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e Cidadania
1ª edição – 2000
Inclui bibliografia.
CDD-353
Fundo Municipal de Aval
POÇO VERDE (SE)
Introdução
Poço Verde, município do sertão sergipano, inserido numa região 1. Economista, pós-
graduando do Curso
conhecida como “polígono da seca”, está localizado na divisa com a de Mestrado em
Bahia, a 150 Km de Aracaju. Atualmente possui 17.666 habitantes, Administração Pública
e Governo da EAESP/
dos quais 9.817 estão na zona rural (Contagem Populacional, Funda- FGV.
Beneficiários do programa
Os beneficiários diretos da “concessão de aval pelo Fundo Muni-
cipal de Aval são os micro e pequenos produtores que desenvolvam
atividades produtivas no setor agropecuário” (artigo 5 da Lei 209/97,
que institui o Fundo Municipal de Aval). De acordo com essa defini-
ção legal, qualquer indivíduo que produza ou beneficie produtos
agropecuários pode recorrer ao Fundo de Aval.
É importante observar que o programa não beneficia apenas o pro-
prietário, mesmo porque há um sério problema em termos de regula-
rização fundiária no município. O programa beneficia também par-
ceiros, posseiros e arrendatários.
Por outro lado, entretanto, até hoje o Fundo Municipal só conce-
deu aval para produtores rurais com as precondições definidas pelo
Pronaf. Assim, o produtor rural avalizado pelo Fundo de Aval de Poço
Verde, além de ser pequeno ou micro produtor que desenvolve ativi-
dade produtiva no setor agrícola, também deve:
• Utilizar mão-de-obra familiar podendo ter até dois empregados
permanentes, em caráter complementar, e eventualmente contar com
a ajuda de terceiros quando a natureza sazonal da atividade exigir;
• Possuir, no mínimo, 80% da renda bruta familiar originária da
exploração agropecuária, pesca ou extrativismo;
8 • Residir na propriedade ou em aglomerado urbano próximo;
No início, o Programa atendia um beneficiário por família, com
área máxima de três hectares cultivados. A partir do segundo ano, pas-
sou a atender individualmente cada membro da família, desde que
estivesse enquadrado nos requisitos do Pronaf. A área a ser cultivada
passou para 5,5 hectares por pessoa, ou seja, uma família com cinco
membros pode contratar até 27,5 hectares.
Funcionamento
Todo o processo de solicitação de crédito se inicia com a solicita-
ção de uma carta de aptidão do agricultor familiar junto ao Sindicato
de Trabalhadores Rurais ou à Emdagro. Uma vez emitida a carta, o
trabalhador organiza um grupo de até 10 membros e submete seu nome
à aprovação do Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural, res-
ponsável pelo Fundo Municipal de Aval. Em seguida, esse trabalhador
rural preenche um cadastro simplificado no Banco do Brasil que, por
sua vez, verifica junto ao Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) e ou-
tros órgãos se os solicitantes estão, de fato, aptos a receber o crédito
solicitado. Em seguida, num processo muito rápido, os créditos são
concedidos pelo Banco do Brasil. A rapidez do processo é importante
para que não se percam os prazos do calendário agrícola.
Os créditos são individuais e o aval é solidário. As regras são sim-
ples: uma vez concedido o crédito, cada indivíduo beneficiado deposi-
ta 25% do empréstimo em conta poupança individual; o município
garante, a partir do Fundo Municipal de Aval, o depósito de outros
25% do valor do empréstimo numa conta vinculada à operação. Com
isso, de cada R$ 1.000,00 emprestados, o Banco do Brasil tem garantia
real de R$ 500,00. O fato de haver poucas exigências para a concessão
do empréstimo (exige-se apenas a carta de aptidão simplificada, emi-
tida pelo Sindicato de Trabalhadores Rurais ou pela Emdagro), possi-
bilita ampliar o número de pessoas beneficiadas.
Os limites de concessão de crédito variam. Para solicitantes “de
primeira viagem”, o valor máximo é de R$ 879,30 e a área máxima que
lhes é permitido plantar corresponde a 3 hectares. Para os demais
solicitantes, o valor e a área máxima são, respectivamente, R$ 1.465,50 9
e 5,5 hectares.
A liberação de recursos ocorre em três parcelas. A primeira, no
valor de metade do empréstimo, o produtor recebe já no momento de
concessão do crédito. A liberação da segunda parcela, no valor de 30%
do empréstimo, depende da apresentação de um laudo técnico emiti-
do pela Emdagro e ocorre após a germinação, um mês depois da pri-
meira parcela. O restante do dinheiro (20%) sai no período da colhei-
ta, cerca de dois meses após a concessão do crédito.
Para quem solicita empréstimo pela primeira vez, o pagamento é
parcelado em duas prestações, sendo que a primeira vence 90 dias
depois da colheita, e a segunda, 30 dias após a primeira prestação. Os
demais solicitantes devem pagar o empréstimo de uma vez, 90 dias
após a colheita. A taxa de juro total é de 5,75%, ou seja, 1,88% ao mês.
A criação do Pronaf Especial, nova modalidade de financiamento
lançada posteriormente pelo Ministério da Agricultura, permitiu me-
lhorar ainda mais as condições de empréstimo aos agricultores de Poço
Verde. Ao quitar sua dívida em parcela única, o produtor passou a
receber um desconto fixo de R$ 200,00.
A título de exemplo, imaginemos um trabalhador rural que tenha
solicitado R$ 1.500,00. Após 90 dias, ele deverá pagar R$ 1.586,25.
Entretanto, ele deixou 25% dos R$ 1.500,00 (R$ 375,00) na poupança,
a uma taxa aproximada de 1% ao mês. Portanto, ao final de 90 dias, o
saldo na conta poupança será de R$ 386,36. Neste caso o solicitante
devolverá R$ 1.586,25 menos o desconto (R$ 200,00), contando com
a poupança (R$ 386,36).
Outrora impossibilitado de plantar por falta de financiamento, o
produtor agora obtém um lucro significativo mesmo se comercializar
o feijão pelo preço mínimo. Para verificar como isso acontece, pode-
mos considerar, por exemplo, o preço mínimo da saca de feijão e a
produtividade média dos agricultores de Poço Verde na safra anterior
à preparação deste relatório. Senão vejamos: naquela safra a produti-
vidade média foi de 13 sacas/ha e o preço mínimo de R$ 50,00/saca.
Como o empréstimo de R$ 1.500,00 possibilitava o plantio em aproxi-
madamente seis hectares, o produtor obteve lucro bruto de cerca de
10 R$ 3.900,00, ou lucro líquido de R$ 2.900,00 por safra3 .
Para o Banco do Brasil, essa forma de financiar a produção repre-
senta uma transação segura, já que o solicitante de crédito tem cober-
tura do Seguro Pro Agro obrigatório, que cobre 70% da frustração da
3. Pagamento do
empréstimo: safra em decorrência de mudança climática, no primeiro ano de em-
R$ 1.586,25 - R$ 386,36
- R$ 200,00 =
préstimo. O seguro não cobre frustração provocada por problemas no
R$ 999,89.
plantio. É por isso, inclusive, que a segunda parcela do empréstimo só
Lucro bruto: 13 x
R$ 50,00 x 6 = é liberada após a emissão do laudo técnico pela Emdagro. Em caso de
R$ 3.900,00
Lucro líquido: frustração da safra por esse motivo, os 30% restantes são cobertos pela
R$ 3.900,00 – R$ 999,89
= R$ 2.900,11 poupança do solicitante.
QUADRO 1
Processo de Concessão do Crédito
Procedimento Parceiro Responsável Inovações/Resultados
Declaração de Aptidão Emdagro e/ou Sindicato Simplificação do processo de
para solicitação do Crédito dos Trabalhadores Rurais concessão dos empréstimos
Preenchimento de Técnico da Emdagro Na falta de documentação
Cadastro Simplificado preenche o cadastro pessoal, o solicitante é
para o solicitante encaminhado para obtê-la
Montagem de Grupo Orientação do Fundo de Amplia-se o número de
Solidário Aval / Conselho Municipal possíveis beneficiários,
de Desenvolvimento Rural / devido à dispensa do
Banco do Brasil avalista com garantia de
bens reais
Pesquisa junto ao Serviço de Banco do Brasil Antes que o Banco faça a
Proteção ao Crédito (SPC) verificação junto ao SPC, os
que possuem alguma dívida
pendente se excluem do
grupo de aval
Concessão do Crédito Banco do Brasil Aumento da renda e do
emprego
Resultados
Dentre os resultados observados, destacam-se a redução do êxodo
rural, a geração de aproximadamente 1000 empregos diretos e o au-
mento da produção, que elevou a arrecadação do ICMS de R$ 400
mil, em 1997, para R$ 520 mil, em 1998).
Nos períodos de estiagem, o Programa também mostra-se um ins-
trumento fundamental para combater a fome. Muitas famílias que, na
época da seca, alimentavam-se de palma (uma espécie de cacto), agora
possuem um estoque anual de feijão. Assim, além da renda proveniente
da venda do excedente da produção, há também um “estoque mínimo”
que, na pior das hipóteses, garante a subsistência das famílias.
Outro resultado importante, talvez o principal deles, seja a demo-
cratização do crédito. Em decorrência da falta de escritura por parte
da maioria dos trabalhadores rurais, estes estavam impossibilitados de
solicitar crédito, inclusive junto ao Pronaf.
12 Apesar do esforço por parte dos responsáveis pelo Programa para
criar associações e cooperativas, até o momento existem apenas sete as-
sociações de desenvolvimento comunitário formalizadas e quatro em
fase de formalização. Mesmo assim, a formação de grupos de aval evita
que os produtores rurais tornem-se presa de agiotas ou fiquem depen-
dentes de “senhores de terra”. Em vez de se vincularem a uma única
liderança, numa relação paternalista ou clientelista, dispõem agora de
um número muito maior de “lideranças” (os responsáveis pelos grupos
de aval), numa relação baseada na solidariedade. Dessa forma, o crédito
passa a ser garantido como direito, e não como favor ou esmola.
Para a agência local do Banco do Brasil, o impacto positivo da par-
ceria com a prefeitura pode ser medido pela evolução do número de
contratos de financiamento fechados com os agricultores, conforme se
verifica na tabela abaixo:
QUADRO 2
Contratos de concessão de empréstimo
Ano 1996 1997 1998 1999*
Total 29 680 792 1.366
Variação (%) - 2.250,00 16,47 72,47
FONTE: BANCO DO BRASIL. *ATÉ 30/03/99.
Perspectivas
Para enfrentar os problemas socioeconômicos do município, estão em
desenvolvimento programas paralelos ao Fundo de Aval, dentre os quais:
• Refinadora de cal;
• Núcleos comunitários de tecelagem;
• Agroindústria comunitária para processamento de farinha de
mandioca;
• Plano para aproveitamento múltiplo dos recursos naturais, águas
subterrâneas e solo, com a escavação de poços artesianos. Como
o custo da abertura de poços artesianos é relativamente caro e
não há estímulo para que as pessoas ajudem a financiar esse in-
vestimento, pretende-se criar uma Escola Agrícola, com implan-
tação de um projeto piloto de irrigação. Além de suas funções
“naturais”, a escola também serviria para mostrar a importância
dos poços artesianos como investimento particular; 13
• Programa de Regularização Fundiária rural e urbana. Confor-
me foi mencionado no início deste artigo, o município de Poço
Verde possui aproximadamente seis mil propriedades rurais e
urbanas, das quais apenas 560 possuem registro no Cartório de
Registro de Imóveis. Deve-se destacar que a Comarca de Poço
Verde existe desde 1988. Até então, os imóveis eram registrados
no Cartório da Comarca de Simão Dias, município vizinho.
Apesar disso, a possibilidade de que mais de cinco mil proprie-
dades estejam registradas na antiga Comarca é muito baixa. O
Programa deve conceder títulos de propriedade para diversos
produtores que, sem dispor de um documento legal, ocupam a
terra há muitos anos;
• Programa de Garantia de Renda Mínima, com forte impacto
sobre a redução da pobreza.
Conclusão
A idéia do Fundo Municipal de Aval é muito simples, mas até esse
momento ninguém havia implementado algo semelhante. Há inúme-
ras idéias sobre Banco do Povo ou Crédito Produtivo Popular, mas não
havia algo que potencializasse uma programa já existente, como o Fun-
do de Aval faz com o Pronaf. Este programa financia o pequeno pro-
dutor rural, mas exige garantias reais e, por isso, muitos produtores
ficam impossibilitados de conseguir crédito e financiar sua lavoura. O
Fundo Municipal de Aval surgiu para preencher essa lacuna por meio
de um fundo público.
14 Outro aspecto importante a ser salientado é o das parcerias: o Fundo
Municipal de Aval viabilizou o funcionamento da agência local do Banco
do Brasil, que estava prestes a fechar, e utilizou a disponibilidade técnica
oferecida pela Emdagro, empresa do governo do Estado. Dentre outras
atividades, a Emdagro oferece apoio técnico aos agricultores.
Além desses aspectos, o Fundo Municipal de Aval também se preocu-
pou com a comercialização do produto financiado, o que não ocorre com
diversas experiências de microcrédito espalhadas pelo País. Trata-se de esco-
ar a mercadoria produzida, garantindo renda às famílias produtoras.
Diversos outros programas para melhorar a qualidade de vida do ho-
mem do campo surgiram em torno do Fundo Municipal de Aval, multipli-
cando os resultados dessa idéia simples. Justamente por sua simplicidade,
ela pode ser implementada em qualquer município brasileiro.