novidade. Neste ínterim, não acontecera nenhum crime que justificasse a presença de Epaminondas no local. Mas, uma frase não saia da cabeça de Tito: me aguarde, eu te acho... o que o ex-policial queria dizer com eu te acho? Nestes dias quando saía da delegacia, nem que fosse para fazer um lanche, olhava para todos os lados à procura de algum sinal. Procurava alguma pessoa estranha, algum aceno no outro lado da rua, alguém que lhe entregasse sorrateiramente algum bilhete contendo instruções sobre como e quando encontrar aquela enigmática figura. Estava criando o hábito de tomar algumas cervejas com Nina quando um ou outro não estava de plantão. Às vezes Edson também participava, mas nestas ocasiões tinham os dois, ele e a colega, de cuidarem o que diziam, afinal, tinham um segredo. Um olhava para o outro, de um jeito que ficasse claro quando o álcool ameaçava fazer derrapar a língua, pondo em perigo seus planos. Às vezes reparava melhor na mulher, principalmente quando a bebida lhe afrouxava o espírito sisudo; olhava-a então com mais atenção e tinha de admitir que o riso brincalhão de Nina ‘mexia com ele’. Algumas vezes lhe ocorria convidá-la para continuarem a festa em seu apartamento, mas em seguida sua costumeira insegurança com as garotas apossava-se de seus nervos. Melhor deixar assim, de mais a mais, ela tinha um espírito brincalhão que talvez o fizesse confundir as coisas. Sabia também, que não podia perder esta forte aliada; se cometesse algum deslize que desgostasse a moça poderia pôr tudo a perder. Foi assim que três dias se passaram e ele já começava a cogitar ligar mais uma vez para o homem; no entanto, quando pegava seu celular desistia. O que dizer? Epaminondas disse que o achava, e se isto fosse alguma regra que deveria obedecer com total reverência? Poderia ser a condição sine qua non para o encontro. Não, melhor não; desistia então da ligação e ficava entregue à ansiedade. Foi pensando nestas coisas que chegou em casa, depois de mais um dia de trabalho em que nada acontecera digno de nota. Cansado, talvez da modorra do dia, não conseguiu naquela noite nem ver um pouco de televisão, indo direto desabar em sua cama, de roupa e tudo, adormecendo em seguida. Caiu então na imensidão do nada. O sono profundo em que mergulhara aos poucos dava lugar a uma voz arrastada e grave, era a voz de Epaminondas. Enquanto despertava lentamente, juntava preguiçosamente as migalhas de seu raciocínio perdidas na escuridão silenciosa do sono. Aquela voz... Achou que estava iniciando um sonho e entregou-se lentamente à doçura etérea daquele canto de Morfeu. Uma gargalhada então, alta e lasciva, o trouxe à superfície. Abriu lentamente os olhos numa luta serena contra pálpebras de chumbo. Começou aos poucos a divisar algumas coisas à sua frente; a princípio imagens desconectas que dançavam; eram luzes salpicadas de escuridões. Num esforço mais intenso obrigou suas pupilas a lhe fazerem uma tradução mais fiel do que via. Dezenas de círios acesos, pretos e vermelhos, emprestavam suas luzes a imagens assustadoras, carrancas, cabeças de bronze com imensos chifres. Nas paredes pululavam imagens estranhas, pareciam demônios que zombavam do recém chegado com seus sorrisos ruidosos. A dança lenta, porém intensa daqueles pontos de fogo faziam com que claridade e sombra brincassem em suas fisionomias assustadoras e alegres. Davam- lhes os movimentos necessários para que mostrassem todo o êxtase de suas alegrias pagãs; demônios orgulhosos que realizavam extáticos, suas danças infernais. O medo exalado pelo inusitado visitante parecia arrancar-lhes risadas maldosas embora surdas, como que em agradecida celebração pelo inocente, que agora ali, petrificado, era oferecido em holocausto. Tito reparou então em uma imensa e temerosa pira que ardia no centro do recinto, sentindo arrepios. Estava nauseado e verdadeiramente apavorado. Não, aquilo não era um sonho! Decididamente aquilo tudo era real, podia sentir o calor daquelas chamas e sentia também o aroma inebriante e suave de incenso; sim, seus olhos estavam bem abertos.
- Não, garotinho, você não está sonhando... –
aquela voz bêbada e arrastada ele já conhecia. E o pavor da situação o fez pensar se realmente acertara naquela procura. Estava com muito medo. E se Epaminondas fosse um louco! E se ingenuamente, caíra como um cãozinho estúpido e xereta nas garras de um depravado! Ali imóvel, a mercê de seu raptor, que reação poderia exercer? Levou a mão, num ato mecânico, abaixo do braço; procurava sua arma no coldre axilar, o movimento saiu lento e em vão. Ouviu então a risada debochada de Epaminondas. Aquilo o fez tremer. Sentiu uma vontade incrível de chorar, chorar um choro infantil, de criancinha desamparada e então percebeu que estava entrando em pânico. Começou a respirar fundo e tentou levantar-se de um só golpe; não conseguiu. O sentimento de medo foi dando lugar ao de raiva, seu corpo imóvel possivelmente drogado, fora conduzido sabe- se lá como, para aquele lugar assustador. Pesava agora trezentos quilos. Desistiu de uma reação, apenas olhou para o raptor à procura de alguma indulgência. Nos seus olhos estava escrita a rendição, e os de Epaminondas pareciam-lhes mais sinistros do que nunca – Meu caro e indefeso amigo - prosseguiu Epaminondas, que vestia uma grande capa negra com capuz. Esta indumentária dava aspecto mais sinistro ao evento e a seu principal personagem – Permita que me apresente: eu sou eu e não eles. Eu sou aquele que escutou quando menino, ‘seja nós’, e respondeu: não posso porque eu sou eu. Mais tarde escutou, então seja igual, e respondeu: impossível, porque sou diferente. Por fim escutou, então pelo menos seja ‘bom’ e respondeu: como assim, me pedir um sentimento? Ficou então enojado dos pedintes e foi embora. Não me presto a ser comestível, queriam que eu fosse mais um arroz...branquinho, coletivo e indefeso, mas não. Eu sou a mosca que pousou no prato! Este sou eu. Portanto meu caro espero que você não seja um babaca qualquer, que venha apentelhar meu sossego. Imagino que o que lhe fascinou naquela noite, foi o inusitado, estou errado? Claro que não. O inusitado, quando se está entre sóbrios é entretenimento que desconcerta, é diversão. Sob a luz mortiça da Razão, todo mundo é valente! Todos, sob a tutela da sobriedade, essa parca luz, são muito curiosos. No entanto, basta apagar a luz, e voltam a ser as criancinhas mimadas, desprotegidas e chorosas, que os sóbrios, em ultima instancia, são. Crianças que têm medo do escuro. Apresenta-se a você uma situação inédita, e seu coraçãozinho sóbrio entra em desespero. Por que? Porque o dia a dia em que sua cabecinha é viciada, não pode prever que exista vida onde você não enxerga. Ninguém me vê durante o dia. Pois saiba novato! Na sombra a vida é mais intensa que na luz. Porque à sombra, só enxerga quem ilumina com o próprio fogo, se não, morre de fome! Quem não tem luz própria, apavora-se na escuridão, não vê nada, e que perigos podem surgir de onde não se enxerga! Ajoelha-se então e reza por uma lanterna salvadora. A lanterna da luz sóbria! Olhe você! Queria ter comigo. Dou-lhe uma chance e você se caga nas calças! O que você imaginou? Que eu estaria à sua espera em um botequim de quinta categoria, em uma esquina qualquer? Claro que sim! Tenho certeza, há,há,há... mas não, meu filho, embora adore botequins de quinta categoria. Só cuide com esse hábito sóbrio de rebaixar o que não conhece à imagem e semelhança do conhecedor. – Epaminondas abriu os braços e saiu andando pela imensa sala com seus passos trôpegos – Olhe tudo isso! Estes todos são avatares de uma embriaguez cósmica! Estão lhe recepcionando com intensa alegria! São os melhores amigos que você pode ter, desde que possa percebe-los quando vêm dançar, no silêncio misterioso da sombra. Oh, não! Esqueci-me, você é um sóbrio! Tem pra você tudo bem iluminadinho! Escolhe as coisas pela incidência de luz que nelas refletem; narcisicamente, escolhe então os reflexos de luzes que mais lhe agradam. Alimenta-se de luzes refletidas, reflexos de luzes alheias. Mas, e a sua luz? Não existe? Há,há,há... Você só saberá se dançar com seus demônios danças infernais, menino, sob a luz negra de sua própria sombra. Olhe essas velas... iluminam na escuridão com luzes feitas de fogo! Luzes que dançam! E só pode haver fogo, se este vier da nossa mais profana profundidade. Para mim, filhote, não há dúvidas, ou iluminamos com nosso fogo ou somos iluminados por luzes mofadas. Esse pavor estancado em seus olhos vem do mofo sóbrio em que você foi criado. Vocês civilizados, há.há.há... os civilizados me divertem muito! Você sabe realmente o que é ser um civilizado? Eu tenho um palpite: é nada mais nada menos do que assumir o compromisso de ser hoje, ao acordar, o mesmo que você foi ontem. Você se transformar no seu próprio circulo vicioso, é isso que esperam de você, que seja um óbvio, um previsível. Só assim pode ser medido o grau de perigo que você eventualmente possa representar à sociedade sóbria; se for um óbvio, receberá o selo de ‘bom’. Divirto-me quando vejo aquelas figuras empoladas falando; o discurso combinando com a gravata, almas decoradas. Aliás, creio que a ‘alma’ é a armadilha do ser. Caralho! A ‘alma’ é a jaula dos instintos! Para quem os têm bem fracos ou praticamente não os têm, essa dama é uma benção! Praticamente pode justificar toda uma existência débil. É o manto sagrado vestido pelo sóbrio; no entanto, é uma camisa de força a ser rasgada pelo embriagado! Quem não tem nada se apega a qualquer coisa, principalmente se vem pintada de branco e tem ornamentos santarrões. A alma é a carteira de identidade dos sóbrios, assim, reconhecendo-se nela, reconhecem-se todos, e todos querem também a imortalidade dos seus pequenos egos. E assim conduzem à imortalidade... o ‘divino’ Platão. Nada mais. Divertem-me esses sóbrios, acocorados sob a luz platônica! Lutando contra seus instintos, lutando contra si próprios! Ficam com a ‘alma’ e jogam no lixo o que têm de mais profundo, forte e original, dando-lhe o nome de diabo. Mas é no lixo dos sóbrios que faço minhas melhores pescarias. Qualquer coisa que não sirva para um sóbrio torna-se uma iguaria para um embriagado! Costumam desfazer-se do fruto, consumindo avidamente a casca. Bem, digo- lhe tudo isto, porque realmente me surpreende seu medo. Você foi valente para me encarar, ou foi uma súbita curiosidade tola? Se foi, tudo bem, estará em casa logo mais e faz de conta que tudo não passou de um pesadelo; agora não repare, mas tenho que tomar um gole! Minha boca está ficando seca. Porra, eu falo pra caralho, compadre! Foi você aí deitado, abatido, que me inspirou esta fúria verborrágica! É que vocês me enchem o saco com esses medinhos tolos. – Epaminondas serviu-se de uma garrafa de champanha, enchendo também uma taça para Tito. Estendeu-a ao assustado rapaz, que a apanhou com mão trêmula. Este em seguida conseguiu sentar-se com dificuldade no acanhado sofá, que só agora percebia, estivera por este tempo todo deitado. O pior já havia passado, e aos poucos, Tito reorganizava suas idéias. Planejara não fraquejar quando estivesse na presença do negrão e dava-se conta de ter protagonizado um pequeno vexame. Embora tivesse ficado este tempo todo em silêncio, o lance de tentar pegar sua arma demonstrava uma patetice à toda prova. Resolveu então, entrar de bem na dança. Epaminondas sugeriu um brinde e os dois bateram os copos. Em seguida, Tito ensaiou suas primeiras falas.
- Perdoe-me Sr. Epaminondas – disse isso
levando a mão à cabeça, ainda estava meio zonzo – foi tudo muito rápido, ainda agora dormia em minha casa e... de repente...
- Deixa comigo que eu sei como é, mas não
posso correr riscos. Compreenda, estou em meu habitat, não posso permitir que venham xeretar por aqui, tomei a precaução de remove-lo dormindo, sei alguns truques, é fácil. Assim, com este pequeno ardil, eu garanto minha tranqüilidade, pois se você falar disso para alguém, dirão que sonhou e que você não passa de um lunático. Aliás, penso que você é meio maluquinho, não e? - Epaminondas sentou-se em uma poltrona de espaldar alto, ornada com mantos de cetim com variadas cores e estranhos brocados, mas estava difícil para Tito divisar pormenores naquele ambiente; o negrão olhava-o e sorria com a taça de champanha na mão, o rapaz achou melhor corresponder-lhe o sorriso.
- Você é corajoso garoto, gosto disto. O
pessoal da policia é só interesseiro. Querem somente os meus préstimos, e quanto mais rápido eu partir da cena do crime, melhor. Mal sabem eles que tudo que quero é sair logo de suas presenças sóbrias. É um bando de cínicos. O Santos mal consegue disfarçar o seu desgosto com minha presença, mas trabalhar pouco é tudo que ele quer, portanto, chama o negão Epaminondas! Só vou nessas porras todas porque gosto de praticar, botar um vagabundo mentiroso e covarde na cadeia é uma delícia! Veja, e você é novato e vai se acostumar, como é a condição humana; eles cometem crimes e escondem-se atrás de mentiras, das mais variadas, isso não é uma vergonha? Os sóbrios e seus crimes... não conseguem nem assumir a própria violência de suas paixões. Não assumem nada, afinal. O que me deixa puto é que muitos botam a culpa na bebida! Ora! Eles são sóbrios! Sóbrios quando bebem não ficam embriagados, ficam bêbados! e nesta condição encontram a desculpa adequada para todo tipo de patifaria. ‘Eu estava fora de mim!’ é isso que alegam. Porém, como aqueles cãezinhos de circo que só têm valor porque andam ‘de pé’, nas patinhas de trás, adestrados que foram para isso, quando andam com as quatro patinhas perdem o glamour e a serventia, porém tornam-se o que realmente são, cãezinhos, nada mais. Assim é que imagino a condição humana, ‘eu estava fora de mim!’, aqui ó! Quando botou as patinhas no chão, tornou-se por um momento o que é lá nos recantos mais profundos de seu ser: uma besta! É quando a máscara do adestramento sóbrio cai, e vemos o rosto que se esconde por detrás da mascara ‘civilizada’. É irmãozinho... acho que o velho Freud realmente tinha razão. Dá um tremendo mal estar ter de estar sóbrio o tempo todo! Mas estar embriagado é uma delicia! Amo a embriaguez! Por isso, vamos tomar outra! – encheu então sua taça e a de Tito, que continuava um pouco aéreo, sentou novamente e continuou – À besta humana! – ergueu um brinde, ato contínuo, sorveu tudo em poucos goles - À besta humana, por encenar esta maravilhosa ópera buffa que me diverte tanto! A essa canga pesada que são obrigados a carregar, sua santa Razão, uma Razão de túnica branca. Muito bonita e que cheira a jasmim, para combinar com suas almas puras, tão branquinhas. Tudo muito bonitinho, muito comovente... oh, como me toca! Sabe, pimpolho, a maioria dessas caras que você encontra lá fora, quando está ao Sol, precisam mesmo de uma alma, de um rótulo, de um comportamento; ser sóbrio é uma profissão. Parece-me que agradecem aliviados, já existir de antemão um molde os aguardando, para que, tal qual a água que toma a forma do recipiente no qual é vertida, seu ser assuma uma função nesse grande negócio. Será remunerado com grana! Grana e reconhecimento.Terá uma bela família, para mostrar fotos aos amigos. Não precisará existir fora disso, para alívio seu, pois não teria para onde ir. Não é nada, só um molde. Acho isso a ditadura do frasco sobre a essência, quando esta é parca ou não existe. O sóbrio é uma aparência. Mas existem os embriagados, ah... os embriagados, os que vertem seu ser para fora do acanhado recipiente, porque este por si só não basta. Uma coisa eu aprendi nestas minhas andanças pelos becos da existência: o pequeno precisa de um conteúdo que lhe dê forma, e o grande, precisa livrar-se de um conteúdo que lhe deforma. Isto é tudo. Saiba, esta pode ser a fórmula para entender o mundo sóbrio. A sociedade detesta qualquer superfície em que não possa colar seus rótulos. Eu, por exemplo, sou um ‘bêbado’! Há,há,ha... um mero bêbado, porém, pensam eles, talvez até um homem demoníaco! Há,há,há... a única coisa que quero do sóbrio é o seu medo. Assim, ficam longe de mim. Que vão pra puta que pariu! Há,há,há... o sóbrio e sua ‘alma’! Eu não tenho alma, meu garoto! Sou só instintos! Sou um monstro instintivo, uma espécie de Dragão de Komodo, negro, gordo e malevolente, que anda nas quatro patas com aquela lassidão que uma existência confortável proporciona. Carrego comigo uma garrafa de aguardente, e ando pelos esconderijos mais escuros e sujos, sempre com minha língua de dragão dando rápidas investidas no nada e sempre lascivo, com meu pau arrastando por onde ando! Desapareço nas sombras atrás de minhas presas, caço os demônios mais escrotos, os devoro com a calma dos crocodilos, mas sempre mastigando com cuidado para não matá-los, pois ao ingeri-los vivos, passarão a fazer parte do que sou, acolherei suas danças em meu ventre. O velho e bom dragão sai de suas sombras de buxo cheio, mais pesado, mais preguiçoso, e mais forte. Quero que me chamem de diabo! Quero os epítetos mais escabrosos! Quero ser o adversário! O do contra! O bárbaro! O parta! O godo! O herege! Quero ser queimado em suas fogueiras! E então, em meio às chamas, riria minha mais diabólica risada e diria em alto e bom som:
Cá estou eu
Na fogueira de novo!
Mas saibam, senhores:
De tanto ser queimado,
Fiquei amigo do fogo!
Epaminondas falava alto e transpirava. Estava
bastante embriagado e Tito não sabia realmente onde tudo aquilo ia dar. O negrão falava todas aquelas coisas que o confundiam, era um sujeito extremamente debochado, concluíra Tito; e vertia aquelas palavras de um jeito que realmente pelo que parecia, estavam engasgadas há muito. Tito então era o ‘sóbrio’ que caiu em suas redes; mais que isto, às procurou. Achou, então, que devia dizer alguma coisa; talvez dizer que muitas vezes não se sentia como um sóbrio, e quando isso acontecia tinha vontade de sumir. Mas ‘sumir para onde?’ Talvez tivesse uma ‘alma’ e não soubesse lidar com ela, mais que isto, talvez algumas vezes sentisse o peso da responsabilidade de a ter, mas quem sabe era tudo que tinha. Seria ele um ‘sóbrio’? Estava confuso. Teriam as recém chegadas palavras de Epaminondas despertado alguma coisa adormecida na sua curta existência? No torvelinho da situação, preferiu deixar para pensar nestas coisas em outra ocasião. Reparou então que Epaminondas dançava, e naquela dança estranhamente, sua bebedeira parecia haver passado. Dançava com uma leveza surpreendente para o cara pesado que era, estava de braços abertos e dava suaves e precisos rodopios no ar, parou então e encarou Tito. – É aqui que pratico meu misticismo. Sacou, garoto! É aqui que mergulho nos meus mais profundos abismos. É aqui que confraternizo com meus demônios, é aqui que a cachaça que é o meu ser exala seu perfume, um perfume negro e demoníaco, profundamente delicioso e inebriante! Instintos lascivos e embriagados encontram guarida nas mais tesudas companheiras de jornada. Adoro mulata, então trepo muito! Bebo e trepo! E aí? Quem vai dizer o que? Os sóbrios não praticam suas religiões ajoelhados em seus templos? Pois eu pratico meu misticismo fodendo, dançando e bebendo aqui no meu! Ah... As delicias dionisíacas... este hedonismo manso, esta alegria incontida no meu corpo e na minha mente! Sempre mais vinho, garoto! Sempre mais vinho! Quem poderá me atirar uma pedra? Acaso não é enojado que eu volto daquelas cenas de crimes? Crimes de sóbrios! Aqui não existe mentira, não existe cinismo nem a desfaçatez, sou o que sou no meu mais puro ser. Não quero a luz, quero a escuridão. Não quero o ranço da existência comprometida com o desempenho, o ranço das coisas ditas e repetidas, de pessoas carameladas pelo açúcar da alma. A chatice desse dia a dia na parca luz. O que poderia dizer a mim, o que não tem voz? O que não tem cor? Só o odor de pensamentos coagulados! A roda morta do dia a dia na promessa traiçoeira de mais dinheiro! Muito pouco, meu nêgo! Muito pouco pra mim. Quero as cachoeiras que brotam de mim mesmo, cachoeiras de cerveja preta! Delicia! Sóbrios filhos das putas! Deixem-me viver o que é meu, fora daqui! Fora da minha cabeça! Pulgas brancas! Sanguessugas de meus mais violentos instintos! Se o velho Freud tinha razão, se temos dentro de nós sentimentos aos quais ele denominou Eros, instinto de vida, e Tanatos, instinto de morte; este segundo, eu dei para o Estado. Matei muito. E quando matava todos me amavam. Este meu instinto, então, servia à sociedade! Meu instinto de morte! Sempre o tive muito forte e eu matava mesmo. Sem perdão, sem compaixão. Matar ou morrer, foda-se! E sabe que mais, neguinho... eu adorava fazer isto: matar! Sempre tive comigo, que só me realizaria enquanto o homem que sou, se matasse. Sentia um poder indescritível, o poder de sentenciar e executar a sentença. Nunca questionei estes meus sentimentos, pois sabia serem instintivos e eu não questiono meus instintos, apenas dou a eles a mim mesmo, inteiro, total. Sempre fiz meu trabalho com eficiência; alguém há de duvidar? O que me impressiona é esse seu olhar assustado. Assustado com o que? Não é isso que esperam de um bom policial? De um bom servidor da sociedade? Não espantei, por acaso, os vagabundos da cidade? Não fiz despencar os índices de criminalidade nesta porra de cidade sóbria! Esta cidade sóbria, por isso mesmo hipócrita e cínica, que diz: ‘bandido bom é bandido morto?’ Todos passaram a dormir tranqüilos em suas camas quentes, não sem antes beijarem as testas dos filhos, assegurando-se de que seus anjinhos dormiam seguros. Enquanto isso o negão aqui, com o olhar repleto de sangue, no vento frio da madrugada violenta e com o dedo coçando a ponto 45, encarava os lugares mais escabrosos. Lugares, meu querido novato, que fariam você tremer, suar pela bunda e pedir pela mamãe. Sou um louco sanguinário? Que seja, mas no mundo sóbrio é uma linha tênue a que separa um louco sanguinário de um herói, não é mesmo? Eu seria um assassino filho da puta, cassado pelos quatro cantos, tendo sob meus ombros o ódio desta sociedade se esta não tirasse proveito de meus instintos mortais. A mesma sociedade que tem exércitos e treina adolescentes para serem assassinos frios em suas guerras podres. Mais uma vez o proveito próprio vem em primeiro lugar. Viu como tudo é relativo meu caro aprendiz de polícia? Há,há,há... se eu levasse chumbo, caísse morto em qualquer beco escuro, todos continuariam dormindo seus sonos de anjo, afinal, me pagavam para isso, certo? Saí de cena amiúde, ninguém viu meu rosto. Sou um homem das sombras, para que os sóbrios me vissem, eu precisaria sair à parca luz. Talvez então, esta sociedade que dorme tranqüila, me olhasse nos olhos e horrorizada, me expulsasse para a sombra, esconjurando seu protetor, dizendo ser lá o meu lugar e de onde nunca deveria ter saído. Não precisariam mais de mim, me chamariam de demônio. Eu agradeceria comovido, pois meu habitat natural é o escuro e uma vez não precisando mais de meus préstimos, me proporcionariam a alegria de me dedicar à lascívia serena de minha proverbial embriaguez. Eu sumi nas sombras e a partir deste dia um batalhão de inseguros insones assumiu os corpos daqueles seguros dorminhocos de outrora. O medo, apanágio do sóbrio, estava de volta. Mas eu sou a morte impiedosa. Sou aquele que as lagrimas e pedidos de piedade não convencem. A sociedade sóbria sempre precisará de mim! Só tenta se convencer de que não. Mas de minha parte já chega; sugaram meu Tanatos como um bebê suga as tetas fartas de uma mãe matrona. Aposentaram-me. E sabe por que? Porque descobriram que meu Eros não interessava; deste meu instinto, ela, a sociedade sóbria, não tiraria nenhum proveito! Não é irônico? Sempre a utilidade! O que ou quem, não é função, não interessa. Você só é reconhecido enquanto função. Mesmo quando eles tenham de fechar os olhos para seu zelador, enquanto ele faz o trabalho sujo! De minha parte, dei algo de mim para esses utilitaristas de merda e é o que basta! Agora desabrocho em mim mesmo, na volúpia deliciosa desta embriaguez. Nesta dança alegre do autoconhecimento, neste despencar despreocupado e inebriante dentro de mim mesmo. Longe das pulgas morais, soldadesca espúria, sempre zelosa em sua missão de cravar ‘nãos’ em nosso Sim! Mas comigo não, sou mais eu, sou um embriagado. E não se consegue colar rótulos em um copo transbordante. Saiba garoto! Só se deixa apanhar o que é extático, parado, inerte. Um corpo dançarino estará sempre livre! E longe... bem longe das redes dos sóbrios.
***
Tito conseguira retomar agora amplamente
seus sentidos, e mais que isto: já sentia os torpores do champanha com que insistentemente Epaminondas completava seu copo. Talvez até pelo efeito do álcool, agora se sentia à vontade com seu raptor. Sentia mesmo até um sentimento de cumplicidade. Achava que Epaminondas não estava tão errado naquilo que até então expusera com sua língua arrastada, embora claramente compreensível. Avaliara que o ex-policial fizera seu trabalho, e bem, ao tempo em que prestou seus inestimáveis serviços à corporação. Também não era falso quando afirmava que seus instintos assassinos foram de grande proveito seu, enquanto a pura catarse de sua agressividade; e, todavia, também proveitoso a todos, porquanto disto a sociedade também usufruiu. A franqueza enigmática de Epaminondas lhe impressionava, não julgava que merecesse tão rapidamente a confiança de alguém, principalmente daquele velho ex-policial. Mas tinha de admitir que estava gostando do crédito que lhe era concedido. Mais que isso, aquilo lhe conferia até uma certa importância, julgava ele. E o sentimento de medo agora dava lugar a uma sensação de felicidade. Este é um momento etéreo, devo segura-lo, pensou. E então tomou a iniciativa de erguer a taça para Epaminondas – Estou feliz de estar aqui, veterano colega! – disse, com um brilho verdadeiro nos olhos.
- Há, há,há... – gargalhou
despreocupadamente o negrão -Ora, ora... quem sabe você tenha algumas sombras que precisam ser visitadas! Quem sabe esta minha humilde moradia não seja a porta de entrada para um mundo muito maior? E que você não pode ver, por estar ainda sóbrio? Você me diz que está feliz! Ora, ora... Não seria por causa do champanha? Do incenso? Do fogo dançarino das velas? Dos rostos dos faunos risonhos que brotam das paredes? De toda essa infinita escuridão que nos circunda? E deste seu amigo, que diz coisas embriagadas?
- Acho que de tudo isso, estou feliz,
realmente feliz! Há,há,há....
- Há,há,há... – Epaminondas riu junto com
Tito, tornando mais hilária a cena. E os dois então desabaram em muitos risos. Um não podia olhar a cara do outro sem dar início a novas gargalhadas. Tito sentiu uma alegria extasiante, parecia perceber, que um átimo de tempo poderia conter a eternidade. Talvez até, o segredo da existência coubesse num momento fortuito. Estava feliz e nada mais. Nada mais existia em sua volta, somente aquelas presenças fantásticas... seu hilário anfitrião, os demônios risonhos, o fogo inquieto, o delicioso incenso. Seus sentidos estavam em festa, nunca vivera algo parecido, era a sensação da alegria mais pura e mais inebriante. Sem porquês, sem motivos aparentes, sem responsabilidades, sem perguntas e sem respostas, só aquela alegria etérea, - Acho que engoli o Céu! Há,há,há... – brincou então.
- Não é uma deliciosa ironia? – disse
Epaminondas – dizer que engoliu o Céu, quando se está nos portais do inferno? Há,há,há... Você me diverte muito querido amigo! Curta! Curta este momento intenso! - ato contínuo, bateu palmas, duas vezes, e a porta daquele estranho recinto abriu dando entrada a duas mulheres fantásticas, de formas voluptuosas, que fizeram Tito estremecer de prazer ante aquela visão. Estavam nuas, porém portavam máscaras estranhas, com imensos chifres e intensa cabeleira; eram máscaras de demônios semelhantes àqueles da parede. Começaram elas então a dançar numa coreografia mansa e estranha; uma terceira pessoa entrou então no local, desta vez um corpo masculino, mas com máscara semelhante e tocava flauta enquanto saracoteava numa dança mais frenética. Uma das mulheres sentou no colo de Epaminondas, que, para surpresa de Tito, havia colocado uma amedrontadora máscara de demônio. Tito reparou também que Epaminondas não vestia nada por baixo da sua capa negra, estava completamente nu. A mulher começou então a manusear a imensa pica do negrão e este começou a soltar gemidos de incontido prazer. Em seguida, a outra mulher sentou-se no colo de Tito, que a princípio ficou meio atônito, mas, embriagado com aquela situação cedeu com alegria àqueles deliciosos apelos eróticos. Caíram no chão. O cheiro daquela pele eriçou seus sentidos, entregando-se ele então a um sexo carnal e despreocupado, de puro tesão incontido, emitindo gemidos prazerosos que se confundiam com os da companheira; esta, após arriar calças, montava na posição ‘cavalinho’ no rapaz que se encontrava saborosamente vencido, estirado no grosso tapete. Os gemidos de Epaminondas, abafados pela máscara, eram cada vez mais lascivos e o sátiro continuava a tocar sua ruidosa flauta; dançava circulando por todo o recinto. Acirrava sua música, conforme pressentia o momento do gozo dos participantes da orgia. De repente Epaminondas levantou-se de chofre e prensou a mulher contra a parede, cavalgando-a por trás, com força e determinação, até atingir um gozo alucinado; gritando, gemendo e bufando como um potro. Tito tesionou-se mais ainda com aquela cena e no embalo, acabou-se numa alucinação deliciosa, intoxicado pelo incenso e por aquela dança ardente das velas; o sátiro pulava em volta com sua flauta em êxtase! – Que tesudo esse rapaz! – brincou Epaminondas, trazendo à Terra um saciado Tito. Este reparou que o negrão estava de pé ao seu lado, já sem a máscara, acompanhando o gran finale do ato. O manto negro do anfitrião estava entreaberto, dando vista a Tito do imenso membro pendurado e em proximidade temerosa. Tito então removeu carinhosamente a moça, e procurou distancia segura. Epaminondas, percebendo a preocupação do rapaz caiu em sonora gargalhada.
- Há,há,há... Meu assustado amiguinho!
Mesmo que eu quisesse, não teria fôlego para tanto! Portanto, que minhas amigas desfrutem de seus dotes físicos e vice-versa, fique tranqüilo. Porra! Dou-lhe minhas boas vindas e você ainda tem medo de mim, caralho! Que convidado difícil de agradar esse! – disse, enquanto com um sinal, mandou que os demais se retirassem.
- Não, não... fique tranqüilo. – disse Tito
ofegante - Apenas, tudo isto é muito pra mim! Não estava preparado para estas emoções. É natural que fique um pouco assustado, só isso. Estou extasiado, realmente extasiado, só posso lhe agradecer por esta noite louca.
- Isso não é nada meu filho! – disse
Epaminondas sentando-se em sua poltrona, visivelmente cansado – vamos beber... é sua vez, sirva-nos de mais champanha! O véio aqui está mortinho.
Tito serviu duas taças e entregou uma ao ex-
policial, este então ergueu uma libação.
- A Dionísio! Deus embriagado! A Sileno,
sátiro safado! Às ariscas ninfas, com seus aromas de mato e rio! Duendes e Egipãs! À flauta de Pã! Flauta da embriaguez, da desmesura, dos sentidos em êxtase... deus ao qual as fronteiras sóbrias que delimitam os seres seriam motivo de risos. Ah... que trepada gostosa! Celebremos, meu amigo, celebremos! – Tito ergueu a taça a Epaminondas em retribuição. Estava sereno e feliz, o efeito da embriaguez já se fazia sentir. Sentou-se então no velho sofá, e observou seu extasiado interlocutor sem o sinistro capuz, com o rosto à mostra com seus olhos de sapo e a capa aberta sentado em seu ‘trono’. Ostentava várias correntes no pescoço que serviam de amparo a mandalas estranhas e em quase todos os dedos das mãos haviam anéis das mais variadas formas e tamanhos. Estava com as pernas despudoradamente abertas, quase que em exibicionismo desleixado e oferecia uma visão desconfortável a Tito; o imenso pênis jazia desabusado tendo como arrimo um gordo saco, imenso e negro. O rapaz evitou então, esbarrar os olhos naquela região. Epaminondas, indiferente às comezinhas preocupações do moço, prosseguia: - Ah... como eu gosto destas incursões orgásticas! É a famosa blitz do prazer! Gostou? Criei este negócio para meu mais etéreo gozo. De repente, estamos no caminho desse ditirambo frenético de sexo e alegria. Esses deliciosos súcubos nos acham, nos usam, e partem com seu sátiro saltitante; voyeur lascivo na excitação de sua flauta! Aí, celebro sua aparição bebendo champanha e vinho. Posso querer mais que isto? Que tipo de papel eu teria de representar, que personagem teria a força de me remover do meu mundo? A sobriedade de qual função utilitarista teria o condão de me remover da sombra? Diga-me, fazer o quê, sob a incidência da parca luz? Ou talvez, seus apelos de consumo exerceriam sobre mim alguma influência? Há,há,há... essa é boa! Por que eu abriria mão do meu paganismo; meu, só meu? Este delicioso misticismo saído das minhas impressões digitais, para cair no canto das sereias corporativas? Tão zelosas com os hábitos de seus clientes. Sabe garoto... hoje olho espantado para do que são capazes estes ‘deuses corporativos’. Encaixotar as mentes com seus rótulos, seus comportamentos. Fabricando gente em série. Até quando vendem ‘rebeldia’, deixam claro que estão fabricando um ‘rebelde’. Você é ‘rebelde’ desde que consuma seus produtos... há,há,há... me divirto muito! Ah... vocês sóbrios... há muito achei uma função para vocês, a função de me divertirem com seus comportamentos comprometidos, assépticos, consoantes. Vendem também ‘liberdade’, há,há,há... me perdoe, mas não consigo parar de rir; ‘liberdade’ há,há,há... – Epaminondas riu muito e então enxugou com as costas da mão as lágrimas provocadas pelo riso – Ah, que deliciosa bebedeira! Não repare menino, é que gosto de caçoar dos sóbrios. O que me restaria em relação a eles? Leva-los a sério? Impossível. Acho até que eles hoje têm vergonha de seus dentes caninos. Talvez estes lhes lembrem o animal desfalecido que são obrigados a carregar; até acredito, ao contrário de Aristóteles, que esta é a única essência do ser humano. E o que dizer de seus entretenimentos patéticos? E suas mídias? E o pânico das grandes corporações de que em suas iniciativas persuasivas possa vazar inadvertidamente um átomo de inteligência? E que dizer da Arte? Que finalmente agora se encontra quase que totalmente sob o domínio dos sóbrios? A Arte agora é sóbria, pobre, comprometida. Os sóbrios finalmente abriram totalmente mão da Arte, acho que este era um velho sonho. Ela não precisa mais expressar, não precisa mais exprimir beleza, não precisa mais ser a flor nascida da criação. A que sobrou só precisa vender, nada mais. Que fim levou a capacidade do homem de admirar-se perante as coisas, perante o próprio homem? Foi relegada aos becos escuros da existência, onde o artista cria a partir do próprio sangue, quem ousará molhar os dedos nesse sangue? Agora tudo o que viceja sob a parca luz é o que se pode comercializar. Os sóbrios sempre ‘toleraram’ a Arte. Detestam qualquer coisa que não possam reduzir ao tamanho da palma de suas mãos; haja vista de como sempre interpretaram seus textos religiosos. A metáfora, ou seja, a pérola contida na ostra, a mensagem viva, é desprezada; porém, a forma como ela é dita, através das mais variadas metonímias e polissemias, são consumidas ao pé da letra! Os sóbrios só consomem a forma, posto, que são só forma. São incapazes de perceber que a forma é a encarnação de uma mensagem mais profunda. As formas são fantoches que ganham vida e movimento pela mão da Arte. Só que essa mão é invisível ao sóbrio, portanto, este ficará somente com as formas e as interpretará colando seus rótulos, principalmente os seus preferidos: os do ‘Bem’ e do ‘Mal’. Sendo assim, criam seu próprio Céu e Inferno, creio que jamais poderiam viver sem estas instituições; precisam submeter-se a elas, os sóbrios são altamente ‘morais’. Acho até que é só para isso que existem. Talvez agora nesta porra de pós-modernidade, em que a economia de mercado feriu de morte o velho deus moral deles, comecem a bater cabeças gerando feridas novas. Não imaginam, nem por sonho, que mundos possam existir fora de suas redomas em forma de ‘Céu’. Ahhhh! como vivo bem fora do Céu! No orgasmo constante da minha singularidade, um ébrio de mim, um homem das sombras! Bem, assim penso eu. Ninguém é obrigado a concordar comigo, aliás, sempre desconfio quando assentem muito rápido com minhas idéias. Esta é minha leitura de mundo. Isto é tudo. Adoro opinar; mais que isto, preciso! principalmente quando encontro um amigo tão atento. Tenho opinião, portanto a exponho; claro, à medida que o silêncio de meu interlocutor permita. Posto isto, eu pergunto: quem poderá me atirar uma pedra? Os ‘livres’? há,há,há... portanto, querido amigo, que marche o exército de autômatos sóbrios, que o façam com seus olhares mortos sob essa parca luz! Porque da minha parte, prefiro observar tudo daqui da minha sombra, que é o meu lugar. É na sombra que constatamos até onde nosso olhar alcança, porque somos obrigados a enxergar emitindo nossa própria luz, a luz de nosso fogo, a luz mais intensa do mundo, porque é nossa! Este é o lugar mais negro e mais belo da face da Terra! Porque é meu! Meu paraíso, minha delícia! Bebamos, há muito que celebrar! Celebremos! Celebremos a alegria de existir, de existir no único lugar onde podemos realmente ser felizes... em nós mesmos! Não quero seguidores, não quero ser exemplo de nada, não nasci para ser função de porra nenhuma! Nasci para a embriaguez, a embriaguez de desabrochar em mim mesmo! Celebremos! - Tito ergueu sua taça com incontida alegria, mas sentia o peso da bebida sorvida em excesso, longe de tentar acompanhar o ritmo do raptor-anfitrião Epaminondas. Sabia que não teria a menor chance de permanecer consciente. Observou Epaminondas levantar-se, colocar novamente sua máscara de demônio e iniciar uma dança em volta da pira cantando coisas desencontradas, talvez num dialeto desconhecido. Os gestos e as palavras do negrão foram confundindo-se suavemente em sua cabeça, as luzes vivas dos círios concediam um pano de fundo que dançava amarelado, pontilhado por infinitas escuridões; e foi numa destas que Tito mergulhou sua mente cansada, para em seguida, carrega-la consigo e dissolver-se no nada.
Trabalho Final - ESTRATÉGIAS DE PRODUÇÃO DE BOVINOS NO SECTOR FAMILIAR, EM RESPOSTA ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS, EM ZONAS SEMI-ÁRIDAS DO DISTRITO DE MABALANE (GAZA)