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1 Introdução
Com o envelhecimento da nossa Consolidação das Leis do Trabalho em comparação co
m o novo Código Civil e o constante processo de modernização do Código de Proces
so Civil, bem como a ampliação da competência da Justiça do Trabalho operada pel
a EC nº 45/2004, os operadores do direito tem sentido uma maior necessidade de s
e valerem dos preceitos do direito comum na esfera trabalhista. A própria CLT em
seu artigo 8º, parágrafo único, autoriza essa subsidiariedade do direito comum
em auxílio do Direito do Trabalho (na ausência de lei específica e não havendo i
ncompatibilidade com os princípios fundamentais trabalhistas).
A utilização de dispositivos legais do direito comum pelo Direito do Trabalho é
o que a doutrina convencionou chamar de integração do Direito do Trabalho, que s
egundo Gustavo Filipe Barbosa “[...] tem a finalidade de suprir as lacunas do si
stema jurídico, ou seja, resolver o problema da ausência de norma jurídica espec
ífica regulando determinada situação. A integração concretiza o princípio da com
pletude do ordenamento jurídico.”
Dentre os dispositivos do novel diploma civilista aplicados na esfera trabalhist
a um em especial tem causado certa polêmica, qual seja o parágrafo único do arti
go 404.
Dispõe o referido diploma legal:
Art. 404. As perdas e os danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão p
agos com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecid
os, abrangendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena conv
encional.
Parágrafo único. Provado que os juros da mora não cobrem o prejuízo, e não haven
do pena convencional, pode o juiz conceder ao credor indenização suplementar. (
grifo nosso)
Analisando o dispositivo, percebe-se que o preceito nele contido tem grande apli
cabilidade nas relações de trabalho, uma vez que a principal obrigação do empreg
ador durante a execução do contrato de trabalho consiste no pagamento de salário
(dentre outras verbas de cunho laboral), ou seja, quantias em dinheiro, sendo c
erto que o inadimplemento dessas obrigações durante o curso do contrato acarreta
danos ao trabalhador que, por sua vez, podem ser superiores aos juros de mora.
Assim, havendo prova nos autos de que os juros não cobrem os prejuízos experimen
tados pelo obreiro, poderá o juiz trabalhista conceder uma indenização suplement
ar.
2 A aplicação de ofício do artigo 404, parágrafo único, do código civil
Muito se discute na doutrina e na jurisprudência sobre a possibilidade da aplica
ção de ofício pelo magistrado trabalhista do preceito contido no artigo 404, par
ágrafo único, do Código Civil (Lei 10.406/02).
Tal discussão restou ainda mais acirrada com a aprovação da proposta de número 1
4, de autoria do renomado jurista Jorge Luiz Souto Maior, na 1ª Jornada de Direi
to Material e Processual da Justiça do Trabalho, de 23 de novembro de 2007, assi
m ementada:
4. “DUMPING SOCIAL”. DANO À SOCIEDADE. INDENIZAÇÃO SUPLEMENTAR. As agressões rei
ncidentes e inescusáveis aos direitos trabalhistas geram um dano à sociedade, po
is com tal prática desconsidera-se, propositalmente, a estrutura do Estado socia
l e do próprio modelo capitalista com a obtenção de vantagem indevida perante a
concorrência. A prática, portanto, reflete o conhecido “dumping social”, motivan
do a necessária reação do Judiciário trabalhista para corrigi-la. O dano à socie
dade configura ato ilícito, por exercício abusivo do direito, já que extrapola l
imites econômicos e sociais, nos exatos termos dos arts. 186, 187 e 927 do Códig
o Civil. Encontra-se no art. 404, parágrafo único do Código Civil, o fundamento
de ordem positiva para impingir ao agressor contumaz uma indenização suplementar
, como, aliás, já previam os artigos 652, “d”, e 832, § 1 , da CLT. (grifos do o
riginal)
O enunciado em questão é fruto da tese do autor aprovada pela ANAMATRA e que aba
ixo transcrevemos seus principais pontos:
Tese: As agressões reincidentes aos direitos trabalhistas geram um dano à socied
ade, pois com tal prática desconsidera-se, propositalmente, a estrutura do Estad
o social e do próprio modelo capitalista com a obtenção de vantagem indevida per
ante a concorrência. A prática, portanto, reflete o conhecido “dumping social”,
motivando a necessária reação do Judiciário trabalhista para corrigi-la, mesmo p
or atuação “ex officio”.
O dano à sociedade configura-se ato ilícito, por exercício abusivo do direito, j
á que extrapola limites econômicos e sociais, nos exatos termos dos arts. 186, 1
87 e 927 do Código Civil. Encontra-se no 404, parágrafo único do Código Civil, o
fundamento de ordem positiva para impingir ao agressor contumaz uma indenização
suplementar, revertendo-se esta indenização a um fundo público.
[...]
Conforme dispõe o art. 404, do Código Civil, a indenização por perdas e danos, e
m casos de obrigações de pagar em dinheiro (caso mais comum na realidade trabalh
ista) abrangem atualização monetária, juros, custas e honorários, sem prejuízo d
e indenização suplementar, a ser fixada “ex officio” pelo juiz, no caso de não h
aver pena convencional ou serem insuficientes os juros para reparar o dano.
Tal dispositivo, portanto, tanto pode justificar a fixação de uma indenização ao
trabalhador, de caráter individual, diante da ineficácia irritante dos juros de
mora trabalhista, quanto serve para impor ao agressor contumaz de direitos trab
alhistas uma indenização suplementar, por dano social, que será revertida a um f
undo público, destinado à satisfação dos interesses da classe trabalhadora. (de
staques originais)
De fato, em se tratando de reparações por lesões a direitos trabalhistas, a inde
nização suplementar prevista no parágrafo único do art. 404 do Código Civil é co
mpatível com os princípios do processo laboral, especialmente no ponto em que nã
o há dano moral a ser indenizado, sendo certo que a indenização suplementar pode
, eventualmente, aproximar o valor da reparação àquilo que o empregado efetivame
nte perdeu.
É sabido e consabido que muitas empresas são clientes assíduas das Varas do Trab
alho, e se recusam terminantemente a cumprirem a legislação em vigor, certas de
que, assim o fazendo, serão beneficiadas não somente pela economia gerada pela s
onegação de direitos consolidados, uma vez que nem todos reclamam perante a just
iça especializada do trabalho com medo de ficarem estigmatizados no mercado do t
rabalho, bem como contam com a possibilidade de acordos vantajosos em mesa de au
diência.
Desta feita, uma vez comprovado pelo magistrado que há acintosa sonegação de dir
eitos por parte da empresa, concordamos com a tese da aplicação de ofício do ref
erido dispositivo, uma vez que tal prática além de configurar o chamado “dumping
social”, fere a função social do contrato e gera concorrência desleal, sendo nã
o somente ofensiva ao Direito do Trabalho, mas também ao Direito Constitucional
no que tange a Ordem Econômica e Financeira.
Ora, por óbvio que os juros moratórios previstos na legislação consolidada não c
obrem todo o prejuízo experimentado pelo trabalhador, sendo certo que tal obreir
o, nesses casos, tem seu padrão de vida diminuído pela conduta da empresa. Assim
sendo, havendo prova que houve descumprimento voluntário e reiterado por parte
da reclamada de normas consolidadas, a mera reparação do prejuízo com a aplicaçã
o de juros moratórios se mostra insuficiente, sendo salutar a aplicação de ofíci
o do preceito em questão.
3 O artigo 404, parágrafo único, do código civil e os honorários advocatícios
Vale ainda lembrar que muitos obreiros ao ajuizarem reclamação trabalhista (quan
do não assistidos por sindicato ou quando não fazem uso do jus postulandi), ao f
inal, uma vez vencedores da demanda, devem pagar honorários advocatícios aos seu
s patronos, sendo que nesses casos acabam recebendo apenas setenta por cento do
montante total da condenação, pois a praxe da justiça do trabalho consiste no pa
gamento de trinta por cento a título de honorários.
Tatiana Guimarães Ferraz, em artigo intitulado “Verba Polêmica”, relata a aplica
ção do referido artigo 404, parágrafo único, por magistrados trabalhistas como m
eio de compensação em razão do desconto que sofrem os trabalhadores vencedores d
as reclamatórias com o pagamento de honorários advocatícios:
De acordo com os referidos artigos do Código Civil, as perdas e danos abrangem o
s chamados honorários contratuais, por terem como escopo a restituição integral
daquele que foi obrigado a ingressar em uma demanda judicial para postular direi
tos ou defender interesses, tendo, para tanto, constituído advogado.
A partir disso, em recentes decisões, alguns magistrados, mesmo sem pedido da pa
rte - incorrendo no chamado julgamento extra petita - passaram a condenar as emp
resas ao pagamento da mencionada indenização do art. 404 do Código Civil, justif
icando que esta serviria para ressarcir os honorários advocatícios do patrono do
Reclamante. Ou seja, trata-se de disfarçados honorários advocatícios sob o mant
o de indenização.
Nesses casos, as empresas são condenadas ao pagamento de 30% a título de indeniz
ação, eis que a praxe é que os advogados de Reclamantes acordem neste mesmo perc
entual com seus clientes para o recebimento dos honorários.
Tal tese , que nos parece guardar estreita correlação com os direitos fundamenta
is e estar de acordo com os princípios informadores do direito laboral, não tem
prosperado nos tribunais, sendo certo que, em sua grande maioria, as sentenças q
ue dela fazem uso são geralmente reformadas:
EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E MORAL DECORRE
NTE DE ACIDENTE DO TRABALHO. NEXO CAUSAL. CULPA DA EMPREGADORA. HONORÁRIOS ADVOC
ATÍCIOS.
[...]
II- Na Justiça do Trabalho a Lei 5.584/70 é que estabelece o cabimento de honorá
rios advocatícios. Uma vez não preenchidos os requisitos ali estabelecidos, inde
vida a verba honorária.
[...]
2- Da indenização por perdas e danos do artigo 404 do Código Civil / Dos honorár
ios advocatícios
O julgador de 1ª instância entendeu que a reclamada teria a obrigação de reparar
integralmente o dano sofrido, o que incluiria a despesa com honorários advocatí
cios. A reclamada recorre quanto a este ponto.
Razão assiste à reclamada.
Na Justiça do Trabalho a Lei 5.584/70 é que estabelece o cabimento de honorários
advocatícios. Uma vez não preenchidos os requisitos ali estabelecidos, que é o
caso dos autos, indevida a verba honorária. Ressalta-se que o artigo 133 da Cons
tituição Federal de 1988 não teve o condão de afastar o jus postulandi na Justiç
a do Trabalho.