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29
junho
2010
ano III
ficina
SAMIZDAT 29
junho de 2010
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MICROCONTOS
Ju Blasina 9
CONTOS
A porta 10
Caio Rudá
O ar do tempo 12
Joaquim Bispo
A morte do Temerário 16
Ana Cristina Rodrigues
A filha do Crisóstomo 22
Maria de Fátima Santos
Fé 36
José Guilherme Vereza
Avaliações 38
Léo Borges
ARTIGO
Geraldo Geraldes - o Sem-Pavor 48
Joaquim Bispo
O retrato como gênero 52
Joaquim Bispo
O que é certo ou errado quando não podemos
ser? 55
Leandro da Silva
POESIA
+ 2 tantos 56
Ju Blasina
O despertar de uma mulher 58
Caio Rudá de Oliveira
Casa de Platão 60
Wellington Souza
ficina
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Por que Samizdat?
“Eu mesmo crio, edito, censuro, publico,
distribuo e posso ser preso por causa disto”
Vladimir Bukovsky
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E por que Samizdat? revistas, jornais - onde ele des tiragens que substituam
possa divulgar seu trabalho. o prazer de ouvir o respal-
O único aspecto que conta é do de leitores sinceros, que
A indústria cultural - e o
o prazer que a obra causa no não estão atrás de grandes
mercado literário faz parte
leitor. autores populares, que não
dela - também realiza um
perseguem ansiosos os 10
processo de exclusão, base- Enquanto que este é um mais vendidos.
ado no que se julga não ter trabalho difícil, por outro
valor mercadológico. Inex- lado, concede ao criador uma Os autores que compõem
plicavelmente, estabeleceu-se liberdade e uma autonomia este projeto não fazem parte
que contos, poemas, autores total: ele é dono de sua pala- de nenhum movimento
desconhecidos não podem vra, é o responsável pelo que literário organizado, não
ser comercializados, que não diz, o culpado por seus erros, são modernistas, pós-
vale a pena investir neles, é quem recebe os louros por modernistas, vanguardistas
pois os gastos seriam maio- seus acertos. ou q ualquer outra definição
res do que o lucro. que vise rotular e definir a
E, com a internet, os au- orientação dum grupo. São
A indústria deseja o pro- tores possuem acesso direto apenas escritores interessados
duto pronto e com consumi- e imediato a seus leitores. A em trocar experiências e
dores. Não basta qualidade, repercussão do que escreve sofisticarem suas escritas. A
não basta competência; se (quando há) surge em ques- qualidade deles não é uma
houver quem compre, mes- tão de minutos. orientação de estilo, mas sim
mo o lixo possui prioridades
a heterogeneidade.
na hora de ser absorvido A serem obrigados a
pelo mercado. burlar a indústria cultural, Enfim, “Samizdat” porque a
os autores conquistaram algo internet é um meio de auto-
E a autopublicação, como que jamais conseguiriam de publicação, mas “Samizdat”
em qualquer regime exclu- outro modo, o contato qua- porque também é um modo
dente, torna-se a via para se pessoal com os leitores, de contornar um processo
produtores culturais atingi- od iálogo capaz de tornar a de exclusão e de atingir o
rem o público. obra melhor, a rede de conta- objetivo fundamental da
tos que, se não é tão influen- escrita: ser lido por alguém.
Este é um processo soli-
te quanto a da grande mídia,
tário e gradativo. O autor
faz do leitor um colaborador,
precisa conquistar leitor a
um co-autor da obra que lê.
leitor. Não há grandes apa-
Não há sucesso, não há gran-
ratos midiáticos - como TV,
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8 SAMIZDAT junho de 2010
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Microcontos
Oqdz...
Ju Blasina
http://www.flickr.com/photos/hams/1257518719/sizes/o/
...Da Abundância
...Do futuro
...Do seguro
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Contos
Caio Rudá
A porta
10 SAMIZDAT junho de 2010
Ela bateu a porta ria que o namorado, ta disso, instantane-
tão forte quanto ja- com quem acabara de amente foi embora.
mais imaginara que discutir duramente, Não mais voltaria.
pudesse fazer. Do viesse buscá-la? Cer-
lado de fora, de pé, tamente, não. Pouco depois, a
ajeitou-se. Cabelos porta se abriu. Cla-
penteados, ar de su- De fato, em seus ramente via-se uma
perioridade. Quem a cinco minutos à fren- face preocupada no
visse não desconfia- te da casa, ele não limite entre o inte-
ria da cena que ela havia aparecido. Ima- rior da casa e o lado
recém-protagonizara. ginou-se adentrando de fora. Olhos para o
a porta atrás, como se jardim, como se es-
Gesticulou, punhos nada tivesse aconte- tivesse à procura de
firmes. Sinal de raiva, cido. Hesitou, entre- alguém, e o rosto to-
talvez arrependimen- tanto. Concluiu que mado por um sorriso
to. Não sabia o que fazendo isso, daria o de canto de boca. O
sentia àquela hora. A braço a torcer. Era limpador de piscina
única certeza era uma a demonstração da apontava no passeio.
profunda e pausada sua fraqueza moral. Chegara para o servi-
respiração que po- Nunca fora orgulhosa, ço.
deria ser ouvida per- nem seria em qual-
feitamente não fosse quer circunstância,
o barulho da cidade dizia ela. Mas não se
grande em hora do tratava de empáfia.
rush. O que ela esta- Sua honra estava em
va esperando? Que- xeque. Ao dar-se con-
a boa Literatura
é fabricada
ficina
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Contos
Joaquim Bispo
O Ar do Tempo
12 SAMIZDAT junho de 2010
“Estamos no promontó- variações de rumo. Assim Ao abrigo de um pro-
rio extremo dos séculos!... sendo, a nossa mesma grama secreto, foi, há
Por que haveremos de História pode ser encon- dois anos, enviado um
olhar para trás, se quere- trada numa das inúmeras explorador a um planeta
mos arrombar as misterio- fases já passadas ou futu- dum aglomerado globular
sas portas do Impossível?” ras, como em cada versão a 160 milhões de anos-
do que podia ter sido. luz de distância, onde se
Um dos episódios detectou que o atentado
Arrastando a brevidade de Sarajevo não resultou.
da nossa existência na singulares de consequ-
ências, aparentemente, Pretendia-se perceber
lama do nosso pequeno qual foi o pormenor que
mundo, esfrangalhamo- mais devastadoras da
nossa História recente, tal alterou o rumo da His-
nos de impotência, de tória e por quê, a fim
cada vez que a tragédia como decorreu aqui, é o
do atentado bem sucedi- de tentar evitar casos
nos atinge. Como seria semelhantes, no futuro.
perfeito podermos vol- do contra o herdeiro do
Império austro-húngaro, Como esse explorador faz
tar atrás e alterar o que o favor de ser meu ami-
correu mal, aquela nossa o arquiduque Francisco
Fernando, em 1914, na go, um dia contou-me o
palavra desbocada que seguinte:
teve consequências funes- cidade de Sarajevo, às
tas, aquela decisão que mãos de um estudante de «A minha missão era
comprometeu a nossa vinte anos, integrante de apenas seguir o estudante
vida, o episódio que um grupo nacionalista de radical Gavrilo Princip e,
desencadeou uma guer- inspiração sérvia. Quase como sombra, observar o
ra. Infelizmente, o tempo todos os historiadores que fazia, já que na Terra
parece caminhar numa estão de acordo que esse tinha sido ele a abater o
só direcção. Todas as ten- episódio desencadeou a arquiduque e a mulher.
tativas de viajar nele, se é Primeira Guerra Mundial, Nos dias anteriores ao
que existiram, falharam. que levou à Segunda, que atentado, reuniu-se vá-
A nossa única consolação levou à Guerra-fria, que rias vezes com os seus
é a ficção. Aí, temos exer- levou à hiper-potência correligionários da “Mão
cido a liberdade de viajar única e a outros males Negra”, combinando posi-
no tempo, nos dois senti- correlatos. Candidamen- ções ao longo do trajecto
dos conhecidos, à veloci- te, podemos pensar que, do alvo pelas ruas de
dade que o autor decidiu. se pudéssemos evitar Sarajevo e as armas que
E, no entanto, existem esse atentado, o rumo do cada um iria utilizar. O
modalidades indirectas mundo seria muito dife- grupo parecia animado
de viajar nele, ainda pou- rente; não teríamos pas- por um ódio violento
co exploradas: sado por aquelas guerras contra a recente anexa-
terríveis, e hoje teríamos ção austro-húngara da
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futuristas na cidade, a ser tas futuristas e radicais bolor acumulado – res-
visitada pelo arquiduque. do «Mão Negra». pondeu o pintor escultor.
O grupo infiltrara lá um – Também penso isso – – Sabes o que ouvi dizer?
elemento, como seguran- acompanhava Gavrilo. – Que, ao longo da vida, já
ça, o qual deveria detonar O mundo está submetido matou cinco mil veados
uma bomba escondida a impérios que oprimem em jornadas de caça, o
na escultura mais repre- os povos. feroz. Gosto desse laivo
sentativa, quando Francis- futurista dele, mas não
co Fernando estivesse a – Nós, os futuristas, quero conhecê-lo. Quan-
admirá-la. cantaremos as grandes do cá vier, não tenciono
multidões agitadas pela estar aqui.
Na antevéspera, Gavri- sublevação – enlevava-se
lo, com outro elemento, Boccioni. Pouco depois, despedi-
foi visitar a exposição. ram-se. Pareceu-me que o
A ideia era distrair al- – Só a Sérvia nos pode grupo não gostou destas
guém presente, enquanto salvar da pata do impé- últimas declarações de
a bomba era instalada. rio – declarava Jovanovic. Boccioni. Além disso, a
Por coincidência, estava – Com os nossos irmãos bomba já fora instalada
presente um dos artistas de outras regiões eslavas, na formidável escultu-
– o depois famoso Um- formaremos uma grande ra que agora está em S.
berto Boccioni. Gavrilo e nação que renovará o de- Paulo – “Formas Únicas
o companheiro mostra- cadente ocidente, confor- de Continuidade no Espa-
ram-se interessados nas me bem disse o grande ço” – a mais emblemática
obras expostas, e o artista Bakunine. da exposição, e que está
gostou do seu ar radical – A guerra é a úni- representada nas moe-
e da sua postura revolu- ca higiene do mundo das de vinte cêntimos de
cionária. Para ilustrar a – prosseguia Boccioni, Itália.
atmosfera que se vivia na alimentado pelo radica- No dia da visita do
Europa, mesmo dentro lismo dos visitantes, e arquiduque, 28 de Junho,
dos movimentos artís- citando o manifesto futu- a comitiva deslocava-se
ticos, relato alguns dos rista de 1909. – O patrio- em sete carros. O arqui-
diálogos mantidos pelo tismo, o gesto destruidor duque e a esposa iam
pequeno grupo: dos anarquistas são belas no terceiro. O primeiro
– Gosto destes teus ideias pelas quais vale a membro do grupo, Meh-
“Estados de alma” e do pena morrer.» medbasic, não disparou
“Tumulto na galeria” – Nessa altura – confes- por não ter bom ângulo.
começou Jovanovic, afas- sou o meu amigo – eu O segundo lançou uma
tando o artista da zona já duvidava que, com tal bomba que falhou o alvo,
das esculturas. – São incitamento, Gavrilo dei- mas feriu várias pessoas
violentos. xasse de executar o gesto do carro seguinte. Tomou
– Nenhuma obra que assassino pelo qual ficou rapidamente uma pílula
não tenha um carácter conhecido na Terra. de cianeto e lançou-se ao
agressivo pode ser uma «– Que pensas do rio que atravessa Sarajevo,
obra-prima – teorizava arquiduque que depois mas a pílula não fez efei-
Boccioni. – Já não há be- de amanhã visitará a tua to; foi retirado do rio e
leza senão na luta. exposição? – perguntou quase linchado. A polícia
ele ao artista. levou-o. Como cá.
Rapidamente, a conver-
sa derivou para temas de – Acho-o capaz de Eu não estava a ver o
patriotismo, anarquia e iniciar uma bela guerra, que é que iria ser dife-
insurreição, afinal, caros aquela que a Europa pre- rente. Os restantes mem-
a ambos os grupos: artis- cisa para varrer todo este bros, incluindo o que eu
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Contos
http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/3/3b/Charle_
A morte do Temerário
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duque de Orléans, escrito mais desonrosa é a calúnia. E animais. Como o grande
pelo mesmo. O nobre poeta dentre as injúrias infundadas, caçador que era, interessou-se
era lembrado com carinho o pior tipo é o que ofende pelo livro e começou a ler.
por La Marche, em memória os que já faleceram. Mas a Nas páginas ricamente ilumi-
dos tempos em que o então verdade deve sempre apa- nadas, meu príncipe achou a
jovem escudeiro passara horas recer, e irei contá-la a você. solução para o problema que
agradáveis conversando sobre Naquele dia frio e desolado há muito o afligia. De todos
a arte da escrita. Mesmo em Nancy, no inverno de os nobres cristãos, de todas
alguns volumes impressos nas 1477, fui levado perante um as qualidades, ele era o mais
prensas dos países do Norte já cadáver. Na minha frente, um poderoso, com cinco títulos
ocupavam lugar de destaque corpo devorado por lobos, o ducais e inúmeras senhorias,
na biblioteca ducal. rosto em farrapos, congelado, mas ainda faltava a maior das
Na sala pouco iluminada, com cicatrizes recentes e uma honrarias, o título real. E a so-
La Marche vagueou entre mais antiga no abdomen. Eu lução seria encontrar a fênix,
os livros. Muitos eram de disse aos franceses que aquele ave miraculosa, e apresentá-la
escritores seus conhecidos, era o meu senhor e príncipe, ao Santo Padre em Roma, que
autores que estiveram um dia o duque Carlos, o Ousado, a não poderia negar mais o seu
a serviço da mais brilhante quem os franceses chamam pedido.
casa nobre de toda a cristan- até os nossos dias de “Temerá- Não precisou sequer olhar
dade. Seus olhos pousaram na rio”. No entanto, o corpo que para seu pupilo para saber
tradução dos “Feitos de Ale- reconheci não era o do seu que ele não tinha entendido.
xandre o Grande”, do romano avô, pai de minha senhora e - A fênix é raríssima, tendo
Quintus Curtius. Vasco de princesa, a falecida Maria, que sido avistada poucas vezes.
Lucena, o letrado português Deus a guarde. Pois Carlos es- Quando esta ave fantástica, de
que traduzira e comentara a tava a muitos dias de viagem penas de ouro e cobre, olhos
obra, em homenagem a Car- de Nancy, em peregrinação, de rubi. sente a hora da morte
los, então herdeiro do ducado, na busca por um tesouro que chegar, constrói um ninho e
havia sido um grande amigo o transformaria de direito no se expõe ao sol. Em poucas
do mestre de cerimônias. maior dos príncipes, o que ele horas, ela queima totalmente,
já era de fato. não sobrando nada além de
- Mas também o tempo Os olhos do jovem arrega- cinzas. E dessas cinzas, surge
levou-te, Vasco. E só restei eu... laram-se de espanto. um único ovo, de onde sai ou-
– sussurrou, a voz embargada. - Difícil de acreditar, não, tra de sua espécie. Ela é sím-
- Falou alguma coisa, mes- meu jovem? Mas foi o que bolo de Cristo, pois é o único
tre? aconteceu. Meses antes da animal capaz do milagre da
Acenou negativamente. batalha de Nancy, o duque ressurreição. E Cristo é o Rei
Sentou-se perto da lareira e reuniu o seu conselho. Esta- dos reis, portanto ter uma
indicou uma cadeira ao jovem vam presentes, além de minha pena dessa ave é levar consi-
príncipe. Antes de começar, pessoa, o chanceler da Bor- go um estandarte do próprio
levantou os olhos para as pin- gonha Nicolas Rolin, o sábio filho de Deus. Assim, seu avô
turas penduradas. Deteve-se português Vasco de Lucena, a seria finalmente considerado
no retrato de Carlos, pinta- duquesa Margarida e a jovem digno da coroa real.
do antes de assumir o título filha de meu senhor, ‘mada- - E onde ela vive, mestre?
ducal. Era tão jovem, deixara me’ Maria, sua falecida mãe. - Uma das páginas do livro
a vida tão cedo e de forma Reunidos em um amplo salão, continha as indicações para
tão injusta. Prometera jamais muito semelhante ao do cas- encontrar o pássaro. Nas
mentir ao seu pupilo, e o sen- telo d senhor arquiduque, seu terras distantes do Egito, perto
so de lealdade à memória de pai, ouvimos meu duque nos do mítico reino do Preste
seu senhor falava alto. Respi- contar que havia achado entre João, há um jardim que guar-
rou fundo e começou. os livros da grande biblioteca da dois exemplares de tudo
- Saiba, meu jovem senhor, uma obra rara, que tratava o que Deus já criou. Desde
que das armas da guerra, a das propriedades de todos o simples rato até os mais
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uma estranha melodia. Duas respondessem. do escudeiro, um pequeno
esfinges, animais maravilho- “Pouco nos importa teu caminho abriu-se na frente
sos, leões com faces humanas nome e tuas senhorias, huma- do meu príncipe. Estreito e
e asas de águia, foram em no. Somos todos aqui filhos cercado, no seu início, por ar-
direção do meu senhor. diletos de Deus. Não como bustos espinhosos que rasga-
- Eram parentes da que vocês, traidores! Repare que ram a sua carne. No entanto,
fora transformada em pedra? em nosso Jardim há um par mesmo a dor aguda não o
La Marche havia esquecido de toda a criação, menos de fez esmorecer. Ao contrário,
que havia descrito a constru- vocês, filhos de Adão! Não fortaleceu seu espírito e ele
ção egípcia. são bem-vindos aqui!” prosseguiu. Sua roupa virou
- Bem lembrado, meu caro Arreganharam os dentes um farrapo indigno de cobrir
jovem. Não sei, mas é prová- e avançaram em direção ao tão majestoso homem. Quan-
vel que sim, já que estes seres meu senhor, que não recuou do pouco restava do pano
nunca foram comuns. A mais um passo. Ficou olhando que o vestia, a trilha alargou-
velha, de cabelos grisalhos sereno enquanto aquelas hor- se.
e expressão absolutamente rendas criaturas de pesadelo Essa senda larga atraves-
serena, se dirigiu ao duque. aproximavam-se. Podia sentir sava um pântano no qual
“Quem é você e o que o hálito quente e pestilento vapores pestilentos subiam
quer de nós? Porque invade o em sua face, e não retroce- do chão. Qualquer homem
Portal da Criação?” deu. A mantícora que antes deixar-se-ia vencer pela
“Sou Carlos, duque de Bor- falara começou a rir. Parou náusea e ficaria prostrado no
gonha, de Luxemburgo e do de mover-se e encarou o caminho. Mas meu senhor
Brabante, conde de Flandres, duque. não se abateu. O pouco que
senhor de muitas terras, des- “É corajoso para um hu- sobrara de sua rica túnica de
cendente de reis e príncipes mano, príncipe da Borgonha. seda ele colocou sobre a boca
das mais nobres casas. Vim Pode ir procurar a fênix. e o nariz, impedindo que seu
em busca da ave fênix, para Porém, depois não reclame se corpo fosse invadido pelos
poder me tornar rei!” conseguir.” miasmas da podridão que
Quando o último eco da E assim aqueles dois seres o cercava. Porém, isso não
palavra rei sumiu no ar, uma de infâmia abriram caminho evitou que insetos saíssem
sombra obscureceu o sol por para meu senhor. Com a daquela lama pútrida e co-
alguns instantes, e na frente segurança daqueles que pos- brissem o seu corpo, causan-
do meu senhor, surgiram as suem a verdadeira nobreza, do coceiras terríveis. Mesmo
duas criaturas mais assus- ele avançou. Nesse momento, assim o duque continuava seu
tadoras que ele jamais vira. separou-se do escudeiro, que caminho.
Também possuíam corpos iria assistir a grande aven- Conforme andava, o pânta-
como os do leão, mas seus tura de seu amo ao longe. no tornava-se menos inóspito,
rostos eram como o de Pois Carlos respeitava seus até que por fim todo o chão
demônios, com olhos rasga- servidores e não iria arriscá- ficou novamente firme e seco.
dos, negros como a noite e lo. Daquele local em diante, O duque Carlos, nu, o corpo
bocarras com duas fileiras de sua trilha não poderia ser a rasgado em inúmeros peque-
dentes, afiados como lanças, de outro homem, mesmo um nos cortes, estava defronte a
rabos iguais aos do escorpião. servo leal. O que contarei uma imensa montanha. Sua
Voavam graças a duas asas a seguir foi visto por esse pele latejava e ardia devido às
horrendas, como as de um jovem a grande distância, por mordidas de insetos. Os olhos
morcego. Meu senhor lem- meio de um espelho trazido ainda estavam enevoados dos
brou-se das gravuras do livro, por uma das mantícoras. A vapores pantanosos. Com ar
e concluiu que eram mantí- besta aconselhou-o a observar de desânimo, avaliou o seu
coras, bestas das mais peri- com atenção para que pudes- próximo desafio. Era como se
gosas e das mais detestáveis se narrar tudo exatamente a imensa pedra gargalhasse
que Deus colocou no mundo. como havia ocorrido. de sua impotência e fragili-
Não deixaram que as esfinges Depois de separar-se dade. As laterais eram escar-
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Contos
A filha de Crisóstomo
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– Teresinha… mido, a subir o relevo do o pai quem dissera:
*** pequeno morro que abri- – Tentaremos também
gava as casas dos ventos daquele lado.
Naquele Setembro, de norte.
Maria Teresa sentara-se Vivalma.
a olhar a água do regato Um dia inteiro cami-
nhando, e nem o som, Que na noite de lua
debaixo do ulmeiro. Ela em minguante, mal se
com os joelhos a tocarem que se ia esfumando – as
vozes a chamarem-na – e enxergava além do re-
a boca e os dedos encla- dondo de luz que enviava
vinhados uns nos outros nem a fome a demover
Maria Teresa de buscar o archote, ainda mais
em redor das pernitas bruxuleando, que soprava
magras, magicando. abrigo onde ficasse, onde
fizesse descanso para vento de norte.
Maria Teresa sem depois ir um tanto mais A cada compasso de
perceber que estava de- longe: assim como se me espera que faziam, como
cidindo, num silêncio de comandassem vozes, dirá se fora fim de busca,
segredo, o que seria a sua Maria Teresa quando os homens ruminavam
vida. Um arroubo, um contar de como foi gal- azedos a quem não sabe
desejo imenso que lhe gando o monte, um dia e criar filha sem mãe que
cresceu de sair dali onde depois o outro. a eduque: que é preciso
era a casa e, logo a seguir pulso forte e Crisóstomo
ao caminho, o povoado, e Começaram por buscá-
la pelo ribeiro, que o é manso, ruminavam no
ela desejando mundo. temor de lhe ir dizendo.
morro não era local de
Era ainda quando suas brincadeiras: não E no entretanto de
andariam as meninas da era costume. Andaram esperá-los, eram as mu-
sua idade a inventar brin- nisso os homens, a cal- lheres a afirmarem o que
quedos, mas, isso, Maria correarem as margens de até ali tinham calado, o
Teresa nem sabia. cá e de lá do fio de água. que nem tinham dito a
Encontraria o jeito de Poucos, que a aldeia era não ser na alcova, e agora
ludibriar os que havia mais um sítio: seis casas, conversavam de uma a
por perto: seu pai e Ger- a de Crisóstomo Inácio outra: que aquela menina
trudes, a rapariga que um nadinha distante do sofria de um mal, que a
fazia a lida e lhe ouvia os aglomerado porque fosse louca da casa a atacara.
contos: Gertrudes desper- a mais rica, porque fosse As vizinhas a desabafa-
cebida, que o tanto que de herança. rem o que traziam escon-
seria atenta o era medro- Nada de alguém ter dido: que seria de lhe ter
sa do que ouvia, folhas e visto a menina, diziam cuidado, que a menina
mais folhas cheiinhas de uns e outros ao fim do era dada a artes, que ela
rabiscos, que a menina primeiro dia, e repetiu-se imaginava coisas. Que
lhe lia rogando: que o até ao terceiro depois das sim, sabe… diziam
meu pai nunca desconfie. Ave Marias. como se enregeladas de
Mas foi Gertrudes Ao cair da noite, eram um medo de outro mun-
quem disse a Crisóstomo: os homens com archotes, do, como se, propalando,
a menina inventa coisas, as luzes a formarem fila exorcizassem o pavor de
e a mostrar ao pai o es- vasculhando, e depois a que viesse ter com elas o
conderijo dos papéis. dispersarem-se na subida mal de que sofria a filha
Mas isso foi só depois do pequeno serro, que de Crisóstomo Inácio, um
de Maria Teresa ter su- semelhava íngreme. Fora mal que raramente dava
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Contos
porque o papai ‘tava no feito gente. Dava petele- sangrando e berrando, pela
Céu, uma comoção na cos na piazada, roubava as janela.
cidade. vendas, deflorava cabras e O cabo se tornou herói
havia rumores de que ele na cidade, além de bom
A guerra se instaurou. O tinha um pacto c’o diabo.
avô do Pires chamou uns moço, ele também honrava
Era tanta maldade numa só o que tinha no meio das
primos, que haviam lutado criatura que as pessoas até
no Paraguai contra Solano pernas. Ele se amasiou com
sussurravam quando men- uma polaquinha formosa e
López, e foi uma carnifi- cionavam o nome dele.
cina. Todas as noites, um teve dois pimpolhos.
invadia o terreno do outro, E não é que o filho-da- Foi então que o convo-
tocava fogo nas casas, de- mãe do Bento Julião se caram pro Contestado e,
golava os bois, e trocavam engraçou com a caboclinha por um par de meses, ele
tiros até o sol nascer. do cabo Pires? lutou contra os revoltosos.
A população da cidade Era o papo nos botecos e Quando voltou pra casa, os
estava aterrorizada, tanto nas vendas, cada um cochi- amigos o avisaram:
que o governador enviou chando sobre isto, mortos — Cuidado que o Ben-
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to Julião voltou querendo numa vila ali perto e ru- ber que tinha sido apenas
vingança. mou pr’aquela direção. de raspão, ele sacou a faca
O coitado do cabo Pires O cabo Pires estava can- da bainha e avançou como
quase borrou as cuecas, sado de rodar o mundo, por uma onça.
morria de medo que este mais que tentasse, não con- Desesperado, cabo Pires
dia chegasse. Ele não con- seguia se livrar do bicho- tirou outro projétil da bolsa
seguia mais dormir, pra homem que o perseguia. e tentava recarregar. A bala
não ser pego desprevenido; — Basta! Vou me bater c’o escorregou de seus dedos,
sempre mudava de rota, pra desgraçado — o cabo Pires catou outra, rapidinho, mas
não ser emboscado; e não carregou a espingarda — Ele Bento Julião estava chegan-
se separava mais do baca- é bom co’a faca? Mas quero do perto, faca brilhando na
marte. ver como ele se sai contra o mão e ódio saltando dos
Especulava-se o que Ben- meu trabuco! — e ria sozi- olhos. Cabo Pires enfiou
to Julião tinha feito neste nho, meio enlouquecido. a bala na culatra da arma,
tempo em que ficou desa- engatilhou e mirou. Mas
O sol estava nascendo. Bento já estava a um palmo
parecido. Dizia-se que ele Bento Julião chegou junto
tinha vagado pelos Campos de distância, faca cravada
com o vento da manhã. até o punho no bucho do
Gerais, pilhando, matando Veio andando pelas ruas,
e estuprando, mas também rival.
procurando um canto pra
havia histórias de que ele se enfiar e descansar, mas, — Por que tanto ódio? —
tinha virado tropeiro, ou no fim da única rua da vila, cabo Pires gemeu, perdendo
matador por contrato e que avistou um homem. as forças e caindo, olhos
carregava quinze mortes esbugalhados, fiozinho de
nas costas. A única certe- Era o cabo Pires. sangue saindo da boca,
za era que, na luta de faca, — Acabou, Bento, é agora estrebuchando igual porco
ninguém melhor que ele ou nunca! — cabo Pires ur- no abate.
havia, e Bento andava alar- rou, parecia até um animal Bento Julião limpou o
deando aos quatro ventos selvagem. punhal na calça, se ajoe-
que ia arrancar com seu Bento Julião se assustou lhou ao lado do moribundo,
punhal o coração do cabo com a transformação que segurou a cabeça dele e lhe
Pires. tinha ocorrido com seu fez um cafuné nos cabelos.
Numa manhã, a pola- inimigo, parecia mais brabo, — Todo mundo gosta de
quinha foi chorando contar mais duro, mais corajoso. você, cabo Pires. Te odeio
pro cabo Pires que tinha Bento teve até dúvidas de porque não posso ser igual.
visto o malvado rondando quem ganharia o duelo.
a casa. Ele tomou, então, C’uma das mãos tocou o E dizem até que ele
uma resolução importante: cabo da faca. chorava quando arrancou
mandou a polaquinha e os o coração do cabo Pires,
Ele se aproximou do como havia prometido.
barrigudinhos pra morar cabo Pires, este, por sua vez,
com os pais dela e ele ru- ergueu a espingarda, miran-
mou pro interior, pra fugir do no inimigo. Bento Julião
da morte. andou devargazinho, espe-
Bento Julião ficou puto rando o tiro. Cabo Pires
ao saber da fuga do ini- tremia, suor lhe escorria
migo. Foi atrás. Cruzou os pelo sobrolho, atrapalhava a
Campos Gerais e chegou visão.
até o Paraguai, depois des- Atirou. A bala passou
ceu até a Argentina e vol- arranhando a cara de Bento
tou pro Paraná. Descobriu Julião que, primeiro pensou
que o fujão estava entocado ter morrido, mas, ao perce-
ficina
seguras (rsrs) um nome teclando com amigos so-
mostrava como um fatal tos a sucumbir,
turnos e escrevendo apontava-
contos tos autores,
lembrar quenacionais
estava eme
artístico. Como é o seu
cumprir a vontade de Deus
enome
irresistível convite ao
de batismo, e por
lhe seus
cruéis na terríveis olhos
Tinta Rubra. estrangeiros,
harmonia comabordando
a música
o vampirismo, é possível
além-túmulo.
que a opção pela adoção ausentes. E como todos os inacabada de Bach. Ter-
fugir de certos clichês
deQuase
um pseudônimo? Você
um ano após o outros,
SAMIZDAT também— OsMozart
vampi- minando,
do gênero,viu ou que a perna
ao fazê-lo
publica textos como “você paralisou-se.
ros são um dos Junto à ima-
temas
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que, já estava olivre.
corre-se riscoCorreu
de desca-o
início das mortes, passava
mesma”, diferentes dos de tempos em sentiu
tempos,o racterizar o tema?
pela região umcomo
viajante gem macabra, mais rápido que pôde,
textos escritos Giu- voltam a ser moda. A que
austríaco,
lia Moon? excepcional cheiro da putrefação. As sem
GIULIA olhar paranão
— Bem, trás.existe
O
você atribui este fascínio
http://www.flickr.com/photos/erzs/1357413280/sizes/o/
náuseas dominaram-no, uma lei que diga
som de sua composição que tais
estudante
GIULIA — de música,
O meu nome que temos por estas cria- e tais características são
real é SueliWolfgang
chamado Tsumori. “Giu-Ama- o que o fez libertar-se da servia de trilha sonora
turas? obrigatórias para um perso-
lia Moon”
deus é umQuando
Mozart. nickname paralisia, caindo
GIULIA — Acho que as de joe- para
nagema vampiro.
fuga, enquanto
Acho que
que adotei quando entrei lhos a largos
pessoas gostamvômitos. Em ele
de vampiros pensava
depende como,
do bom até de
senso o
soube da maldição, não
na Tinta Rubra. Ao in- porquea são, em primeiro cada autor. aquela
Um bom senso
se meio engasgos, tosses e momento, música
vésalarmou, disse
de escolher, comoapenas
os lugar, vilões com um bom que o faça reconhecer que,
que gostaria de
outros, um nome romenoouvir o ânsias, ouviu a frase mor- nunca havia lhe parecido
layout. São parecidos com sem algumas características
vampiresco
tal concertocom títulose de
fúnebre de tal: “Termine a música”. tão viva e tão mórbida.
os seres humanos, têm as básicas, o seu personagem
nobreza como “condessa”
conhecer o seu autor. Foi Confuso,
vantagens dadesnorte-
juventude Prometeu não mais
não é um vampiro, mastocá-
e “lady”, reuni dois nomes eterna, imortalidade, la.
alertado de que a história
curtos que tivessem algum
ado, Mozart tentou dons
se alguma outra criatura. Os
psíquicos, força física. É vampiros do meu livro
era
tipo verdadeira,
de significado de para
que as levantar apoiando-se No dia seguinte, o
um monstro que tem um Kaori são os vampiros clás-
pessoas
mim. Eu já não queriam
sempre gostei do no órgão,
arsenal de que
armas sua mão
variado: jovem Mozart já bebem
sicos: predadores, não se
mais estudar música,soava
nome “Giulia”, porque e atravessou
a força, o poder como se nadaa
psíquico, encontrava
sangue (e só pela cidade.
sangue), não
sensual, gracioso e fácil de sedução, a esperteza. Pode andamum a luz do dia,pelo
têm
ele poderia ser o próxi- ali estivesse. Caiu sobre “Mais levado
ser pronunciado. E “Moon”,
mo,
porquee osou
diaumafatalapaixo-
estava o vômito, começando a ou
agir com a “mão pesada” Canto da Sereia de Bach”,de
muita força e capacidade
com sutileza, dependendo se regenerar de ferimentos.
se
nadaaproximando...
pela lua, adoroNada ficar recobrar a razão e ten- diziam. Contudo, soube-
da situação. Mas também Mas já escrevi contos em
devaneando
disso sob uma lua
o espantou. tando
pode ser afastar-se
sentimental, daquele
frágil, se
quenaoshospedaria
vampiros são que ele
seres
cheia ou ler histórias que prenúncio
enfim, pode da
ter morte.
todas as fra- havia partido durante
microscópicos, por exem- a
Dia vinte
envolvam e oito,
noites “Toca-
de luar – quezas
De da mente
bruços sobrehumana,
a terra, plo. Os clichês
madrugada, ruins
são são
e salvo,
ta e Fuga
além em Ré
de achar Menor”,
a grafia de pois já foram humanos um apenas aqueles que são mal
tudo
“moon” como
muitohaviam dito,os sentiu
legal, com algo prendendo-o
dia. Para o autor, é um per-
após o sinistro concerto.
trabalhados pelo autor.
e“o”s
lá lado a lado,
estava lembrando
Mozart pelo
den-Bugalho
sonagempé. Não
muitoteve cora-
estimulante, No cemitério, ao invés do
Henry Alfred
dois olhos arregalados de
tro do cemitério. Com os gem http://www.lostseed.com/extras/free-graphics/images/jesus-pictures/jesus-crucified.jpg
e issodefazolhar
com que parao ver o
produ- esperado músico morto,
O Rei dos
espanto. Quando lancei o SAMIZDAT — Muitos
olhos fechados, deixava-se que
to daera. E novamente
criação a
tenha grandes foi encontrada apenas
primeiro livro, não havia chances de suplicou:
ficar bom.“Ter-E, autores da nova geração
extasiar
razão para com as compo-
assinar de outra
voz suave uma inscrição com
encantaram-se na terra,
os
para o leitor, é aquele vilão
forma, já
sições deque a maioria
Johann Sebas-dos mine a música”. Fazendo parecida
vampiros com o trecho
por causa dos de
Judeus
(ou vilã) bonitão, sacana
meusBach,
tian leitores
numme estado
conhe- uma desesperada
e malvado que adoramosoração jogos departitura.
alguma RPG, especial-
Desde
cia como “Giulia Moon”. E mental, tateou
odiar. Vilões o solo
assim até
sempre mente “Vampiro: a Más-
então, não se noticiou
de euforia sobrenatural. cara” (publicado no Brasil
assim ficou. Nunca publi- fizeram sucesso,
Subitamente, o som encontrar uma pois pedraadora- mais vítimas do “Canto
quei nada como Sueli,se
pois mos esses contrastes: beleza pela Devir). Você perten-
extinguiu. O jovem
Giulia continua sendo,des-
pelo pontiaguda. Com ela, da
ce aSereia de Bach”.
este grupo ou seu
com maldade, delicadeza
menos para
pertou mim, oemeu
do transe dirigiu começou a desenhar no
com crueldade, e assim por interesse é anterior? Qual
do www.revistasamizdat.com 29
w
gr nl
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oa
is d
Contos
Cirilo S. Lemos
www.revistasamizdat.com 31
eu posso aceitar. Jogar na nos olha nos meus olhos / mundo.
minha cara que não tenho e sorrindo, diz para todo (O seu cabelo está tão
emprego, que vivo às suas mundo / que eu não sei lindo).
custas, que sou um sonha- viver sozinho / justo eu,
O seu câncer é tão se-
dor inveterado, essas coisas que sou um cara interes-
reno / aqui se faz, aqui se
eu até posso agüentar. Mas sado / mas não estou nem
paga, são as regras, pode
dizer que não sou capaz aí / depois do que passei /
ver. (Não está ficando bom,
de escrever uma letra de- decidi que não é tão legal
estou perdendo a inspira-
cente é demais. Deus me ser assim / um conselho:
ção).
fez para a música, querida. veja o que vai de encontro
ao seu orgulho / você não A faca está brilhando
Olhou-me com despre-
me entende, é o que diz / tanto, quase como se cho-
zo, desafiando-me a es-
nem quero entender. rasse. Deve estar com sede,
crever uma canção sobre
meu bem. Será que ela
sua nudez, não devia ter Fico de pé, o ruído
gostaria de mais um pou-
feito isso. A caneta parecia gorgolejante saindo da sua
co de sangue? Sangue seu?
pesar toneladas, a folha boca me dá uma ótima
Estou pensando seriamente
pautada em branco escon- idéia para um pequeno
nisso, mas tenho medo de
dendo o diabo do blo- solo. Apanho o violão e o
machucar você, sabe. Eu te
queio, os acordes que não dedilho suavemente, can-
amo e não quero que doa.
se acertavam e você de- tando para você:
bochando, rindo de mim, Ah, mas eu não con-
Agora sei que faço parte
testando meus limites. Não tei? Sábado passado uma
de algo que importa /
devia ter feito isso, eu sou nuvem me arrastou / fui
quando a única coisa ver-
um astro da música ainda levado para o Himalaia e
dadeira é a dor que sinto
não descoberto, e nós ar- só voltou o que restou /
por você / se pode abrir a
tistas de verdade temos al- foram meus ossos e uma
porta, abra, não me deixe
mas sensíveis e passionais, perna quebrada.
aqui / sei que posso rea-
agimos por impulso. Sem gir, mas é bem mais fácil (Noite passada tive um
pensar, fui em sua dire- assim / não fui eu quem pesadelo: atrás de cada
ção, beijei-a, deitei-a sobre perdeu o compasso / nem porta tinha vinte espelhos
nossa cama e, enquanto sou o cachorro que man- e todos refletiam sobre
a penetrava, espetei seu daram para o espaço. mim).
peito com uma faca. Então
O que é que eu sou? A lâmina da faca é tão
veio a inspiração, jorrando
fria, não é?
em torrentes caudalosas. Não pode duvidar /
que a minha alma já me Agora que sei dos ami-
Com a caneta de volta
perdoou / sou um porco, gos que tenho / fica bem
entre os dedos, arrisco as
mas ao menos sou honesto mais fácil alcançar o pé
primeiras frases.
/ gosto de presunto, mas de vento.
Deixa/nossa casa é não sou canibal / o que Carne macia a faca cor-
tão perto / e o meu futu- me importa se não pode ta que é uma beleza, assim
ro é incerto / mas ainda mais correr? / aqui não pouco acima da coxa. Não
arrisco o meu pescoço só pode mais ficar se minha vou negar que a quanti-
para poder te ver / en- alma já me abandonou / dade de sangue que brota
quanto você nem ao me- somos dois refugos deste
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morta?Vou enrolar você talvez não seja tão ruim. voltar, pode retornar, mas
nesse lençol com cuidado espero que me deixe aqui.
para os vizinhos não acor- Esse é o final – se for, mas
(Eu não tenho vonta-
darem, então te arrasto que triste o fim.
de própria, só uma bateria
para o jardim. Você gosta Sua cova está pronta,
anti-social).
tanto de plantas que acho querida, preparei-a da
que ficaria satisfeita em melhor maneira levando
ser enterrada no meio das Haverá estradas para em conta a falta de fer-
flores, estou certo ou não? perdidos como eu? Vou ramentas apropriadas.
Hein? Fale alguma coisa, chorar lágrimas de sangue Quando tudo mudou entre
querida, está me assus- para você saber que meu nós, precisei me erguer
tando com esse silêncio. amor é sincero, enquanto para superar. Eu te vejo ao
Seu riso impertinente me a terra te absorve. Para te voltar da prisão, mas agora
consumia, abria meu peito, salvar sou eu quem tenho não posso ver mais nada.
me fazia em pedaços, de morrer, e se eu mor- Nem quero sentir seu
onde é que ele está agora? rer vão me esquecer, não coração. Todos os meus
Não fui eu que planejei, quero isso para mim. O gritos mostram todo o
só aconteceu. Inocência, que eu quero é dor indo- meu desejo de te ver aqui.
direi ao senhor delegado, lor para sentir sem mentir, Enquanto o tempo passa
já foi uma virtude. Hoje e viajar sem sair do lugar. sua mortalha improvisada
eu não sei mais o que é. Quero livros escritos por me aquece e me faz pen-
Agulhas não me trazem mim / e queimados por sar se é possível para mim
juventude, estou acorrenta- mim / me deixa queimar. encontrar o céu (é o mes-
do. Com tantos crimes que mo que o inferno, pode ser
Tive outra visão en-
eu cometi, quem vai me frio e congelado). Passarei
quanto vomitava no ba-
perdoar? dormindo um dia infinito
nheiro e lavava seu sangue
Vou ter de encarar do meu rosto: a lua estava para descansar.
aquele abismo que fica sobre mim e me compre- Enquanto jogo os pri-
me olhando tentando me endeu, enquanto as árvores meiros bocados de terra
assustar. Eu nunca, nunca mais altas imploravam sobre seu túmulo carinho-
mesmo, estive tão seguro por atenção. O temporal samente improvisado, evito
assim como hoje. Estou tão por um segundo esteve sujar seus olhos tão belos
feliz. Eu vou saber o que para voltar, mas o vento e amendoados. No fim,
você pensou, vou te fazer o afastou para bem longe só levamos a música que
falar. São tantas as coisas daqui (ah, se eu soubesse ouvimos.
que sonhei, talvez eu rea- o quanto estava equivoca-
lize algumas delas. Mudar do ao pensar isso!). Pode
ficina
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Contos
Fé
José Guilherme Vereza
ajoelhava e levantava a camisa escrita: Bola levantada na área, Zé Batista sobe mais
que o líbero,
Não fui eu, foi Ele.
a bola bate na sua nuca, goleiro vencido,
toca na trave,
Uma tarde, final do campeonato, o zagueiro tira em cima da linha,
o jogo matava a torcida num zero a zero volta na canela do Zé, que chuta por instinto,
eletrizante. meio torto,
Foram nove gols absurdamente perdidos por meio mascado, o goleiro escorrega e sai
Zé Batista. catando a maldita,
Bolas na trave, chutes a gol aberto, pênalti que entra no gol como uma galinha tonta e
para fora, fugidia.
goleiro defendendo com a ponta dos dedos,
bico da chuteira, sustos à queima roupa. Zé Batista em transe salta mais que o pró-
prio corpo,
Zé Batista corria de um lado para o outro na braços e pernas no ar fazendo um xis.
área, E desce já de joelhos, olhos cerrados,
estonteando os zagueiros, procurando a me- dedos apontando para os céus pelo milagre
lhor colocação. alcançado.
Enquanto isso, rezava ofegante e baixinho. E solta a voz:
http://www.flickr.com/photos/7amanito/3039338366/sizes/o/
Nos seus lábios, Pai Nossos, Aves Marias, - PUTA QUE O PARIU, SENHOR!
Salves Rainhas.
É agora, meu Deus, é agora, meus santos,
tem que ser agora, minhas nossas.
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Contos
Avaliações
Léo Borges
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ter ouvido os berros que qual estou nesta sala: por conseguem se ausentar
um lesado qualquer deu julgar sem conhecimento, do teatro em que estão,
quando se deparou com a por avaliar sem critério com que facilidade des-
imensa fraude que é este ou por supor sem neces- prezam responsabilidades
mundo. sidade. Quero abandonar e protocolos. É gostoso
O pequeno Cristo de esse vício silencioso, que cheirar essa omissão, toda
metal, com sua coroa de secretamente me corrói. fantasiada de seriedade,
espinhos, continua ali, Mas, para ser sincero, não e medir até onde nossa
crucificado e preso pelas sei se aqui existe alguém alma pusilânime vai.
costas a uma parede com capaz de deixar de lado Com aquele uniforme
negrumes de bolor, mui- seus sofrimentos mudos decotado ela deve real-
to bem combinada com (um paradoxo no caso do mente estar pensando
o semblante opaco dos que grita) para encarar que é atraente, que pode
que esperam. O que me uma batalha contra seus se desculpar através
incomoda é que ninguém próprios medos. Um bom de uma descompostu-
ainda se impacientou começo nesse sentido se ra cheia de falsa beleza.
com as discrepâncias daria através de um bate- Contudo, três segundos
desta sala mofada, com o boca com a cúmplice de observação bastam
calor absurdo ou a com por toda essa atmosfera para ver que nela tudo é
absurda falta de expli- envenenada: a secretária estranho e maléfico, tudo
cações, com os cacoetes – a maldita intermediá- é rude e descolorido, e
desesperados ou com os ria entre o problema e a que ela traduz bem o que
esperados desrespeitos, solução, entre o calvário essa sala é. Mas sua voz,
com as feiúras naturais e a alegria, entre o Gran- a doce voz das funcioná-
ou com as complacências de Salvador e o inferio- rias dos Grandes Salvado-
neuróticas. Nenhum dos rizado. Ela deve saber res, esta, pelo menos, deve
presentes ainda ques- bem de sua importância prestar.
tionou o tempo perdido para os enfermos, os
porque ninguém, e essa prejudicados, e talvez isso
é a dura verdade, sabe justifique sua posição no – Senhora, por favor,
muito bem o que quer. pedestal da indiferença. não é permitido fumar
Temem o que está por Além de indiferen- aqui dentro.
vir, o modo como virá te, ela é bastante vulgar, Nem isso.
e, principalmente, o que e também feia, mas se
será feito para minimizar mantém séria (juro que
os estragos caso o que não são avaliações, mas
venha, venha de maneira simples constatação). Não
hostil; o que se conhece está nervosa com a aglo-
é apenas a ânsia de que meração no recinto, com
o Grande Salvador (que os seres que chegam e se
nesse caso não é o Pai do escondem atrás de obso-
Cristo galvanizado) surja letas revistas de fofoca, de
trazendo o conforto das celebridades, de moda ou-
respostas certas. tono-inverno. E elas, a fei-
Meus olhos se mexem úra e a vulgaridade (que
e meus pensamentos ali interagem harmonica-
solidificam opiniões. mente), me incomodam,
Vim aqui para ser avalia- mas não a calma e a
do, não para avaliar. Vai indiferença (que também
ver esse é o meu grande se confundem), porque é
defeito, o motivo pelo bom ver como as pessoas
ficina
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Contos
Sempre há
uma verdade....
(Final)
http://guisalla.files.wordpress.com/2008/09/machado1.jpg
bi inteiramente à minha mas me obriguei a ir sua aparente ingenuidade,
sede. Durante o dia, eu adiante. Quando vi uma minha avó recorrera ao
conseguia me controlar, réstia de luz vindo por mais básico dos truques
mas à noite escapava baixo da porta do quar- para se livrar daquilo que
pela janela e vagava sem to de visitas, porém, não eu estava me tornando:
rumo, atacando os gatos e me contive, e empurrei-a atirara água benta em
cachorros que incorriam devagarinho. meu rosto, e agora erguia
no erro de atravessar o na mão um punhado de
Sentada na cama, mi-
meu caminho. Deixava-os cabeças de alho.
nha avó me observava.
vivos, mas atordoados e
Notei seu choque ao ver Recuei, apavorada, mas
exangues, e provavelmen-
o quanto eu estava páli- ela conseguiu de alguma
te não sobreviviam mais
da e transfigurada, mas forma ser mais rápida.
do que um dia ou dois.
ela manteve a calma e o Agarrou-me e, com o
http://www.flickr.com/photos/ooocha/2630360492/sizes/l/
A única barreira que sorriso sereno. alho e a água benta, me
eu ainda mantinha, por fez sair novamente de
— Eu sei pelo que você
enquanto, era a de não casa e ir até a garagem.
está passando, minha
atacar humanos. Eram Depois, obrigou-me a di-
filha — declarou ela, sem
meus iguais, pelo menos rigir horas e horas, até o
alterar o tom de sua voz
ainda em parte, e o hor- lugar em que me encon-
sempre doce. — Aqui na
ror me invadia a cada tro agora: o porão úmido
cidade, todos iriam rir de
vez que eu pensava em e fétido de uma antiga
mim, mas já vi isso acon-
cravar meus dentes no casa de campo.
tecer antes, no interior,
pescoço alvo de alguém.
quando eu era menina. Não posso sair, pois há
Esse horror, no entanto,
alho plantado ao redor
era mesclado com um Ela ficou com o olhar
de toda a casa. A cada
prazer antecipado, um distante, perdida em pen-
dia, ela me traz água e
http://www.flickr.com/photos/drurydrama/3812983655/sizes/o/
43
Contos
Giselle Sato
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pele, mas nada a faria pa- ros, peritos e curiosos que, Torres engoliu o café
rar de correr. Era a segunda a muito custo, conseguiram morno que restava, Bor-
vez que encarava a morte, aproximar-se da cena do ges preferiu o antiácido de
se conseguisse chegar a crime: sempre, o dia mal começava
algum lugar seguro, muda- - Cara, em quase vinte e tinham certeza de que não
ria de vida, prometeu a si e anos, nunca vi nada pareci- haveria hora para terminar.
correu, correu... Sem atinar do. Seis corpos, uma meni-
por onde pisava ou ia, sem na com uma historia pra
conseguir gritar por socorro, - Parceiro, como este ma-
luco conseguiu se mutilar contar e um quebra-cabeça
completamente apavorada e a ser montado. Deixaram o
perdida. deste jeito?
local apinhado de curiosos
Jonas arrancou a faca da - Não sei. Dizem que cheios de suposições, eles
coxa e urrou de ódio, ainda tiram forças de Deus sabe- próprios ainda não tinham
avistou a menina dobrando se lá onde, mas este aí se a ponta da meada e, de
a esquina, mas não podia superou. Ele arrancou o qualquer forma, sabiam que
corrigir seu erro. Não havia próprio pênis, fez um monte não iriam descansar até
perdão, ele sabia o que tinha de talhos no rosto e depois destrinchar todo o enredo.
a fazer, a voz jamais se repe- cortou o abdômen de fora a Eram assim, dois obstinados
tia. Ele sabia que não faria fora. Devia estar muito doi- em apurar a verdade, que
falta a ninguém, há muito a do, se é que estava sozinho... não mediam esforços, o que
família o havia abandonado - O que a gente não tem os tornava um estorvo para
em um sanatório. O Mental que passar por este salário muita gente. Infelizmente,
Superior o encontrou e o de merda? Muito pouco pra de ambos os lados da lei,
tirou de lá, ordenou a exe- aturar estas coisas... Pior que haviam feito amigos e ini-
cução dos hereges e nem a investigação nem começou migos.
os parentes mais distantes e já tem mil especulações. A única certeza: O sen-
haviam sido poupados. Viu as tatuagens? Dizem timento de revolta que os
Jonas apagou seu rastro que é de uma seita satâni- unia contra o massacre
na terra dos homens, mudou ca. Que merda! Odeio estas presenciado. Era preciso
de cidade e só caminhava coisas de religião. resolver a questão, entender
nas sombras. Transformou O delegado Valdeci pas- o que havia acontecido e
as posses dos mortos em sou pelos detetives com seu apresentar os fatos.
dinheiro vivo e sobreviveu sorriso sarcástico de sempre Torres dirigia o carro
com o essencial. Era um à guisa de cumprimento, apressado, mentalmente tra-
servo, limpava as ruas dos fez uma meneio com a çava linhas de conduta do
maus e libertava os poucos cabeça, e caminhou em di- caso, as ruas já não estavam
escolhidos. Mas havia falha- reção a viatura parada. Uma tão vazias, era um domin-
do e seria castigado, puri- mocinha pálida e magrela, go bonito de verão. Borges
ficado em sacrifício para de olhos arregalados e ver- pensou que o tempo esta-
merecer a paz e misericór- melhos, os observava: va perfeito para passeios e
dia. Jonas reviu toda a vida lazer. Algum programa bem
e ensinamentos, os rostos de - Aquela é a sobrevivente.
Pegaram vagando nua pelo família, sentiu saudades dos
suas vítimas rodopiavam à filhos e discou para casa.
sua frente. Alguns tinham as parque há duas quadras
daqui. A única coisa que Nem percebeu que era cedo
bocas abertas, em um grito demais.
mudo e absurdo que apenas contou, foi que quando fu-
ele podia escutar. giu, o assassino ainda estava
vivo. A mídia já começou a
Cinco e quinze da ma- festa, preciso de respostas,
nhã, dois policiais estavam vocês sabem... Ah sim! Bom
parados na esquina de um dia, meninos!
beco sujo. Havia tantos car-
ficina
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Artigo
Joaquim Bispo
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«Por fim conseguiu uma riques) se feriu muito: e Fontes:
subvenção mensal e fir- quebrou a perna a el-rei
mou um pacto ofensivo- (...). Nisto, o cavalo que ia ASALA, Ibn Sahib.
defensivo, o qual logo foi ferido, não podendo mais História dos Almóadas
confirmado por Fernando suster-se, caiu com el-rei in LOPES, David. «O Cid
II. Este comprometeu- sobre a mesma perna, e português: Geraldo Sem-
se, assim, a que quando acabou-lha de quebrar de pavor», Revista Portugue-
tomasse conhecimento todo, de maneira que os sa de História, Tomo 1,
de uma expedição de seus não puderam mais Coimbra, Faculdade de
cristãos dirigindo-se a alevantá-lo nem pô-lo a Letras da Universidade
terra muçulmana, saísse cavalo». de Coimbra, Instituto de
a repeli-los sem perda Capturado com Geral- Estudos Históricos Dr.
de tempo. Talvez pedisse do pelos Leoneses, esteve António de Vasconcelos,
também o rei leonês o Afonso Henriques dois 1940.
auxílio de tropas muçul- meses prisioneiro do rei
manas». de Leão, seu genro, numa GONZÁLEZ GONZÁ-
Em Maio de 1169, situação de extrema LEZ, Júlio. História Gene-
Geraldo atacou Badajoz fragilidade política, mas ral de España y América,
e tomou a cerca, mas a este, cavalheirescamente 29 Tomos, Tomo IV, La
guarnição refugiou-se na apenas terá exigido: «Res- España de Los Cinco
alcáçova. Então Geraldo titui-me o que me tiraste Reinos (1085-1369), 2.ª
pediu ajuda a Afonso e guarda o teu reino». edición, Madrid, Edicio-
Henriques para sitiar a Assim, Afonso Henriques nes RIALP,S. A., 1990.
alcáçova. O perigo era teve que devolver os con-
grande para Leão e para dados galegos de Límia e
os muçulmanos. A notí- Toronho e todas as terras HERCULANO, Alexan-
cia chegou célere a todos. da Extremadura espanho- dre. História de Portugal,
Fernando II enviou uma la, da margem esquerda I, in AMARAL, Diogo
expedição, que chegou a do Guadiana. Ficava as- Freitas do. D. Afonso
tempo de evitar a con- sim desfeita a atracção da Henriques – Biografia,
quista da cidade pelos Galiza e, respeitando esse Amadora, Bertrand, 9.ª
Portugueses. Estes fica- pacto, só restava a Afonso edição, 2000.
ram entre dois fogos: os Henriques avançar para
Almóadas na alcáçova e Sul, através de território
SERRÃO, Joel (dir.).
os Leoneses a cercarem muçulmano, se quisesse
Dicionário de História
a cidade. Os Portugue- aumentar o seu reino.
de Portugal, 6 vols., vol.
ses tentaram escapar a Também Geraldo, cap- II, Porto, Iniciativas Edito-
esta situação melindrosa, turado, teve que devolver riais, reed., 1979.
fugindo precipitadamen- a Fernando II as terras
te, mas um pormenor «da conquista de Leão» e
deitou tudo a perder: «E a Fernando Rodriguez de
aconteceu que o cabo Castro, as terras «caste-
do ferrolho não ficara lhanas» de Montanchez,
bem colhido ao abrir das Trujillo, Santa-Cruz e
portas, e o cavalo, assim Monfrag.
como ia correndo, topou
nele com a ilharga de
guisa, (e D. Afonso Hen-
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permanentemente por mas a curva que desenha substituído pela fotogra-
uma flutuação de formas, o contínuo das pequenas fia.
«o rosto esconde, reen- percepções.» «O que dá A unicidade de um
viando para uma última a ver o retrato é a forma rosto, com as suas pe-
instância “interior”». Qual de uma força: a forma culiaridades de origem
será, então, o modelo invisível, mas extraordi- interna e externa, pode
autêntico? nariamente pregnante, da verter a sua verdade no
A fidelidade à verdade intensidade com que um retrato, mas «o retra-
do referente exige co- rosto nos olha e que o to não é o rosto – é o
piar o modelo invisível. nosso olhar acolhe». «Não nome do rosto». O retrato
«O trabalho do artista se trata já, para o pintor, constrói uma singulari-
consistirá em restituir, de assemelhar, mas do dade paradoxal: dá ao
numa imagem visível, o devir», das forças e inten- rosto uma identidade,
modelo invisível». Por sidades que ele captou e mas descodifica-o para
isso, é preciso uma arte às quais deu forma. além do traduzível. Não
para olhar a superfície O retrato é uma ferra- nos esqueçamos de que
de um rosto e captar o menta apetecida e utili- se trata da representação
invisível ao nível da face. zada pelas personalidades de uma representação.
«Retratar não é, afinal, que gravitam na área do O original, não múltiplo,
representar uma repre- poder ou a isso aspiram. não representação, não
sentação, porque o rosto Ajuda a criar uma sub- existe – a primeira ima-
não é uma imagem, mas jectividade que sirva os gem é já uma multidão.
um complexo de sinais e intentos do retratado. As
de forças em movimento alegorias ou os símbo-
Resenha do ensaio do
que o puxam ora para los a que é associado, os
filósofo José Gil:
fora de si (…) ora para objectos que o rodeiam,
dentro de si, fixando-o assim como toda a or- «O Retrato» in José Gil,
numa figura estática, hu- ganização do quadro, et al, A Arte do Retrato:
mana, ilusoriamente una». induzem a subjectividade Quotidiano e Circunstân-
«A representação, (…) pretendida. cia, Lisboa, FCG – Museu
como cópia da relação Calouste Gulbenkian,
O surgimento da for-
que liga o modelo ori- 1999.
ma abstracta, abolin-
ginário à cópia sensível, do o referente exterior,
não busca a semelhança não serve as funções de
ou a analogia de formas, perpetuação de memó-
mas o lugar topológico ria da singularidade do
da génese da semelhan- homem, nem as funções
ça». O alvo que o pintor de engrandecimento e
aspira atingir não é «o legitimação do homem
conjunto de sinais ex- de poder. A arte abstracta
pressivos visíveis, nem o matou o retrato, que foi
fundo informe invisível,
http://purl.pt/5610/1/e-405-v_JPG/e-405-v_JPG_24-C-R0072/e-405-v_0001_1_p24-C-R0072.jpg
Leandro da Silva
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Poesia
+ 2 Tantos
Ju Blasina
Os meus sapatos
E no compasso sigo em frente
Caminho sobre princípios
Meu tortuoso caminho
Procurando neles um fim
Pisando sobre princípios
Um algo que renove
Que ora me levam, ora me atrasam
Meus meios, meus anseios
Mas que nunca me deixam descalço
Meus saltos, já gastos
No mesmo espelho
Vendo o tempo
Que me marca
Que me embala
E leva, aos poucos
Até a dúvida
Transformada
Quem é esta?
Quem sou eu?
E num reflexo nu
Vejo a resposta
Os olhos: amostra
Porque eu.
http://www.flickr.com/photos/natalialove/2893070159/sizes/o/
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Poesia
58
58 SAMIZDAT maio
junhode
de2010
2010
http://www.flickr.com/photos/kiuko/2971201940/sizes/o/
o despertar de uma mulher
é uma melodia serena
feito um balanço no parque
lá e cá, deslizando no ar
um movimento leve e paciente
cadenciado, contra o qual insurgem
lapsos de descompasso
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Poesia
CASA DE PLATÃO
Wellington Souza
Ecôo
até desfalecer no sono urbano.
Desperto
velho – sozinho
durante um infarto no miocárdio:
obstruíram minha gruta
seca.
Talvez, agora, vazia.
http://www.flickr.com/photos/maubrowncow/565391508/sizes/o/
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SOBRE OS AUTORES DA
SAMIZDAT
Edição, diagramação e capa
Revisão
Maria de Fátima Brisola Romani
Nasceu em SP em 1957 mas mudou-se para Salvador
em 1984 onde reside até hoje. É arquiteta e artista plás-
tica, além de tradutora (inglês e italiano) e revisora de
textos. Escreve poesias esporadicamente desde adoles-
cente e há cerca de um ano começou a escrever contos.
Pretende concorrer ao mestrado em Artes Cênicas na
Escola de Teatro da Ufba.
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62 SAMIZDAT junho de 2010
Colaboração
http://www.photoshoptalent.com/images/contests/spider%20web/fullsize/sourceimage.jpg
Maria de Fátima Santos
Nasceu em Lagos, Algarve, Portugla em 1948. Vi-
veu a adolescência em Angola e reside em Lagos.
Licenciada em Física, é aposentada de professora do
Ensino Secundário. Já participou na SAMIZDAT e por
afazeres de vida afastou-se. Tem poemas em diversas
antologias, e publicou em Janeiro de 2009 um livri-
nho com pequenas histórias, aquelas que lhe voam
no teclado: Papoilas de Janeiro é o título, com ilus-
trações de TCA do blogue http://abstractoconcreto.
blogspot.com/ Muito material está publicado nos
blogues e www.intervalos.blogspot.com e http://tris-
teabsurda.blogspot.com/ Escreve pelo gosto de deixar
que as palavras vão fazendo vida. Escreve pelo gozo.
Maristela Deves
Gaúcha nascida na pequena cidade de Pirapó, co-
meçou a sonhar em ser escritora tão logo aprendeu
a ler. Escreve principalmente nos contos nos gêneros
mistério, suspense e terror, além de crônicas. Man-
tém ainda o blog Palavra Escrita, sobre livros e litera-
tura (www.pioneiro.com/palavraescrita).
Léo Borges
Nasceu em setembro de 1974, é carioca, servidor
público e amante da literatura. Formado em Comu-
nicação Social pela FACHA - Faculdades Integradas
Hélio Alonso, participou da antologia de crônicas
“Retratos Urbanos” em 2008 pela Editora Andross.
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Giselle Sato
Autora de Meninas Malvadas, A Pequena Baila-
rina e Contos de Terror Selecionados. Se autodefine
apenas como uma contadora de histórias carioca.
Estudou Belas Artes, Psicologia e foi comissária de
bordo. Gosta de retratar a realidade, dedicando-se
a textos fortes que chegam a chocar pelos detalhes,
funcionando como um eficiente panorama da socie-
dade em que vivemos.
Jú Blasina
Gaúcha de Porto Alegre. Não gosta de mensurar
a vida em números (idade, peso, altura, salário). Não
se julga muito sã e coleciona papéis - alguns afir-
mam que é bióloga, mestre em fisiologia animal e
etc, mas ela os nega dizendo-se escritora e ponto fi-
nal. Disso não resta dúvida, mas como nem sempre
uma palavra sincera basta, voltou à faculdade como
estudante de letras, de onde obterá mais papéis para
aumentar a sua pilha. É cronista do Caderno Mulher
(Jornal Agora - Rio Grande - RS), mantém atualiza-
do seu blog “P+ 2 T” e participa de fóruns e oficinas
virtuais, além de projetos secretos sustentados à base
de chocolate e vinho, nas madrugadas da vida.
Leandro da Silva
Pampeano, gaúcho das tecnologias “rústicas” dos
ancestrais indígenas. Estudante de espanhol. Escreve
para complementar a realidade, crendo que todos
podem escrever e, que isso não é profissão e sim,
humanização. Relacionando sociedade, ideologia e
memória coletiva, principalmente. Sobre o pampa,
literatura de ficção científica e africanismo, unindo-
os ou não,.
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64 SAMIZDAT junho de 2010
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Joaquim Bispo
Ex-técnico de televisão, xadrezista e pintor ama-
dor, licenciado recente em História da Arte, experi-
menta agora o prazer da escrita, em Lisboa.
episcopum@hotmail.com
Caio Rudá
Bahiano do interior, hoje mora na capital. Estuda
Psicologia na Universidade Federal da Bahia e espera
um dia entender o ser humano. Enquanto isso não
acontece, vai escrevendo a vida, decodificando o enig-
ma da existência. Não tem livro publicado, prêmio,
reconhecimento e sequer duas décadas de vida. Mas
como consolo, um potencial asseverado pela mãe.
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Ana Cristina Rodrigues
Historiadora e escritora lusocarioca, fascinada
pela exploração de novos mundos: seja no passa-
do, no futuro ou em tempos que ainda não existi-
ram. Uma contista que se esforça arduamente para
tornar-se romancista um dia, além disso coordena
antologias, comunidades e coletivos de escritores.
Publicou contos em vários zines e antologias no Bra-
sil e no exterior, além do livro ‘AnaCrônicas’, uma
coletânea de contos curtos.
Wellington Souza
Paulistano, mas morou também em Ribeirão
Preto, onde cursou economia na Universidade de São
Paulo. Hoje, reside novamente no bairro em que nas-
ceu. Participou das antologias do concurso Nacional
de Contos da Cidade de Porto Seguro e do Poetas
de Gaveta/USP. Escreve poemas, contos, crônicas e
ensaios literáios em um blog (Hiper-link), na revista
digital SAMIZDAT e no portal Sociedade Literária.
“Escrever é um modo de ser outro ser”.
Cirilo S. Lemos
Nasceu em Nova Iguaçu, Baixada Fluminense,
em 1982, nove anos antes do antológico Ten, do
Pearl Jam. Foi ajudante de marceneiro, de pedreiro,
de sorveteiro, de marmorista e mais um monte de
coisas. Fritou hambúrgueres, vendeu flores, criou
peixes briguentos. Chorou pela avó, chorou por seus
cachorros. Então cansou dessa vida e foi estudar
História. Desde então se dedica a escrever, trabalhar
como voluntário numa escola municipal e fazer feliz
a moça ingênua que aceitou ser mãe dos seus filhos.
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66 SAMIZDAT junho de 2010
O lugar onde
a boa Literatura
é fabricada
http://www.flickr.com/photos/32912172@N00/2959583359/sizes/o/
ficina
www.revistasamizdat.com 67
www.oficinaeditora.com
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