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– A tibieza.
I. O SENHOR DIZ aos seus discípulos que eles são o sal da terra1; a sua
acção no mundo é a mesma do sal: preserva os alimentos da corrupção e
torna-os agradáveis e saborosos ao paladar. Mas o sal pode desvirtuar-se ou
corromper-se. E então é um estorvo. Depois do pecado, é o que de mais triste
pode acontecer a um cristão: ter sido chamado para oferecer luz a muitos, e
ser escuridão; ter por missão sinalizar o caminho aos homens, e estar jogado
no chão; ter sido posto para ser fortaleza de muitos, e não ser senão
fraqueza.
São Tomás indica como sinal característico deste estado “uma certa
tristeza, que torna o homem lento em realizar actos espirituais devido ao
esforço que exigem”3. As normas de piedade e de devoção são mais uma
carga mal suportada do que um motor que empurra e ajuda a vencer as
dificuldades. São muitos os cristãos mergulhados na tibieza, há muito sal
desvirtuado.
II. NÃO SE PODE CONFUNDIR o estado da alma tíbia com a aridez nos
actos de piedade produzida às vezes pelo cansaço, pela doença ou pela
perda do entusiasmo sensível. Nestes casos, apesar da secura, a vontade
está firmemente enraizada no bem. A alma sabe que caminha directamente
para Cristo, ainda que esteja passando por um pedregal onde não encontra
uma única fonte e em que as pedras ferem os seus pés. Mas sabe onde está
o cume e dirige-se para lá, apesar da sede, do cansaço e do terreno que pisa.
Não experimenta nenhum sentimento e o trato com Deus parece-lhe
trabalhoso, mas conserva no seu interior a verdadeira devoção, que São
Tomás de Aquino define como a “vontade decidida de entregar-se a tudo o
que pertence ao serviço de Deus”4.
A tibieza é estéril, o sal desvirtuado não serve senão para ser lançado fora
e pisado7. Pelo contrário, a aridez pode ser um sinal positivo de que o Senhor
nos quer purificar e fortalecer.
Ora bem, para que o guia de cegos não seja outro cego 8, não basta que
saiba da meta só de ouvir dizer ou por vagas referências; para ajudar as
pessoas, não basta que tenha um conhecimento difuso e superficial do
caminho. É necessário que o percorra, que conheça por experiência os
obstáculos... É preciso que tenha vida interior, contacto pessoal diário com
Jesus, que vá conhecendo cada vez mais profundamente os seus próprios
defeitos. O apostolado nasce de um grande amor, sempre crescente, por
Cristo.
(1) Mt 5, 13; (2) cfr. F. Fernández Carvajal, La tibieza, págs. 20 e segs.; (3) São Tomás,
Suma Teológica, I, q. 63, a. 2; (4) São Tomás, op. cit., II-II, q. 82, a. 1; (5) Apoc 2, 4; (6) J.
Tissot, A vida interior, pág. 100; (7) Mt 5, 13; (8) cfr. Mt 15, 14; (9) P. Rodriguez, Fe y vida de
fe, pág. 142.