Sunteți pe pagina 1din 11

Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

Processo: 07P4640
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SANTOS CARVALHO
Descritores: OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA AGRAVADA PELO
RESULTADO
OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA SIMPLES
PARTICIPAÇÃO EM RIXA
NEXO DE CAUSALIDADE
FALTA DE DISCRIMINAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS
INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO
VÍCIOS DA SENTENÇA
Nº do Documento: SJ200801100046405
Data do Acordão: 10-01-2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: RECURSO PARA NOVO JULG.
Sumário :

I - A ausência de um nexo de causalidade entre as ofensas à integridade física


praticadas pelo arguido e as lesões corporais encontradas na vítima é um
pressuposto da qualificação jurídica que o tribunal de 1ª instância fez, pois,
sabendo-se que houve agressões (não concretamente apuradas) daquele no
corpo desta, só pela ignorância do nexo de causalidade o tribunal recorrido
poderia ter imputado ao arguido a prática de um crime de ofensas à
integridade física simples, p. e p. no art.º 143.º, n.ºs 1 e 3, do CP.
II – Por isso, o tribunal recorrido devia ter considerado como provado ou
como não provado se entre as agressões do arguido à vítima e as lesões que
esta apresentava existe um nexo de causalidade.
III - E, no caso afirmativo, se o arguido agiu com negligência no que respeita
à previsibilidade do resultado “morte”, isto é, se o representou como possível
face à sua provada conduta, mas com ele não se conformou [se o resultado
fosse desejado pelo arguido, ainda que a título de dolo eventual, o crime seria
o de homicídio e não o preterintencional de que estava acusado].
IV - Mas, ainda que não venha a ser possível provar um nexo de causalidade
entre as agressões do arguido e as lesões sofridas pela vítima, tal nexo de
causalidade pode, todavia, verificar-se entre a “contenda, com agressões
físicas entre vários dos clientes que se encontravam naquele
estabelecimento” (facto n.º 3) e as ditas lesões, caso em que, estando
demonstrado que o arguido participou activamente nessa “contenda” e que,
inclusivamente, também agrediu a vítima, poderíamos estar perante os factos
constitutivos do crime de participação em rixa, p. e p. no art.º 151.º, n.º 1, do
C. Penal.
V - Ao não ter esclarecido estes pontos de facto o tribunal recorrido incorreu
em insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, vício referido na
al. a), do n.º 2 do art.º 410.º do CPP e que resulta da simples leitura da
sentença, pelo que é de reenviar o processo para novo julgamento, embora
restrito ao apuramento de tais pontos.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

1. A e B foram julgados pelas Varas de Competência Mistas de Setúbal no


âmbito do processo comum n.º 878/02.3TASTB, por lhes vir imputada a
prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa
à integridade física qualificada, agravada pelo resultado, p. e p. pelas
disposições conjugadas dos art.ºs 143.°, n.º 1, 144.°, alínea d), 145.°, n.º 1,
alínea b) e 146.º, n.ºs 1 e 2, com referência ao art.º 132.°, n.º 2, al. a), todos do
Código Penal. Por acórdão de 18 de Abril de 2007, foram ambos absolvidos
do crime que lhes era imputado e, quanto ao arguido A foi ainda declarado
extinto o procedimento criminal pela prática de um crime de ofensa à
integridade física simples, p. e p. no art.º 143.º, n.ºs 1 e 3, do CP, atento o
disposto nos art.ºs 113.º e 115.º do mesmo Código e 48.º e 49.º do CPP.

2. Inconformado, recorre o Ministério Público para o Supremo Tribunal de


Justiça e, após motivação, conclui do seguinte modo (transcrição):
1- O presente recurso restringe-se à apreciação da matéria de direito.
2- Desde logo, se discorda da subsunção legal a um crime de natureza semi-
pública (dependente de queixa), antes se configurando um crime
preterintencional de natureza pública, sendo certo que, é nula a decisão, por
omissão de pronúncia e, falta de fundamentação, quanto ao dolo do
resultado.
3- Na verdade, a "Motivação" da matéria de facto é omissa, limitando-se o
"Direito" afastar a subsunção legal em causa.
4- Na verdade, ambos os arguidos se encontravam acusados da prática, em
co-autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à
integridade física qualificada, agravada pelo resultado, p. e p. pelas
disposições conjugadas dos art.ºs 143°, n.º 1, 144°, al. d), 145° n.º 1, al. b) e
146° n.ºs 1 e 2, com referência ao art.º 132° n.º 2, al. d), todos do Código
Penal.
5- Deu-se apenas como provado que o arguido A agiu com dolo
relativamente ao crime de ofensas à integridade física simples.
6- Mas, decorre também do relatório de autópsia (fls. 22 e ss.) que, a causa
da morte ocorreu por laceração do mesentério e resultaram de traumatismo
de natureza contundente no abdómen onde se alojam órgãos vitais, sendo que
as lesões produzidas são idóneas a produzir a morte.
7- Assim, face às conclusões do relatório de autópsia, o resultado/dano das
agressões à vítima sempre se teriam de equacionar, em termos de dolo ou
negligência, para além do dolo relativo ao crime de ofensas à integridade
física simples, ou seja, sempre se teria de fundamentar em termos de dolo, o
que tem sido entendido na doutrina e jurisprudência como um crime
preterintencional (vide, entre outros, os Acs. do STJ, de 07/03/90- P° n.º
040612, in WWW.DGSI.PT) e do TRP, de 07/10/92- P° n.º 9240314 in
WWW.DGSI.PT).
8- E, assim, mesmo a entender-se que apenas foram provadas ofensas simples
à integridade física sempre se teria de fundamentar, em termos de dolo: Ou a
sua subsunção ao art.º 145° n.º 1, al. a) do Código Penal - ofensas corporais
simples de que resulta a morte, ou a sua subsunção ao art.º 145° n.º 2 do
Código Penal - ofensas corporais simples de que resultam lesões graves
(designadamente, a prevista na al. d) do art.º 144° do Código Penal -
provocar perigo para a vida).
9- E, qualquer destas disposições legais têm natureza pública vide Ac. do
TRP, de 16/01/02- P° n.º 0141092 in WWW.DGSI.PT).
10- Assim, não poderia o Tribunal Colectivo ter sustado a apreciação dos
factos apenas como argumento de que estava só em causa um crime de que
dependia de queixa!
11- Assim, ainda que se entenda que a prova se confina às ofensas corporais
simples, verifica-se a nulidade da decisão recorrida, por falta de
fundamentação da decisão e, por omissão de pronúncia quanto ao dolo do
resultado (o que constitui motivo de recurso, nos termos dos art.ºs 379° n.ºs
1, al. c) e, 2 e, 410° n.º 3 do Código de Processo Penal).
12- Pelo que, se impõe a revogação da decisão em causa, com nova decisão
em conformidade, ou repetição do julgamento para cabal apuramento dos
factos omissos.
13- Foram, assim, violadas, entre o mais, as disposições previstas nos art.ºs
143°, n.º 1, 144°, al. d), 145° n.ºs 1, al. a) e 2 designadamente com referência
à al. d) do art.º 144° do Código Penal.

3. Os arguidos não responderam ao recurso e a Excm.ª P.G.A. neste Supremo


requereu a audiência.
O relator, porém, entendeu que se verifica uma insuficiência da matéria de
facto para a decisão, por não se ter apurado se há ou não nexo de causalidade
entre as agressões perpetradas pelo arguido A e as lesões que causaram a
morte à vítima, o que constitui o vício previsto na al. a) do n.º 2 do art.º 410.º
do CPP e, assim, por não ser possível decidir da causa, há que reenviar o
processo para novo julgamento parcial, relativamente a esse arguido, pois em
relação ao co-arguido deve considerar-se transitada a absolvição, por não ter o
recorrente impugnado a matéria de facto provada. Assim, mandou os autos à
conferência.

4. Colhidos os vistos e realizada a conferência com o formalismo legal,


cumpre decidir.

MATÉRIA DE FACTO
FACTOS PROVADOS
1- A hora não concretamente apurada, na noite de 17 para 18 de Maio de
2002, os arguidos A e B encontravam-se no Snack-Bar "Alternativa", sito na
Rua ................, em Setúbal.
2- Nesse estabelecimento, para além de outros clientes, encontravam-se C
acompanhado de um outro indivíduo de nacionalidade brasileira.
3- A dada altura, por razões não apuradas, verificou-se uma contenda, com
agressões físicas entre vários dos clientes que se encontravam naquele
estabelecimento.
4- Nessa sequência o arguido A colocou as mãos no peito do C e empurrou-o.
5- Entretanto, o C saiu do bar e dirigiu-se à sua residência, que dista poucos
metros do local, sita na Rua do .........
6- O arguido A encaminhou-se na direcção de C, logrando alcançá-lo já no
exterior do estabelecimento, tendo-se agarrado e agredido mutuamente, de
forma não apurada, até que foram separados por D.
7- No momento em que foram separados, o C encontrava-se no chão, de
joelhos, agarrado à cintura do arguido A, com as costas encostadas a uma
viatura automóvel estacionada a poucos metros da porta da sua residência.
8- C deslocou-se de seguida para a sua residência, sita na Rua do .........,
cerca das 00h52m do dia 18 de Maio de 2002.
9- C foi encontrado já cadáver, na sua residência na manhã do dia 19 de
Maio de 2002, apresentando o seu corpo as seguintes lesões:
- equimose de cor roxa ocupando a pálpebra superior do olho esquerdo;
- ferida contusa situada no supracílio esquerdo medindo 4 cm;
- duas escoriações situadas na face anterior do joelho esquerdo medindo,
cada uma delas, 1 cm;
- laceração do mesentério, infiltração hemorrágica do mesentério;
- hemoperitoneu que originou hemorragia interna com derramamento de
3000 cc de sangue para a cavidade peritoneal;
- peritonite; e
- edema cerebral acentuado.
10- As quais foram causa directa e necessária da morte do mesmo, ocorrida
no dia 19 de Maio de 2002.
11- O arguido A agiu livre, voluntária e conscientemente, com o propósito de,
com as actuações descritas, molestar fisicamente C.
12- Sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Mais se provou relativamente à personalidade e condições sociais/pessoais
dos arguidos:
13- O arguido A:
a) Em 29.05.2003 foi condenado na pena de oitenta dias de multa à taxa
diária de três euros, no âmbito do proc.° nº 134/02.7PTSTB-2° Juízo
Criminal do Tribunal da Comarca de Setúbal, pela prática de um crime de
condução sem habilitação legal, praticados em 28.02.2002.
b) Em 14.06.2005 foi condenado na pena de 9 meses de prisão, suspensa por
dois anos, no âmbito do proc.° nº 1516/03.2TASTB, da Vara de Competência
Mista do Tribunal da Comarca de Setúbal, pela prática de um crime de
ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art.º 143° do Código Penal,
praticado em 31.10.2003.
c) Completou o 5° ano de escolaridade, tendo tirado um curso de formação
profissional em construção civil no C.E.F.P de Évora
d) Trabalha na construção civil, como carpinteiro de cofragens, auferindo
mensalmente cerca de € 650,00.
e) Vive com a mulher e a filha de ambos, de 2 anos, em casa arrendada.
14- O arguido B:
a) Em 01.07.2004 foi condenado na pena de cinquenta dias de multa à taxa
diária de três euros, no âmbito do proc.° nº 117/04.2PTSTB-3° Juízo
Criminal do Tribunal da Comarca de Setúbal, pela prática de um crime de
condução sem habilitação legal, praticados em 16.06.2004.
b) Completou o 5° ano de escolaridade.
c) Trabalha na construção civil, auferindo mensalmente cerca de €700,00.
d) Vive sozinho em casa arrendada, pagando cerca de 0200,00 de renda
mensal.
e) Envia para o filho e para a mãe, que se encontram em Angola, cerca de €
150,00 mensais.

FACTOS NÃO PROVADOS (substituindo-se os números por letras)


A- A hora não concretamente apurada, mas situada entre as 23
horas e 30 minutos do dia 17 de Maio de 2002 e a 1 hora e 30
minutos do dia 18 de Maio de 2002, E acompanhou o arguido A, seu
companheiro, quando este se deslocou ao Snack-Bar "Alternativa",
sito na Rua ................, em Setúbal.
B- O arguido A calçava, então, botas de biqueira em aço.
C- Já no interior do estabelecimento, o arguido A e E começaram a
dançar ao som da música que tocava.
D- A dada altura, F dirigiu-se ao arguido A e perguntou-lhe se
podia dançar com E, ao que este respondeu negativamente.
E- Após ter observado tal situação, o arguido B aproximou-se de F
indagando-lhe se não tinha vergonha de ter convidado a mulher de
outrem para dançar, iniciando-se então uma discussão verbal entre
ambos, seguida de empurrões mútuos.
F- Nessa altura, o arguido A interveio, agarrando os cabelos do F.
G- Seguidamente, arremessou-lhe um banco de metal que ali se
encontrava, atingindo-o nas costas e projectando-o, desse modo, na
direcção de uma máquina de tabaco, onde o mesmo acabou por
embater, caindo no solo.
H- Continuando o arguido A a desferir pontapés e socos no corpo
de F.
I- Ao mesmo tempo que proferia as seguintes expressões dirigidas
ao F "Eu mate-te, filho da puta. Não te metes com o meu amigo
black".
J- Por sua vez, ao verificar que C se aproximava em auxílio do F, o
arguido B pegou numa garrafa de vidro que ali se encontrava e, com
tal objecto, vibrou um golpe na face de C, atingindo-o na pálpebra
superior do olho esquerdo.
K- O arguido B colocou as mãos no peito do C e empurrou-o,
fazendo-o cair no solo.
L- Logo de seguida, e de súbito, o arguido B desferiu um pontapé no
abdómen e vários outros nas pernas do C.
M- Entretanto, o arguido A - que se havia libertado de F -
encaminhou-se na direcção de C, que já se encontrava nas rua,
logrando alcançá-lo e acto contínuo, agarrou-o pelo pescoço.
N- De imediato, afastou-se ligeiramente do corpo do Ce desferiu-
lhe um pontapé no abdómen, provocando o desequilíbrio deste, que
acabou por embater com a cabeça no degrau (em pedra) ali
existente.
O- Com o C prostrado no solo - rogando que lhe abrissem a porta -
e incapaz de reagir, o arguido A desferiu-lhe sucessivamente,
vários pontapés no abdómen e nas pernas.
P- Seguidamente, o arguido A pegou na cabeça de C e embateu-a,
várias vezes, na ombreira (em pedra) da porta, não obstante os
insistentes apelos dos populares que acorreram ao local e que, aos
gritos, pediam ao arguido que parasse.
Q- O arguido A só não prosseguiu a sua conduta, porque,
entretanto, foi agarrado por alguns dos aludidos populares.
R- Não obstante, o arguido virou-se, ainda, para os presentes e
disse: "Pronto. Não bato em mais ninguém", após o que regressou ao
interior do estabelecimento, onde bebeu uma cerveja e se gabou do
comportamento que acabara de adoptar.
S- Com tais actuações, os arguidos provocaram as lesões
apresentadas pelo corpo de C, quando este foi encontrado já
cadáver, no dia 19.05.2002, nomeadamente:
- equimose de cor roxa ocupando a pálpebra superior do olho
esquerdo;
- ferida contusa situada no supracílio esquerdo medindo 4 cm;
- duas escoriações situadas na face anterior do joelho esquerdo
medindo, cada uma delas, 1 em;
- laceração do mesentério, infiltração hemorrágica do mesentério;
- hemoperitoneu que originou hemorragia interna com
derramamento de 3000 cc de sangue para a cavidade peritoneal;
- peritonite; e
- edema cerebral acentuado.
T- O arguido A foi praticante de artes marciais e prestou serviço
militar nos Comandos.
U- O arguido B, prestou serviço militar em Angola, igualmente, nos
Comandos.
V- Ambos os arguidos receberam, assim, formação específica na
luta corpo a corpo, conhecendo as tácticas para dominar um
qualquer oponente, nomeadamente, aplicando golpes - que podem
revelar-se letais - em zonas particularmente vulneráveis do corpo
humano.
X- O arguido B agiu livre, voluntária e conscientemente, com o
propósito de molestar fisicamente C, bem como lhe provocar
ferimentos nas apontadas zonas do corpo, objectivos que logrou
alcançar.
Y- O arguido A agiu livre, voluntária e conscientemente, com o
propósito de provocar ferimentos nas apontadas zonas do corpo de
C, objectivo que logrou alcançar.
W- Representando, ambos os arguidos, como possível resultado das
suas condutas que poderiam atingir órgãos vitais e, desse modo,
colocar em perigo a vida de C, como sucedeu, no entanto, actuaram
sem se conformar com esse resultado.

TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO NO QUE RESPEITA AO


ARGUIDO B

O Ministério Público, na qualidade de recorrente, optou por não impugnar a


matéria de facto provada e por não invocar qualquer dos vícios a que se
reporta o art.º 410.º, n.º 2, do CPP.
Apenas questiona a matéria de direito, já que invoca a nulidade da decisão
recorrida por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia no que
respeita à existência de dolo ou de negligência na produção do resultado
“morte”.
Efectivamente, diz, apenas se deu como provado que o arguido A agiu com
dolo relativamente ao crime de ofensas à integridade física simples. Mas, face
às conclusões do relatório de autópsia, sempre se teria de equacionar se houve
dolo ou negligência do agente na produção do resultado dessas agressões, ou
seja, haveria que apurar se ocorreu o chamado crime preterintencional, ou o
de ofensas corporais simples de que resultou a morte, ou o de ofensas
corporais simples de que resultaram lesões graves (art.ºs 145° n.º 1, al. a) ou
145° n.º 2, em conjugação com a al. d) do art.º 144°, todos do Código Penal).
E tal apuramento não foi feito pelo tribunal recorrido e, por isso, há falta de
fundamentação e omissão de pronúncia.
Ora, desta maneira de colocar o recurso, há que retirar desde logo uma ilação,
que é a do trânsito em julgado da absolvição do arguido B. Na verdade, ainda
que o recurso venha a proceder, não pode a decisão do STJ ou a futura decisão
do tribunal da 1ª instância (após eventual anulação ou reenvio da decisão
recorrida) afectar o arguido B, pois, por um lado, o recurso não se dirige à
modificação da matéria de facto e não se provou que este arguido ofendeu a
integridade física da vítima, por outro, a alegada falta de fundamentação e
omissão de pronúncia reportam-se ao elemento subjectivo do acto praticado
pelo agressor, isto é, pelo co-arguido A.
Deste modo, há que considerar transitada em julgado a decisão recorrida
quanto ao arguido B, que se encontra assim definitivamente absolvido,
ainda que proceda total ou parcialmente o recurso, pois os efeitos deste
apenas se podem repercutir no co-arguido, atenta a proibição de
“reformatio in pejus” (art.º 409.º, n.º 1, do CPP).

INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO


PROVADA

A tese do recorrente, já sumariamente exposta, pressupõe a existência de um


nexo de causalidade entre as ofensas à integridade física cometida pelo
arguido A e as lesões que o relatório de autópsia descreveu e que lhe
provocaram a morte.
Na verdade, os crimes que, segundo o recorrente, deviam ter sido objecto de
fundamentação e de apreciação pelo tribunal recorrido - os de ofensas
corporais simples de que resultou a morte ou o de ofensas corporais simples
de que resultaram lesões graves - são crimes de resultado, pois no primeiro
caso é a morte da vítima o resultado do crime, no segundo o resultado são as
lesões graves.
“Estamos perante um delito qualificado pelo resultado por uma especial
combinação de dolo e negligência (crime preterintencional). O delito
fundamental doloso {aqui a lesão da integridade física) é por si só susceptível
de punição, no entanto a pena é substancialmente elevada com base numa
especial censurabilidade do agente, uma vez que o perigo específico que
envolve esse comportamento se concretiza num resultado agravante
negligente (morte ou lesão da integridade física grave) (...) É claro que a
morte ou a ofensa à integridade física grave deverão ser expressão de um
perigo específico que o comportamento do agente envolve (e aqui,
conjuntamente com a especial censurabilidade; cfr. infra § 9; Figueiredo
Dias, Responsabilidade cit. 135, fala numa "previsibilidade subjectivamente
possível"). Todavia, por imposição da própria letra do art. 145°, da sua
estrutura e do próprio processo típico do crime em análise, deve esse perigo
específico estar directamente relacionado com o crime fundamental doloso
(que apresenta uma determinada natureza e que por isso anda associado a
efeitos de determinado tipo), não se podendo responsabilizar o agente por
consequências imprevisíveis ou anormais que não se relacionem com o
mesmo crime. Ter-se-á que afirmar uma relação de adequação entre a acção
fundamental dolosa e o evento agravante; com o que se entra no plano da
imputação de determinado resultado à conduta do agente” - “Comentário
Conimbricense”, I, 240 e 242.

Pelo contrário, a fundamentação do acórdão recorrido só é válida se não


estiver demonstrado um nexo de causalidade entre as agressões recíprocas do
arguido A e da vítima, que ocorreram cerca das 00 h e 52 m do dia 18 de
Maio de 2002 “de forma não apurada” e as lesões encontradas no cadáver da
vítima.
Recorde-se que a vítima foi encontrada, já falecida, na manhã de 19 de Maio
de 2002 e apresentava equimose de cor roxa ocupando a pálpebra superior do
olho esquerdo, ferida contusa situada no supracílio esquerdo medindo 4 cm,
duas escoriações situadas na face anterior do joelho esquerdo medindo, cada
uma delas, 1 cm, laceração do mesentério, infiltração hemorrágica do
mesentério, hemoperitoneu que originou hemorragia interna com
derramamento de 3000 cc de sangue para a cavidade peritoneal, peritonite e
edema cerebral acentuado, as quais foram causa directa e necessária da morte
do mesmo, ocorrida no dia 19 de Maio de 2002.
A ausência de um nexo de causalidade entre as ofensas à integridade física
praticadas pelo arguido A e as lesões corporais encontradas na vítima é um
pressuposto da qualificação jurídica que o tribunal de 1ª instância fez, pois,
sabendo-se que houve agressões daquele no corpo desta, mas ignorando-se
que lesões físicas foram causadas, o tribunal recorrido imputou a tal arguido a
prática de um crime de ofensas à integridade física simples, p. e p. no art.º
143.º, n.ºs 1 e 3, do CP. Todavia, atento o disposto nos art.ºs 113.º e 115.º do
mesmo Código e 48.º e 49.º do CPP, o tribunal recorrido declarou o
procedimento criminal extinto, por ausência do exercício atempado do direito
de queixa.

Disse o tribunal recorrido, na parte que importa:

“Atenta a factualidade apurada em audiência, verifica-se que não se


provou que o arguido B tenha de alguma forma ofendido o corpo ou a
saúde da vítima, razão pela qual o mesmo terá que ser absolvido da
imputação que lhe foi feita nestes autos.
Já quanto ao arguido A a sua conduta preenche o tipo previsto no art.º
143° nº 1 do Código Penal, visto que se provou que empurrou a vítima
e que ambos se agarraram e agrediram, de forma não apurada.
No entanto, não se provaram factos que permitam considerar que as
ofensas praticadas pelo arguido A provocaram perigo para a vida de C
e que tenham causado as lesões de que resultou a morte deste, nos
termos dos art.ºs 144° al. d) e 145° do Código Penal.
De acordo com o nº 2 do art.º. 146°, do Código Penal, as
circunstâncias previstas no art.º. 132°, nº 2, deste Código, são
susceptíveis de revelar uma especial censurabilidade ou perversidade
do agente. Todas as circunstâncias referidas no art.º. 132°, nº 2 são
relativas à culpa, sendo a gravidade dessa culpa que justifica a
agravação referida no nº 1 do art.º. 146°, do Código Penal.
Para o art.º. 132°, nº 2, alínea d), do Código Penal, é susceptível de
revelar especial censurabilidade ou perversidade do agente a
circunstância do agente praticar o facto por qualquer motivo torpe ou
fútil.
No entanto não existem factos que permitam concluir que a conduta
do arguido revela especial censurabilidade ou perversidade de modo
a que se possa concluir pela verificação de ofensa à integridade física
qualificada, desconhecendo-se os motivos que estiveram na origem
das agressões.
Desta forma, a conduta do arguido A apenas é susceptível de ser
enquadrada na prática de um crime de ofensa à integridade física
simples, p. e p. pelo art. 143° n.º 1 do Código Penal.
Acontece que, o nº 2 daquela disposição legal estabelece que o
procedimento criminal depende de queixa. De acordo com o art. 49°
n.º 1 do Código de Processo Penal, quando o procedimento criminal
dependa de queixa é necessário que o titular do direito de queixa dê
conhecimento do facto ao Ministério Público, para que este tenha
legitimidade para promover o processo.
O art.º 113° do Código Penal estabelece quem são os titulares do
direito de queixa.
Quando o procedimento criminal depender de queixa, como é o caso
do crime de ofensa à integridade física simples, tem legitimidade para
apresentá-la o ofendido, ou seja, aquele que viu a sua integridade
física violada, sendo que nos presentes autos este não o fez, tendo
falecido dois dias depois das agressões.
Tendo falecido o ofendido, sem ter apresentado queixa, esta deveria
ter sido apresentada por um dos seus familiares, indicados no nº 2 do
art.º 113° do Código Penal, o que não veio a acontecer, apesar de
estes terem tido conhecimento dos factos há mais de 6 meses,
conforme resulta de fls. 181, 182, 184 e 185.
No caso dos autos a queixa não foi apresentada por quem tinha
legitimidade para apresentá-la, sendo que, decorridos mais de seis
meses sobre a data dos factos, está extinto o direito de queixa, nos
termos do art. 115° nº 1 do Código Penal.
Pelo exposto, decide-se declarar extinto o procedimento criminal pelo
crime p. e p. pelo art.º. 143° nº 1 do Código Penal, por cuja prática o
arguido A poderia ser responsabilizado.”

Verifica-se, contudo, pelo acervo dos factos provados e dos não provados que
o Supremo Tribunal de Justiça não pode decidir se assiste razão ao tribunal
recorrido ou ao recorrente.
Com efeito, do acervo dos factos provados não consta um nexo de causalidade
entre as agressões praticadas pelo arguido A (facto provado n.º 6) e as lesões
encontradas na vítima (facto provado n.º 9), o que aparenta ser um suporte
fáctico suficiente da decisão recorrida.
Mas, também do conjunto dos factos não provados não se indica que não está
provado que haja tal nexo de causalidade, o que, de algum modo, não exclui
que ao recorrente possa assistir certa dose de razão.
Na realidade, nos factos não provados indica-se como não provado no ponto S
que “Com tais actuações, os arguidos provocaram as lesões
apresentadas pelo corpo de C, quando este foi encontrado já
cadáver, no dia 19.05.2002...”.
Mas, se com tais actuações [descritas como não provadas nos pontos J a R]
não se provou que se produziram as lesões na vítima, não impede que as
lesões tenham sido uma consequência das agressões provadas no n.º 6, onde
se diz que “O arguido A encaminhou-se na direcção de C, logrando alcançá-
lo já no exterior do estabelecimento, tendo-se agarrado e agredido
mutuamente, de forma não apurada, até que foram separados por D”.
O facto de não estarem apuradas que agressões foram as que vêm referidas no
ponto 6 da matéria de facto provada não exclui que se possa relacioná-las
directamente com as lesões encontradas no cadáver da vítima.
Com efeito, se for possível determinar que a vítima - que se “deslocou de
seguida para a sua residência, sita na Rua do ..........., cerca das 00h52m do
dia 18 de Maio de 2002” - não mais saiu de casa nem foi visitado por alguém
até ser encontrado já cadáver, na sua residência na manhã do dia 19 de Maio
de 2002, apresentando o seu corpo as referidas lesões, e se for viável
demonstrar, por perícia médica, que tais lesões podem ter sido provocadas por
acção ocorrida mais de 24 horas antes da morte e que não podem ter sido
causadas por um acidente doméstico, como uma queda dentro de casa, então é
possível concluir, face às regras de experiência comum, que as agressões do
arguido A, mesmo que executadas por forma não apurada, causaram as lesões
encontradas no cadáver da vítima.
Por isso, o tribunal recorrido devia ter considerado como provado ou como
não provado se entre os factos descritos sob o n.º 6 e as lesões do n.º 9 existe
um nexo de causalidade.
E, no caso afirmativo, se o arguido A agiu com negligência no que respeita à
previsibilidade do resultado “morte”, isto é, se o representou como possível
face à sua provada conduta, mas com ele não se conformou [se o resultado
fosse desejado pelo arguido, ainda que a título de dolo eventual, o crime seria
o de homicídio e não o preterintencional].
Mas, ainda que não venha a ser possível provar um nexo de causalidade entre
os factos descritos sob o n.º 6 e as lesões do n.º 9, tal nexo de causalidade
pode, todavia, verificar-se entre a “contenda, com agressões físicas entre
vários dos clientes que se encontravam naquele estabelecimento” (facto n.º 3)
e as ditas lesões descritas no n.º 9, caso em que, estando demonstrado que o
arguido A participou activamente nessa “contenda” entre os vários clientes e
que, inclusivamente, também agrediu a vítima, poderíamos estar perante os
factos constitutivos do crime de participação em rixa, p. e p. no art.º 151.º, n.º
1, do C. Penal.
Com efeito, “quem intervier ou tomar parte em rixa de duas ou mais pessoas,
donde resulte morte ou ofensa à integridade física grave, é punido com pena
de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias”.
Neste tipo criminal, “O resultado morte ou lesão corporal grave - «donde
resulte morte ou ofensa à integridade física grave» - é uma condição objectiva
de punibilidade do tipo legal do crime de participação em rixa...Trata-se de
uma condição objectiva de punibilidade relativa ao facto, exigindo-se que
entre este e aquela haja uma relação de adequação causal, ou seja, que a morte
ou lesão corporal grave seja objectivamente imputada a actos praticados no
decurso da rixa...Pertencendo embora ao tipo legal, ela não integra o conteúdo
do ilícito da participação em rixa” (“Comentário Conimbricense”, I, 321).
“O tipo subjectivo de ilícito da participação em rixa exige o dolo em qualquer
das suas formas contempladas no art. 14.º: directo, necessário ou eventual.
Mas este dolo refere-se exclusivamente à perigosidade (para a vida ou
integridade física substancial de qualquer um dos participantes, incluindo o
próprio participante cujo dolo se procura determinar) da rixa e não ao
resultado morte ou lesão corporal. Assim, é indiferente a representação ou não
da eventualidade do resultado; indispensável e suficiente é a representação e
conformação com a perigosidade da rixa: dolo do perigo concreto. Sendo a
morte ou a lesão corporal grave uma condição objectiva de punibilidade,
evidente se torna a irrelevância da não representação ou da não conformação
com um tal resultado” (idem, I, 322 e 323).

Ao não ter esclarecido estes pontos de facto o tribunal recorrido incorreu em


insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, vício referido na al.
a), do n.º 2 do art.º 410.º do CPP e que resulta da simples leitura da sentença.
Uma vez que o STJ não tem poderes de cognição em matéria de facto, não
pode decidir da causa e tem de reenviar o processo para novo julgamento, nos
termos do art.º 426.º do CPP, embora restrito aos seguintes pontos da matéria
de facto:
- se entre as 00 h 52 m do dia 18 de Maio de 2002 (altura em que entrou na
sua residência) e até ser encontrado cadáver, a vítima saiu de casa ou foi
visitado por alguém;
- se as lesões encontradas na vítima podem ter sido causadas por agressões
ocorridas pouco antes das 00 h 52 m do dia 18 de Maio de 2002, ou se tais
lesões foram provocadas por acção necessariamente mais próxima da hora da
morte, ou se podem ter sido causadas por acidente doméstico sem
interferência de outrem;
- se entre as agressões do arguido A à vítima (referidas no ponto 6 dos factos
provados) e as lesões descritas no ponto 9 há uma relação de causa e efeito;
- se este arguido representou como possível resultado da conduta descrita no
ponto 6 que poderia atingir órgãos vitais e, desse modo, colocar em perigo a
vida de C, como sucedeu, no entanto, actuou sem se conformar com esse
resultado;
- na hipótese dos dois pontos anteriores não serem provados, se entre as
agressões da contenda que envolveu vários clientes do estabelecimento (facto
n.º 3) e as lesões descritas no ponto 9 há uma relação de causa e efeito;
- em idêntica hipótese, se o arguido A, ao participar nessa contenda, nos
termos dos factos n.ºs 4 a 6, representou que dela poderia resultar perigo para
a vida ou integridade física substancial de qualquer um dos participantes e
quis essa perigosidade (ou, ao menos, conformou-se com ela).
Em tal julgamento, a realizar nos termos do art.º 426.º-A do CPP, na versão
vigente ao tempo da decisão recorrida, podem ser inquiridas as testemunhas
que o tribunal entender por conveniente e/ou que forem indicados pelo M.º P.º
e pelo arguido A, mas, em qualquer caso, deve ser ouvido o perito médico que
efectuou a autópsia.
Em relação a uma eventual responsabilização pelo crime de participação em
rixa, o tribunal deverá proceder de acordo com o art.º 359.º do CPP.

Termos em que o recurso merece provimento parcial.

5. Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Supremo Tribunal


de Justiça em conceder provimento parcial ao recurso do Ministério Público e
em:
1º- Considerar transitada em julgado a decisão recorrida quanto ao arguido B;
2º- Reenviar o processo para novo julgamento no que respeita ao arguido A,
restrito aos pontos supra indicados, a realizar pelo tribunal referido no art.º
426.º-A do CPP, na versão anterior à actual.
Não há lugar a tributação.
Notifique.
Supremo Tribunal de Justiça, 10 de Janeiro de 2008

Os Juízes Conselheiros

Santos Carvalho (Relator)


Rodrigues da Costa
Arménio Sottomayor

S-ar putea să vă placă și