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ANO : 1996
David C. Korten1
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op.cit. pag.87ss
→ A melhor medida do progresso humano são os aumentos dos valores do que os
membros da sociedade consomem, e os níveis sempre maiores dos gastos do
consumidor promovem o bem-estar da sociedade ao estimular uma produção
econômica maior.
Colocando em linguagem mais direta:
AS PESSOAS SÃO POR NATUREZA MOTIVADAS PRINCIPALMENTE PELA GANÂNCIA.
O IMPULSO DE ADQUIRIR É A MAIOR EXPRESSÃO DO QUE SIGNIFICA SER "HUMANO".
A GANÂNCIA E A BUSCA IMPLACÁVEL DA AQUISIÇÃO CONDUZEM A RESULTADOS SOCIALMENTE
MAIS FAVORÁVEIS.
É DO MAIOR INTERESSE DAS SOCIEDADES HUMANAS ENCORAJAR, HONRAR E RECOMPENSAR OS
VALORES ACIMA.
Uma quantidade de idéias e insights eficazes foi distorcida dentro de uma ideologia
extremista que eleva os aspectos mais abjetos da natureza humana a ideais auto-
justificáveis. Embora essa ideologia denigra os valores e ideais humanos mais básicos, tem
se incrustado tão profundamente em nossos valores, instituições e cultura popular que a
aceitamos quase sem questionar. Ela nos cerca e desempenha um papel crítico na
modelagem de quase todos os aspectos da política pública.
Existe uma aliança política e ideológica entre:
Os RACIONALISTAS ECONÔMICOS: penhoram sua fé às estruturas racionais da análise
derivadas por dedução de princípios básicos. Tal comprometimento com o racionalismo
fundamenta a alegação de que a economia é a única ciência social verdadeiramente
objetiva e livre de valores. O princípio básico da estrutura lógica da economia
neoclássica é o de que os indivíduos são motivados pelo egoísmo e, dando-lhes a
máxima liberdade sem quaisquer restrições, as escolhas individuais baseadas na busca
do próprio interesse conduzem a resultados socialmente mais satisfatórios. O
racionalismo econômico dá legitimidade intelectual à ideologia do livre mercado.
Os LIBERAIS DE MERCADO: trazem para aliança uma filosofia moral baseada nos direitos
individuais que é muito atraente àqueles que nutrem uma desconfiança no alto escalão
governamental. Começa com uma premissa de igualdade moral definida por direitos,
não por valores. Os liberais de mercado acreditam que os indivíduos têm o direito,
contanto que respeitem os mesmos direitos nos outros, de buscar quaisquer valores
que desejem. Somente nós somos responsáveis por nós mesmos. Os direitos e a
propriedade estão inseparavelmente ligados. A propriedade é o fundamento de todos os
nossos direitos naturais. Exercendo tais direitos, respeitando os direitos de outros,
podemos buscar a felicidade como quisermos. As únicas responsabilidades ligadas a
esses direitos são: respeitar os mesmos direitos de outros, obedecer à lei e honrar os
acordos contratuais. O liberalismo de mercado dá a ideologia dominante seu cunho de
legitimidade moral.
Os MEMBROS DA CLASSE CORPORATIVA: são gerentes de corporações, advogados,
consultores etc. Embora não estejam necessariamente interessados nos detalhes de
teorias acadêmicas ou de filosofia moral, descobrem uma causa comum na tradição
intelectual que legitima o objetivo de libertar as instituições do mercado das mãos
restritivas do governo e na filosofia que absolve a corporação da responsabilidade moral
pela maioria das conseqüências sociais e ambientais de suas ações.
Esses três grupos formam uma poderosa aliança política que combina tradição intelectual e
filosofia moral com interesse político. Porém, isto leva a contradições:
Para os racionalistas econômicos, a aliança tem degradado gravemente a integridade e
a utilidade social da economia, reduzindo-a a um sistema de doutrinação ideológica que
transgride seus próprios fundamentos teóricos e está em profunda desigualdade com a
realidade.
Tem engajado filósofos da moral, que defendem a liberdade individual, numa causa que
aumenta a possibilidade de as corporações votarem pelos direitos de propriedade e
suprimirem as liberdades individuais de todos, menos dos membros mais ricos da
sociedade.
O enorme sucesso político da aliança em reestruturar as instituições econômicas
alinhadas com os interesses das corporações está criando um monstro que nem os
membros das classes corporativas podem controlar. Está criando um mundo que
dificilmente irão querer deixar como herança para seus filhos.
Em nome da liberdade individual, esta aliança promove uma doutrina ideológica descrita
com maior precisão como LIBERTARISMO DAS CORPORAÇÕES devido ao fato de que sua
conseqüência é colocar os direitos e as liberdades das corporações antes dos direitos e
das liberdades dos indivíduos. APRESENTADA COMO UMA AGENDA ECONÔMICA, É NA REALIDADE
UMA AGENDA DE GOVERNO. QUEM TERÁ O PODER DE GOVERNAR, E PARA QUAL FIM?
A corporação econômica existe cada vez mais como uma entidade à parte – até das
pessoas que a compõem. Cada membro da classe corporativa, não importa quão poderosa
seja sua posição dentro da corporação, tem se tornado sacrificável – como está
aprendendo um número crescente de grandes executivos. À medida que as corporações
conquistam poder institucional autônomo e mais se desvencilham de pessoas e lugares,
mais divergem o interesse humano e o interesse corporativo. É quase como se
sofrêssemos a invasão de seres alienígenas que tencionam colonizar nosso planeta, nos
reduzir a servos e depois excluir tantos de nós quanto possível.
4
op.cit. pag.107ss
Ambos criam sistemas econômicos que destroem os sistemas que sustentam a vida na
terra em nome do progresso econômico.
Ambos produzem uma enfraquecedora dependência a megainstituições que corroem o
capital social do qual depende a eficiência das funções de mercado, governo e
progresso econômico.
Ambos assumem quanto às necessidades humanas, uma restrita visão econômica que
solapa o sentido da conexão espiritual com a terra e a comunidade de vida essenciais
para conservar a estrutura moral da sociedade.
Um sistema econômico pode permanecer viável somente enquanto a sociedade possui
mecanismos para coibir os abusos, seja do Estado, seja do mercado, e a erosão do capital
natural e moral que tais abusos comumente exacerbam. O pluralismo democrático não é
uma resposta perfeita para o problema do governo, mas parece ser a melhor que temos em
nosso mundo imperfeito.
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op.cit. pag.238ss
Nem sempre é fácil encontrar meios para criar novos valores numa moderna economia
sofisticada. Encontrar meios para criar um novo valor que produza retornos na quantia e
com a velocidade exigidas por um sistema predatório muitas vezes maior que a economia
produtiva é virtualmente impossível.
Quando os gerentes responsáveis não estão dispostos a canibalizar sua própria
companhia, o sistema financeiro espera ansiosamente para financiar aqueles que irão
liquidá-los. Em conseqüência disso, um sistema financeiro predatório associa-se a um
mercado predatório para declarar ineficientes os gerentes responsáveis e expelí-los do
sistema. Ele transforma a corporação responsável em espécie em extinção.
6
op.cit. pag.248ss
3. Fusões, aquisições e alianças estratégicas. As corporações que ocupam o núcleo das
principais redes dedicam-se a uma variedade de estratégias para gerenciar a
competição potencialmente destruidora entre si.
4. Corporação e moral dos escritórios centrais. É dada uma atenção substancial à
manutenção de condições que conduzam ao alto moral e ao eficiente trabalho em
equipe entre o pessoal do núcleo.
Esta reestruturação cria um sistema de empregos em duas camadas ou dualístico. Os
empregados engajados em funções no núcleo dos escritórios centrais são bem
remunerados, com plenos benefícios e agradáveis condições de trabalho. As funções
periféricas – terceirizadas ou em unidades subordinadas dentro da corporação ou em
fornecedores externos dependentes dos negócios da empresa – são realizadas por
empregados "contingentes" com baixa remuneração, freqüentemente temporários ou de
meio período que recebem pouco ou nenhum benefício e com os quais a corporação não
tem qualquer vínculo.
As duas camadas diferem significativamente com relação à pressão competitiva. Há
considerável, embora não fácil, cooperação entre as corporações que controlam os núcleos
das principais redes para conservar seu controle monopólico coletivo sobre os mercados e
a tecnologia. As unidades periféricas, mesmo aquelas que permanecem dentro da
empresa, funcionam como pequenos contratadores independentes lançados em intensas
competições entre si para a continuação pessoal nos negócios da empresa.
É o enxugamento estratégico das grandes empresas que é responsável por diminuir o
tamanho médio das organizações empresariais na época atual, não algum crescimento
espetacular do setor das pequenas empresas por si só. O processo de terceirização cria
novas oportunidades para as empresas menores, mas o poder permanece onde sempre
esteve: com as grandes corporações. Na falta de acesso independente ao mercado, as
empresas menores que orbitam o núcleo das corporações funcionam mais como apêndices
dependentes que como empresas independentes.
7
op.cit. pag.265ss
8
op.cit. pag.276ss
Parece que somente certos beneficiários do aumento da produtividade, num mundo não
sindicalizado e com excedente de mão-de-obra são os proprietários do capital. Porém,
como sugere William Dugger, podemos estar prestes a deslocá-los também: uma
corporação poderia dispensar totalmente o elemento humano, não apenas os proprietários,
mas também os funcionários e administradores? O que ela seria então? Existiria
fisicamente como uma rede de máquinas que compram, processam e vendem
mercadorias, monitoradas por uma rede de computadores. Seus objetivos seriam crescer
sempre mais pela aquisição de mais máquinas e tornar-se ainda mais poderosa adquirindo
mais computadores para monitorar as novas máquinas. Não teria responsabilidades
perante ninguém a não ser a si mesma em seu impulso mecânico rumo ao poder e ao
lucro. Representaria o capitalismo em sua verdadeira pureza, completamente indiferente a
qualquer coisa além do lucro e do poder.
Talvez um dia, se lhe for permitida bastante liberdade para seguir suas tendências
desenfreadas, uma corporação global alcançará o máximo de sua eficiência produtiva, uma
entidade composta somente por computadores e máquinas ativamente empenhadas na
multiplicação do dinheiro. Poderíamos chamá-la então de corporação perfeitamente
eficiente. Embora certamente não seja isso o que qualquer um pretende, estamos agindo
como se este fosse o mundo que estamos procurando criar.
DOR NA CÚPULA:
Muitos gerentes enfrentam conflitos crescentes entre seus valores pessoais e aquilo que
suas funções na corporação lhes exigem. É uma afirmação extraordinária a de que os
profissionais mais privilegiados e mais bem pagos do mundo necessitem de bônus de
milhões de dólares para sentirem-se motivados a fazer seu trabalho. Na realidade devem
recebe tais somas ultrajantes para se ter certeza de que colocarão os interesses de curto
prazo dos acionistas acima de todos os outros interesses que eles poderiam sentir-se
tentados a levar em conta – como os dos funcionários, da comunidade e até da viabilidade
da própria corporação a longo prazo.
"Os gerentes que haviam sido treinados para construir agora são pagos para destruir. Eles
não contratam; eles demitem. Não gostam de suas novas funções, mas a maioria chegou a
compreender que isso não vai mudar. Essa conscientização torna diferente a rotina: o
trabalho não mais revigora; ele esgota. Nessas circunstâncias parece até imoral considerar
o trabalho prazeroso. Assim eles se tornam mal humorados e cautelosos, temendo ser
varridos para longe na próxima onda de demissões. Entretanto, eles trabalham mais
arduamente e por mais tempo para compensar a labuta daqueles que partiram. A fadiga e o
ressentimento começam a acumular-se.”9
Ao contrário dos especuladores financeiros que transferem bilhões de dólares por todo o
mundo usando terminais de computadores alheios à realidade humana, os gerentes de
companhias que produzem coisas reais lidam diariamente com seres humanos. Cabe a
eles responder à exigência de maior "eficiência" dos que gerenciam o dinheiro impondo a
seus antigos amigos e colegas uma experiência quase tão devastadora quanto a perda de
um ente querido.
O jovem profissional é insistentemente aconselhado a planejar o curso da carreira sem
vínculos com sua empresa, a elaborar seu currículo e seus contatos externos de forma a
estar pronto a mudar-se quando surgir uma nova oportunidade ou quando a empresa o
abandonar. Conselho para os jovens em início de carreira: trate cada emprego como se
você fosse autônomo.
No presente mercado de empregos, a distinção entre trabalhadores de escritório e
operários significa menos que ter emprego e não ter emprego. O sistema nos estimula a
9
"Os chefes exaustos", em Fortune 24 julho 1994, citado por Korten
tentar obter dele o que pudemos enquanto for possível. Cuide-se, porque ninguém mais o
fará. Assim como a última década foi definida como dos Yuppies, esta será dos Dumpies.
Numa economia que mede o desempenho em termos de criação de dinheiro, as pessoas
tornam-se a principal fonte de ineficiência – e a economia está livrando-se delas mais que
depressa. Quando as instituições monetárias governam o mundo, talvez seja inevitável que
os interesses do dinheiro tenham prioridade sobre os interesses das pessoas. O que
estamos experimentando poderia ser descrito satisfatoriamente como um caso do dinheiro
colonizando a vida. Aceitar esta distorção absurda das instituições e dos objetivos humanos
deveria ser considerado nada menos do que uma ato coletivo e suicida de insanidade.
Entretanto, não é um fenômeno inteiramente novo. Poderíamos entender melhor sua
natureza e suas conseqüências considerando experiências mais tradicionais de
colonização.
10
op.cit. pag.299ss
11
op.cit. pag.300
objetivo. Se for demonstrado que os ambientalistas estão certos e a festa terminar com
nossa autodestruição, então teremos aproveitado a vida enquanto podíamos.
O monismo materialista preparou também o caminho para uma economia que, no intuito de
alcançar seu status de verdadeira ciência, adotou os preços de mercado, que podem ser
observados e medidos, como os únicos árbitros do valor humano. É portanto impossível
compreender ou explicar os comportamentos humanos mais simples e habituais sem
considerar os valores, as lealdades, as aspirações, o amor, os conflitos psicológicos, a
espiritualidade, a consciência e até as crenças metafísicas que os instruem – e que são
realmente muito difíceis de ser observadas e medidas. Portanto, o modo que a ciência se
define, o termo ciência social é uma contradição. O cientista social deve redefinir os
conceitos de ciência ou redefinir o ser humano de acordo com tais conceitos. Os
economistas escolheram o segundo caminho, imaginando o homem econômico
mecanicista hipotético que só procura seu próprio prazer – que depois foi definido em
termos puramente financeiros. Sempre que um modelo exige um ser humano que toma
decisões – independentemente do gênero – o economista substitui o homem econômico
imaginário, decididamente não humano, que avalia cada escolha com base em seu retorno
econômico. Tendo eliminado o humano, o economista elimina então o comportamento.
Considerando as interações entre as pessoas extremamente complexas e difíceis de serem
medidas, o economista prefere observar o comportamento dos mercados em vez do
comportamento das pessoas. O comportamento dos mercados envolve preços e fluxos de
dinheiro, que são facilmente observados e medidos. Os economistas sabem o preço de
tudo e o valor de nada12. Definindo-nos em termos de dinheiro, caímos numa armadilha
descendente de progressiva alienação da existência, da nossa própria natureza espiritual.
12
op.cit. pag.302 e 303