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JOSÉ DE SOUSA E BRITO

MEDIDA DA PENA NO NOVO CÓDIGO PENALΤ

Em nenhum outro momento, o juiz incorpora tão dramaticamente a justiça como


quando fixa a pena aplicável. Pois não é essa a altura em que empunha a espada que desfere
golpes nos mesmos bens da vida que se pretendem defendidos pelo direito e, em última
instância, pelo próprio direito penal? É certo que não é deixado sozinho no desempenho de
uma tal responsabilidade. O processo penal fomece-1he os meios de julgar os factos que
fundamentam a pena. A lei e a doutrina - e especialmente a doutrina jurisprudencial -, em
equilíbrio variável, ajudam-no a precisar os critérios gerais da relevância desses factos e da
determinação da pena.
Ora, quanto a este último aspecto, no seu preceito mais geral sobre a matéria, o artº.
71º, que versa directamente apenas uma parte da aplicação da pena pelo juiz, a determinação
da medida da pena dentro dos limites definidos na lei, o Código Penal é bastante impreciso.
Esta imprecisão, é certo, é diminuída pelas definições legais de critérios para os outros passos
da determinação judicial da pena - para a atenuação especial, para as formas especiais de
agravação que são 2. pena do concurso e a pena indeterminada, para a dispensa de pena, para
a suspensão da execução da pena e para a escolha de penas. Mas também, em sentido
contrário, propaga-se a esses critérios e, por vezes, é fortalecida, em vez dissipada, pelas
respectivas definições. Ora tudo indica, como veremos, que a lei quis ser imprecisa num
campo em que a doutrina se divide e em que seria imprudente tomar partido, até porque as
implicações sistemáticas e de direito constitucional são de tal peso que viriam corrigir
qualquer opção menos feliz. Maior é assim a responsabilidade da doutrina, que não é
diminuída por ser auxiliar do juiz. É que aqui trata-se de ajudar a pensar, e o pensamento
metódico e a crítica mútua ~o as formas de preparar decisões em democracia, sem exceptuar -
com as necessárias ressalvas - as do juiz.

Para demonstrar a voluntária imprecisão do art. 72º, basta comparar o seu nº 1 com o


Uma versão abreviada deste estudo foi lida, perante o Professor aqui homenageado, na Faculdade de Direito de Lisboa, em
12 de Abril de 1985, no âmbito das Jornadas c Dez Anos de Evolução do Direito em Portuga!1974-1984..
correspondente artº 85º do Projecto de Eduardo Correia de 1963. Lia-se no Projecto:

A determinação da medida concreta da pena entre o máximo e o mínimo legais far-se-


á em função da culpa do agente pelo facto e pela sua personalidade, procurando-se, nos
limites que a aplicação deste critério tome possíveis, aproximar o quanto da pena, assim
fixado, daquele que a prevenção de futuros crimes exigiria».

Na Comissão Revisora, o Conselheiro Osório sugeriu que «talvez não houvesse


necessidade de referir no preceito as duas formas de culpa - pelo facto e pela personalidade - »
uma vez que isso já constaria ou resultaria de outras disposições. O artigo foi aprovado por
unanimidade, apesar de a sugestão ter sido rejeitada por maioria (!)1 1. As principais
diferenças de redacção hoje em vigor foram introduzidas na «1ª revisão ministerial da Parte
Geral. em 1966, levada a cabo pelo Ministro Antunes Varela, com auxílio do Conselheiro
José Osório e do Procurador Manso-Preto 2. Aí o texto rezava:

«A fixação da pena, dentro dos limites definidos na lei far-se-á em função da culpa do
agente, tendo ainda em conta - as exigências da prevenção de novos crimes».

O texto actual só substituiu duas palavras: «fixação e «novos, pelas anteriores


sinónimas «determinação da medida» e «futuros».

O resultado é que o preceito deixou de esclarecer se a culpa determina limites da pena,


isto é, um máximo e um mínimo como limites de um espaço, quadro ou âmbito de medida da
culpa dentro do quadro da medida legal da pena, ou se determina um ponto certo de medida
da pena. Também deixou de ser dito se a culpa é relativa apenas ao facto, como na teoria do
crime, ou se é relativa quer ao facto, quer à personalidade do agente, ficando, portanto, em
aberto a questão de saber se o conceito de culpa relevante na medida da pena é idêntico ao
conceito de culpa da definição de crime. Também na relação entre a culpa e a prevenção de
futuros crimes como factores da medida da pena, tudo ficou por esclarecer. Segundo o

1
Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal. Parte Geral, Lisboa, 1966, p. 123.
2
Cf.BMJ., nº 158, p.7. O texto do art.83º da revisão encontra-se no nº 157, p. 53.
Projecto de Eduardo Correia, os fins preventivos só seriam de considerar entre o máximo e o
mínimo da pena ainda correspondente à culpa. Agora falta saber se podem ser tidos em conta
para o efeito de a pena exceder a medida da culpa - embora dentro da medida lega1- ou para o
efeito de ficar aquém da medida da culpa, ou para ambos. Continuam por discriminar, em
todas as versões, os fins preventivos de que se trata: se da prevenção de crimes de qualquer
pessoa - prevenção geral -, ou se de crimes futuros do próprio agente - prevenção especial -, e,
a atenderem-se ambas, em que proporção.

Chegamos assim aos seguintes problemas da determinação judicial da medida da pena,


que partem da interpretação do art. 72.0, embora decerto a ultrapassem:

- determinação de uma medida certa, ou de um quadro de medida, em função da


culpa?
- culpa pelo facto ou também pela personalidade ?
- culpa como elemento do crime ou como Outra base da medida da pena ?
- culpa como limite máximo, como limite máximo e mínimo, ou nem uma coisa nem
outra?
- como se tem em conta a prevenção especial ?
- como se tem em conta a prevenção geral ?

É claro que o legislador - e desde logo o autor do Projecto -, ao acolher as


modificações da revisão ministerial, não quis prejudicar com uma tomada de posição no art.
72º, o tratamento dogmático destes problemas. Mais necessário se torna começar a observá-
los.

I. Determinação de uma medida certa, ou de um quadro de medida da pena, em


função da culpa ?

De acordo com as palavras de Eduardo Correia na Comissão Revisora, quanto à


questão «de saber se a culpa … fornece uma medida exacta de pena, ou antes uma moldura
penal relativamente ampla ..., o Projecto decide-se pela segunda alternativa (não se
desconhecendo embora as críticas que na Alemanha se têm dirigido à «Spielraumtheorie.)...
Quer dizer: é claro que, em absoluto, a medida da culpa é uma certa, simplesmente, qual da
seja exactamente é coisa que não poderá determinar-se, tendo, pois, o aplicador que remeter-
se a uma aproximação que, só ela, justifica aquele «Spielraum», dentro do qual podem ser
decisivas considerações derivadas da pura prevenção3.

É decerto impossível para qualquer juiz conhecer todas as circunstâncias de um facto


com tal pormenor que possa basear em diferenças de facto diferenças de valoração
correspondentes a um dia, dentro de uma medida legal da pena de 8 anos, por exemplo. Isso
implicaria no crime de homicídio simples distinguir critérios de correspondência a 2929
alternativas. Este razão parece-me suficientemente forte para afastar a objecção de Arthur
Kaufmann, tirada da confusão entre a indeterminação do conhecimento e a do objecto do
conhecimento4. De nada serviria a precisão do objecto ao juiz que não pode conhecê-la para
fixar a pena: não é a quantidade determinada do objecto do conhecimento que pode ser
utilizada pelo juiz no processo da sua deliberação, mas sim a quantidade indeterminada que é
acessível ao seu conhecimento. Só que o argumento parece levar longe de mais, porque
demonstraria igualmente a impossibilidade de conhecer o ponto limite a partir do qual a pena
é tão pesada que já não corresponde à culpa, e o ponto limite a partir do qual a pena é tão leve
que já deixou de corresponder à culpa. Como pode o juiz distinguir entre os critérios de facto
do desvalor da culpa correspondente a 10 anos de prisão e os do desvalor correspondente a 10
anos e um dia ? Por outro lado, se o argumento é a incerteza do conhecimento, há graus de
incerteza, e se há um máximo e um mínimo de incerteza, para lá dos quais é certo que a pena
já não corresponde à culpa, então há também um ponto de máxima certeza ao meio, no centro
do espaço de manobra, uma pena pontual (Punktstrafe), só essa correspondente à máxima
certeza possível em função da culpa. Se, contra a opinião de Eduardo Correia, se nega que em

3
Actas, p. 123.A teoria do quadro (Rahmen) ou «espaço de manobra (Spielraum) defendida na monografia de Spendel, Zur
Lehre vom Strafmass,1954 e na 1ª edição (1954) do Tratado de Maurach (p. 681) e já sugerida por Berner. e por Von Hippel,
expande-se em 1954 quando é adoptada por uma decisão unânime da Grosse Straf[rechtskommission (preparada pelo parecer
de Bockelmann: Materialien, I, p. 41 e impulsionada por Lange e pelo ministro Neumayer. Niederschriften, I, p. 47, 48, 111,
342) e logo a seguir pelo Tribunal Federal Alemão (BGH, 7 28).
4
Das Schuldprinzip, 1961, p.66.
absoluto, isto é, abstraindo da relatividade do conhecimento humano, a medida da culpa seja
uma certa, abrem-se outras vias de fundamentar a teoria da culpa como espaço de manobra
(Spielraum), quadro (Rahmen), ou ainda percurso (Strecke), entre um máximo e um mínimo.
Assim, para uma teoria relativa dos fins da pena. Do ponto de vista da prevenção geral a culpa
é só um limite além do qual a intimidação é ineficaz ou contraproducente porque deixa de
fortalecer os sentimentos éticos da comunidade e pode provocar a revolta ou o embotamento
moral, e aquém do qual ficam por apaziguar os sentimentos de vingança. Do ponto de vista da
prevenção especial, a cominação da pena só pode influenciar o comportamento de quem age
com culpa e a aplicação da pena sem ou para lá da culpa contraria, em vez de servir, a
recuperação do delinquente. Ora estes sentimentos éticos, quer da maior parte das pessoas,
quer do agente, de que depende a eficácia preventiva da pena, não estão ligados apenas a uma
Certa pena mas a várias penas possíveis dentro de vagos limites. Só que, assim, do ponto de
vista preventivo, não interessa se há culpa ou não e, portanto, se é pontual ou indeterminada.
Importam apenas os juízos sociais acerca da culpa na prevenção geral, e os juízos individuais
do delinquente na especial. Assim e entende a posição de Roxin, que vê na perspectiva da
prevenção geral a culpa como um limite imposto não apenas pela lógica desse fim, mas pelo
direito: a necessidade de a pena ser limitada pela culpa é um princípio do Estado de Direito,
pelo que se compreende que fale aqui de culpa como «resultado de um processo valorativo
socio-psicológico, um juízo da comunidade jurídica, que relativamente à altura da pena não é
determinado pontualmente à partida, mas só possui realidade empírica no espaço de um certo
espaço de manobra 5. Contra, cabe dizer que se remete assim para um conceito social e não
jurídico de culpa, o qual pouco tem a ver com o conceito de culpa da teoria do crime. O
conceito socialmente vigente da culpa merecida pelo facto só será fácil de estabelecer em
relação à generalidade dos crimes de certo tipo, orienta-se sobretudo pela i1icitude típica,
senão pela gravidade do resultado, e é pelo menos muito duvidoso se existe algo de
semelhante em relação a cada concreto crime praticado. De qualquer maneira admitirá sempre
uma diferenciação mínima segundo as características particulares do delinquente e as

5
Em Festgabe Schultz, 1977, p.'466. No mesmo sentido ,Nowakowski, Perspektiven zur Strafrechtsdogmatik,
1981, p. 212-3 interpreta o §32,1ª secção do C6digo austríaco como definindo um espaço, que se estende até a
«zona cinzenta do limiar do que já ou ainda é conforme à culpa e fora do qual se enfraquecem os efeitos
almejados pela pena, os quais fundamentariam e ao mesmo tempo limitariam esse espaço. Entra assim em
contradição com a sua tese da identidade entre os conceitos de culpa da análise do crime e da medida da pena.
peculiaridades de cada processo psicológico. Não pode, portanto, deixar de conduzir a uma
apreciação da culpa pelo facto contrastante com a aplicação do título II do Código Penal. Dir-
se-á que isso está implícito sempre que se propugne um conceito de culpa para a medida da
pena diferente do da análise do crime. Esquece-se com esta resposta que toda a diferença de
critérios, por razões de coerência axiológica, é à partida um contra-argumento e terá que
justificar-se em cada caso. Ora do que se trata aqui é de uma mudança global dos critérios de
apreciação. Na culpa da análise do crime não se o que a generalidade das pessoas
provavelmente pensará da culpa de certo facto, mas aquilo que o juiz deve pensar da culpa
desse facto. Os critérios da medida da culpa na análise do crime não podem ser substituídos
por outros critérios de medida da culpa pelo facto na determinação da pena sem ofensa da
conexão entre o crime e a pena que não é só de presumir em qualquer interpretação razoável
das leis penais, mas que é também um aspecto do princípio constitucional da legalidade das
penas 6. Também o fundamento constitucional do princípio da culpa na dignidade do homem 7
seria posto em causa: a admitir-se tal fundamento, respeita-se Com o juízo de culpa o
criminoso como pessoa livre e não a generalidade das pessoas como capazes de juízos sobre a
culpa. Este princípio não implica que existe uma culpa - ou liberdade - em qualquer sentido
metafísico ou absoluto, mas implica que se trate o criminoso como livre.

Haverá uma terceira via não gnoseológica nem preventiva para fundar a teoria do
quadro de medida da culpa ? Creio que nada impede considerar que a culpa existe realmente
na cabeça do criminoso - não da sociedade - como base de uma valoração determinada do
direito - um certo desvalor -, a que correspondem várias penas possíveis dentro de uma certa
escala ou quadro. É claro que faz sentido dizer, como o BGH não mais deixou de dizer desde
1954, que o juiz «não deve impor uma pena que, pela altura ou pela espécie, é tão pesada que
por ele próprio já não é sentida como ajustada à culpa e que o juiz deve «escolher entre as
várias penas ajustadas à culpa» 8. Não há uma culpa de extensão variável mas só quantidades
ou gravidades determinadas de culpa. Só que a gravidade da culpa não varia em função de
uma escala contínua, como os dias de prisão, mas varia para mais ou para menos segundo
algumas, relativamente poucas, circunstâncias.
6
Cf. o meu estudo «A Lei Penal na Constituição», em Estudos sobre a Constituição,II, 1978, p. 236.
7
Ibid., p. 199.
8
8 BGH, 7, 28. Cf. Bruns, Strafzumessungsrecht, 2ª. ed., 1974, p. 266 ss.
É assim explicável que a uma certa gravidade de culpa corresponda um quadro de
penas entre uma pena máxima e uma pena mínima e que uma variação da culpa em função de
certa circunstância corresponde a uma variação do quadro de penas ajustadas à culpa.

Haverá, sim, na determinação da medida certa da culpa pelo juiz, um certo risco, ou
salto no desconhecido, frequente em deliberações complexas, e de cuja responsabilidade se
não pode fugir.

E há critérios racionais de escolher uma de preferência a outra das penas ajustadas à


culpa: as necessidades de prevenção especial e geral são boas razões e, na falta de outras, o
princípio da necessidade da pena dá uma razão para escolher a pena mínima que ainda é
ajustada à culpa.

II. Culpa pelo facto ou também pela personalidade ?

O Projecto de Eduardo Correia mencionava expressamente nos arts. 2.º, 85º e 86º, a
«culpa do agente pelo facto e pela sua personalidade». O nº 6 do artº. 86º mandava atender na
medida da pena à gravidade da falta de preparação para não violar os preceitos criminais,
manifestada no facto, que importa reprovar ou reparar pela aplicação da pena., assim
descrevendo a base de facto ou critério do desvalor da culpa na formação ou preparação da
personalidade. Poderia dizer-se que a circunstância do nº 5 do art.86º, a conduta anterior e
posterior ao facto, especialmente o esforço para reparar as consequências do crime, serviria
nomeadamente para julgar desta culpa. A mesma delimitava ainda negativamente a
inimputabilidade do art. 18º. A consideração, em conjunto, dos factos e da personalidade, isto
é, a culpa por ambos, baseava a medida da pena do concurso de infracções (art. 91º § 1º). E a
pena indeterminada no caso de inclinação ou tendência para o crime (arts. 95º e 96º)
pressupunha que «da avaliação conjunta da personalidade do agente e dos seus factos
criminosos resulte que ele tem uma perigosa inclinação para o crime, que no momento da
condenação ainda não corrigiu», embora o artigo não esclarecesse se a avaliação relevante era
só de perigosidade, ou se visava também e afinal a culpa pela referida falta de correcção, dado
que, no caso da pena indeterminada prevista para o alcoólico habitual ou com tendência (art.
98º) 9, não era sequer mencionado aquele pressuposto. Já sem falar no que não estava no
articulado, mas que segundo o autor do Projecto importava para sua boa interpretação: assim,
só a ideia da culpa pela personalidade permitiria explicar completamente a punibilidade da
negligência inconsciente e do erro sobre a proibição10. Na parte especial, a culpa pela
personalidade ou pelo carácter explicaria, pelo menos em parte, entre outras, as agravações
por baixeza de carácter no dano (art. 208º, n.° 4) e na propagação de doença contagiosa (art.
318º, nº 2), por profissão no furto (art. 197º, al. b), nº 5), na burla (art.213º, al.l))», na usura
(art. 220º, n.° 5, al. a)) e no lenocínio (art.266º, nº 2, al. e», por habitualidade ou profissão na
usura (art.222º) e na receptação (art. 230°, nº 4) 11.

Das 66 páginas do relatório do Projecto da parte geral, 40 eram dedicadas à culpa na


formação da personalidade, que se traduziria no desvalor do agente por não - cito - «dominar
tendências para o crime qualquer que seja a sua origem: hereditária, adquirida, psicogenética,
etc.. Ora, naturalmente que a culpa pela omissão desse dever só pode iniciar-se no momento
em que se atinge aquela maioridade que conduz à imputabilidade: na nova lei, desde os 16
anos. Mas a partir dessa idade, ela abrange o não-domínio de tendências perigosas do agente,
qualquer que seja a sua origem»12.

O Código vigente eliminou as três menções expressas da culpa pela personalidade, na


medida em que eliminou todo o anterior art. 2º e nos actuais nºs 1 e 2 do art. 72º,
correspondentes aos arts. 85º e 86º do Projecto, se conservaram no nº 1 apenas as palavras
9
E bem assim na prevista para crimes contra o património, vadiagem, mendicidade, actos contra a natureza, prostituição,
associação de malfeitores, recepção a que corresponda pena de prisão, resultando o crime de uma vida refractária ao trabalho
ou de uma vida desordenada e instável (art. 94º). Este artigo e a correspondente categoria de «delinquentes associais» (assim
como os crimes de vadiagem - art. 332º- e mendicidade- art. 293º) foram eliminados na Proposta de Lei nº 100/II de 1982.
10
Relatório do Projecto da Parte Geral nº 14 e Actas, Parte Geral, I, p. 55.
11
Também a habitualidade ou profissão na instigação à emigração (art. 217º, nº 2) e a habitualidade na
homosexualidade (art. 253º, nº 2), que desapareceram do texto finaI. Cf. no Código vigente os arts. 309º, nº 4,
270º, nº 2, 297º, nº 2, al. e), 314º, al. a), 320º, nº 4 al. a), 216º, nº b), 322º, 329º, nº 2 e ainda 217º, nº 2 (profissão
no tráfico de pessoas). Os arts. 322 ° e 329º, nº 2 falam respectivamente do «modo de vida» e «forma de vida»
onde o Projecto tinha «profissão». Modo de vida punível como crime é a rufianaria (art. 268º do Projecto e 215º,
nº 2 do Código- onde surge como agravação do lenocínio).
12
Eduardo Correia, Código Penal. Projecto da Parte Geral. 1963, p. 29, nota 82.
«culpa do agente» na parte de frase «culpa do agente pelo seu facto e pela sua personalidade»
e se substituiu no nº 2 a parte de frase «na apreciação da culpa do agente pelo facto e pela sua
personalidade pela parte de frase «na determinação da pena». Mantiveram-se, porém, todos os
outros pontos referidos do articulado do Projecto 13.

Sabemos a história e a letra. Deve entender-se que a pena não se mede apenas em
função da culpa pelo facto mas também em função da culpa pela personalidade ?

Cumpre distinguir. O juízo de culpa é um juízo de desvalor do agente em razão do seu


comportamento - acção ou omissão. Na medida em que o homem faz a sua vida com os seus
actos e constrói com eles a sua personalidade, a culpa a julgar é culpa na decisão da vida ou
culpa na formação da personalidade. Mas não como coisa diferente, isto é, com outros
pressupostos, da culpa referida ao facto. Quando se pune em função da culpa. pelo facto ou
culpa de cada crime (Einzeltatschuld) pune-se em função da formação da personalidade que
corresponde ao acto criminoso. Neste primeiro sentido, toda a culpa é culpa na formação da
personalidade.

Outra coisa é medir a pena pelo defeito global da personalidade do delinquente, pelo
seu mau carácter, que é uma das causas do crime. Então pune-se aquela formação de
personalidade de que procedeu o crime, que lhe é anterior e que, enquanto é produto da
vontade do agente e não de outras causas, corresponde a outros factos da sua vida passada, os
quais podem não ser qualificados como criminosos, nem o serão normalmente, e cuja
existência e culpabilidade não são comprovadas em juízo. Lembre-se que, sem falar nas
disposições congénitas e na influência determinante do meio, os factos praticados até os
dezasseis anos não são puníveis por inimputabilidade. O próprio Eduardo Correia faz este
reparo, como vimos, pelo que não adopta esta segunda doutrina da culpa na formação da
personalidade como culpa do carácter 14. Só se pode falar aqui de culpa como ficção, para o
13
Vejam-se, além dos referidos na nota (11), os arts. 72º, nº 2, al. f) e e), 20º nº 2, 78º, nº 1, 83º, 84º e 86º.
14
No sentido de que a censura implicada no juízo de culpa se dirige ao modo de ser do agente, ao seu carácter e
não à sua decisão de praticar o crime: é o sentido dado por Nowakowski, Wiener Kommentar zum
Strafgesetzbuch, Vorbem. zu §§ 3-5, Rz 39; cf. Bockelmann, Studien zum Tãterstrafrecht I, 1939, p. 132 ss.;
Figueiredo Dias, Liberdade, Culpa, Direito Penal, 1976, p. 100 ss. Diferente é uma concepção de culpa referida
ao facto como expressão do carácter ou da personalidade (concepção caracterológica da culpa), que tanto
efeito de considerar punível a perigosidade. A exigência da prática de um crime não estaria na
lógica desta doutrina, mas seria uma limitação imposta pelo princípio da legalidade.
Degradado o crime a simples condição de punibilidade, que não fundamentaria nem mediria a
pena não pelo facto mas pela maneira de ser do agente, pela perigosidade deste no momento
da sentença - ou das sentenças, indiferentemente da fixação inicial e da execução das penas -,
dadas todas as circunstâncias anteriores e posteriores ao crime. Esta doutrina é incompatível
com a opção constitucional de consagrar um sistema de dupla via de reacção ao crime, com
penas baseadas na culpa e medidas de segurança baseadas na perigosidade. Também o já
mencionado princípio constitucional da conexão entre o crime e a pena seria posto em causa :
a pena deixaria de basear-se no crime na medida em que variasse em função de factos não
criminosos nem culposos e que não podem considerar-se como circunstâncias do crime. Por
outro lado, não há uma ligação entre o carácter e o facto criminoso que permita medir a pena
pelo carácter sem, por isso, pôr em questão os critérios da imputação da responsabilidade
penal e a própria. necessidade da pena. É que há muitos crimes, sobretudo negligentes, que
não revelam nenhum defeito de carácter, ou nenhum defeito que não seja. comum - descuidos
todos temos. E o mesmo traço de carácter, ou a mesma tendência, podem manifestar-se tanto
no crime como em operações honestas, segundo o ambiente e a circunstância: há impulsivos e
frios egoístas orientados para o bem15. O criminoso de ocasião, do ponto de vista do carácter e
da perigosidade, não justifica mais de que uma pena de lembrança., como propunha Von
Liszt 16 em contraste com os critérios da lei.

A única questão de regime jurídico verdadeiramente decisiva é a de saber se a medida


da pena, como defende o autor do Projecto, «poderá ir além da moldura penal do facto -
pensada para abranger as oscilações médias da personalidade do delinquente - quando o modo
de ser, revelado no crime, que o agente não dominou, como podia, permite diagnosticar uma
especial perigosidade. Especial perigosidade que assim - independentemente de qualquer
pensamento preventivo - justifica, já por si, uma particular censura. pela omissão do dever de

Nowakowski, ibidem e Perspektillen, p. 135, como Engisch, Die Lehre von derWillensfreiheit in der
strafrechtphilosophischen Doktrin der Gegenwart, 1963, p. 50 (este último chamando-1he culpa do carácter e
opondo-a à culpa na formação da personalidade, na decisão da vida, etc.) defendem.
15
Assim, Bockelmann, Materialien I, p. 335 (Strafrechtliche Untersuchungen, 1957, p. 11 ss.).
16
Der Zweckgedanke im Strafrecht (1883), Quellenbuch zur Geschilhte der deutschen Re,htswissenschaft, ed.
E.Wolf, 1949, p. 33 e ss.
a corrigir e, portanto, uma punição mais intensa. Com isto, natura1mente, passa. a culpa pela
não preparação - como se podia e devia - da personalidade a. fundamentar, autonomamente, a
medida da pena. E então, num certo, sentido, poder-se-á falar num direito penal referido ao
agente que já não s6 ao facto17. Só dentro destes parâmetros se pode - e eu também penso que
deve - considerar consagrado na lei um regime, a que corresponde uma «doutrina», da cu!pa
na formação da personalidade, dados os anteriores argumentos tirados do regime jurídico
afinal consagrado. Só que há ainda uma alternativa que importa mostrar primeiro e decidir
depois. Obtêm-se deste modo mais dois sentidos da doutrina da culpa na formação da
personalidade e é, afinal, duvidoso se a doutrina correcta ainda deve chamar-se de culpa na
formação da personalidade.

Com efeito, dentro dos parâmetros expostos a personalidade perigosa do agente é


apenas uma circunstância do facto que agrava a culpa do agente. Se adoptamos um conceito
de culpa pelo facto segundo o qual a culpa varia em função também dessa circunstância, ou se
distinguimos uma culpa pelo facto e uma culpa pela personalidade que juntas compõem a
culpa do agente relevante para a medida da pena, é uma questão de construção dogmática que
tratarei adiante, mas que não afecta o regime. A alternativa de regime jurídico é de saber se
toda a perigosidade revelada no crime se imputa ao agente como defeito da personalidade que
faz nessa medida variar a pena objectivamente, independentemente da capacidade do agente
para lhe resistir no momento do crime - como pretende Nowakowski18 -, ou se a perigosidade
é uma circunstância do facto abrangida pela culpa., em que a. maior gravidade do ilícito é
contrabalançada em concreto pela eventual menor exigibilidade da motivação conforme ao
direito. É claro que nesta última interpretação fica imprejudicada a relevância da perigosidade
como fundamento da variação da pena com fins de prevenção especial. Na primeira
alternativa., a perigosidade seria um factor de variação objectiva. da. pena de duas maneiras:
na medida da pena pela culpa e depois na determinação da pena em função da prevenção
especial. Na segunda alternativa a perigosidade só revelaria na medida da pena pela culpa
enquanto não fosse considerada na motivação exigível ao agente no momento do acto em face
dessa circunstância.

17
Projecto, p.23.
18
Perspektiven, p.209.
Só esta última alternativa. me parece defensável porque não exige nenhum desvio dos
princípios da culpa relativa ao facto. A relevância da perigosidade na primeira alternativa
contraria quer o restante regime legal da culpa, quer o restante regime legal da perigosidade.
Com efeito, não limita a culpa pela capacidade do agente de se determinar como lhe é
razoavelmente de exigir (art. 20º, nº 1, 35º, nº 1). Ora esta limitação existe relativamente a
todos os casos já referidos, em que a perigosidade se revela através de uma circunstância
como a profissão, a habitua1idade ou o modo de vida, que é elemento de um tipo de crime, e é
claramente implicada pela exigência de censurabilidade da falta de preparação para manter
uma conduta lícita, feita na al. f) do nº 2 do art. 72º. Fora destes casos em que a perigosidade é
absorvida pela culpa relativa ao facto os únicos em que a lei prevê expressamente um regime
diferente da perigosidade são os da relevância desta como fundamento e medida da prevenção
especial. Ora a agravação legal da pena relativamente indeterminada é feita num primeiro
momento independentemente dos objectivos da prevenção que podem exigir, pelo contrário,
alguma atenuação, em vista da recuperação do criminoso.

Resta ponderar se a recusa de uma ficção de culpa para explicar a agravação da pena
do delinquente por tendência não obriga. a uma ficção de pena. É sabido que o fundador da
doutrina da culpa na condução da vida, Mezger, interpretava a correspondente disposição
legal alemã (o antigo § 20a, em vigor de 1933 a 1975, do Código alemão) como sendo apenas
«pena de culpa» na medida da culpa pelo facto e pela condução da vida. Ora esta última
reconduz-se aos actos culposos do agente imputável que causaram o defeito do seu carácter,
não abrange os factos de formação do carácter ou da personalidade incontroláveis pelo agente.
E a culpa pelo facto deveria considerar-se atenuada pela menor capacidade de resistência
individual aos impulsos criminosos em razão da tendência ou carácter. Para lá disto haveria
uma «pena de segurança»19 ou, nas palavras de Welzel, uma «medida de segurança
especialmente configurada»20 . Em consequência, apesar do inicial, mas incoerente 21, esforço

19
Strafrecht (Studienbuch), I, 9ª ed., 1960, p. 275.
20
Lehrbuch, 9ª ed., 1965, § 34, III,4.
21
Nomeadamente por medir a culpa por um prognóstico da perigosidade e por considerar para tal o tempo do
julgamento e não o do facto. Vejam-se as referências em Jagusch em Leipziger Kommentar, 8ª ed., 1957, § 2Oa
II 2, 4, Schönke-Schöder, StGB, 10ª ed., 1961, § 2Oa V 2, 4, Kohlrausch-Lange StGB, 43ª ed., 1961, § 2Oa n, 3.
do Reichsgericht para conciliar o § 2Oa com o princípio da culpa, os dois eram considerados
incompatíveis por quase toda a doutrina nas ,vésperas do Anteprojecto Eduardo Correia 22.
23
Mezger considerava o § 2Oa como «o mau produto de uma pena finalística utilitarista e
propunha um sistema dualista em que o juiz conheceria em simultâneo na sentença acerca de
uma pena e de uma medida de segurança 24. Seria esta última a orientação a prevalecer na
República Federal da Alemanha no projecto de 1962, no projecto alternativo de 1966 e
finalmente na lei de 1969 ( em vigor desde 1975). que não contém para lá do regime da
reincidência. uma agravação penal específica do deliquente por tendência.

Será que a agravação da pena do delinquente por tendência está apanhada entre a Cila
de uma concepção objectivista da culpa, à maneira de Nowakowski, e a Caríbdis de uma pena
de segurança, na esteira de Mezger ? Penso que não. A manifestação que o agente faz da
perigosidade do seu carácter no momento do crime é-lhe imputada porque o agente tinha
razões para dela ter conhecimento e contra ela se precaver e, não obstante, praticou o crime, e
praticou-o de uma forma que revela a má tendência do seu carácter, podendo deixa.r de o
fazer, dada a sua capacidade individual de resistência aos impulsos para o crime (se tivesse
usado da sua força de vontade e do seu cuidado, como exige o direito de um cidadão leal) 25.
E compreende-se que nestes casos a agravação seja substancial. Para citar Eberhard Schmidt:
«Todos os elementos de perigosidade que se manifestam no criminoso habitual perigoso
representam uma tal agravação da sua valiosidade social que, sem ter nada a ver com o que se
possa dizer prognosticamente do ponto de vista cognitivo, a pessoa em causa já se encontra.
em vista desses elementos de perigosidade numa culpa qualificada, que do ponto de vista da
justiça torna possível perante ela uma pena muito considerável» 26. É claro que o esforço que
22
Além de Mezger, Welzel, e dos comentadores citados na nota anterior (com excepção de Kohlrausch-Lange,
que entende o § 2Oa compatível com a ideia da culpa do agente), também Maurach, Lehrbuch, 2ª. ed., 1958, p.
674. Sax em Betterman-Nipperdey-Sscheuner, Die Grundrechte III/2,1959, p. 946 s. considerava todo o § 20a
inconstitucional por violação do princípio da culpa.
23
Ob. cit., p. 274.
24
Niederschriften I, p. 58. Enquanto que no sistema dos antigos §§ 20a e 42e do Código alemão, a eventual
medida de segurança do § 42e só seria fixada depois de cumprida a pena, caso subsistisse então a perigosidade.
25
Neste sentido, o próprio determinista Engisch admite que o agente concreto poderia ter agido de outra maneira
(e só por isso a pena pode influenciar previsivelmente as suas predisposições): ob.cit., p. 55.
26
Niederschrifien J, p. 52: é certo que Eberhard Schmidt conclui que, então, mesmo uma pena de segurança
relativamente indeterminada seria justa, «do ponto de vista de uma teoria da culpa correctamente entendida»,
além de necessária. Contraponha-se que, tratando-se de «pena de segurança», a justiça deixaria de ser da pena e
da culpa, para ser da necessidade de segurança e da perigosidade.
o delinquente por tendência terá que fazer, e os cuidados que terá que tomar, para resistir à
sua tendência criminosa são maiores dos que os do homem comum, e quiçá tanto maiores
quanto mais assim pode e deve resistir, senão seria inimputável. Não lhe são imputáveis os
factores incontroláveis congénitos adquiridos por doença ou acidente, ambienciais, etc. do seu
carácter, mas o facto de não ter controlado a manifestação deste último, seja qual for o papel
que na sua configuração concreta aqueles tiveram. Só neste sentido vale o dito: podes, logo
deves 27. Isto é: deves se podes, podes, logo deves. Vale também dizer com Max Ernst Mayer
que «o carácter agrava», na medida em que um crime, em que o agente é infiel à sua maneira
28
de ser é mais desculpável do que aquele, no mais igual, em que de se retrata como é e
suposto que o agente pode agir doutra maneira. Se pode menos. por ter imputabilidade dimi-
nuída, agrava ainda por comparação com a hipótese de o facto não ser expressão do carácter,
embora o resultado final possa ser uma atenuação 29.

A «persistência» da inclinação para o crime no momento da condenação (art. 83º, nº 1)


é uma limitação, imposta pelo fim da prevenção especial, à agravação medida pe!a culpa no
momento do crime.

Temos portanto, de concluir, que os critérios da culpa pela personalidade do


delinquente por tendência, onde tal culpa funda uma agravação da medida legal da pena, se
reconduzem aos da mesma culpa na medida judicial (art. 72.0, nº 2, al.f) )e ambos aos da
culpa pelo facto.

Simplesmente, com este correcto sentido, a culpa na formação da personalidade


deixou de fundamentar um princípio verdadeiramente novo de regulação legal. Para quê uma
nova doutrina ?

Culpa pelo facto sim, e enquanto tal também pela personalidade.

27
Invocado por Kohlrausch-Lange, § 2Oa, II, 2, e criticado por Nowakowski. Perspektiven, p. 57.
28
Strafrecht. AlIgemeiner Teil, 2.ª ed., 1923, p. 497 s.
29
Neste sentido Jagusch, ob. cit., § 2Oa II, 1 d, Nowakowski, Perspektiven. p. 157 s.
III. Culpa como elemento do crime ou como outra base da medida da pena?

O autor do Projecto na Comissão Revisora distinguiu um sentido restrito da culpa


como demento constitutivo de infracção e um sentido amplo consagrado nos preceitos sobre
30
medida da pena . É uma opinião que tem vindo a expandir-se posteriormente31 31,
contrariada embora por alguns autores significativos como um dos comentadores do Código
32 33
alemão, Horn e o principal redactor e comentador do Código austríaco, Nowakowski .A
questão deixa de ser de mera construção jurídica, se a teoria distintiva defender que os
critérios de definição e avaliação dos pressupostos da pena são diferentes na análise do crime
e na medida da pena. Tal seria o caso se o Código consagrasse uma culpa pela personalidade
que fizesse variar a pena segundo critérios diferentes dos da teoria do crime. Vimos que,
afinal, não é o caso.

Outro argumento a favor da distinção retirar-se-ia do relevo na determinação da pena


dos «componentes de resultado» por oposição aos «componentes de acção» da culpa. A
mesma acção, passar com luz vermelha por exemplo, pode ter diversas consequências
dependentes de factores incontroláveis pelo agente: danos materiais, ofensas corporais, morte
de pessoa. Ora, diz Zipf 34, a censurabilidade e portanto, a culpa do agente, não pode depender
do acaso da intervenção desses factores nem das consequências resultantes. Mas todas as
consequências imputáveis ao agente ou culposas fazem variar a medida da culpa na pena,
30
Actas, II, p.123. A distinção entre um sentido amplo e outro restrito da culpa neste contexto, encontra-se em
Hegler, ZStW 36, p. 184 ss. e em Frank Festgabe, I, 1930, p. 290 s.. Também para Cavaleiro De Ferreira,
Direito PenaI, II 1961, p. 279, a culpabilidade a que se referia o art. 84º do anterior Código, na redacção da
reforma de 1954, «não é o elemento subjectivo do crime, mas a culpabilidade do delinquente no sentido
material»; em Direito Penal Português, Parte Geral I, 1981, p. 206 (cf. II 1982, p. 420), distingue um sentido de
culpabilidade «como facto culpável, englobando o crime na sua totalidade», que «é a medida de responsabilidade
e de pena», de outro em que se separa do facto ilícito.
31
Zipf, Strafmassrevision, 1969, p. 94; Bockelmann, Strafrecht. A1lgemeiner Teil, (1ª ed., 1973) § 12a 4, § 29
3a) aa): Aschenbach, Historische und dogmatische Grundlagen der strafrechtsystematischen Schuldlehre, 1974,
p. 3 ss. 10 ss.; Roxin - em Festschrift für Bockelmann, 1979, p. 304; Lenckner em Schönke Schröder StGB, 21ª
ed., 1982, Vorbem. §§ 13 ss., Rn. 112; Stree, ibid. § 46 Rn. 9a; Lackner, StGB, 15ª ed., 1983, Vorbem. § 13
Anm. 4; Maurach-Zipf, Strafrecht. Allgemeiner Teil, 6.. ed. I, 1983, § 30 I, 2, n, 1984, § 63 I, 19-20. Para
Rudolphi, em StGB, Systematischer Kommentar, 1984 Vor § 19 Rn. 1a Strafzumessungsschuld é no essencial
uma quantificação da Strafbgründungsschuld (seguido por Stree, supra).
32
StGB, Systematischer Kommentar, 1981, § 46 Rn. 37.
33
Perspektiven, p. 159; Wiener Kommentar Vorbem. §§ 3-5 Rz. 49; também crítico: Jacobs, Strafrecht.
AlIgemeiner Teil, 1983, p. 385 n 1. No mesmo sentido e na esteira de Radbruch e de Zimmerl, a minha
dissertação Estudos para a dogmática do crime omissivo I, 1965, p. 47 ss.
34
Die Strafmassrevision, p. 94; Maurach-Zipf, II, § 63, I, Rn. 19.
como reconhece Zipf. Porquê negar, então, que fazem variar a censurabilidade ? Não é o
homicídio negligente mais censurável que a ofensa corporal negligente ? Se o diferente
resultado depende de factores incontroláveis, depende contudo também de uma acção
controlável que só por abstracção do resultado é nos vários casos a mesma: homicídio e
ofensa corporal são acções diferentes e delas se trata ao punir, não de «passar com luz
vermelha».

No anterior argumento, a variação das consequências de uma acção - que seria não
criminosa se delas se abstraísse - implicava a realização de diversos tipos de crime. O n. ° 2
do art. 72º manda atender, porém, à gravidade das consequências do facto (al. a)), mesmo
quando não faça parte do tipo de crime. O problema, aliás, põe-se do mesmo modo quanto a
todas as outras circunstâncias que «não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do
agente ou contra ele», e que as várias alíneas no nº 2 exemplificam. Já tem sido dito que os
componentes da culpa na medida da pena não são idênticos aos da análise do crime, «porque
estes são à partida relativos ao tipo, enquanto que na medida da pena se tem de recorrer ao
que fica para além do tipo penal» 35.

Há, então, que distinguir entre os critérios da existência do crime ou da subsunção, que
são os elementos visados na definição do crime, e os critérios da gravidade do crime, do mais
e do menos desvalor dos elementos do crime, em função de circunstâncias que, em parte. não
são essenciais. É claro que todas as circunstâncias de que depende a gravidade do crime são
circunstâncias de um facto típico, e como tais, relativas ao tipo, mesmo que não sejam elas
próprias típicas, além de que, para fundar maior pena têm que ser abrangidas pela culpa. Mas
há que distinguir aquelas circunstâncias que fundamentam quer a subsunção quer uma certa
gravidade do crime, daquelas circunstâncias que são irrevelantes para a subsunção e só fazem
variar a medida da culpa. Exemplos das primeiras são o dolo e a negligência. Assim, por
exemplo. o dolo directo e o necessário são mais intensos e, nessa medida, mais gravemente
culposos, do que o dolo eventual. pelo que justificam, segundo a al. b) do art. 72º, maior pena:
quer dizer. nomeadamente, que as mesmas circunstâncias de facto descritas no nº 2 do art. 14º
( dolo necessário) que, em alternativa com as descritas no nº 1 e nº 3 do mesmo artigo,
35
Maurach-Zipf, II, § 63, I, Rn. 19.
fundamentam diferentemente a subsunção, fundamentam também por diferença com as do nº
3, maior culpa e, logo, uma mais grave medida da culpa da pena. Do mesmo modo. a reflexão
sobre os meios empregados fundamenta a existência do dolo, na medida em que não há dolo
sem deliberação e a reflexão não é mais do que uma deliberação mais intensa, e fundamenta a
agravação característica da premeditação. O que caracteriza as circunstâncias que se acabam
de referir, é ser idêntica a descrição da circunstância, enquanto fundamenta a subsunção e
enquanto fundamenta a graduação da culpa. Outras circunstâncias de dupla função -
subsuntiva e graduadora - têm uma descrição diferente em cada função. Assim, o dolo
eventual, de que se acabou de falar, implica um fim não típico da acção que não interessa à
subsunção, mas que influi na graduação da culpa. Do mesmo modo os outros fins ou motivos
que determinaram o agente mencionados na segunda parte da al. c) do nº 2 do art. 72º são
elementos constitutivos da vontade criminosa que não interessam à sua descrição típica. O
mesmo se diga do modo de execução do crime, das circunstâncias que fundam um certo grau
de ilicitude ou de violação dos deveres impostos ao agente (al. a) do nº 2 do art. 72º).

Já quanto à «conduta anterior ao facto e a posterior a este» especialmente quando esta


seja destinada a reparar as consequências do crime» (al. e) do nº 2 do art. 72º) é claro que não
são abrangidas pelo tipo. Como podem ser abrangidas pela culpa pelo facto, se esta não existe
antes dele e não se modifica depois dele? A resposta é que só interessam como indício da
culpa 36, da capacidade do agente, por exemplo, de resistir aos impulsos criminosos, dada a
sua vida passada, ou da maior ou menor intensidade do dolo, dado o modo impulsivo ou
premeditado como se comporta a seguir. Em especial, o comportamento com o fito de reparar
as consequências do crime torna provável concluir que o crime era inadequado à
personalidade do agente, pelo que não serão de presumir ao praticá-lo os mesmos desvios do
carácter e da motivação, a mesma atitude de inimizade ao direito, que o comportamento
contrário indicia. O que vale para a conduta passada vale também para as condições pessoais
do agente e para a sua situação económica (al. d) do art. 72º) e ainda para os sentimento
manifestados na preparação do crime (primeira pane da al. c) do mo 72º).

36
Assim, Bruns, ob. cit., p. 562 SS. (cf. especialmente p. 572), onde se demonstra ser esta a orientação
dominante da jurisprudência alemã; cf. o mesmo em Welzel-Festschrift, p. 755 s., Horn, StGB, Systematischer
Kommentar, § 46 Rn. 74 ss.
A gravidade das consequências do facto (al. a) no nº 2 do art. 72º) pode reportar-se ao
resultado típico e então equipara-se às circunstâncias de dupla função subsuntiva e
graduadora, ou circunstâncias atípicas e equipara-se às circunstâncias meramente indiciadoras
da culpa. Mas na última hipótese há que restringi-las às consequências com um nexo de
ilicitude 37 ao resultado típico, ou ao acto típico nos crimes de mera actividade, isto é, à lesão
ou ao pôr em perigo dos bens jurídicos que a norma incriminadora visa proteger. Esse nexo
faltará, por exemplo, entre a extorsão praticada por uma prostituta na ocasião de prestar os
seus serviços e o perigo moral a que esta prestação expõe os filhos menores que com ela
vivem na mesma casa 38.

Esta solução da questão da relevância das consequências do facto para a medida da


culpa baseia-se em que ilícito material e a culpa são conceitos gradativos, já como elementos
do crime e, por isso, não apenas enquanto factores da medida da pena, como mostrou
Mezger39 , e em que a culpa varia com as variações da ilicitude. É certo que a culpa tem
factores autónomos de variação, sem eles não há culpa e eles podem fazê-la variar em sentido
contrário à variação do ilícito. Mas a diferença da base de facto, ou dos critérios de valoração,
da culpa e do ilícito, não é razão para um conceito gradativo da culpa diferente do da teoria do
crime 40, porque a base ou critério da culpa abrange integralmente o ilícito culposo e só este
fundamenta a pena.

Resta saber como integrar as circunstâncias que fazem variar o quadro de medida da
culpa dentro da medida da pena na análise do crime. Não posso agora desenvolver uma teoria
dos elementos da culpa como elemento da infracção que abranja sistematicamente todas as
circunstâncias que podem fazer variar a medida da culpa da pena. Tenho que limitar-me a
assinalar um ponto desse programa dogmático, que completa o que foi dito acerca da culpa na
formação da personalidade. Como integrar as várias circunstâncias, algumas anteriores ou

37
Assim, Horn, ob. cit., § 46 Rn. 69, 70.
38
Assim, Horn, ibid., e Bruns, Strafzumessungsrecht, p. 425, contra a decisão oposta do BGH, 4 StR, 120/66.
39
Lehrbuch, p. 499.
40
Como querem Bockelmann, Strafrecht, Allgemeiner Teil, 12 IV , e Aschenbach, ob. cit., p. 13. Este último
invoca ainda um argumento a favor da diferença de conceitos, derivado do diferente tratamento processual da
exclusão da culpa e da culpa diminuta, que supõe à partida o que falta provar: que esta última não tem cabimento
na teoria do crime.
posteriores ao facto, e que dizem respeito mais directamente à personalidade do agente, na
culpa referida ao facto ? Creio que haverá que admitir aqui, na esteira, por exemplo, de
Novaskowski 41, um elemento caracterológico, que tem a ver, não com os aspectos dinâmicos
do facto, mas com a maneira de ser do delinquente ao praticar o crime. Nada impede
descrevê-lo, seguindo Eduardo Correia, como a omissão do dever de dominar tendências para
o crime ou de conformar a personalidade na medida do exigível pelo direito penal. É uma
questão de descrição ou individualização desse dever a relação que tem com o dever mais
geral de motivação normal pelo ilícito, cuja violação baseia a culpa, isto é, o dever de
conhecer e avaliar a ilicitude do facto e de se motivar por esse conhecimento como o direito
espera de «Uma pessoa identificada com os valores juridicamente protegidos, na expressão
dos §§ 10 e 32 secção 2 do Código austríaco. Trata-se de definir neste caso um critério de
medida que visa as atitudes perante o valor e os tipos de carácter, que o direito espera do
cidadão leal ao direito na situação de vida do agente no momento do facto. Trata-se aqui de
um dever ser, é verdade, e não dos critérios de facto, do poder concreto do agente. Só que a
violação desse dever depende do poder, das capacidades concretas do agente. Ultra posse
nemo tenetur, tanto na violação do dever de praticar o acto que funda o desvalor da ilicitude,
como na violação do dever de motivação pela ilicitude, que funda o desvalor da culpa. Somos
assim levados a uma extensão da teoria normativa da culpa, que. tal como em Goldschmidt 42,
supõe uma norma de culpa que tem como objecto aspectos diferentes do comportamento e
funda um desvalor que, se varia não-autonomamente em função da ilicitude, varia também
autonomamente em função de outros elementos do facto, entre eles as atitudes e os modos de
ser do agente. Impõe-se também aqui definir critérios gerais de um dever de cuidado de não
violar a norma de culpa. Já não acompanhamos Nowakovski quando diz neste contexto que
«também a culpa não depende de um poder subjectivo, mas de um dever ser com validade
geral, que novamente, é certo, tem em conta os dados subjectivos do agente em tudo que não
seja a vinculação ao valor»43. Um desses dados subjectivos pressupostos pelo dever ser da
culpa é precisamente a capacidade concreta do agente de se motivar pelas normas, no mesmo
41
Perspektiven, p. 152 ss; Wiener Kommentar, Vorbem. zu §§ 3-5 Rz. 45, 48.
42
Cf. Frank-Festgabe, I, p. 428 ss. Goldschmidt viu bem que a teoria normativa da culpa implicaria uma norma
de culpa (a que chamou norma do dever) com diferente objecto da norma da ilicitude (a que chama norma jurí-
dica), mas indentificou erradamente esta diferença de objecto com a diferença entre o elemento objectivo (o
comportamento exterior) e o subjectivo (a motivação) do crime.
43
Wiener Kommentar , Vorbem. zu §§ 3-5, Rz. 46.
sentido de «capacidade» da capacidade de escolher agir ou não agir de certa forma, sem a qual
não há agente, nem deliberação, nem decisão, nem intenção, nem norma 44.

Quando este programa dogmático estiver preenchido, a teoria do crime abrangerá a


das circunstâncias de que depende a medida da culpa no quadro mais vasto da medida legal da
pena.

IV . Culpa como limite máximo, como limite máximo e mínimo ou nem uma coisa
nem outra ?

O eliminado art. 2º do Projecto dizia que «a medida da pena não pode exceder
essencialmente a da culpa».

«Isto significa - dizia Eduardo Correia - que o juiz quando mede a pena não pode
abstrair do seu fundamento ético. Simplesmente, não deve esquecer os fins de prevenção, que
podem por vezes obrigá-lo a afastar-se alguma coisa daquele quantum que uma mera
consideração puramente ética forneceria». A contradição com a teoria do quadro de medida
da culpa evitar-se-ia dizendo que se dá uma permissão ao juiz para atender a fins de
prevenção - exactamente até ao ponto em que a essência da pena (a culpa do agente) não seja
tocada» 45. Trata-se de uma fórmula que nos aproxima da teoria do BGH que só considera
fins preventivos entre os limites da pena que já não é sentida como ajustada à culpa e da que
ainda é sentida como ajustada à culpa, embora não tenha que ser a mais ajustada, isto é,
situar-se ao meio. O problema aqui resulta de a fórmula do Projecto ter sido afastada pelo
Código, que não atende à prevenção apenas nos limites da culpa-quadro, mas que manda
menos precisamente «ter ainda em conta» a prevenção. Olhando só a letra, pode ter-se em
conta dentro do quadro da culpa, e ter-se em conta para fazer variar a pena acima ou abaixo
desse quadro.

44
Cf. Von Wpight, Freedom and Determination, 1980, p. 79.
45
Actas, vol.I p., 55.
A questão deve decidir-se segundo os princípios mais gerais do direito penal. Quanto
ao limite máximo, acima dele há pena sem culpa, o que viola o princípio da culpa. Com
excepção da letra do art. 72º, nada na lei, a começar na Constituição, permite pensar que pode
haver pena, ou mesmo só uma parte dela, sem culpa. Quanto ao limite mínimo, o princípio da
legalidade revela que nem toda a culpa tem que ser punida. Se pode haver culpa sem pena,
também pode haver culpa com menos pena que a adequada à culpa.

Em que caso? Penso que, por obediência à primazia do fim da culpa, apesar de tudo
resultante da letra do art. 72º, os fins de prevenção só são de considerar em casos extremos.
Casos extremos são aqueles em que se torna impossível toda a prevenção especial ou se torna
impossível a prevenção geral necessária. Passamos assim aos dois últimos problemas.

V. Como se tem em conta a prevenção especial ?

Do nº 1 do art. 72º resulta a obrigatoriedade de se terem em conta as exigências da


prevenção de futuros crimes na medida judicial da pena 46. Os trabalhos preparatórios revelam
47
que se teve em mente tanto a prevenção especial como a geral e o facto de tanto uma como
outra serem tidas em conta na determinação judicial da pena em sentido amplo bastaria para o
justificar. Assim, nomeadamente, a prevenção especial é expressamente referida nos arts. 44º,
nº 1, 48º, nº 2, 49º nº 1, 53º nº 71º, 76º, nº 1 e a prevenção geral nos arts. 48º nº 2, 53º nº 1,
71º e 75º nº 1. As exigências da prevenção em qualquer das suas formas medem-se pela
perigosidade. Ora o juízo de perigosidade distingue-se fundamentalmente do de culpa por ser
um juízo de prognose em função da probabilidade de futuros crimes e não ser em razão do
facto passado. Por consequência, o momento racional a ter em conta para julgar das
exigências da prevenção é o da sentença e não o da prática do facto.

46
Exclui-se assim a «Stellenwerttheorie» (Henkel, Die «richtige» Strafe' 1969; Schöch em Festschrift fiir
Schaffstein, 1975, p. 255 ss.; Horn, ob. cit., § 46, III e em Festschrift Schaffstein, p. 241 ss.), que só considera
fins preventivos depois de medida a pena exclusivamente pela culpa, para o efeito de escolher ou substituir a
pena, de a dispensar ou de suspender a sua execução.
47
Actas, II, p. 123.
Tais diferenças entre prevenção e culpa tomam-se particularmente relevantes para
decidir a questão da ponderação das circunstâncias do nº 2 do art. 72º em sede preventiva.
Com efeito, no Projecto Eduardo Correia elas eram penas factores de graduação da culpa. A
imagem subjacente à ideia de que são atendidas enquanto «deponham a favor do agente ou
contra ele» é de um tribunal com testemunhas de acusação e defesa do réu do ponto de vista
da sua culpa e mal se adapta a uma ponderação de indícios de perigosidade: no juízo de
perigosidade não se conhece acerca de um agente, objecto de depoimentos de parte, mas
acerca da probabilidade de crimes futuros, objecto de suposições ou conjecturas. Por outro
lado, é claro que algumas das circunstâncias do nº 2, como as das al. d) e e), têm muito mais
interesse como indícios de perigosidade do que como indícios de culpa. Era, aliás, nessa dupla
qualidade que as consideravam os Projectos alemães de 1959 e 1962, que serviram de
modelo: tais circunstâncias, lê-se no relatório justificativo deste último, «são relevantes, não
só para a gravidade da culpa, mas também para o modo como 2 pena é de medir tendo em
48
consideração as restantes tarefas que tem a cumprir» . As circunstâncias do nº 2 seriam
assim, segundo fórmulas da doutrina alemã para receito paralelo (§ 46, secção II do Código
alemão), «duplamente relevantes», baseando uma «medida da pena de via dupla», isto é, por
via da culpa e por via da perigosidade49 . E neste contexto não terá sido insignificativa a
substituição no nº 2 da parte de frase do Projecto de 1963 na apreciação da medida da culpa
do agente pelo facto e pela sua personalidade» pela parte de frase «na determinação da pena»
na proposta de lei n. c 117/I de 1977 e depois no Código. Deve, por conseguinte, entender-se
que as mesmas circunstâncias, que fundamentam uma medida da culpa no momento do facto,
podem fundamentar uma medida da perigosidade no momento da sentença e vice-versa, sem
necessária correspondência (podem nomeadamente fundamentar perigosidade mas não culpa).

Como conciliar a obrigatoriedade de ter em conta a prevenção especial com o


mandamento de medir 2. pena em função da culpa ? Desde logo, dentro do âmbito da medida
da pena pela culpa, há que recorrer à prevenção especial para fixar a pena dentro do quadro
assim primeiro determinado. Deve fixar-se, em princípio, a pena no ponto da escala
correspondente à culpa que melhor sirva as exigências da prevenção especial.

48
E 1962- Bundestagsvorlage, p. 118.
49
Veja-se Bruns, em Festschrift für Dreher, 1977, p.251, ss.
Este princípio continua a valer, mesmo quando a simples consideração da prevenção
especial levaria a uma pena que não cabe no âmbito da culpa. Pode assim acontecer que a
defesa contra a perigosidade do agente, só por si, justificasse uma medida da pena mais grave,
do que a abrangida pela culpa. Há, então, que ficar por esta última, para não violar o princípio
da culpa. E pode acontecer que uma pena inferior à da culpa já seja provavelmente suficiente
para evitar futuros crimes do agente, como será o caso de muitos criminosos ocasionais.
Deverá então perguntar-se se a prevenção especial ainda pode ser conseguida com a pena
mínima ainda adequada à culpa, embora naturalmente com maiores custos para o agente e
para a sociedade. Prevalece na hipótese essa pena, postergando-se os critérios da pura pre-
venção especial, que incluem o da necessidade racional, e implicam o menor custo possível,
da sanção. Esta solução resulta da primazia do fim da retribuição da culpa sobre os fins
preventivos, que está implícita na redacção do n.º 1 do art. 72. o e no sistema da lei.

E quando a medida da pena pela culpa for incompatível com as exigências da


prevenção especial, por mesmo o limite mínimo daquela medida ter um efeito
necessariamente dessocializante? Particularmente importantes são aqueles casos de
delinquentes recuperáveis em que o limite mínimo da pena adequada à culpa ainda é tão
elevado que nem a liberdade condicional poderá impedir prisão por mais de cinco anos. Ora
as indicações dos peritos criminológicos sobre a duração da prisão necessária para uma
ressocialização têm como limite máximo cinco anos 50. É de admitir que em personalidades
fortemente desviadas do normal seja indicada uma duração até cinco anos, ao passo que para
51
delinquentes menos prejudicados na sua socialização bastará uma prisão até dois anos .
Assim sendo, uma pena de prisão superior a dez anos terá nestas hipóteses um efeito
necessariamente incompatível com o fim da prevenção especial. Mas o art. 72º, nº 1 impõe
que este fim seja tido em conta. Deve entender-se que a sociedade e o juiz «têm o direito e o
dever - nas palavras de Gallas - de vigiar de modo a que, desde que tal não seja exigido por
razões cogentes de protecção jurídica, o tratamento do agente segundo o que merece não seja
50
Como já entendia Franz Von Liszt: vejam-se as citações e indicações coincidentes da mais recente
criminologia em Schöch (que invoca Schaffstein, Peters, Grassberger, Göppinger, Schüler-Springorun,
Hoeck-Gradenwitz, Stürup) em Festgabe fiir Schaffstein, p. 262 s.
51
Assim, Roxin, em Festschrift fiir Bruns, p. 199.
comprado com o perigo da sua dessocialização 52. A sociedade não é apenas responsável pela
protecção dos seus membros perante o criminoso, tem também uma responsabilidade, perante
este último, de contribuir para a sua possível recuperação. Nestes casos toma-se necessário
desistir de uma parte da pena correspondente à culpa para respeitar o mandamento legal de ter
em conta a prevenção especial.

VI. Como se tem em conta a prevenção geral?

Deverão estas conclusões ser modificadas para ter também em conta a prevenção
geral ?
Creio que não. Com efeito, na determinação da pena em sentido amplo, os regimes da
dispensa de pena (art. 75º, n.° 1), da suspensão da execução da pena (art. 48º, nº 2), do regime
de prova (artº 53º, nº 1) revelam que a prevenção especial, que em exclusividade justifica a
escolha por tais regimes, tem a primazia sobre a prevenção geral, até ao limite das
«necessidades da prevenção geral», para usar a própria expressão do art. 75º, nº 1. O mesmo
vale, por identidade de razão, para a medida judicial da pena. Além disso, deve considerar-se
que, sendo as necessidades de prevenção geral determinantes da própria medida legal da pena,
enquanto a pena se mantiver dentro desses limites, e é esse o âmbito de aplicação do art. 72º,
está em princípio garantida a satisfação daquelas necessidades. Só não será assim quando seja
de admitir que a própria lei quis deixar ao juiz, dentro de certos limites, a medida das
necessidades de prevenção geral, em função de circunstâncias que implicam diferenças de
ilicitude material - que fazem variar correspondentemente a culpa - dentro do mesmo tipo de
crime. A extensão entre o máximo e o mínimo da medida legal da pena de certos crimes (que
chega a ser de quinze anos no art. 189º e é frequentes vezes de dez, nove ou oito anos) é um
sinal dessa intenção da lei. Mas mesmo então a prevenção geral nunca pode aprovar a pena
acima da medida da culpa e só intervirá como impedimento excepcional 53, que se opõe (arts.
53º nº 1, 75º nº1) à relevância da prevenção especial para determinar a pena dentro da medida
da culpa e abaixo dela. É de notar que na enumeração das circunstâncias que graduam a pena
52
ZsTW, 8o, p.4. Assim, também em especial Roxin, em Festschrift für Bruns, p. 198 ss.
53
Assim, Maurach-Zipf, II, § 63, I, Rn. 101, 102.
dentro da sua medida legal (assim o nº 2 do art. 72º) não há nenhuma que faça variar as
exigências preventivas gerais independentemente das circunstâncias que fundamentam a
ilicitude material do caso concreto e são abrangidas pela culpa. Não são, portanto, de admitir
considerações relativas ao aumento geral da criminilidade ou à frequência de crimes de certo
tipo (acidentes de trânsito mortais, por exemplo) para justificar a irrelevância total ou parcial
da prevenção
especial 54. Estas considerações genéricas não têm lugar na individualização judicial da pena e
implicariam uma proibida dupla valoração das circunstâncias típicas, contra o nº 2 do artº 72º.

A solução contrária é uma constante tentação da prática judicial, deverá entender-se


que ao legislador, ao fazer intervir a prevenção geral como mera excepção à prevalência da
prevenção especial para graduar a pena dentro da medida da culpa ou abaixo dela, quis evitar
os perigos daquela tentação. Tais perigos são, como é sabido: a parcialidade e a
emocionalidade da decisão sob o impacto do caso concreto, a inconstitucional
instrumentalização do indivíduo criminoso como meio de atemorizar os outros, em nome da
utilidade geral, o desrespeito pela separação de competências entre o legislador penal e o juiz,
e a reduzida racionalidade da opção por uma alternativa de prevenção geral, em face da falta
de base empírica para afirmar que uma certa medida da pena - e não a simples descoberta e
punição do crime - tem um efeito intimidante geral diferenciado do de uma pena alternativa.

54
Sobre necessidade de se verificarem circunstâncias especiais no caso concreto - como o reforçado e comprovado
alastramento, ou enfraquecimento da reprovação social (como quanto aos crimes do nazismo, dada a persistência da
ideologia), daquele tipo de crime naquelas circunstâncias - cf. Bruns, Strafzumessungsrecht, p. 404 ss. e G. Hirsch, StGB,
Leipziger Kommentar, 10 ed., § 46, Rn. 21-25.

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