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Nopolitonee Megas Flavio Gomes Negros e politica (1888-1937) | Jorge ZAHAR Editor | Rio de Janeiro Cosyright © 2005, Flavio dos Santos Gomes Copyright desta ego © 2005: ‘Jorge Zahar Editor Lada ‘ua México 31 sobceloja 20031-144 Rio de Janeiro, RJ ‘el: (21) 2240-0226 / fax: (21) 2262-5123 ‘mull: jze@zaharcom br site: wowwzahar.com,br ‘Todos os direitos reservados. A reprodusio nio-ancorzada desta publicagio, no todo ouem parte, constitu volagdo de dictos autora. (Lei9.610/98) Preparasdo de originais: Rita Jobim Revisio ipoguifica: Maria Helena Torres ¢ Hénrique Tarnapolsky Composicio eletcénica: Top Textos EdigBes Grficas Lida. Inapressio: Geogrifca Editora ‘Capa: Sérgio Campante Vinheta da colego: itustragio de Debret CAP-Brasil, Catalogaso-na-fonte Sindicato Nacional dos Editors de Livros, Ry Gomes, Flivio dos Santos G6l4n__ Negrose politica (1888-1937) / Févio Gomes. — Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed, 2005 iL ~ (Descobrindo © Brasil) Inui tbliografia ISBN 85-7110.876-5, 1, Negros ~ Brasil —Condigées sociss. 2. Escravos —Emancipagia +, Brus — Hiscéria. 3. Negros ~ Politica govemnamencal ~ Brasil — Histéria. 4. Brasil ~ Relagbes racinis ~ Histéra, 5, Igualdade. 6. “Movimentossociais, I. Tilo, I. Série. CDD 305.896081, 05-2429 CDU 316.356-4(~414/=45) S40 da biblioteca ficou a cargo de um negro de Trini Tobago chamado John. Boden Partidos e pedagos na Frente Negra Brasileira Pesquisas mais sisteméticas podergo tevelar que, além da imprensa ¢ das associagdes negras dos anos 20, Outtos personagens e atuagées politicas também esta. vam voltados para a questéo racial. Os debates relacio- nados 20 tema nao foram exclusivos das associagGes ¢ dos jornais. Certamente, emboracom outros enfoques, havia mobilizacao racial em sindicatos, cultos religiosos © espagos de lazer, como a miisica eo futebol de vircea, Cotteia Leite referiu-se a vétios personagens que co- mheceu ou de que ouviu falar quando iniciava sus militincia no “meio negro” na década de 1920. Nos anos 10, Jaime Camargo ¢ outros tentaram ctiar a Federacio dos Homens de Cor. Houve debates ¢ dis- sidéncias. Muitos se notabilizaram como oradores ou mesmo como porta-vozes da questo do Preconceito em debates e na imprensa. Havia 0 advogado Monteiro Lopes, que morreu louco. Ouo “negro velho” Salvador de Paula, que criou a entidade Amigos da Pitic, Menos conhecida ainda é a trajetéria do Dr. Jacarand4, ‘Mmuitas vezes narrada em tom folclérico, Ele é mencio- nado como um dos primeiros candidatos presidéncia 446 (rr NeaRos € pouinca, da Reptiblica (0 foinas eleigoes de Nilo Peganhae Artur Bernardes) a adotar o discurso éxpticito de sua condi- go social de negro. Uma das liderancas mais impor- tantes dos anos 30 —e praticamente desconhecida — foi Vicente Ferreira. Destacado orador, inicialmente radicado no Rio de Janeiro e depois em Sio Paulo, fez importantes discusos mobilizadores. Atuou na Frente Negra e na Legido Negra, exercendo grande influéncia € sendo muito respeitado por jornalistas e lideres gros. E tido como um dos responsaveis pela general zagio do uso da denominacio “negros” — em substi- tuigdo a “classes de cor” — no vocabulério politico das liderangas ¢ associagdes da época. Trata-se de um per- sonagem que precisa ser mais estudado. Apesar dos diversos jornais e entidades criados desde © final do século XIX, na rara literatura a respeito ctistalizou-se uma imagem das associagdes negras como pouco organizadas ¢ nao politizadas. Isso por supostamente nao haver interesse de suas liderancas no sentido de ampliagio ou de intervencéo politica a partir de um conjunto de reivindicagées mais especifi- cas. Sem pesquisas sisteméticas que incluam outras 4teas além de Sao Paulo, esse tem sido um argumento repetido de forma generalizada. No entanto, é muito complicado generalizar criar uma imagem homoge- nea para diferentes associages, estratégias ¢ objetivos. Na verdade, os periddicos em que algumas reconstitui- +45. FAQ Gomes: ges histéricas sempre se baseiam talvez expressem. apenas uma das faces do emaranhado maior da discus- sao e participac4o em torno dessas associagées. O jornal O Clarim d’Alvorada, fundado por Jayme de Aguiar e José Correia Leite, jé propunha, em 1925, a realizaggo de um Congresso da Mocidade dos Ho- mens de Cor, com 0 objetivo de criar “um grande partido composto exclusivamente de homens de cor”. A idéia nao prosperou, mas em 1926 surgia o Centro Civico Palmares, cujo nome era uma explicita home- nagem ao grande quilombo do periodo colonial. Os objetivos iniciais foram a criagdo de uma biblioteca comunitéria ea realizagao de encontros e conferéncias. Em 1928, a entidade langou uma campanha contra 0 decreto do governo paulista proibindo o ingresso dos negros na Guarda Civil de Sao Paulo. Devido a essa campanha, o governador Julio Prestes suspendeu nao 36.0 decreto como também a proibicao da participacao de criangas negras nas competigdes de “bebés cugeni- cos” promovidas pelo Servico Sanitdrio de Séo Paulo. Para autores como Florestan Fernandes ¢ Reid An- drews, foram esses eventos os priméidios de uma maior mobilizacio politica da populacio negra em torno de suas organizagbes. Entre os meses de marco e agosto de 1929, O Clarim dAlvorada publicou uma série de artigos tentando mobilizar a populacao para a realiza- 40 do 12 Congresso da Mocidade Negra do Brasil. 46+ NEGROS € POLITICA Falava em “antigo sonho”. Os clamores e argumentos explicitados indicam as dificuldades para a ampla mo- bilizagéo © organizagao de uma entidade de folego nacional: © Congresso da Mocidade Negra tem que se realizar, muito embora os trinsfugas pensem que a raga no esteja preparada para o certame, dentro da estabilidade essencial. Porém, a raga espoliada fard o seu congresso, entre as angtistias ¢ as glérias do seu antepassado, baseando-se nas esperangas de uma nova redengao para a familia negra brasileira. Mas a populago negra nao estava “apdtica” ou imo- bilizada nem ficou a espera de dédivas e de integra- so das politicas piblicas, posto que, segundo Flo- estan Fernandes, 0 “pauperismo ¢ a anomia social conduziam & desilusio coletiva ¢ ao desalento coleti- vo". O surgimento ¢ a proposta da Frente Negra Brasileira'(FNB) nao representaram necessariamente excepcionalidade em termos de organizacéo negra. Em seus quadros havia muitos ativistas, freqiientad. res de bailes e de encontros promovidos por associ Bes e agremiagdes ¢ colaboradores de vitios jornais. Muitos eram de Campinas, Franca e Itu, cidades — principalmente a primeira — onde havia florescido grande ntimero de jornais e associagdes nas décadas de 1910 ¢ 20. 47+ LAvIO Gomes Surgia assim, em outubro de 1931, a FNB, contan- do com a lideranga de Arlindo Veiga dos Santos e colaboradores como José Correia Leite, Isatino Veiga dos Santos, Gervasio de Moraes ¢ Jayme de Aguiar, entre outros tantos, atuantes no Centro Civico Palma~ res, em O Clarim d’Alvorada e em outras associagées ¢ jornais. A palavra “frente” era muito utilizada no voca- bulitio politico da época. As primeiras reuniées atividades foram realizadas no saldo da entidade Classes Laboriosas. A FNB inovaria com o mecanismo de arregimentar pessoas — os denominados “cabos” — para conseguir arrecadar recursos. “ Considerando a adesio e a forca politica inicial, a ENB transformou-se quase numa febre. Surgiu em um momento de ctise econémica e transformagoes poltti- «2s, atraindo milhares de pessoas. Para a populacio negra, costumeiros perfodos de dificuldades estavam entéo mais do que nunca acompanhados de expectati- vas de mudangas. No debate scbre a inclusio de varios setores sociais, a populagio negra e suas liderancas perceberam aquele momento como importante para politizara questio racial. Com grande adesio, surgiram filiais da FNB em vétias cidades paulistas ¢ também nos estados de Minas Gerais, Espirito Santo, Bahia e Rio Grande do Sul. Tal expansio nunca significou, porém, maior centralizacao institucional. Pequenas ¢ invistveisassociagdes, assim como demandas de negros de varias regiées do pafs, pareceram ver na ENB um = 48. NesRos € potion qualificado — ¢ mesmo desejado — porta-vo2. Esti- mativas exageradas indicam 100 mil membros espalha- dos por todo o Brasil. Outtas contabilizam, somente na cidade de Sao Paulo, seis mil associados, e mais dois mil em Santos. A vozda raga? Muito do que hoje sabemos sobre a FNB foi coletado em matérias do jornal A Voz da Raga, que circulou durante quase todos os anos de existéncia da Frente. Fundado na gestio de Isaltino Veiga dos Santos como sectetério-geral da FNB, seu primeiro convidado para redator foi Deocleciano Nascimento, antigo reda- tor de O Menelick. De inicio o jornal funcionou na rua Conselheiro Botelho n.156, e depois passou para a prdpria sede da FNB, na rua da Liberdade n.196. Intitulava-se “érgao oficial da Frente Negra Brasileira’ ¢,apartir de 1934, “br- gio da gente negra bra- sileira”. Dentre seus redatores destacaram- se tambéni Pedro Pau- Jo Barbosa, Raul Jovia- no do Amaral, Mério Campos, Anténio M. dos Santos, Rubens Costa e Joao de Souza Com o lema “Deus, Pétria, Raga ¢ Familia’, 49+ Reunido da FNB, que propunha a “uniso politica e social da Gente Negra Nacional FLAvIO comes © jornal foi um porta-voz da FNB, trazendo tanto matérias sobre 0 “preconceito racial” como informa- es administrativas e organizacionais. Como organizagio, a FNB tinha varios departa- mentos — instrugao e cultura, musical, médico, de imprensa, esportivo, de artes ¢ oficios, juridico-so- cial, doutrindrio ¢ de comissio de mogos. Entre os servigos oferecidos havia consultério dentiio, salzo de barbeiro ¢ cabeleireiro. Tinha ainda caixa benefi- cente ¢ um posto destinado ao alistamento eleitoral Realizava festivais de mtisica ¢ promovia cursos de alfabetizacao e oficinas de costura. Chegou a propor a criagao de uma instituigao escolar chamada Liceu Palmares. A idéia era ministrar 0 ensino dos cursos primério, secundério, comercial e ginasial a alunos- sécios da FNB. Em sua sede, realizavam-se palestras ¢ seminérios. Posteriormente passaria a funcionar ali uma escola noturna. O infcio dos anos 30 foj 0 dpice do.periodo de cfervescéncia ¢ de expectativas-politicas de virios seto- res da populagio negra. Muita gente queria participar, principalmente os mais jovens. No interior paulista, todos ouviam falar a respeito da FNB. Tanto suas delegagdes safam da capital para visitar associagées negras locais ¢ fomentar a propaganda da entidade, como grupos chegavam do interior, destacadamente cin épocas de comemoragoes. Como outras associagbes do género, a FNB formou um grupo musical, o Rosas = 50+ NeGROS E PoLiTICA Negras, chegando a fazer apresentag6es fora da capital paulisea. Por suas atividades e mobilizagao, a sede da FNB logo se transformaria em local de atracio para vitios setores negros, Muitos jovens recém-chegados do inte- rior eram logo aconselhados a procurar a FNB. Podiam. conseguir emprego, Outros tantos vinham & procura de bailes, miisica, politica e novidades da “raga”. Ter a carteira da FNB era motivo de orgulho para muitos. Eram respeitados pela policia. Enfim, pertencer’a FNB era uma credencial importante no chamado “meio negro”. Talvez como nunca, na entao ainda recente experiéncia republicana, a questo racial aparecia tao politizada e articulada com outros temas, envolvendo nacionalidade, emprego, cidadania e politicas de imi- gracto — tudo isso, com um protagonis- mo negro bastante mobilizador. Os estatutos da FNB publicados no Didrio Oficial e registrados em novembro de 1931 muito revelam sobre suas perspectivas de atuaggo politica. Fun- dada na cidade de S20 Cyiangas estudam na escola criada pela Paulo, tinhao objetivo Frente Negra Brasileira, em 1933. ola FLAMIO GOMES de tornar-se uma referencia e conseguir abrangéncia nacional. Nao eta mais uma associacéo, ¢ sim uma frente que deveria alcangar varias regides e reunir lide- rangas ¢ iniciativas diversas no “meio negro”. Em seu artigo 1° atribufa-se o propésito de “se irradiar por todo o Brasil”. A idéia fundamental era realizar a “unizo politica € social da Gente Negta Nacional, para a afirmacao dos direitos histéricos da mesma, em virtude da sua atividade material e moral no passado ¢ para reivindicacao de seus direitos sociais e politicos, atuais, na comunhio brasileira”. Certamente pretendendo marcar seu espago de intervencio politica com relagio a outras associagSes negras (e seus respectivos jornais) da época ou das décadas anteriores, os estatutos men- cionavam a FNB “como forca social” visando a “eleva- ao moral, intelectual, artistica, técnica, profissional e fisica’, assim como “assisténcia, protesio ¢ defesa so- cial, jurfdica, econdmica e do trabalho da Gente Ne- gra”. Destacava igualmente sua perspectiva nacionalis- ta, dizendo-se ter “uma finalidade rigorosamente bra- sileira”. Sua proposta explicitava os desejos de inter- vengao e representagao politica da populacao negra, pois aruaria “como forga politica organizada”, uma vez que, para “mais perfeitamente alcangar os seus fins sociais, pleiteard, dentro da ordem legal instituida no Brasil, os cargos eletivos de representagao da Gente Negra Brasileira, efetivando a sta agao politico-social em sentido rigorosamente brasileiro”. 52+ NEGROS € POLITICA Denunciada como entidade de cardter fascista — acusaces foram feitas por vérios intelectuais, setores operérios e partidos politicos, ¢ parte delas foi repro- duzida posteriormente por muitos historiadores e so- ciélogos —, a FNB tinha uma perspectiva fortemente nacionalista. Houve, é fato, articulagao de Arlindo ‘Veiga dos Santos ¢ outros membros com o integralis- mo. De qualquer modo, o discurso integralista tinha forte penetracio popular, misturando-se com xenofo- bia, Além de sua propaganda ideoldgica e da atuagio de liderangas como Gustavo Barroso ¢ Plinio Salgado, ainda pouco sabemos sobre a penetragao do integral mo junto aos setores pobres € negros. ‘A expectativa da FNB era nao sé incluir o tema do racismo'na pauta politica como promover melhores condigées de vida, satide, educagio e emprego. Juntava suas caracter(sticas de associagao beneficente — como tantas que existiam e assim permaneceram — com um projeto de intervencéo e mobilizagao politica mais direto ¢ definido. Através das agdes de suas liderangas dos editoriais de A Voz da Raga, posicionava-se poli- ticamente sobre varias questées. Seu objetivo nao era s6 abordar o tema do racismo com tom de dentincia, mas também aproximar os setores da populacéo negra em uma organizaggo que manifestava desejos, inten- bes € expectativas mais amplas de cidadania e partici- paca. E bom destacar que as liderangas da FNB nao se +53+ Lavo Gomes isolaram: tentaram aproximar-se ¢ conquistar o apoio de intelectuais influentes, incluindo brancos € mesti- gos. Sem muito sucesso, tentariam atrair, por exemplo, © poeta Mario de Andrade. Apesar de se propor a ser uma ettidade de massas, a FNB teve certas dificuldades em ‘chegar até elas. O tom moralista de seus editoriais, censurando os setores da populagio negra que se envolviam com bebedéiras € desordens, muitas vezes provocava tensées, Houve mesmo divergéncias entre 0 pessoal da FNB e setores negros populares que participavam de bailes e ajunta- - mentos na rua Direita, na capital paulista. Além disso, o perfil de suas liderangas era de funcionérios piiblicos ¢letrados, muitos nascidos no interior paulista. Arlin- do Veiga dos Santos era professor de latim. Francisco Lucrécio era funciondrio puiblico e cirurgido-dentista. Justiniano da Costa era funcionétio dos Corteios. E Joao de Souza tinha pequeno escritério de servigos de pintura. De certa forma, estavam distantes do piblico que desejavam atingir. Pouco sabemos sobrea aproximagao da propaganda da FNB — ¢ o imaginério que projetava — com os setores negtos mais pobres e operdrios, principalmente aqueles que residiam em casebres improvisados na periferia da capital paulista, para quem a falta de sapatos, paleté € chapéu fiziam a diferenga. E bom Jembrar que a populagao negra néo estava restrita 20 suposto atraso natural do mundo rural ou ao alijamen- She NEGROS € PotiTica to do mercado de trabalho nas cidades. Apesar das, poucas referencias historiogréficas, ela ja invadia as fébricas e acupava postos de trahalhos urhanos, ainda que fosse pouco o alcance que a imprensa operdria da época tinha sobre suas aspiracoes e vidas. De ou- tio modo, se a FNB no se constituiu em um mo- vimento de massas —co- mo, alids, nenhuma ins- tituigio naquela época, vide as associagées operd- rias e anarquistas—, seria equivocado afirmar que era um movimento de — AFNB reunia varias liderancas do classe média. Tinka forca popular junto aos setores negros com mobilidade social muito limitada. No interior paulista e em outros estados, os desdobramen- tos da FNB foram diversos, ganhando perfis configuracées particulares. ‘congregando diversos setores. A FINB ea Revolugio de 1930. E. posstvel analisar as representagées construfdas em torno das idéias de raga revolugio ¢ de outros projetos de reforma e “reden- io” nacional a partir do processo de mobilizagao negra em Sio Paulo na década de 1930, primeito coma FNB ce depois com a Legido Negra, em 1932. 55+ "meio negro", atraindo muitos jovens ¢ Fivio Gomes Jornais do periodo j demonstravam como eram pensadas as formas de alianca, participasao e organiza- géo da parcela da populacdo negra paulista que se definia como “classe de cor”. Em Sao Paulo, nem todas as associagdes representantes dessa classe definiram-se quanto ao apoio aos revoluciondtios de 1930. A refe- réncia aos acontecimentos que marcaram 0 perfodo aparece de forma bem dissimulada nos editoriais de alguns jornais, em tom de adverténcia quanto & manu- tengio da ordem e a defesa de “ideais patriéticos” para 0s quais nao deveria haver diferenga de raca ou religido. * Como afirmou José Correia Leite em suas memérias nos anos 90: Antevendo a possibilidade de ver a situagao mudada com a Revolucio de 30, os negros entusiasmaram-se ¢ passaram a encaré-la como a solucio de todos os seus males. Na fase revolucionaria os negros estavam con- tentes. Podia mesmo ser observado, entre eles, um espitito vingativo: a satisfagao de ver aqueles velhos homens da politica perderem a posigao dominante. A Revolugao, feita para liquidar um estado de coisas que predominava desde o inicio da Reptblica, serviu, na realidade, para satisfazer a Ansia dos que estavam por baixo, em ocupar uma posigio de destaque na vida nacional — pelo menos, aos que viveram a situacio revolucionatia, assim se apresentava. + 56+ NEGROS € POLITICA A partir da leitura e da comparacio de alguns jor- nais, podemos tragar um quadro nao to favorivel aos revoluciondrios de 1930. Da mesma forma, a vincula- fo 2 politica partidéria, em particular a paulista, por parte de tas agremiac6es é compreendida em nome dos mesmos “ideais patriéticos”. Em muitos periédicos, os nnegros apareciam ento como dignos representantes do “Povo Brasileiro”, que, naquele momento, se posicio- nava em defesa de seus interesses. Assim, foi o préprio O Clarim d’Alvorada que, em setembro de 1930, de- fendeu a legitimidade do Partido Republicano Paulista para indicar um substituto as tentativas de intervensa0, Dizia-se mesmo que os negros cram “um fragmento desse povo” e que estavam “incorporados as suas aspira- ges”. Se por um lado © movimento revoluciondrio im- pulsionou os animos de alguns diante das promessas de transformagio, por outro se observa que as relages de algumas dessas liderangas com a politica e os partidos « paulistés fizeram com que suas posig6es nfo fossem publicamente manifests na primeia hora. Havia di- vvisbes io intetior das associagées negras paulistas. En- tre 0s que apoiaram abertamente Gettlio Vargas est parte importante da direcéo da FNB. Demonstragées mais veementes desse apoio eram feitas através do A Vor da Raga, Seus editoriais conclamavam aqueles 2 quem chamavam de “esperanga fagueira do nosso Bra- il? contra os interesses da oligarquia industrial ¢ ca- STI FLAW Gomes feeira paulista. Em um editorial publicado.em abril de 1933, a ENB justifies tal'apoio e,-20 nigsmo tempo, aaca as tendéncias orundas da prépria entidade que, influenciadas pelo socialismo, opéem-se a Getilio: Irmaos negros quando demos apoio a ditadura, € 20 exército nacional na pessoa do Sr. Gal. Géis Monteiro, ‘Zo foi, nfo, para sermos de novo como querem alguns que nos quetem cercear a liberdade, que nos querem vender aos interesses particulares: foi porque vimos que a Nagio estava ameagada pela voracidade dos ._ Partidaristas gananciosos, dos separatistas e dos bair- ristas ¢ também dos internacionalistas inimigos da Unidade da Patria, que é suma parte obra dos nossos avés africans © Bugres, inimigos esses que acodem pelo nome nefando e criminoso de comunistas, quase todos estrangeiros cujo julgo altiva e que violentamen- te repelimos, quer se escondam sob 0 manto de “sal- vadores” dos operdtios cosmopolitas, quer se esgarcem sob o titulo suspeito de amigos de lutas de classe! (A Vox da Raga, 15/4/1933) Na verdade, foi justamente o alinhamento de algue aaa das principais liderangas da FNB — muitas delas oriundas do Centro Civico Palmares — que fomentou uma profunda ciséo ideolégica dentro deumaentidade com forte influéncia junto a negros nao s6 da capital, mas também de cidades do interior. Tal divisio levoit +585 nnecos € pouinica ao enfraquecimento da proeminéncia alcangada por um de seus fundadores e primeiro presidente, Arlindo Veiga dos Santos. As acusag6es as idéias fascistas € anticomunistas difundidas nos editoriais de A Viz da Raga tinham como alvo a forma pela qual seu presiden- te havia estruturado a Frente, organizando milfcias negras nos moldes do integralismo de Plinio Salgado. E bem verdade que a influéncia do integralismo pode set percebida ao longo de toda a existéncia do jornal, mesmo depois de Arlindo deixar a presidéncia. No estatuto da Frente, publicado no primeiro ntimero de ‘A Vor da Raga, a distribuicao de cargos de comando, por exemplo, representados pelo “Grande Conselho”, eta attibuicéo do presidente. Embora as tensGes inter- nas da ENB tenham sido até agora pouco exploradas pelas andlises dispontveis, sua organizacéo centralizada pode ter propiciado a estruturagdo de uma entidade autoritéria em seu desejo de se tornar um partido “organico-social”, atendendo as aspirag5es de uma “massa negra” sem representacio prépria. Acusado de “monarquista’, o presidente da FNB, de faro, publica- va um periddico chamado Pétria Nova (“Religiso, Pitria e Raga”, editado pelo Centro Monarquista de __ Cultura Social e Politica), do qual era o diretor respon- sdvel. Ele era uma das liderancas do movimento Pacria- rnovista e militava pelo retorno dos ideais da politica monarquista. +59* Fuiwio comes A despeito das constantes defesas de Arlindo tentan- do dissociar seu “patrianovismo” de sua atuagio na ENB, a discussio ¢ os conflitos internos provocaram 0 aparecimento de grupos dissidentes. Entre eles, um intitulado Frente Negra Socialista, liderado por Ma- noel dos Passos. Havia ainda as oposig6es de José Corteia Leite e de Alberto Orlando. Na mesma época, surgiu 0 Clube Negro de Cultura Social (ctiado em 1932), que teve como nticleo de associados muitos jovens que mais tarde se destacaram na FNB, como Raul Joviano do Amaral e Rubens da Costa. Num primeiro momento, essas criticas foram veicu- Tadas em uma publicagdo que teve apenas dois mime- 108, 0 jomal critico e humorfstico A Chibata, Outros gtupos e militantes contritios 20 grupo de Arlindo petmaneceram dentro da ENB, tentando viabilizar 0 sonho da unidade da “classe de cor” em torno de uma entidade forte. Ao mesmo tempo, quanto mais longe da capital, mais fraca parecia sera influénciada vertente nacionalista. O micleo de Santos, pot exemplo, apoiava © Partido Socialista nas eleigoes ¢ mantinha fortes ligagdes com o Sindicato dos Portudrios. Se de um lado toda e qualquer critica & FNB tinha como fundamento as posig6es de seu presidente publi- cadas nos editoriais de A Voz da Raga, este, por sua vez, no poupava generalizagSes em seus contra-ataques, identificando como “inimigos da raca” os seus oposi- ores, denominando-os “comunistas’ e “bolchevistas”. + 60+ NNEGROS € POLITICA Respondendo 20 grupo queelitava.A Chibata, Atlindo abordaria ideais defendidos pela Frente por meio de ataques anti-semitas e xendfobos. ‘Mas nao foi sé a polarizacao entre propostas proxi- mas ao fascismo ou ao socialismo: que fizera eclodir a discussao sobre qual das posigoes situava o “problema da raga” no niicleo dos debates e do projeto politico nacional. A insergao do negro como cidadao na socie- dade brasileira pés-1930 deveria comegar por seu dire- to posicionamento politico e ideolégico. “Entrar em cena” dependia da definigéo das possibilidades de aliangas e apoios. Assim, imaginava-se ver tal cidado contemplado pelas propostas debatidas no ambiente revoluciondrio que envolvia os primeiros anos da dé- cada — mas nfo na posigao de simples espectador. O sucesso da Revolucio deveria trazet mais empre- gos e melhorias na educacio, o que se imaginava serem os principios erradicadores da defasada situagao da “raga”. Tanto a propaganda da direita quanto a da es- querda conclamavam a alianga popular apoiada na tese da necessidade de uma radical transformagio na estru- tura social, motivo do atraso e da miséria do pais. Assim, a presenga do negro (leia-se: de uma distinea parcela capaz de liderar seus “irméos”) nesses momen- tos de transformacio estaria atrelada a um tipo de atuaggo mais contundente. E evidente que tal apelo no passava pelo reconhecimento das instituigées ne- gras existentes. A brecha para tal atuagao s6 foi posstvel -61+ FAwto comes nos momentos em que 0 “povo” — categoria genérica utilizada quase sempre em oposicao a “elite”, tanto no discurso da direita como no da esquerda — é chamado & participasao. Nesses momentos, os iagos da solidarie- dade associativa enfiaquecem e tornam-se mais ténues, O que importa destacar é que efetivamente os temas da raga e da revolugso, mesmo que sob diversas roupa- gens, constituem os debates politicos do, perfodo, seja no discurso que enfatizara. Naggo através de indmeros simbolos patridticos, seja nos projetos qué investem numa revolugio resultante dos embates entre classes sociais antagénicas, Campanhas eleitorais negras. Uma das vitétias da ENB foia campanha para oalistamento de negros na Guarda Civil de Séo Paulo. Naquela época, os efetivos da guarda eram formados, em sua esmagadora maioria, Por brancos ¢ estrangeiros. Uma comissio da FNB chegou a ser recebida pelo presidente Getilio Vargas. Em 1932, a Guarda Civil alistaria mais de 200 negros. AENB cresceu, teve momentos de refluxo e esteve envolvida em polémicas e controvérsias, inclusive em tomo de disputas internas e posigées ideolégicas. Uma avaliagao dos significados de sua atuasio politica pode set feita acompanhando seu desempenho eleitoral ¢ a Ptoposta de ctiagao de um novo partido. Em abril de 1933, a FNB langaria Arlindo Veiga dos Santos, na ocasiao seu presidente geral, como candida- 62+ NNEGROS € PoLiTICA to paulista avulso a de- putado constitucional. DED O préprio Arlindo escre- 1 BUBLIN veriaem A Voz da Raga, ty resumindo a proposta R de sua candidatura “co- locada & ultima hora” pela lideranca da FNB. Fazia um ataque ao “bol- chevismo” numz pers- pectiva fortemente na- cionalista do uso da terra e do acesso 20 mercado de trabalho. Produzia um discurso contra o “internacio- nalismo” da politica e de estratégias de desenvolvimen- to econdmico. Declarava reptidio a onda imigrantista c defendia a concessio de tertas aos brasileiros. Quanto ao “problema do negro”, repetia as palavras do mani- festo langado em 1931, quando da criaggo da FNB: “Integralizagio absolura, completa do negro, em toda a vida brasileita — politica, social, religiosa, econémi- ca, operétia, militar, diplomdtica etc.; 0 negro brasilei- to deve ter toda aceitagao em tudo ¢ em toda parte, dadas as condigbes competentes (que devem ser favo- recidas) fisicas, técnicas, intelectuais, morais exigidas para a igualdade perante a lei.” Na véspera das eleigoes de 1934, A Voz da Raga anunciava a candidatura de Arlindo Veiga dos Santos j4 como uma vitéria moral. Era destacada fundamen- +636 ALAMO comes. talmente a mobilizagao da populagio negra, tanto nas ruas da capital como no interior. Houve caravanas ¢ comicios em Sorocaba, Itu, Rio Claro, Campinas, Limeira, Jundiaf, Amparo, Itatiba e outras cidades. A confirmagio de um candidato da FNB para as eleicées foi recebida com euforia, mas também com disfargada desconfianga. Obteve a cobertura de jornais paulistas ¢ cariocas. Houve esperanga e entusiasmo, mas tam- bém muito exagero nas avaliagées cleitorais. A lideran- ga da FNB nio seria cleita. E bom destacar que existiam divergéncias entre os préprios setores da populacao negra paulista. A questo €fa a0 mesmo tempo a candidatura negra — cuja propaganda enfatizava as quest6es raciais— ea postura (que alguns destacavam ser fascista) da FNB e, prin palmente, de Arlindo Veiga dos Santos. Surgitia entao, em abril de 1933, a candidatura de José Bento de Assis, que participara em 1932 como comandante civil da Legido Negra — movimento que comentaremos adiante. O Estado de Séo Paulo, na ocasiao, publicou uma extensa matéria intitulada “Manifesto dos Negtos Independentes”, em que se defendeu 0 “apoio a um candidato da raga” — no caso, Bento de Assis. Outros jornais também noticiaram o surgimento de mais essa candidatura negra. O programa de Bento de Assis foi publicado, e seu discurso tinha um tom mais concilia- dor do que aquele de Arlindo Veiga. Sobre a questio racial, defendia: “Que venha logo para 0 negro um +64. a NEGROS E poLiTiCa segundo 13 de maio, pelo qual fique, realmente, inte- gtado na comunhio de sua patria.” Nos meses seguintes, as divergéncias entre as candi- daturas negras ficaram explicitas nas pdginas dos jor- nais. A dissidéncia Frente Negra Socialista acusava os frentenegrinos de serem monarquistas. Em meio aessas divisdes, j4 em 1934 crescia o desejo de algumas lide- tangas negras de constituir um érgao federativo de entidades e associagbes negras. Continuava a resistén- cia quanto a presidéncia de Arlindo Veiga dos Santos na ENB. A idéia da criagao da Federacio das Associa- ges de Gente Negra acabou nio prosperando, apesar da campanha do A Vox da Raga. Como proposta de Raul Joviano do Amaral, também surgiu a idéia de se criar um Clube dos Intelectuais. ‘Um embate politico interessante em torno da FNB travou-se nas paginas do periédico Homem Livre, jor- nal paulista que se definia como de ideais democraticos ¢ inimigo dos governos fascistas. Entre 1933 ¢ 1934, 0 jornal denunciou as aproximagoes das liderancas da ENB com o integralismo e o fascismo. Os principais ataques surgiram em matérias assinadas sob o pseudé- nimo “homo”. Acusavam a ENB de explorar o “filzo do preconceito” quando destacava o “problema social € politico da raga niegra”. Lembravam o perigo desse debate ¢ afirmavam que o preconceito “36 existe no imagindrio dos seus lideres”. Ao contrério da unio, 165+ fuAto Gomes afirmavam que a ENB s6 queria segregar brancos ¢ negros. E isso era muito perigoso, afirmava uma delas: Por enquanto eles se limitam as festas dos Treze de Maio, a uma infelizmente mal organizada orientacio educacional, ¢ a formagdo de um nticleo numeroso ‘mas semi-inconsciente de homens, que seré tangido de certos orientadores suficientemente espertos. O problema negro, que ora se pretende estabelecer ¢ resolver, ndo passa, por enquanto, da exploragio “po- Itica” de um passivo agrupamento de homens ne- gros, até aqui indiferentes ou interessados na vida polf- tica do pafs, na mesma proporcéo em que os brancos ocram. Esses ataques tinltam

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