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‘LUIZ GUILHERME MARINONI EFETIVIDADE DO PROCESSO E TUTELA DE URGENCIA Sergio Antonio Fabris Editor Luiz Guilherme Marinoni, 31 anos, pro- fessor de direito poncessual civil nos cur- sos de graduacio ¢ pAs-graduagio (mes- teado € doutorado) em divito da Universi- dade Federal do Parana, é mestre € doutor cin direito pela Pontificia Universidade C t6lica de Sao Paulo. Foi professor de direi- to processual civil da Pontificia Universi- dade Catélica do Parana e da Faculdade de Direito de Curitiba. Aprovado nos concur. sos para Procurador do Estado do Parané (1986) e Procurador da Repitblica (1989), em 1992 deixou o cargo de Procurador da Repiblica para exercer a advocacia. No mesmo ano de 1992, apés obter o titulo de doutor, foi aprovado em primeiro lugar no concurso para professor de dircito processual civil da UFPR. Eleito coorde- nador do curso de mestrado em direito da UFPR, assumiu, recentemente, também a coordena¢io do curso de doutorado, que colaborou para implantar na sua Uni- versidade, Além de varios artigos, confe- réncias e pareceres publicados em revistas especializadas, publicou, pela Editora Re- vista dos Tribunais, os livros “tutela cautelar € tutela antecipatoria” (1992) € “novas linhas do processo civil” (1993). E membro do Conselho de Redagao da Re- vista de Processo, do Instituto dos Advo- gados do Parana, do Instituto Brasileiro de Direito Processual, do Comité Executivo do Conselho Nacional «ie Programas de Pos-Graduacio € Pesquisa em Direito, e, ainda, Vice Presidente do Instituto de Direi- to Processual Civil (que ajudcita fundar) e Diretor da Escola Superior da Advocacia Se CAGS/PR. EFETIVIDADE DO PROCESSO J E TUTELA DE URGENCIA LUIZ GUILHERME MARINONI Coordenador ¢ Professor de Direito Processual Civil dos Cursos de Mestrado ¢ Doutorado em Direito da UFPR. Advogado em Curitiba EFETIVIDADE DO PROCESSO E TUTELA DE URGENCIA Sérgio Antonio Fabris Editor Porto Alegre / 1994 © Luiz. Guilherme Marinoni Editoragdo Bletronicae Fimes RRATLINE AssssoriaGrifiea Editorial Lida, Ru2 Tupi, 205 js. 203/205 Voltsas Guerino POA 91030.520/RS Brasil Telefax (051) 341-1109 it icagao, total ou parcial, a SERGIO. ANTONIO. FABRIS EDITOR Rua Miguel Couto, 745 CEP 90850.050 Catxa Postal 4001 — Telefone (051) 233.2681 Porto Alegre, RS — Brasil CEP 90131979 Dedico este livro a Tereza Cristina Marinoni, minha irma, a meu pai, Luiz Carlos Marinoni, pelo exemplo de trabalho € caréter. APRESENTAGAO Nos diltimos dois anos, em razio de pesquisas em nivel de pés- doutoramento, escrevemos varios ensaios envolvendo a questio da tutela de urgéncia. ‘Alguns foram publicados em revistas especializadas. Porém, o fato dos trabalhos tocarem um s6 tema, aliado a crescente importdncia do estudo das tutelas de urgéncia, foi suficiente para estimular a sua reunido com dois ante- riores artigos sobre 0 mesmo assunto para a publicagio de um livro com titulo de “Efetividade do Processo e Tutela de Urgéncia”. Vi SUMARIO Capitulo Primeiro ‘TUTELAS DIFERENCIADAS E REALIDADE SOCIAL .......0..-scccseee Capitulo Segundo . ATECNICA DA COGNICAO EA CONSTRUCAO DE PROCEDIMENTOS ADEQUADOS A TUTELA DOS DIREITOS.. IL 2.1. Aimportincia da técnica processual para aefetividade da tutela dos direitos, 11 2.2. Oiinstrumentalismo substancial do processoea necessidade de tutelas jurisdicionais diferenciadas, 12 23. A técnica da cogni¢ao e a construgio de tutelas jurisdicionais diferenciadas, 15 23.1. Atécnica da cogni¢ao parcial, 15 23,2. Atécnica da cogni¢io sumaria, 17 23.3. A técnica da cognicao exauriente secundum eventum probationis, 21 234. Atécnica da cognicio exauriente por ficgio legal conjugada com técnica da cognicio exauriente secundum eventum defensionis, 25 23.5. Atécnica dos titulos executivos extrajudiciais, 25 Capitulo Terceiro CONSIDERACOES ACERCA DA TUTELA DE: COGNICAO ‘SUMARIA .. 7 a Capitulo Quarto TUTELA CAUTELAR, TUTELA ANTECIPATORIA URGENTE. ETUTELA ANTECIPATORIA 37 4.1. Aquestio da efetividade do proceso, 42. Atutela jurisdicional adequada ao plano do direito material, 38 43, O direito a tutela de cognigio sumiria, 39 44. Osprocedimentos diferenciados na perspectiva da cognico, 40 45. Tutela cautelare tutela antecipatoria urgente, 41 46. Procedimento materialmente sumarioe necessidade do denominado “processo principal’, 43 47. Prova preconstituida e tutelaliminar urgente, 45 48. Prova preconstituida etutela urgente mediante execucio proviséria fundada em cognicio exauriente, 46 49. Aconcessio da liminar eo direito do réu ao julgamento do mérito em um prazo razodvel, 46 410. Atutela suméria nio-urgente, 47 4.1. Breveaceno a problematica da efetivacio da tutela suméria, 48 Capitulo Quinto ATUTELA ANTECIPATORIA NAO £ TUTELA CAUTELAR......... Capitulo Sexto ETETIVIDADE DO PROCESSO E TUTELA ANTECIPATORIA .. Capitulo sétimo © DIREITO A ADEQUADA TUTELA JURISDICIONAL (APROIBICAO DAS LIMINARESE DA EXECUCAO PROVISORIA DA SENTENCA NO MANDADO DESEGURANCA........ 7. Odieito do cidadio em vista da obtigagio do Estados prestagio da devida tutela jurisdicional, 65 72. — Oprincipio da inafastabilidade, 67 73. Ocasoespecifico do mandado de seguranca, 68 74, Umaabordagem em face do principio da separacio dos poderes, 70 Capitulo Oitavo A TUTELA CAUTELAR DO DIREITO AO DEVIDO PROCESO LEGAL (O CASO DA EXECUCAO PRIVADA DO. DECRETO-LEIN, 70/66)... oo Capitulo Nono MEDIDA DE URGENCIA, DANO E RESPONSABILIDADE ... Bibliografia .... x 51 ] 65 7 1 Capitulo Primeiro TUTELAS DIFERENCIADAS E REALIDADE SOCIAL 1. Do mesmo modo que o procedimento comum nio serve paraa tute- la efetiva das varias situagdes de direito substancial, a nogio de uma tutela jurisdicional descompromissada com o direito material e com a realidade soci- al no reflete o ideal de instrumentalidade do processo. Ou seja, é insuficiente a idéia de direito 4 tutela jurisdicional como direito a uma sentenca. Nao € por razio diversa que a doutrina contemporiinea passa a falar em tutela jurisdicional dos direitos. A expresso tutela jurisdicional dos direitos revela um compro- misso com a instrumentalidade substancial do processo; constitui um alerta contra o dogma da neutralidade do processo em relacio ao direito substanci- al. Na verdade, o direito processual é imprescindivel — em nivel de efetividade — para a sobrevivéncia do proprio direito substancial'. Cabe inves- tigar, assim, como é possivel a tolerdncia da difundida lentidio do processo de conhecimento, e da sua conseqiiente inefetividade para a tutela dos direitos. Partindo-se da premissa de que os detentores do poder costumam conseguir legislagdes que bem tutelam os seus interesses, parece estranho que os interessados na dinamicidade da economia deixem de lado a lentidao da justi- ¢a civil. Tal contradicao é apenas aparente: primeiro, porque o procedimento ordinario nao constitui Gbice as aspiragGes da classe dominante 4 medida que esta, patrocinando o lobby, consegue procedimentos diferenciados que tute- lam egoisticamente seus interesses; e, em segundo lugar, porque os grandes 1 ~ Como diz ANDREA PROTO PISANI, “senza diritto processuale il dirtto sostanziale non pub ésistie in un ordinamento caratterizzato dal divieto di autotutela privata (quanto meno non pud esistire come fenomeno giuridico, in quanto la sua attuazione anziché essere garantita dallo Statoé rimessa ai meri rapport di forza: con la conseguenza che detentore oi detentori del potere di fatto S possibile vonseguire solo al termine d'un lungo ¢ costoso processo di cognizione, un processo che seg, ‘omicos simi le pressanti esigenze della vita sociale ed economica de nostri glor (FERRUCCIO TOMMASEO, Intervengio no Congresso Internacional de Milo, in: Les anesures provisoires procédure civile, Milano, Giuffré, 1985, p. 302). apreciacao”. Quem fala em “direito a adequada tutela jurisdicional” obviamen: te nfo pode aceitar este entendimento, pois o principio da inafastabilidade nao apenas veda que se exclua de apreciagio, mas antes de tudo garante 0 direito ao processo efetivo, que é principio imanente ao proprio Estado de Direito 2. Como escreve Trocker, a pouca sensibilidade para a necessidade de adequac sistema processual as caracteristicas dos direitos substanciais € 4 posico social dos litigantes, € um dos defeitos que freqiientemente tem marcado as codificagdes processuais do direito continental europeu, dema- siadamente preocupadas em desenhar um sistema linear e puro’. Na realida- de, no ha apenas necessidade de tutela adequada ao plano do direito ma- terial, mas também de uma tutela diferenciada em razo das diferentes posi- Ges sociais. Isto é, 0 procedimento do Juizado de Pequenas Causas nada mais € do que uma exigéncia insuprimivel para um ordenamento juridico que se inspira no principio da igualdade e empenha-se em oferecer a todos um proces- so rapido, eficiente e realmente acessivel Pouco adiantara, contudo, o procedimento peculiar do Juizado de Pe- quenas Causas, se nao for organizada, ao seu lado, uma assisténcia judiciaria e juridica eficiente. Nao é 0 caso de uma simples assisténcia profissional em juizo, mas também da instituicio de um servico de orientagio e informacio dos cidadaos sobre os seus direitos. Esta ultima necessidade tem sido esqueci- da, talvez porque aqueles que podem implementar as reformas no Poder Judi- ciério nfo tenham consciéncia de que distribuir justica nao é simplesmente julgar as causas que chegam a juizo. Em razio da confusio entre os conceitos de “pequena causa” € de “cau- sade menor complexidade”, existe 0 sério risco de que 0 Juizado de Pequenas Causas assuma a figura de mero érgio jurisdicional destinado a dar maior efetividade a determinadas acdes, como a aco de despejo. Ora, a finalidade do Juizado de Pequenas Causas esta a quildmetros de distancia da simples idéia de celeridade da prestagio jurisdicional. O Juizado deve manter 0 scu ideal de atender “ao justo anseio de todo o cidadio em ser ouvido em seus problemas juridicos”. Alias, nfio ha diivida que o procedimento do Juizado de Pequenas Causas teve em mira possibilitar 0 acesso do pobre a justica, 15—N. TROCKER, Processo civile ecostituzione, Milano, Giulfré, 1974, pp. 698/699. 16--KAZUO WATANABE, Filosofia ¢ caracteristicas bisicas do juizado especial de pequenas causas, in: Juizado especial de pequenas casas, Sio Paulo, Ed, Revista dos Tribunais, 1985, p. 7. permitindo a acomodagio dos conflitos sem expre dem em seu cotidiano. A mé formacio profissional dos operadores do direito € fonte propicia para 0 retorno ao formalismo e para a dissolucao da ideologia que marca 0 Juizado, 0 que evidencia a necessidade de um maior investimento na forma- ‘io dos profissionais do direito. A mudanga de mentalidade dos juizes, pro- motores ¢ advogados é imprescindivel para 0 adequado funcionamento da justica civil. A insisténcia dos advogados, v. g., no sentido de que sio in- dispensaveis 4 administracgio da justica, constitni obstaculo para a efetividade do Juizado de Pequenas Causas, ¢ pode representar uma itresponsavel troca de uma crise conjuntural de mercado de trabalho por uma crise talvez perma- nente de legitimidade politica e profissional"”. jo econdmiica que se suce- 3. Vale a pena anotar, ainda, que a adequagio do processo a realidade da sociedade de massas fez surgir um sofisticado sistema de tutela dos inte- resses difusos, coletivos ¢ individuais homogéneos. Conceber um sistema processual adequado aos conflitos de massas, porém, nao significa, por si s6, um rompimento com o individualismo ou com acuitura juridica liberal. £ certo que os direitos “coletivos” exigem uma forma de tutela que foge da légica individualista, mas de nada adianta uma tutela diferenciada, legitimada pela regularidade do procedimento, sem a constru- ao de uma macroética capazde atribuir uma responsabilidade moral comum"®, E indispensivel a concepgao de uma nova forma de asistencia judicié- ria, apta a propiciar a assisténcia no s6 aos pobres enquanto classe, mas também ao piiblico em geral. Nao ha razio para um proceso coletivo, ou ‘mesmo para as concepgoes de direito difuso e coletivo, sem a conscientizacio a organizacio comunitarias”’, 17~ CABTANO LAGRASTA NETO, Mefos allernativos de solugdo dos litigios, Revista dos Tribumais, ¥, 639, p. 23, 18 - CELSO CAMPILONGO, Assisténcia juridica e realidade social: apontamentos para uma tipologia dos servicos legais, p. 10. 19—*A premissa fundamental, nessa linha, €a de que a populagdo pobre e desorganizada iio tem condigdes de competir eficientemente na disputa por direitos, servigos e beneficios pablicos, quer no jogo das relacdes de mercado quer na arena institucional, Dito de outro modo, a falta de consciéncia arespeito dos prOprios direitos ea incapacidade de transformar suas demandas em politicas plicas io combatidas com o trabalho de esclarecimento e organizagio popular paraa defesa de seusinteresses” (CELSO CAMPILONGO, Assisténcia juridica e reatidade social: Apontamentos para uma tipologia dos servicos legais, cit., p. 11). A efetividade da participacao através das agdes coletivas, ademais, cer tamente caminharé na razio proporcional direta da organizacio de entidades civis destinadas a lutar pelos direitos difusos € coletivos, A proliferacio das chamadas “organizagdes nio-governamentais”, conhecidas como ngs” — hoje, segundo levantamentos, em niimero superiora 5.000 no pais”, é refle- Xo salutar de uma maior participagio politica e da expansio do conceito de cidadania 4. Hi a necessidade da pesquisa sociolégica das controvérsias que.nio se amoldam 4 jurisdicao, mas as vias alternativas de Pacificacio social, como a Conciliagdo. A conciliacio, a0 contriirio do processo jurisdicional, torna possi- vel restauraciio do relacionamento entre as partes, razio da sua importancia na sociedade de massas, onde sucedemse pequenos conflitos nas relages de vizinhanga € de consumo, situagdes em que a coexisténcia é duradoura no tempo ¢ a convivéncia cordial entre as pessoas, fundamental?! Por outro lado, vem surgindo, em alguns setores, uma auténtica “justica alternativa”, como nas favelas do Rio de Janeiro, onde também foi detectadaa existéncia de um direito inoficial, Nos bairros dessas favelas, verificouse que a Associagdo de Moradores funciona como verdadeira instancia de resolucio de conflitos entre vizinhos, o que nao s6 permite concluir em uma perspecti- V2 sociologica que 0 Estado contemporiineo nao & mais detentor dos mo- nopélios da producao do direito ¢ da distribuicdo da justica®2, mas também. que formas alternativas de tesolucio de conflitos podem constituir eficazes instrumentos de pacificagio social Cabe alertar, entretanto, que se é certo quea “justica alternativa” sera a melhor op¢io em muitos casos, existe o risco de que as barreiras econémicas € sociais que impedem o acesso a “justica estatal” fagam surgir vias de re- solugio de litigios onde predomine o arbitrio oua injustica. a 20 ~ Revista Veja 9 de fevereiso de 1994, p. 70 21 ADA PELLEGRINI GRINOVER, A conciliagio extrajudicial no quadro participativo, in: Eartletpacao e processo, Sio Paulo, Ed. Revista dos Teibunas, 1988, P. 281. Como diz Mauro apPellett “€ signiticatio que um processo dieigido paraa conelliaglo - so contsarn de Proceso indicial, que geralmente declara uma parte “vencedors” ca outta "vencida” oferecaa possibilidade Ge que as causas mais profundas de um litigio sejam examinadaserestatnado cee relacionamento SAMENG ¢Prolongado”(Acessojustica, Porto Alegt, Fabris, 1988, p. 84) 22 HOAVENTURA DESOUSA SANTOS, intraducdo dsociologia da adiministragao da justica, cit, p.131 10 Capitulo Segundo A TECNICA DA COGNICAO E A CONSTRUCAO DE PROCEDIMENTOS ADEQUADOS A TUTELA DOS DIREITOS 2.1. AIMPORTANCIA DA TECNICA PROCESSUAL PARA A EFETIVIDADE DA TUTELA DOS DIREITOS ‘A-expressiio “tutela jurisdicional dos direitos”, como se sabe, foi afasta- dado cogito cientifico do direito processual quando se concluiu que “a tutela dos direitos” ndo deveria ser vista como 0 escopo da jurisdicio. A partir desse momentoaté bem pouco tempo, falar em tutela jurisdicional dos direitos pode- ria constituir um pecado quase que mortal para o processualista; tal fala pode- ria significar um compromisso com o imanentismo. obvio que a tutela jurisdicional também é prestada quando o juiz de- clara nio existir 0 direito afirmado pelo autor, ¢ mesmo quando é constatada a auséncia de condicio da aco, valendo lembrar que neste iltimo caso a tutela jurisdicional € dada em razio do direito incondicionado de agao'. O que a questo da tutela jurisdicional dos direitos quer evidenciar é a necessidade da prestacio jurisdicional passat a ser pensada na perspectiva do consumidor dos servigos jurisdicionais®; ou seja, a reabilitacio do tema da tutela jurisdi- cional dos direitos revela uma preocupagio com 0 resultado juridico-subs- tancial do proceso, conduzindo a uma relativizagao do fendmeno direito- processo’. 1 ~¥. FLAVIO LUIZ YARSIIELL, Tutela jurisdicional especifica nas obrigacdes de declaragéio de vontade, Sio Paulo, Matheiros, 1993, p-20. Foy MAURO CAPPELLETT “Accessoala glustizia come programma diriforma e come metodo dt pensiero”, Rivista di diritto processuatle, 1982, pp. 243-245. sony. LUIGIMONTESANO, Le tutele gtrisdizionall det diritti, Bari, Cacucci, 1983; CRISTINA RAPISARDA, Profil della tutela civil inibitoria, Padova, Cedam, 1987; VITTORIO DENT, La ‘giustizia civile, Bologna, ll Mulino, 1989, pp. 111-113 ial O slogan que vem caracterizando esta moderna forma de pensar o pro cesso é tomado de Chiovenda, pois, na perspectiva de quem afirma tet um dircito a ser tutelado, nada melhor que a lembranca de que o processo deve dar a quem tem um direito tudo aquilo € precisamente aquilo que ele tem o direito de obter'. Nesta perspectiva, a técnica processual assume grande rele- Vo, uma vez que para a efetiva tutela jurisdicional dos direitos € necessaria uma pluralidade de processos atendendo as variadas situagdes de direito subs- tancial carentes de tutela*, Em outras palavras, para a efetividade do processo € imprescindivel 0 correto manejo das técnicas de consteucdo de tutelas jurisdicionais diferenciadas 2.2. O INSTRUMENTALISMO SUBSTANCIAL DO PROCESSO E A NECESSIDADE DE TUTELAS JURISDICIONAIS DIFERENCIADAS O Estado, ao proibir a autotutela privada, assumiu 0 compromisso de tutelar adequada ¢ efetivamente os diversos casos conflitivos. O proceso, ois, como instrumento de prestacao da tutela jurisdicional, deve fazer surgit mesmo resultado que se verificaria se a aco privada nao estivesse proibida’. Para o desenvolvimento da perspectiva de direito material importam as hocoes de direito subjetivo, pretensio de direito material ¢ acio de direito material. A pretensio de direito material € uma potencialidade, ou seja, € a faculdade de se poder exigir a realizacio do direito; difere, portanto, do seu exercicio, que configura o exigir para a realizacio. O exigir, como é dbvio, 4~ GIUSEPPE CHIOVENDA, Dell'azione nascente dal contratto preliminare, Rivista del diritto commerciate, v.9, p.1 5 ~ Comoafirma PROTO PISANI, “non esiste un unico processo che offra una unica forma ditutela Per tutte le situazioni divantaggio, ma sistono invece una pluraliti di processi ed una phuralita di forme ditutela giurisdizionale; la diversiti di questi processie diqueste forme ditutela, delle loro ‘vaniegate combinazioni,rflettono la diversiti de bisogni di tutela delle situazioni di vantagsio" (iceve pesmessa a un corso sulla giustizia civil, in: Appunti sulla gtustizia civile, Basi, Cacueci, pp. 11. 12) $~JOSE CARLOS BARBOSA MOREIRA, Tutela sncionatri tutela preventiva in: Temas de divelto rocessual (segunda série), S40 Paulo, Saraiva, 1980, p.21; OVIDIO BAPTISTA DASILVA, Cunrode Processo civil, Ponto Alegre, Fabris, 1993, v,3, pp. 13-14; ALCIDES MUNHOZ DA CUNHA 4 fide Cautelar no processo civil, Curitiba, Ed, Jurua, 1992, p. 18, 12 supde a possibilidade do cumprimento, ¢ a acio de dircito material, que é 0 agir por meio do qual se realiza o direito, somente surge quando o simples exigir nao conduz a realizagao do direito’ Aacio de direito material no se confunde com a acio processual®. A aco processual é 0 veiculo civilizado que permite a realizagao da aco de direito material. Mas todo cidadao tem direito & adequada tutela jurisdicional?, © que exige a estruturagio de procedimentos capazes de fornecer a tutela jurisdicional adequada ao plano do direito material, isto 6, procedimentos que possibilitem resultado igual ao que seria obtido se espontaneamente observa- dos os preceitos legais". O principio da inafastabilidade, insculpido no artigo 5®, XXXV, da Cons. tituigo da Repiblica, garante o direito 4 adequada tutela jurisdicional, ao asso que 0 artigo 75 do Cédigo Civil, tio mal compreendido pela doutrina, constitui verdadeira explicitacio desta garantia constitucional"', A correta lei- tura do artigo 75 do Cédigo Civil permite a conclusio de que a toda pretensio de direito material deve corresponder uma “aco processual”, obrigando o processualista a deixar de ladoa sua preocupagio com o procedimento ordini- rio ea partir para o estudo das chamadas tutelas jurisdicionais diferenciadas” A pouca sensibilidade para a necessidade de adequacao do processo a0 direito material e o fascinio que o procedimento ordinario sempre despertou 7—-OVIDIO BAPTISTA DA SILVA, Curso de processo civil, Porto Alegre, Fabris, 1987, v. 1, pp.62: 64; F.C, PONTES DE MIRANDA, Tratado das acGes, Sio Paulo, Ed, RT, 1970. v. 1, pp.52-111. 8~“Aacio exercese principalmente por meio de “a¢io” (remédio juridico processual), isto é, exercendose a pretensio ttelajuridica, que oFstado criow’ (F. C. PONTES DE MIRANDA, Tratado das agoes, v. 1, cit.,p. 110). 9— V. LUIZ. GUILHERME MARINONI, Novas linhas do processo civil, Sio Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 130-141. 10 — V, PROTO PISANI, | rapport fra diritto sostanziale ¢ processo, in: Appunti sulla giustizia Civile, Bari, Cacucci, 1982, pp. 42-44; ALCIDES MUNHOZ DA CUNHA,d lide cautelar no processo civil, cit., p.18. 11 - V. KAZUO WATANABE, Cédigo Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, Rio de Janeiro, Forense Universitaria, 1991, p.523; JOSE CARLOS BARBOSA MOREIRA, Notas sobre o problema da “efetividade” do processo, in: Temas de direito processual (lerceira série), Sto Paulo, Saraiva, 1984, p. 208. 12 = V. DONALDO ARMELIN, Tutelas jurisdicionais diferenciadas, in: O processo civil contemporaneo, Curitiba, Ed. Jurua, 1994, pp. 103/115; ANDREA PROTO PISANI, Appunti sulla tutela sommatia, in: I process special studi offerti a Virgilio Andrioli dai suot allievi, Napoli, Jovene, 1979, pp. 309-360; FEDERICO CARPI, Flashes sulla tutela giurisdizionaledifferencziata, Rivista ‘rimestrate di diritto eprocedura civtte, 1980, pp. 237-244; NICOLA PICARDI, | processi spec: Rivista di diritto processuate, 1982, pp. 700-764, ADOLFO GELSI BIDART, Tutefa processual diferenctada, RePro, v. 44, pp. 100-105; AUGUSTO MARIO MORELLO, Las nuevas exigéncia de tutela, RePro,¥.31, pp. 210-220. 13 hos processuulistas permitiram o surgimento de lacunas no sistema proces: sual de tutela dos direitos. £ oportuno lembrar que, em determinada época, a instrumentalicide do processo foi confundida com a sta neutralidade em re. lacdo ao direito material; seria necessaria apenas uma espécie de procedimen- {0 €esie, acreditousse, teria aptidio para propiciar tutela adequada 3s diversas situagdes de direito material. Nao podemos esquecer que o culto 20 procedi- melhor, da crenga de que os juizos de verossimilhanca deveriam ser sepulta- dos"; e ainda que tal culto Permanece vivo, porque poucos se deram conta de apenas asscgurem) o diteito material de forma urgente Ecerto quea universalizacio do procedimento ordinirio nao prejudi- Cou a todos, nio s6 porque alguns (os privilegiados) sempre se serviram de Procedimentos especiais, mas também porque o procedimento ordinatio, se- Buido do processo de execucio, pode apresentar-se como efetivo Para a tute- 'a dos direitos patrimontais. Porém, a insensibilidade insita a neutralidade do procedimento ordinario nao s6 acarretou a auséncia de tutela adequada § “novos direitos", como o abandono do manejo da técnica dos proce- dimentos diferenciados, o que agora (quando denunciada a situacao da inefe- tividade do sistema processual para atutela dos direitos) condur + uma verda- deira falta de inspiragao para a criacio de procedimentos aptos & adequada tutela jurisdicional, — 13~ V. OVIDIO BAPTISTA DA SILVA, Tutela antecipatécaejuizosde verossimilhanca, in:O proceso civil contempordneo, Curitiba, Ed, Jura, 1994, pp. 124/128, 14~ "Nao preciso grande esforco para demonsirar que as ‘modalidades de tute jurisdicional mais pire ladas pel tradigio se revelam, com muita freqliéneia,incapazes de desempenharacontento nissio de tamanha delicudeza. Sobremaneira insatisfatorio Mosteese xa ropésito 0 mecanismo — ‘odavia em geral mimado pelos legisladorese pela doutrina que se pode representar por meio do Grint ‘Processo de condenacio (normalmente de ito ordinirioy execucio forgada”, méxime Secaracterizam peia existéncia de lesio jé consumada” GOSE-CARL OS BARBOSA MOREIRA, Tutela ‘Sancionatoria e tutela preventiva, cit, p. 22) ae 2.3. A TECNICA DA COGNIGAO E A CONSTRUGAO DE TUTELAS JURISDICIONAIS DIFERENCIADAS 2.3.1. A técnica da cogni¢do parcial A técnica da cogni¢io permite a construgio de procedimentos ajusta- dos as reais necessidades de tutela"’. A cognicao pode ser analisada em duas diregdes: no sentido horizontal, quando a cognicio pode ser plena ou parcial; eno sentido vertical, em quea cogni¢ao pode ser exauriente, suméria e super- ficial. Olegislador, através da técnica da cognicio parcial, pode desenhar pro- cedimentos reservando determinadas excecdes, que pertencem 4 situagio litigiosa, para outros procedimentos; nos procedimentos de cognicio parcial, 0 juiz fica impedido de conhecer as questdes reservadas, ou seja, as questOes excluidas pelo legislador para dar contetido a outra demanda. £ 0 caso das aces possessorias ¢ das aces cambirias." ‘A técnica da cogni¢io parcial pode operar de dois modos: fixando 0 objeto litigioso (embargos do executado) ou estabelecendo os lindes da defe- sa (quando podemos lembrar a busca € apreensio do Decreto lein. 911/69)". Tal técnica no pode ser compreendida a nao ser a partir do plano do direito material; através desta perspectiva é possivel a investigacio do contet- do ideolégico dos procedimentos. Para que possamos compreender a relacio entre a cogni¢ao parcial e a ideologia dos procedimentos, devemos observar que o procedimento de cogni¢io parcial privilegia os valores certeza ¢ celerida- de — ao permitir o surgimento de uma sentenga com forca de coisa julgada material em um tempo inferior Aquele que seria necessirio ao exame de toda 15—Conterir, a respeito, KAZUO WATANABE, Da cognicdo no processo civil, Sio Paulo, Ed. RT, 1987; OVEDIO BAPTISTA DA SILVA, Procedimentos especiais (Exegese do Codigo de Processo Civil), Rio de Janeiro, Aide Editora, 1989, pp. 37-54; ANDREA PROTO PISANI, Sulla cutela giurisdizionate differenziata, cit.,¢ Appunti sulla tutela sommaria, in/ Processt speciali (studi offertd 4@ Virgilio Andrioli dat suot altievi), Napoli, jovenc, 1979, pp. 309/360. 16~V. OVIDIO BAPTISTA Da SILVA, Procedimentos especiais, cit., p. 46. 17—Deacordo com WATANABE, “em termos estritamente processus, 86 s¢ pode falar em limitacto 4 cognico quando instituida em fungio de um objeto litigioso ja estabelecido, de sorte que nos embargos do executado no haveria, verdadeiramente, uma cogniedo parcial. Mas, examinadaa partir do plano do direito material, é inegivel que a perquiricZo do juiz nao atinge toda a realidade fatica” (Da cognigao no processo civil, ct., p. 87) 15 aextensio da situacdo litigiosa —, mas deixa de lado o valor “justiga material” O que devemos verificar, portanto, em cada hipdtese especifica, é a quem interessa a limitacao da cognicao no sentido horizontal ou, em outros termos, a tutela jurisdicional célere e imunizada pela coisa julgada material em detri- mento da cognicao das excegdes reservadas"”. Vejamos, por exemplo, 0 caso da busca € apreensio do Decreto-lei n 911/69. No procedimento da busca ¢ apreensio, o réu, na contestacio, $6 podera “alegar o pagamento do débito vencido ou o cumprimento das obriga- des contratuais” (art. 3°, § 2°, do Decreto lei n. 911/69). O procedimento ora objeto da nossa anilise, além de permitir a apreensao liminar do bem alienado fiduciariamente (art. 3°, caput), restringe a matéria de defesa; € dbvio que estas limitagdes da cogni¢ao, a primeira no sentido vertical ¢ a segunda no horizontal, tém por fim tinico a construcio de um procedimento que atenda aos interesses de uma determinada classe O Decretolei n. 3.365, de 21 de junho de 1941, afirma que a contesta: do 86 podera versar sobre vicio do processo judicial ou impugnacio do pre- Go; € que qualquer outra questéo somente podera ser ventilada em acao pré- Pria (art. 20). Consoante corretamente julgou o extinto Tribunal Federal de Recursos, a lei no impede “a discussio judicial em torno do fundamento da desapropriagio, no caso de eventual abuso por parte do Poder Pétblico; tam- bém nio impede que qualquer alegagio seja examinada pelo Poder Judiciério. $6 que tais discussdes deverao ocorrer em acio propria”. A restri¢ao da cog: nigio, nesta hipdtese, se di em atengio ao interesse pablico, ou seja, para lade do direito de desapropriar do Poder Publico. Frise-se, no entanto, que a técnica da cognicao parcial permite apenas a visualizagio da ideologia dos procedimentos; ndo 0 controle da legitimidade dos procedimentos no sentido substantivo, tarefa que pode ser realizada, como ja dissemos em outra ocasiio”, pela cliusula da substantive due process. 18—V. OVIDIO BAPTISTA DA SILVA, Procedimentos especiats, cit, p. 51. 19 ~*Cabe deixaranotado, aqui quc aslimitacdesao direito do contradit6rio e, por via de conseqiiéncia, da cognigio do juiz, sejam estabclecidas em tei processual ou em lei material, se impossibititam a ¢fetiva tutelajurisdicional do direito contra qualquer forma de denegaco da justica, ferem o principio i inafastabilidade do controle jurisdicional e por isso sio inconstitucionais" (KAZUO WATANABE, Da cognigaio no processo civ, cit, p. 88). 20—RTER 102/94, 21 ~V. LUIZ. GUILHERME MARINONI, Novas linhas do processo civil, cit, pp. 171/72. 16 2.3.2. A técnica da cognigdo sumaria A restri¢&o da cognicao no plano vertical conduz aos chamados jufzos de probabilidade ¢ verossimilhanca, ou seja, as decisdes que ficam limitadas a afirmar o provavel. Podemos dizer, resumidamente, que as tutelas de cognigao sumarizada no sentido vertical objetivam: a) assegurar a viabilidade da realizacZo de um direito ameagado por perigo de dano iminente (tutela cautelar); b) realiza em vista de uma situacdo de perigo, antecipadamente um direito (tutela anteci- patoria urgente); c) realizar, em razio das peculiaridades de um determinado direito € em vista do custo do procedimento comum, antecipadamente um dircito (liminares de determinados procedimentos especiais); d) realizar, quan- do o direito do autor surge como provavel ea defesa é exercida com objetivos Pprotelatérios, antecipadamente um direito (a tutela antecipatéria, nao fun- dada em periculum in mora, que se pretende introduzir no direito brasilei- 10). A sumarizacao da cognicio pode ter graus diferenciados, nto depen- dendo da cronologia do provimento jurisdicional no iter do procedimento, mas sim da relacio entre a afirmacio fitica e as provas produzidas. Perceba- se, por exemplo, que a liminar do procedimento do mandado de seguranga2 ¢aliminar do procedimento cautelar diferem nitidamente quanto ao grau de cognigio. No mandado de seguranga, a liminar é deferida com base no juizo de probabilidade de que a afirmagio provada nao sera demonstrada em con- trario pelo réu, enquanto a liminar cautelar é concedida com base no juizo de verossimilhanca de que a afirmacio sera demonstrada, ainda que sumaria- mente, através das provas admitidas no procedimento sumario. A tutela de cognicio exauriente garante a realizagio plena do principio do contraditério de forma antecipada, ou seja, nZio permite a postecipacao da busca da “verdade ¢ da certeza”; a tutela de cogni¢io exauriente, ao contrario da tutela sumiria, € caracterizada por produzir coisa julgada material”. Atutela sumaria, de fato, nao produz coisa julgada material. Na sentenga cautelar ou antecipatoria 0 juiz nada declara, limitando-se, em caso de proce- déncia, a afirmar a probabilidade da existéncia do direito e a ocorréncia da 22 ~ Sobre a liminar no mandado de seguranca, v. TERESA DE ARRUDA ALVIM, Mandado de seguranga contra ato judicial, Sio Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1989, pp. 18/31; J. M. DE ARRUDA ALVIM, AnotacSes sobre a medida liminar em mandado de seguranca, Revista le Processo, v.39, pp. 16/26. 23 -V. A. PROTO PISANI, Appunti sulla tutela sommaria, cit., pp. 312-313. 17 situacio de perigo, de modo que, proposta a “aco principal” ¢ aprofundada a cognicio do juiz sobre o direito afirmado, o enunciado da sentenga sumaria, que afirma a plausibilidade da existéncia do dircito, podera ser revisto, para que 0 juiz declare que o direito, que supunha existir, nao existe. Ovidio Baptista da Silva afirma que a sentenga “nada mais é do que a “lei do caso concreto”. Ea lei que deixa de ser abstrata ¢ geral para tornarse a lei reguladora da relagao juridica existente entre as partes. £ necessario entio para que ocorra a coisa julgada: a) que exista um conflito de interesses sub- metido ao poder judiciaio, sob forma de uma demanda veiculada em proces- so contencioso, dado que nosso direito considera que a declaragio que o juiz necessariamente também fara, para aplicar a lei nos procedimentos de jurisdi cio voluntitia, é insuficiente, como eficicia de declaragao para produzir coi sa juulgada; b) que, no proceso contencioso, esteja em causa uma relagio juridica (“la relacién juridica deducida en juicio”) a respeito da qual a senten- ¢a declare qual 0 dispositivo de lei a que ela esta sujeita, quer dizer, como ensina Carnelutti, que 0 “juizo” contido na sentenga estabeleca juridicamente essa relacao contenciosa “como se 0 tivesse pronunciado o legislador””4 Se aceitarmos a tese de Carnelutti, toda sentenca de cognicio sumaria serd, necessariamente, juizo provisorio sobre a “lide”, ja que esta somente poderd ser disciplinada quando o juiz declarar a “lei do caso concreto”, Nesta linha nao poderiamos falar em tutela antecipatéria, ou em tutela satisfativa de Cogni¢ao sumaria, mas somente em tutela cautelar, pois hd completa antinomia entre “satisfacio do dircito mediante cognicio sumaria” e “composicio pro- Visoria da lide”. A sentenca de cognicao suméria, entio, nio produz coisa julgada material, porque 0 juiz naio declara que o direito afirmado existe; a inexisténcia de coisa julgada material na sentenca de cognicio sumaria nada tem a ver com a impossibilidade de 0 juiz deciarar a que lei esta sujeita a relacio juridica litigiosa. Ovidio afirma, ainda, que a sentenga de uma “acio sumatia satisfativa aut6noma” pode conter declaracio suficiente para a producio de coisa julgada material, ou seja, que “a circunstancia de ser suméria a demanda nao é motivo Para que consideremos a respectiva sentenca como desprovida sempre de coisa julgada material”. Para tanto faz alusio ao exemplo da acio para libera- Gao dos cruzados retidos pelo Governo Federal, na qual “o juiz poderia, na acdo sumaria, supostamente cautelar, reconhecer e proclamar a 24—OVIDIO BAPTISTA DA SILVA, Cursode processo civit Porto Alegre, Fabris, 1993, v. 3, p.147. 25 —OVIDIO BAPTISTA DA SILVA, Curso, cit, p. 150 18 inconstitucionalidade da medida decretada pela Unido, por lhe parecer evidente — e nao apenas aparente — 0 direito do autor’. Acontece que a acio referida pelo eminente professor nao tem natureza sumaria, tendo sido usada, na pri tica, como substituta da ago de mandado de seguranga. Ora, se admitirmos a sumariedade de tal agio, teremos que aceitar a sumariedade da agdo de man- dado de seguranca; mas ninguém acatara a tese de que o juiz, a0 conceder a seguranca, limita-se a um juizo de probabilidade. As raizes da afirmacio realizada pelo professor do Rio Grande do Sul, no terceiro volume do seu “Curso de Processo Civil”, parecem estar na sua obra “Procedimentos Especiais”, em que esti escrito: “A técnica de sumarizagao de uma demanda qualquer pode utilizarse de um dos seguintes expedientes: a) permite-se que 0 juiz decida com base em cogni¢ao apenas superficial sobre todas as questdes da lide, como acontece com as decisdes (sentengas) liminares, b) permite-se que 0 juiz decida com base em cognigio exauriente das ques- toes proprias daquela lide, mas veda-se que ele investigue e decida fundado em determinadas questdes controvertidas, previamente excluidas da area li- tigiosa a ela pertencente. £ isto 0 que ocorre com as acées cambiirias € possessOrias, para mencionar apenas os exemplos mais notorios; c)sumariza- se, também, impedindo que o juiz se vatha de certa espécie de prova, como acontece nos chamados processos documentais, de que, alias, o cambidrio foi 0 exemplo mais eminente, mas que encontram na acao de mandado de seguranca uma espécie tipica do direito moderno; finalmente d) pode dar-se sumarizagio, ao estilo dos antigos processos sumarios, com verdadeira “reserva de excecdes”, por cxemplo, em certas aces de despejo (convalida di sfratto) do dircito italiano € nos processos d'ingiunzione também existen- tes no direito peninsular, nos quais a sentenga liminar torna-se desde logo executiva se 0 demandado nao oferecer prova escrita contriria, reservando- se para uma fase subseqtiente da propria acio o exame das questées que exi- jam prova demorada ¢ complexa””. Ahipotese referidasizb c), que nos interessa, admite ocorrer sumarizacao na aco de mandado de seguranca. £ certo que o procedimento do mandado de seguranga € fruto da técnica da cogni¢ao, mas nao podemos aceitar a mis- tura da técnica da sumarizagio da cognicao do juiz no plano vertical, que da origem as verdadeiras sentencas satisfativas sumérias, com a técnica da cogni¢o exauriente secundum eventum probationis, que € aquela que permite a 26 - OVIDIO BAPTISTA DA SILVA, Curso, cit., p. 150. 27 - OVEDIO BAPTISTA DA SILVA, Procedimentos especiais, cit, pp. 46-47. 19 concepeio de procedimentos como 0 do mandado de seguranga*. De fato, a sentenca daaciio de mandado de seguranca, quando presente a prova documen: tal suficiente 4 demonstracio da existéncia do direito (direito liquido e certo), é proferida com base em cognigio exauriente, produzindo coisa julgada ma- terial Outra quest4o que merece atencio através do angulo da técnica da cognicio sumaria € a da autonomia da acio antecipatéria, ou da acto que satisfaz 0 direito mediante cogni¢ao sumaria. Ovidio Baptista da Silva afirmou que nao teriamos admitido a “existéncia de processo de cognicao sumaria autdnomo”, para depois deixar claro o scu entendimento no sentido de que a particularidade da tutela sumaria satisfativa reside no fato de inverterse 0 Snus da iniciativa processual, desobrigando o autor da ago suméria satisfativa de promover a acio plenaria subseqiiente, e transferindo este encargo ao demandado que haja sofrido os efeitos da medida e tenha interesse em controverter a relacio juridica fundamental, apenas pressuposta no juizo su- mario anterior. Na verdade, como esta claro no nosso “Tutela cautelar € tutela antecipatoria™, aceitamos a existéncia de uma aco antecipatéria, mas no podemos admitir a inversio, generalizada, do Gnus da propositura da “agio principal’. A tutela antecipatéria surge como necessaria para possibilitar a efetividade da tutela do direito do autor, incumbindo a este, no “processo principal”, demonstrar 0 acerto da sentenca que realizou o seu direito. A pro- babilidade contida na sentenca antecipatoria nao permite a conclusio de que © autor jf se desincumbiu do dnus de demonstrar que o direito existe, caben- do entdo 20 réu o nus de propor a “ago principal” para nio ter contra si uma sentenga acobertada por coisa julgada material. Alias, o proprio principio da isonomia impede tal conclusio, pois nenhuma especificidade estaria justi ficando a obtenco de uma tutela sumaria que pode tornarse definitiva pela simples auséncia de iniciativa do réu. 28 — V. KAZUO WATANABE, Da cognicéio no processo civil, cit, p. 89. 29 — OVIDIO BAPTISTA Da SILVA, Curso de processo civil, cit., pp.57 € 61 rutela cautelar e tutela antecipatoria, Sio Paulo, Ed, Revista dos Tribunais, 1992 2.3.3. A técnica da cogni¢do exauriente secundum eventum probationis O mandado de seguranca, como é curial, exige o chamado “direito liqui- do e certo”, isto é, prova documental anexa 4 peticao inicial e suficiente para demonstrar a afirmacio da existéncia do direito. Quando o direito afirmado no mandado de seguranca exige outra prova além da documental, fica ao juiz impossivel o exame do mérito. No caso opos- to, ou seja, quando apresentadas as provas suficientes, 0 juiz julgara o mérito easentenca, obviamente, produzira coisa julgada material. Como esta claro, omandado de seguranga € um proceso que tem o exame do mérito condicio- nado 4 existéncia de prova capaz de fazer surgir cogni¢ao exauriente. £ comum a afirmacio de que direito liquido € certo é 0 que resulta de fato certo, € {ato certo é aquele capaz de ser comprovado de plano. Trata-se de equivoco, pois 0 que se prova sio as afirmacées de fato. O fato nao pode ser qualificado de “certo”, “induvidoso” ou “verdadeiro”, 0 fato apenas exis- le ou nao existe. Como o direito existe independentemente do proceso, este serve apenas para declarar que 0 direito afirmado existe; isto é, prova- se a afirmacdo de fato, para que se declare que 0 direito afirmado existe. Acentue-se que a sentenca de cognicio exauriente limitase a declarar a ver- dade de um enunciado, ow seja, que a afirmacio de que 0 direito existe €, de acordo com as provas produzidas ¢ o juizo de compreensio do juiz, verdadei- ra; em outras palavras, o direito que o processo afirma existir pode, no plano substancial, nao existir ¢ vice-versa. N@o se prova que o direito existe, mas sim que a afirmagdo de que o direito existe é verdadeira, declarando-se a existéncia do direito (coisa julgada material). No mandado de seguranca, a afirmagio de existéncia do direito deve ser provada desde logo, ou melhor, mediante prova documental anexa 4 peti¢ao inicial. Destarte, nio podemos aceitar a conclusao de Buzaid"', no sentido de que o dircito liquido e certo pertence categoria do direito material; tratase, isto sim, de conceito nitidamente processual”, que serve, inclusive, para a 31— ALFREDO BUZAID, Do mandado de seguranca, Sio Paulo, Saraiva, 1989, pp. 8687. 32 —“O conceito de dircito fiquido c certo é tipicamente processual, poisatende ao modo de ser de ‘0 subjetivo no processo:a circunstincia de um determinado direito subjetivo realmente existirnio Ihe dia caracterizagio de liquideze certeza; esta so Ihe € atribuida se os fatos em que se funda puderem ser provados de forma incontestivel, certa no processo. E isso normalmente se da quando a prova for documental, pois est € adequada a uma demonstragio imediata ¢ segura dos fatos” (CELSO AGRICOLA BARBI, Do mandado de seguranga, Rio de Janeio, Forense, 1966, p. 59). fa melhor compreensio do processo modelado através da técnica da cogni¢io exauriente secundum eventum probationis. A jurisprudéncia nos oferece 0 caso em que o impetrante do mandado de seguranca procura demonstrar a existéncia do “direito liquido € certo” através de prova testemunhal ou pericial realizada antecipadamente. Nesta hipdtese, que tem gerado formidiveis equivocos, necessirio € distinguir prova documentada de prova documental. O documento que con- téma declaragéo testemunhal antecipada prova apenas a declaraco testemu- nhal e nao a afirmagdo de fato que tal declaragio pretende provar. A prova testemunhal antecipada permite a deducio da veracidade da afirmacao do fato a partir da declaracdo testemunhal, constituindo fonte secundaria da pro- vas. O testemunho é um ato humano que serve para demonstrar uma afir- macio de fato, enquanto 0 documento é uma coisa (embora também produto da atividade humana) que representa um fato* O testemunho, comoato huma- no, nio demonstra, por si s6, um fato, enquanto o documento, que é uma coisa, é suficiente para representar um fato®. ‘Alias, se a prova testemunhal for admitida como suficiente para a de- monstracio de “dircito liquido ¢ certo” ocorreri lesio ao principio do contradi- t6rio, 4 medida que o réu nao tem oportunidade de produzir prova para contra- por a prova antecipadamente realizada pelo autor. Garantir-se a participacio na formacao da prova nada tem a ver com 0 direito de produzir prova. Assim, sio completamente destoantes dos principios as decisdes que admitem man- dado de seguranca com base em “producio antecipada de prova”, Talvez 0 equivoco na admissiio de prova antecipada em mandado de seguranca seja derivado do emprego da expresso “prova preconstituida’ como sinénima de “prova documental”,, o que é reflexo do esquecimento da licdo de Bobbio, no 33 -V. CARNELLUTI, La prova civile, Roma, Ed, dell’Ateneo, 1947, 34-—V. CARNELLUTI, La prova civil, cit., e HERNANDO DEVIS ECHANDIA, Teoria generatdela (prueba judicial, Buenos Aites, Zavalia Ed., 1976. 35 —Ninguém mais preciso, nesse ponto, do que ARRUDA ALVIM: *Se, por hip6tese, 0 contetido de ‘um documentoalbergar “declaricio de céncia, elativaa determinado fato", esse documento constitu prova da deciaragio mesma; nio provar4, por sis6, contudo, 0 fato declarado (isto é, sua efetiva ‘ocorréncia hist6rica, no mundo empirico), em relagio a0 que subsiste o 6nus da prova (art. 368, parigrafo tinicoy" (Tratado de direito processuat civil, Sio Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1990, vy. I, p. 448). V, também, do mesmo autor: Manual de direito processual civil, Si Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1986, v.2, pp. 315/321; eAedo incidental de falsidade ideolégica de laudo pericial— preclusiio-~ sentido da patavra “documento”, Revista de Processo, v.54, pp. 224/238. a poo sentido de que dara cada coisa o seu nome nao é mera preocupacio formalista, porém necessidade para a construcio de uma ciéncia®, De acordo com Carlos Mario Velloso, “nio se pode admitir que 0 impetrante ingresse em juizo para fazer, no curso sumarissimo do mandado de seguranca, em que nao hé dilacio, a prova das suas alegagdes; esta deve ser, aqui, sempre, prova preconstituida e sempre documenta, A prova ha de ser documental ¢ os documentos comprobatorios do fato nao podem padecer de davida. Se fossem impugnados de falsos, nao seria possivel a instaura- ¢ao do incidente de falsidade, Nesse caso ndo se poderia falar mais em direito liquido e certo’s". No caso de ser apontado como falso 0 documento, podemos pensar: a) na impossibilidade de 0 juiz apreciar 0 mérito, por ausén- cia de direito liquido e certo; b) na possibilidade de o juiz desconsiderar a alegacio da autoridade coatora ¢ julgar 0 mérito; ¢ ¢) na admissio da produ- cio de prova tendente a demonstragio da existéncia da falsidade™. A primeira alternativa no merece consideracio por ser a menos ade- quada ao espirito do mandado de seguranca, como instrumento de tutela das liberdades publicas. Ora, se bastasse a autoridade coatora afirmar a falsidade do documento para o juiz estar impedido de julgar 0 mérito, estaria aberto o caminho para a inefetividade do mandado de seguranca. Seria licito, no entan- to, admitirmos a possibilidade de uma eventual “injustica”, com a preservacio da efetividade da via constitucional de tutela das liberdades, ji que a sentenca fundada em prova falsa pode ser objeto de acio rescis6ria ? Alguém poderia supor, de fato, que 0 caso seria de reserva de excecio, vale dizer, que a argiii- ‘fo da falsidade somente poderia ser feita em acio inversa subseqicente, pre- Cisamente a aco rescis6ria. Perceba-se, contudo, que impedir a produgio da prova sobre o documento apontado como falso significa restrigio & cogni¢io no sentido vertical, e assim estariamos legitimando uma sentenca de cogni¢io suméria com forca de coisa julgada material. 36 — NORBERTO BOBBIO, Teoria delta scienza giuridica, Torino, Giappichelli, 1950, p.217. 37 — CARLOS MARIO VELLOSO, Direito liquido e certo, Decadéncia, in Mandado de Seguranca, Porto Alegte, Fabris e1AB, 1986, p.57. 38-0 Tribunal de Justica de Sao Paulo, ao apreciar essa questo, concluiu: “Nao pode ser deferido incidente de falsidade em mandado de seguranca, onde o direito deve vir comprovavel de plano. Em se tratando de “mandamus", impossivel a producto de prova que nio venha com a inicial” Gurisprudéncia Brasileira, v. 103, p. 190). 39 —Demais, como ensina o Professor EGAS MONIZ DE ARAGAO, ¢ irrecusdvel que a prova “tende ‘a proporcionarao juiza formacio de seu convencimento, razio pela qual tem ele, como destinatario ddela,0 poder-dever de eliminar de entreas provasaserem consideradaso documento que the deformaria, ojulgamento. Podem ser recordadasa esse respeito palavras de Cameluttia propésito do assunto, 20 23 Dessa forma, a opcao correta, ao nosso ver, €4 de admitir a investigacao da falsidade. A objegio seria a de que o procedimento estaria sendo desnatura- do € alargado. O procedimento, contudo, nio estaré sendo desnaturado, ja que a prova, por dbvio, nio ter por objeto o fato que 0 documento pretende representar. Vale dizer: 0 procedimento continuara com a sua natureza — que € documental ~ intocada. Por outro lado, a questo do prejuizo como alarga- mento do procedimento implica a considerago da eterna problemtica posta pelo bindmio “celeridade-seguranca”. Neste caso estariamos dando priorida- de ao valor seguranca em detrimento do valor celeridade apenas em razio da viabilidade da concessio de liminar no procedimento do mandado de seguran- ca. Demais, as provas requeridas por abuso poderiam ter resposta na responsabilizagao por perdas danos decorrente de litigincia de mi-fé Observe'se, ainda, que a técnica da cognicio exauriente secundum eventum probationis, além de permitir a construgio de um processo célere € a0 mesmo tempo de cogni¢io exauriente, nao elimina a possibilidade do jurisdicionado, que lancou mao do mandado de seguranga mas necessitava de outras provas além da documental, recorrer ao procedimento ordinario. De- veras, de acordo com a Simula n° 304 do Supremo Tribunal Federal, a “de- cisio denegatria de mandado de seguranca, nao fazendo coisa julgada contra 0 impetrante, nao impede o uso da acio propria”, Este enunciado quer dizer que fica aberta a via ordindria aquele que teve denegado 0 mandado de segu- Tanga por auséncia de direito liquido e certo; isto porque a sentenca que afir- ma a auséncia de direito liquido € certo nao declara que o direito subjetivo material nao existe. ontinuagio da nota 3...) dizer que “aluta contra falsidade é uma espécie de desinfecco social’, dado que “uma das condigbes para que a justiga seja bem administrada é que a fé do juiz nao sejatraida” (Causa certa surpresa, por isso, a afirmacio de Rosenberg, de o assunto nio ter importancia pritica) (Exegese do Cédigo de Processo Civil, Rio de Janeiro, AIDE, v.4, t. 1, p. 297). 40 Como diz WATANABE, “no processo de mandado de seguranca, é entendimentoassente, inclusive cristalizado em Siimula do Supremo Tribunal Federal, que “decisio dencgatétia de mandado de seguranca, nao fazendo coisa julgada contra oimpetrante, ndo impede o uso de acio propria” (Sémula 304) Cart. 15, Lei 1,533/51). O exame exaurriente do mérito da causa é dependente da existéncia de elementos probatorios necessérios para tanto, Informa Theotonio Negrio, com citacio de indimeros recedentes, que ‘a jurisprudéncia do STP, dando entendimento a esta Stimula, vem afirmando quea decisio que denegaa seguranca, sc aprecia o mérito do pedido e entende que o impetrante nio tem ieito algum (eno queapenas Ihe falta direto liquiclo e certo), faz coisa julgada material, impedindo a reapreciagio da controvérsia em acio ordindtia”* (Da cogni¢do no processo civil, ct., p. 89). 24 2.3.4, A técnica da cognigio exauriente por ficcao legal conjugada com a técnica da cogni¢ao exauriente secundum eventum defensionis Recente anteprojeto de modificacio do Codigo de Processo Civil prevé o.chamado procedimento monit6rio. A agio monitoria, de acordo com o ante- projeto, compete a quem pretender, com base em prova escrita sem eficacia de titulo executivo, pagamento de soma em dinheiro, entrega de coisa fungivel ou de determinado bem mével. No procedimento monitério, estando a petigao inicial devidamente ins- truida, o juiz deve deferir, sem a ouvida do réu, a expedigio do mandado de pagamento ou de entrega de coisa. Tal mandado sera convertido em titulo executivo se no apresentados embargos. Apresentados os embargos, o titulo executivo judicial sera constituido, de pleno direito, na hipdtese de improcedéncia. O procedimento monitério é resultado da combinacio da técnica da cognicao exauriente por ficcio legal com a técnica da cognicio exauriente secundum eventum defensionis. Objetiva a formagao do titulo executive sem as delongas do procedimento de cogni¢io plena ¢ exauriente, deixando 20 devedor ou ao obtigado o juizo de oportunidade sobre a instauracdo de embargos. A nao apresentagio de embargos faz surgir 0 titulo executivo, fi- cando 0 juiz impedido de determinar a producdo de prova tendente a averi- guacio da existéncia do dircito afirmado que, na verdade, considerado exis- tente por ficcio legal. Tratase da adogio de um critério racional, que respon- dea exigéncia de se evitar um desnecessirio procedimento de cogni¢io plena e exauriente quando a prova documental demonstra, em alto grau de probabi- lidade, a existéncia do direito. 2.3.5. A técnica dos tittlos executivos extrajudiciais ‘A técnica dos titulos executivos extrajudiciais também é uma técnica de sumarizacio, 4 medida que elimina a possibilidade de o juiz averiguar a exis- téncia do direito, que o préprio titulo faz presumir presente. A limitacdo ao direito de defesa decorre igualmente de um critério raci- onal, justificado pelo alto grau de probabilidade conferido pelo titulo. Como o titulo indica apenas um alto grau de probabilidade, abre-se mio da certeza, assumindosse 0 risco de eventual erro, em virtude daquilo que comumente io de uma maior ocorre. O risco de erro é deliberadamente aceito em rai efetividade da tutela dos direitos". Os titulos executivos extrajudiciais, segundo deniincia de Proto Pisani”, sempre privilegiaram determinados sujcitos ¢ seus respectivos direitos, razio pela qual, em atencio ao principio da isonomia, o professor de Florenga pro- pée oalargamento da técnica dos titulos extrajudiciais a todas as hipoteses em que um documento idéneo seja capaz de fornecer um grau de probabilidade considerado suficiente, independentemente do peso politico das sujeitos que poderao usufruir dos titulos®, A técnica dos titulos executivos extrajudiciais, como € dbvio, nao pode privilegiar posigdes sociais’, devendo estar atenta apenas a uma maior efetividade do processo. Deve ser valorado o grau de beneficio social que 0 titulo trara, na exata medida em que o risco de erro justifica o emprego da técnica de sumarizacio para o encontro da pacificacio social Por outro lado, o legislador deve dar maior atencio aos titulos capazes de propiciar a execucao especifica, que é, sem diivida, resultado almejado por aqueles que esto preocupados com a efetividade da realizacio dos direitos. 41—Como diz DINAMARCO, “20 instituir ttulosalém da sentenca condenat6ria civil ordinaria, age ollegislador por critério de probabilidade, sabendo que sempre algum risco haverd, masentendendo também que valea pena corré-lo; vale a pena, porque as vantagens obtidas na grande maioria dos ‘casos tém muito mais significado social que eventuais males softidos em casos proporcionalmente teduzidos -, quanto aos quais, de resto, fica abertaa via defensiva consistente nos embargos’ execucio. Teme, entio, na técnica consistente em tipificar os titulos executives, 0 cultoao escopo social de pacificacio mediante eliminagio dos contfitos. Olegislador acha preferivel enfrentaro isco de permitit 2 instauragio de algum processo executivo sem 0 correspondente direito subjetivo mater concedendo ao exeqiiente a realizacio de medidas constritivas (especialmente, penhora) talvez causando algum dano 20 executado* (CANDIDO RANGEL DINAMARCO, A instrumentalidade do processo, 4 ed., Sio Paulo, Matheiros, 1994, p. 256). 42 ~ “Di fatto storicamente if ricorso @ questa tecnica é stato (né, a mio avviso, poteva essere diversamente) infuenzato anche dalla opporruniti di prvitegiare i soggeti reali portatori de! titolo ed i relativi diritti @ sintomatico, a tafe riguardo, che la stragrande maggioranza dei ttolt esecutivi di formazione stragiudiziae é disposizione di imprencitori commercial di Pubbliche Amministrazioni)* (ANDREA PROTO PISANI, Appunti sulla tutela sommaria, cit., p. 318). 43 ~ Cf, PROTO PISANI, Appunti sulla tutela sommaria, cit, p.318. 44—*Mesmoassim, eapesar de tal atitude doutrindria, de duvidosa legitimidace, os mesmos escritores que condenavam os “processos suntarios’, ou como diz Segni, os “julzos especiais", nunca repudiaram, por exemplo, a longa ¢ laboriosa teoria dos titulos de crédito, por meio dos quais os “empresirios” podiam livrarse do tao clogiado procedimento ordinario, servindo-se do mais puro e bem feito proceso sumério que a douttina modema jamais concebeu!* (OVIDIO BAPTISTA DA SILVA, Curso deprocesso civil, Porto Alegre, Fabris, 1987, v. 1, p. 105). 26 Capitulo Terceiro CONSIDERAGOES ACERCA DA TUTELA DE COGNIGAO SUMARIA Floresce hoje uma tendéncia atenta a temitica do acesso a justica' e, nesta perspectiva, podemos dizer que uma das questes mais preocupantes se revela no bindmio “custo-morosidade” , a demonstrar a faléncia do proces- 0 civil tradicional, Nao é por outra razio, aliés, que boa parte das pesquisas atuais se volta as vias alternativas de pacificagio social, tratando da arbitragem € da conciliacio. O custo ¢a duragio do processo, porém, igualmente obriga- ram 0 processualista a partir em busca de um instrumentalismo mais efetivo dlo proceso. Ai os pontos sensiveis se resumem & tentativa de incrementagio da assisténcia judicidria gratuita; andlise das formas de tutela dos interesses supraindividuais e as preocupacdes com a “utilidade da decisto” Aproblemitica da “utilidade da decisio” esta centrada sobre a questio da “rapidez-certeza”. Talvez 0 problema da morosidade da prestacao jirisdicional seja o que mais significativamente aponte para o sentido da ver- dadeira “efetividade do proceso”, por ser aquele que mais aflige 0 cidadio comum quando da decisio de recorrer ao Poder Judiciario, ou de buscar uma conciliagio nem sempre realmente favoravel. A morosidade do processo, como é intuitivo, estrangula os canais de acesso a tutela jurisdicional dos economi- camente mais débeis, ameacando severamente o principio da isonomia. As transaces endoprocessuais, to comuns na Justica do Trabalho, bem espelham esta proposicio. Nao obstante, o problema da morosidade da tutela jurisdicional, numa ética puramente empirica, permite a visualizacio das formas de reacio do jurisdicionado na pritica forense. Estas “formas de reagio” refletem o empre- 1 —Como afinmam CAPPELLETTI GARTH, “o ‘acesso’ no €apenasum direito social fundamental, crescentemente reconhecido; ele € também, necessariamente, © ponto central da moderna processuiistica. Seu estudo pressupde um alargamento eaprofundamento dos objetivas e métodos da modema ciéncia juridica’, Acesso a justica, MAURO CAPPELLETI ¢ BRIANT GARTH, Porto Alegre, Fabris, 1988, p.13. cae 80 abusivo da tutela cautelar, obrigando a tentativa de sistematizacio das tute. las que, sob o rétulo de “cautelares”, visam eliminar os males do “tempo pro: cessual’, Portanto, parece que o estudo das tutelas sumarias também merece © nosso “tempo” A abordagem deste tema exige referencia & diferenca entre a tutela cautelar ¢ a tutela que satisfaz por antecipacdo. A tutela cautelar, como se verifica no cotidiano forense, se transformou em remédio de sumarizagio Processual isto, fundamentalmente, porque a lentidio do procedimento or- dinario nao € mais compativel com a so iedade de massa. Busca-se, entio, através da tutela cautelar, quase que sempre, uma satisfacio antecipada. As Principais razGes de tal fendmeno sio as seguintes: a) 0 desprezo as vias de Cognicao sumétia, ocorrido ja no dircito medieval; b) a conseqiiente universalizacio do procedimento ordinirio; ¢ c) os estreitos limites postos Para a execugao provisria da sentenga em nosso direito. £ claro que um Procedimento sem a possibilidade de liminar € execugio provisoria somente Poderia levar a niveis alarmantes a insatisfagio com a duracio do processo. A necessidade de tutela urgente para determinados casos, pois, é que levou 4 ‘utilizacao da via cautelar para o fim de antecipacao da satisfacio do direito.3 Aparece, nessa linha, a primeira questio delicada da nossa matéria, A necessidade de distingio entre a tutela cautelar ¢ a tutela antecipatoria.’ Afirma-se, geralmente, que a tutela cautelar € caracterizada pela provisoriedade e pelo pericu/um in mora. Entretanto, estes requisitos no bastam para caracterizi-la. No direito italiano discutivse acirradamente a res- Peito da natureza da execucio provisoria da sentenca contra 0 periculum in mora, Alguns doutrinadores, baseados na provisoriedade e no periculum in mora, a ela atribuiram natureza cantelar.5 Ora, a tutela cautelar nio pode satisfazer a pretensio, mas tio-s6 assegurar a viabilidade da satisfagio da pre- tensiio. Ovidio Baptista da Silva explica este ponto fazendo alusio adiferenga 2 E oque também afirma A CHINA, “Quale futuro peri provvedimenti'urgenza?",in/ Process! special: studi offerti a Virgilio Andrioli dai suoi allievt, Napoli, Jovene, 1979, p.151 3 Verde chegiaapontara presenca de uma epidemia de medidas cautelares stistivas no dreito ¥allano,“Ennesinvavariazione giursprudenciale in tema di provvedimenti exart. 700 CPC”, Riviste di diritto processuale, 1980, pp. 5815. £5 WIZ GUILHERME MARINONI, Tutela Gautelar e Tutela Antecipatoria, io Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1992. aoc urostfzreferénciaainiimeros doutrinadores que entendem que aexecugio provsoria, quando Concedida com base empericilum in mora, possuicariter cautelar,enquanto quc em ovttovcacon perde esta natureza, La tutela cautelare, Torino, UTET, 1963, p. 305 28 entre a execucio para seguranca e a seguranca para execucio®, demonstran. do que quando se executa de forma urgente existe satisfacio antecipada, 0 que extrapola os lindes da cautelaridade. Os alimentos provisionais, v. g., por alguns considerados como cautelares, satisfazem por antecipagio; nao possu- em natureza cautelar. Para que exista cautelaridade é necessaria a referibilidade a um direito acautelado. Pede-se cautela fazendo-se referéncia a um direito que deve ser protegido ou assegurado cautelarmente. Inexistindo referibilidade, ou direito referido, nao hd direito acautelado. Ocorre, neste caso, satisfatividade; nunca cautelaridade. Quando no esta presente a referibilidade € porque ha satisfatividade. E existindo satisfatividade nao ha cautelaridade, embora exista provisoriedade ¢ periculum in mora. Atutela cautelar, além de ser qualificada pelo requisito da referibilidade, também se caracteriza pela temporariedade e pela instrumentalidade. A medi- da cautelar € temporaria; nao provis6ria. A tutela cautelar conectase a uma situacio de perigo que, desaparecendo, faz com que a medida deixe de ter razio de ser. O arresto, v. g., bem demonstra o afirmado, ja que nao perde a sua eficicia com 0 trinsito em julgado da sentenga condenatoria. Por outro lado, ao contrario da que satisfaz por antecipacdo, a tutela cautelar € instru- mental, porque destinada a assegurar uma pretensio que deve ser objeto de uma a¢io principal. Isto nio ocorre com a tutela que satisfaz por antecipacao porque, uma vez satisfeita a pretensao, nada mais resta para ser assegurado. O Pprocesso que segue ao processo sumiario antecipatorio € apenas instrumento para que seja preservada a adequada cognicio da lide. Na verdade, é instru- mento para que seja preservado o direito 4 prova, que também é corolario do devido proceso legal. Exemplificando: uma aco que visa a uma demolicio urgente nao permite determinado tipo de provas, por incompativeis com a urgéncia que legitima a propria providéncia solicitada. O juiz, entao, julgara com base em cognicio suméria, ou seja, probabilidade, podendo satisfazer, em caso de procedéncia, a pretensio da parte. Se a pretensio é satisfeita al- guém poderia indagar a respeito da real necessidade do processo principal. Este s6 existe para garantir o direito 4 discussio plena da lide. Alguns requisitos, niio obstante, so comuns a ambas as tutelas. A urgén- cia, a sumariedade formal, a sumariedade material ¢ a inexisténcia de coisa julgada material caracterizam tanto a tutela cautelar como a tutela suméaria 6 — OVIDIO BAPTISTA DA SILVA, Comentdrios ao Codigo de Processo Civil, 2* ed., Porto Alegre, Lejue, 1986, v. 11/67 29 antecipatoria, A urgéncia, como € evidente, reclama um procedimento acele. rado. Mas nao basta a sumariedade procedimental, sendo necessaria também a sumariedade material para que a tutela seja cautelar ou sumétia antecipatdria.? O procedimento sumarissimo ou mesmo 0 mandado de seguranga represen: tam a sumariedade no sentido formal, mas permitem ao juiz 2 cogni¢do exauriente da afirmacio dos fatos. Sumariedade material significa a impossibi lidade de cogni¢io aprofundada do objeto litigioso, em vista da urgéncia que leva a inviabilidade da producio de determinadas provas. A sumatiedade ma- terial, portanto, é uma cognic20 menos aprofundada em sentido vertical.* Jus- tamente em razdo da menor profundidade da cognigao do juiz é que inexiste declaragao relevante acerca de uma relagio juridica nestas espécies de tutela. O juiz nao afirma (nem pode afirmar) que o direito existe, mas somente que Provavelmente o direito existe. Assim, nio se pode falar em coisa julgada material no proceso cautelar ou no processo sumitio antecipat6rio, ja que o direito afitmado como provavel no Ambito destes processos poderi ser asse- verado em contririo no processo principal, quando a cognicio do juiz sera exauriente, ou, em outras palavras, quando sera possivel is partes 0 exercicio pleno do seu direito & prova. _ _ Atutela suméria antecipatoria, como vimos, destina-se 4 realizagao ante- Cipada do direito da parte. Portanto, € uma espécie de tutela jurisdicional diferenciada. Tutela jurisdicional diferenciada quer significar, em certo senti- do, tutela adequada 4 realidade de direito material. Se uma determinada pre- tensio de direito material esta envolvida numa situacdo emergencial, a tnica forma de tutela adequada desta pretensio € aquela que pode satisfazer com base em cognicio sumaria. Esta espécie de tutela vem sendo prestada no direi to brasileiro, como também no direito italiano, sob o manto protetor da tutela cautelar, Mas € importante frisar que a tutela de urgéncia, género que abrange tanto a tutela cautelar como a sumiria antecipatéria, encontra lastro no prin- cipio da inafastabilidade, que garante o direito a adequada tutela jurisdicional. No momento em que foi proibida a autotutela privada, o Estado assumiu a Obrigagdo de tutelar de forma adequada toda e qualquer situaco conflitiva 7—- VICTOR FAIREN GUILLEN distinguin precisamente os processos de cognigiosumiria dos processos ‘com procedimento sumarissimo, El juicio ordinario y los plendrios rapids, Barcelona, Bosch, 1953, p.43, 8~ Consoante deixou escrito CALAMANDRET, a tutela cautelar busca “un giudizio di probabil edi Yerosimiglianza’, fntroduzione allo studio sistematico det provvedimenti cautelart, Padova, Cedam, 1936, p. 63. 30 concreta, razdo pela qual 0 tempo despendido para a cognicio da lide nio pode impedir a efetividade da tutela dos direitos. O Estado € obrigado a esta- belecer procedimentos adequados 4 efetividade da tutela jurisdicional, o que significa dizer que a auséncia de tutela jurisdicional adequada a determinada situagio de direito material pode representar a negacio do dever que o Estado assumiu quando vedou a “justica privada”. Como € do conhecimento geral, na época do denominado “Plano Color” muito se discutiu acerca da medida proviséria que proibiu a concessio de liminar na ago cautelar ¢ no mandado de seguranca. O Supremo Tribunal Federal, a0 analisar 0 pedido de medida cautelar na agio de inconstitucionalidade que questionava esta proibi¢io, deixou de concedé-la com base no argumento de que a razoabilidade da restricio 4 concessio das medidas deveria ser verificada caso a caso. Ora, para o juiz verificar a razoabilidade da restri¢o caso a caso, tera que inevitavelmente entrar no mértito do pedido de liminar, para somente depois poder afirmar que a restricio foi razoavel ou nao. Neste caso, como € dbvio, o juiz sempre ter’ admitido, em tese, o pedido de liminar, mas negado ou concedido a liminar por faltar ou estar presente o necessario fundamento. A medida provis6ria é inconstitucional, porque pode impedir, para alguns casos conflitivos concretos, a tutela jurisdicional adequada. O que é importante concluir é que a tutela de urgéncia esta engastada na Constitui¢io da Reptiblica. Perceba-se que a Constituicao de 1988 contém a locucao “ameaca a direito” na verbalizacao do principio da inafastabilidade, © que nfo ocorria na Constituicao anterior. Isto bem revela 0 propésito de 0 Constituinte garantir constitucionalmente a tutela de urgéncia, seja a cautelar, seja a sumaria antecipatoria. Existe, pois, direito constitucional 4 tutela de urgéncia. Estabelecida a diferenca entre a tutela de urgéncia cautelar ea tutela de urgéncia que satisfaz com base em cognicio sumaria, é necessitio nos fixar- ‘mos em outra interessante questo: quando as afirmagées dos fatos podem ser demonstradas através de prova documental, ou quando nio é discutida maté- ria de fato, 0 caso niio € de processo cautelar ou processo sumario antecipatorio. Exemplificando: 0 mandado de seguranga reclama o chamado “direito liquido € certo”, Neste caso nao ha sumariedade material, mas apenas sumariedade formal, ou seja, procedimental. N4o ha sumariedade material porque o juiz pode, com base apenas nas provas documentais, afirmar a existéncia do direi- to. Galeno Lacerda assevera que, na hipétese de ter escoado o prazo decadencial do mandado de seguranga, a hipdtese pode passara sera de uma acio cautelar.? Ora, se 0 caso era de mandado de seguranga nao pode passar a ser de aco cautelar. E que a acdo cautelar pressupde uma situacio de aparéncia, ou um fumus boni iuris, enquanto 0 mandado de seguranca exige exatamente 0 oposto, isto é, “direito liquido e certo” Por outro lado, a doutrina chama de “medidas cautelares de oficio” aque- las que, em casos excepcionais ou expressamente previstos em lei, podem ser Concedidas para a protegio da atividade jurisdicional, Ora, as medidas que se destinam a protecao da jurisdig&o, chamadas por Calamandrei de medidas de Policia judiciéria, podem ser determinadas pelo juiz nas hipéteses em que este as entender convenientes. £ que, se 0 juiz detém o poder jurisdicional, tem de estar munido dos instrumentos necessarios para a sua realizagio. Tais medidas nio sio cautelares, mas medidas instrumentais, necessarias ao exer- cicio do poder jurisdicional. Nao teria cabimento o entendimento de que 0 juiz, detentor do poder, somente poderia utilizar das medidas inerentes ao seu poder em casos excepcionais ou expressamente previstos em lei. Temos, ainda, as medidas previstas em determinados procedimentos, Como os possessdrios. Tais medidas liminares sao estabelecidas pelo legisla. dor em face da valoragio de determinadas situagdes de direito substancial. Em tais hipoteses o legislador deixa ao julgador apenas a valoracio do fumus boni iuris. Devemos observar, igualmente, as chamadas medidas matrimoniais, tam- bém tomadas, sem muita reflexdo, como cautelares. Talvez porque foram ipseridas, 4 falta de methor lugar, no livro destinado ao processo cautelar. Asmiedidas matrimoniais esto reguladas no titulo segundo do livro quarto do Codigo do Processo Civil Italiano, em titulo destacado do lugar onde estio tratadas as medidas cautelares. Também no dircito aleméo as medidas matri- moniais esto disciplinadas em capitulo distinto do destinado as medidas cautelares. A ZPO prevé as medidas relativas as lides matrimoniais nos §§ 627 € seguintes, no as equiparando as medidas cautelares. Observou Adolfo Schénke, sem fazer qualquer alusio a perigo na demora, que tais medidas Constituem parte da lide matrimonial."* As medidas matrimoniais, como a se- Paracao de corpos, a guarda provisoria de filhos e a regulamentacio do direito de visitas, no sio cautelares porque nio destinadas a assegurar um direito. 9 GALENO LACERDA, Comentdrias ao Codigo de Processo Civil, Rio de Janeiro, Forense, 1980, ¥.8,t. 1/185 10— ADOLFO SCHONKE, Derecho procesal civil, Barcelona, Bosch, 1950, p. 349. BP Estas medidas destinam-se a regular provisoriamente os interesses do casal € dos filhos e prescindem de qualquer cogitacio em torno de perigo de dano iminente e irreparavel, embora se justifiquem ainda mais em caso de periculum in mora."' S40 concedidas para regular os interesses dos filhos € do casal, ainda que nenhum direito esteja sendo ameagado por periculum in mora. As medidas matrimoniais nao configuram tutela cautelar, mas sim tutela do tipo interinal. A tutela cautelar destina-se a assegurar a possibilidade de realizacio de um direito, a tutela sumaria antecipatoria satisfaz desde logo 0 direito, enquanto a tutela interinal tem por fim regular provisoriamente uma situacio ligada a lide. Outra questao importante para bem tratarmos do nosso tema, questio esta quase sempre esquecida pela doutrina, é a da efetivagio da tutela suma- ria, Esta questio é de suma importdncia para que realmente possamos sonhar ‘com uma tutela jurisdicional eficaz A questio € bastante complicada porque 0 processo executivo atraves- sa.uma das suas maiores crises. Entretanto, a ineficdcia das formas tradicionais de atuacdo da sentenca condenatoria tem proporcionado novas idéias a res- peito da efetivagio da sentenca de condenagio, e até mesmo a procura de um provimento que represente uma alternativa em face das trés tradicionais espé- cies de sentenga. ‘A doutrina italiana mais moderna" aponta a crise da sentenca condenatéria basicamente por duas razées: a) a nio patrimonialidade dos novos direitos; b) 0 novo perfil da economia contemporiinea, que no é mais de troca de coisas, porém de troca de fatos, de prestagao de fatos.'# Os chamados novos direitos nao se contentam com uma reparacio pecuniaria, enquanto a proliferacio das empresas prestadoras de servigos fez aumentar consideravel- mente os conflitos referentes a descumprimento de obrigagao de fazer. Com efeito, os meios executérios tradicionais estio predispostos so- mente a promover a execucio patrimonial. Dai ser natural a reagao que se verifica na doutrina italiana contra a senten¢a condenatéria. 11 Como diz OVIDIO BAPTISTA DA SILVA, estas medidas nio tém “necessariamente cariter urgente", A acao cautelar inominada no direito brasileiro, Rio de Janeiro, Forense, 1979, p. 84 12-- ANDREA PROTO PISANI, “Appunti sulla tutela di condanna”, Rivésta trimestrale di dirittoe procedura clvile, 1978; MICHELE TARUFFO, "L’attuazione esecutiva dei dirtt — profil comparatstici", Rivista trimestrale di diritto e procedura cteile, 1988; MARIANGELA ZUMPANO, “Tutelad’urgenza « rapporto di lavoro", Rivista dt diritto processtale, 1989. 13-Cf, OVIDIO BAPTISTA Da SILVA, Cuerso de processo civil, Porto Alegre, Fabris, 1990, v. 2/256. 33 Proto Pisani, no ensaio denominado Appunti sulla tutela dicondanna, entende que a sentenga deve conter uma ordem dirigida ao réu, de forma a possibilitar que a sua desobediéncia tome possivel a aplicacio da pena de prisio.'* A doutrina, em verdade, tenta aplicar no direito europeu os instru- mentos proprios do direito anglo-americano. O direito anglo-americano per- mite que 0 interessado exija a execugio especifica da obrigacio através da injunction. A desobediéncia a injunction significa “desprezo pelo tribunal” ou contempt of Court, permitindo a imposicao de multa ou mesmo de pris até que a ordem seja cumprida."* No direito italiano, autores como Aldo Frignani'’, com base em principios importados do direito anglo-americano, sustentam a aplicacao da pena de prisio para o caso de descumprimento de ordem judicial, ainda que o objeto da ordem seja uma obrigacao de natureza infungivel."* £ not6ria a semelhanca destas propostas com a sentenga mandamental, sustentada em nosso direito principalmente por Ovidio Baptista da Silva. A sentenga mandamental encontra seu reino no processo cautelar, pois 0 juiz, a0 concedera liminar oua cautela, sempre ordena que se faca ou que se deixe de fazer alguma coisa. A pergunta que se impée, porém, €a de saber se 0 juiz, em caso de descumprimento da ordem, pode determinar a pena de prisio. Poucos cogitaram a respeito de tal possibilidade em nosso direito, entenden- do Donaldo Armelin'? € Ovidio Baptista da Silva”, a0 contrétio de Priscila Corréa da Fonseca", que a Constituicao da Reptiblica nao proibe tal espécie de pristio, Nao parece que a pena de pristio por descumprimento de ordem 14— ANDREA PROTO PISANI. Appunti sulla tutela di condanna, cit, p.1.170. 15—Namesma linha, ARIETA afirma a grande importincia da aplicacio da pena de prisio para ofim de efetivacio das medidas cautelares, [provuedimenti d'urgenza, Padova, Cedam, 1985, p.345. 16— Sobre a forma de atuacio dos direitos no sistema angloamericano, consultar Taruffo, “L'attuazione esecutiva dei diriti-profli comparatistici”,Rivista trimestrale di dirittoe procedura civite, 1988. 17 ~ALDOFRIGNANI, L'injunction nella common law eT'inibitoria net dirtto taliano, Milano, Giuffté, 1974, p. 599. 18~ VIRGILLIO ANDRIOLI, em seu Commento al codice di procedura civile (Napoli, Jovene, 1964, vy. 4/27 Tyassevera: “naturalmente in tutte le ipotesiin cuiil non fare oil fare, ordinato dal giudice (sia 80 il pretore oil giudice istruttore della pendente causa di merito), sono infungibili, non si danno alti rimedt al infuori delta tuteta, quale prevista nell'art.388.cod. pen.” 19 ~ DONALDO ARMELIN, “A tutela jurisdicional cautelat”, Revista da Procuradoria Geral do Estado de Sao Paulo, 23/136. 20 — OVIDIO BAPTISTA DA SILVA, Curso de Processo Civil, v. 2/256 d asl CORREA DA FONSECA, Suspensdo de deliberagdes sociais, Sio Paulo, Saraiva, P- 133. 34 judicial encontre obstéculo na Constituigio da Repiiblica, pois o que a Cons- tituicio veda é a prisio por divida. E nem se diga que tal medida retoma tem- pos obscuros, uma vez que tal possibilidade encontra agasalho nao s6 no di- reito anglo-americano, mas também no direito alemao, ‘Um problema que surge no desenrolar da questo que precedeu, diz respeito as defesas do réu e dos terceiros em face da efetivagio da medida: Parece que a tinica forma de 0 executado defender-se é levando ao conheci mento do juiz, em forma de peticéo simples, qualquer evento modificativo, extintivo ou impeditivo. No caso da efetivagao desbordar os limites da tutela concedida, o prejudicado deve levar 0 acontecido ao juiz. para que este possa até mesmo revogar a medida anteriormente deferida. O que importa € que com a possibilidade da modificacio-revogacio imediata da medida esta pre- servado 0 principio da isonomia no tratamento das partes. Se a efetivacio provocar a constri¢ao indevida de bem de terceito, of remédio é uma agio auténoma, que devera ser levada ao conhecimento d juiz que concedeu a medida. Trata-se de uma acio incidental, que bem podem ser os embargos de terceiro. Outra questo que nio poderiamos esquecer respeita a0 problema da modificacio-revogacio da medida. O juiz. pode revogar a medida em virtude de novas circunstincias, como 0 desaparecimento da situagio perigosa que ameacava o direito da parte, ou quando novas provas forem trazidas aos autos, permitindo uma nova valoragao da probabilidade da existéncia do direito afir- mado. Indagase, porém, se 0 juiz, nessas hipdteses, pode revogar ou modi car a medida, independentemente de recurso de agravo. Nao é necessario 0 recurso de agravo, ji que nao existe preclusio em se tratando de medida liminar, pois inerente 4 mesma a transitoriedade, sendo de sua natureza a revogabilidade. 35 Capitulo Quarto TUTELA CAUTELAR, TUTELA ANTECIPATORIA URGENTE ETUTELA ANTECIPATORIA 4.1. A QUESTAO DA EFETIVIDADE DO PROCESSO O desenvolvimento da teméatica do acesso 4 justica levou ao questionamento do problema da efetividade da tutela dos direitos e, por con- seqiiéncia, da efetividade do processo. _ A problemitica da efetividade do proceso esté ligada ao fator tempo, pois no sio raras as vezes que a demora do processo acaba por nao permitir a tutela efetiva do direito. Entretanto, se 0 Estado proibiu a autotutela nao pode apontar 0 tempo como desculpa para se desonerar do grave compro- misso de tutelar de forma pronta ¢ adequada os varios casos conflitivos con- cretos. A tutela cautelar, até poucos anos, era um instrumento excepcional Suficiente para evitar que a demora do processo conduzisse a inefetividade da tutela jurisdicional. Atualmente, porém, constata-se a proliferacao das medi- das cautelares € mesmo a distorcao do seu uso. Trata-se de fendmeno oriundo das novas exigéncias de uma sociedade urbana de massa, que toma inaceita- vel a morosidade jurisdicional imposta pelas formas tradicionais de tutela'. Na verdade, a pratica forense, sob o rétulo de “tutela cautelar’, passou a con- ceber tutelas antecipatérias, proprias 4 tutela efetiva dos direitos que preci- sam ser realizados de forma urgente. A questio da efetividade do proceso, pois, obrigou 0 processualista a pensar sobre tutelas jurisdicionais diferenciadas, isto é, tutelas adequadas as particularidades das situacGes de direito substancial. Nessa linha, de grande importincia é a pesquisa de procedimentos que permitam a realizagio do 1 — LUIZ GUILHERME MARINONI, Tutela cautelar e tutela antecipatéria, Sao Paulo, Ed, Revista dos Tribunais, 1992, pp. 17/18. 37 direito material mediante cogni¢io sumiria, pois nao é mais possivel a confu sio entre justiga e certeza, 4.2. A TUTELA JURISDICIONAL ADEQUADA AO PLANO DO DIREITO MATERIAL Para a adequada teorizacio da questio da efetividade do processo, € necessirio realizarmos um approach entre os planos processual e de direito material. Se o processo visa a efetividade da tutela do direito, imprescindivel € que a tutela jurisdicional corresponda exatamente Aquilo que se verificaria se a acio (= 0 agit) pudesse ser realizada no plano social. Ou seja, a tutela jurisdicional deve ser uma espécie de realizacio da tutela privada, isto é, da tutela que foi proibida quando o Estado assumiu o monopélio da jurisdigao?. A perspectiva de direito material possibilita o ajuste da tutela jurisdicional as peculiaridades da pretensio de direito material, A idéia de que “a todo direito corresponde uma aco que o assegura’ é resgatada; porém, como que: tia Barbosa Moreira, com sonoridades modernas’. Com efeito, como diz Watana- be, para que do art. 75 do Codigo Civil “se retire toda a conotacio imanentista, basta que se leia 0 texto como se nele estivesse escrito que a toda afirmacao de direito (¢ nio um direito efetivamente existente) “corresponde uma acio, que © assegura’, O direito “afirmado”, como € cedigo, no € a mesma coisa que direito existente, Alias, mesmo o texto constitucional (art. 5., n. XXXV) deve ser lido com 0 mesmo cuidado, pois seu texto afirma que “alei nao excluira da apreciagio do Poder Judiciario lesfio ou ameaga a direito”, e sua leitura apres- sada podera conduzir a uma conclusio imanentista, quando na verdade o que nele se afirma € que nenhuma afirmativa de lesio ou ameaca a direito podera ser excluida da apreciacao do Poder Judiciirio"’. 2 — LUIZ GUILHERME MARINONI, Novas linhas do processo civil, Si0 Paulo, Ed. Revista dos ‘Tribunais, 1993, p. 130. 3~J. C. BARBOSA MOREIRA, Notas sobre o problema da “efetividade” do processo, in:Temasde direito processual, Terceira Série, Sio Paulo, Saraiva, 1984, p. 208, 4~ KAZUO WATANABE, Cédigo Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, Rio de Janciro, Forense Universitria, 1991, pp. 523/524. 38 Uma pretensio de direito material que deve ser realizada de modo ur- gente, porque envolvida em uma situacio de perigo de dano iminente, re- quer, obviamente, tomando-se como referéncia 0 procedimento ordinario, procedimento ¢ provimento diferenciados, ou seja, procedimento e provi- mento adequados a esta particular situagio de direito substancial. Por outro lado, “uma constru¢do racional dos procedimentos deveria reservar a ordina riedade apenas para aqueles casos em que o indice de probabilidade da exis- téncia ou nao existéncia do direito que cada uma das partes alega possuir, seja praticamente 0 equivalente, de modo que o juiz somente depois da instrugao ultimada poderia decidirse”’, € nao para os casos em que a parte demonstra prima facie a alta probabilidade da existéncia do direito afirmado. 4.3. O DIREITO A TUTELA DE COGNICAO SUMARIA O processo, de fato, deve propiciar a tutela efetiva do dircito da parte, ‘ou seja, deve conduzir a0 mesmo resultado que seria obtido se espontan mente cumprida a norma de direito substancial ou realizada a acio de direito material. Assim, aquele que é titular de uma pretensio de direito material envol- vida em uma situacio emergencial — uma vez que exerceria, ni fosse 0 mo- nopélio da jurisdicao, a aco de direito material de modo urgente —, tem direi- to a tutela antecipatéria. £ cada vez maior a importancia da tutela antecipat6ria para a efetiva tutela dos direitos. Pense-se, por exemplo, nos denominados “novos direi- tos”, que na maioria das vezes exigem uma tutela que impeca a lesio, Deveras, a tutela antecipatoria € a mais importante das tutelas no campo dos direitos nao patrimoniais, notadamente por prevenir os ilicitos emergentes do progres- so técnico e tecnolégico®. Por outro lado, nao reflete o verdadeiro sentido do devido processo legal a demora procedimental redundando no sacrificio do direito do autor que demonstra prima facie o seu direito em um razoavel indice de probabili- dade. Nao bastar4 a lembranga de que o direito a uma tutela jurisdicional em 5—OVIDIO BAPTISTA DA SILVA, Curso de processo civil, Porto Alegre, Fabris, 1990, ¥.2, p. 194 6 — V. JOAO CALVAO DA SILVA, Cumprimento e sangao pecunidria compuls6ria, Coimbra, Almedina, 1987, p. 469. 39 um prazo razoivel foi elevado & categoria de dircito fundamental do homem, se continuarmos oferecendo resisténcia aos juizos de verossimilhanca ¢ cul- tuando indevidamente o procedimento ordinatio. 4.4, OS PROCEDIMENTOS DIFERENCIADOS.NA PERSPECTIVA DA COGNICAO Para 0 ajuste do procedimento a pretensio de direito material, de gran- de importancia é o estudo da cognicio, como técnica destinada 4 consttugio de procedimentos diferenciados. A cognicao pode ter seu grau de intensidade (vertical) ou de amplitude (horizontal) diversificado, atendendo-se, diante da perspectiva da efetividade do processo, a peculiaridade da pretensio de direito material a ser tutelada’. A cognicio no plano vertical, que aqui nos interessa mais de perto, liga- se 4 possibilidade da producto das provas necessarias a0 conhecimento aprofundado da lide, devendo ser classificada em cognigao exauriente, suma- ria e superficial. A cognigio exauriente € a cognicio tipica dos procedimentos que vi sam a solucio definitiva dos conflitos trazidos ao conhecimento do juiz. Em outras palavras, a cognicao exauriente é a caracteristica do procedimento que permite a produgio de todas as provas necessarias ao esclarecimento da situ- acio fitica. A cognicio sumria € aquela pertinente aos juizos de probabilidade. Perceba-se, porém, que na liminar do procedimento materialmente sumario, acognicio serd necessariamente mais superficial do qué na sentenca sumaria, Na decisio liminar, 0 que ocorre é a valoracio da verossimithanca de que o fato afirmado possa vir a ser demonstrado através das provas permitidas pela instrugio sumaria, as quais no podem ser suficientes 4 cognicao exauriente. Registre-se, pois, que no momento em que o juiz profere a sentenga no pro- cesso sumirio, a cognicao nio podera ser habil 4 declaracdo da existéncia ou da inexisténcia do direito. : jay, SAZUO WATANABE, Da cognigo no processo civil Sio Paulo, Ed. Revista dos Tibunais, 40 A técnica da cognicio, visando a efetividade do proceso, permite a construcio de um procedimento tendente a um provimento que realize 0 dircito mediante cogni¢io sumiria, surgindo como necessario 0 “processo principal” apenas para assegurar 0 dircito da parte ao julgamento com base em adequada cognicio. Outra importante espécie de procedimento diferenciado prevé a liminar como ato do proprio procedimento de cognicao exauriente. Nesse caso, 2 tutela liminar pode estar fundada no fumus boni iuris € no periculum in mora ow apenas no alto grau de probabilidade da existéncia do direito do autor. 4.5, TUTELA CAUTELAR E TUTELA ANTECIPATORIA URGENTE ‘Anecessidade de sumarizagio cognitiva, advinda da busca de uma tute- tajurisdicional efetiva em face de situacbes de petigo de dano iminente, levou A utilizacio da via cautelar como instrumento destinado A satisfagéo antecipa- da da pretensio que s6 poderia ser veiculada através da “aco principal”. Se tal fendmeno —denominado por Carpi*, para o direito italiano, de forca expansiva da tutela cautelar— foi realmente necessirio, nfo cabe discutir neste momen- to, pois importa, em verdade, saber se a tutela que satisfaz com base em cognicio sumdria pode ser classificada como cautelar?. Ovidio Baptista da Silva, referindo-se a ligio de Cristofolini, lembra que 9 processualista italiano mostrou que as provisionais, ao anteciparem a efica- cia do provimento final de acolhimento da demanda, em verdade realizam plenamente o direito posto em causa, ainda que sob forma provisoria, 20 pas- 50 que as medidas propriamente cautelares — enquanto tutela apenas de segur ranca — limitam-se a ‘assegurar a possibilidade de realizacio”, para 0 caso de vir a sentenca final a reconhecer a procedéncia da pretensio assegurada®. De fato, a tutela cautelar tem por fim assegurar a viabilidade da realiza- Gio do direito, razdo pela qual a tutela que realiza 0 direito, embora mediante 3 FEDERICO CARPI, La provvisoria esecutoriet@ della sentenza, Milano, Giuffre, 1979, p47 9 LUIZ GUILHERME MARINONI, Tutela cauelar etutela antecipat6ria, cit. p. 76. 10 -OVIDIO BAPTISTA DA SILVA. Comentarios ao Cdigo de Processo Civil, Porto Alegre, Lejur, 1976, v. 11, p. 66. 41 cognicio suméria, extrapola os Jindes da cautelaridade. Entretanto, a doutrina contemporanea, ainda que tenha percebido a distincao evidente entre tutela antecipatoria ¢ tutela cautelar, insiste em inserir a primeira na 6tbita do pro- cesso cautelar. O argumento é 0 de que a tutela antecipatéria também assegu- 14.0 resultado util do processo. A razio da discOrdia, pois, nao est4 na nao aceitagio de uma tutela antecipatéria, mas sim no proprio objetivo da tutela cautelar. Addoutrina sempre esteve preocupada com a construcio de um sistema linear e puro, em que processo de conhecimento e processo de execucio estivessem rigidamente delimitados. Assim, ainda nao foi capaz de suportar.a evidéncia de que o procedimento ordinario nao mais corresponde aos anseios de tutela de uma sociedade de massa presidida pelo principio da aparéncia. A necessidade de uma tutela fundada em aparéncia (fumus bont iuris) em vir- tude da demora do procedimento ordinario, € que fez surgir a imagem da tutela antecipatoria. A tutela antecipatéria, como sera esclarecido adiante, também pode ser concedida no curso do procedimento ordindrio, sendo que a decistio que concede a liminar antecipatéria aprecia o mérito, ou em outras palavras, constitui uma sentenca com grau de cognicao sumarizado". Mas a liminar antecipatéria, como € Obvio, exige execugio imediata, ou seja, execu- io no curso do procedimento ordindrio, 0 que o descaracteriza, Assim, aquele que classifica, de forma consciente, “execucio fundada m cogni¢ao suméria” como “cautelar”, certamente deve estar tentando sal- var 0 labor doutrinario dos tedricos do procedimento ordinario, ja que a tutela estaria apenas resguardando o resultado titil do processo, permanecendo in- cOlume o principio da nulla executio sine titulo. Poderiamos até dizer que 0 resultado que € esperado do processo € realizado, e ndo somente assegurado, Quando € concedida a tutela antecipatéria. A atividade cognitiva que segue a concessao da tutela visa apenas averiguar a existéncia do direito e, por conse- qiiéncia, 0 acerto da decisio proferida. Nao fosse a premissa, aceita sem mai- Ores inquietacées, de que a execucio pressupde a declaracio da existéncia do direito, ou seja, a cognicio exauriente, a doutrina teria maior claridade para vislumbrar a nitida diferenga entre tutela antecipatéria e tutela cautelar. 11 ~V. OVIDIO BAPTISTA DA SILVA, Decistes interlocutérias e sentencas lminares, Ajuts, v 51 42 4.6. PROCEDIMENTO MATERIALMENTE SUMARIO E NECESSIDADE DO DENOMINADO “PROCESSO PRINCIPAL” Discute-se acerca da autonomia do procedimento de cognicao sumiria, ou melhor, sobre 2 possibilidade da dispensa da denominada “acio principal”, que nada mais é do que a agio de cognicio exauriente. Kazuo Watanabe, em uma das mais relevantes obras da ciéncia proces- sual moderna, estabeleceu um critério para a determinacio da dispensabilidade eventual do “proceso principal”, Para tanto frisou 0 conceito de “referibili dade”, apresentado por Ovidio Baptista da Silva. Consignou Watanabe que a “referibilidade” apresenta graus de intensidade € que somente quando a causa de pedir da ago cautelar, no seu dado remoto, contém ou deve conter afirma- io relativa a acio principal, € que esta se faz de imperiosa propositura, “Ve- zes ha, todavia, que a *iminéncia de dano irreparavel resulta de um ato cuja desconformidade ao direito esta em si mesmo, e nao na relacio juridica mais amplaa que esti ligado. A acio cautelar, em tal hipétese, nfo supde qualquer acio principal. Exemplos de situagées dessa ordem: a) convocagao irregular de uma assembléia geral de uma entidade, encontrando-se a desconformidade A lei ou a0 estatuto no proprio ato de convocagio; a acio cautelar que vise 4 sua suspensio nao requer qualquer ago principal; b) sustacio do protesto de cambial por defeito formal do titulo constatavel prima facie, ou por niioauto- rizara lei o protesto no caso concreto, ou por estar sendo tirado em cartorio que nao é o do lugar do pagamento; também nessas hipoteses, nfo ha pensar emacio principal”. ‘A teferibilidade, porém, se da entre a protecao de simples seguranca € odireito a ser protegido. Inexistindo referibilidade nao hi tutela cautelar, mas tutela antecipatoria. O critério da referibilidade, portanto, nio € apropriado para a determinagao de uma agio cautelar autonoma, servindo apenas para a delimitacao da tutela cautelar frente a tutela antecipatéria™, Por outro lado, existem situacSes em que o direito pode ser evidenciado prima facie, como acontece nos dois casos antes referidos por Watanabe. Nestas duas hipéteses — a de convocacio irregular de uma assembléia geral de 12-KAZUO WATANABE, Da cognigiio no processo civil, cit., p. 106. 13 -KAZUO WATANABE, Dat cognigiio no processo civil, cit., p. 106. 14—Segundo OVIDIO BAPTISIADA SILVA, a “cautio damniinfecti” seria aio principal autonoma) ‘ecautelar, mas nela estaria presente a referibilidade a0 direito acautelado (Comentarios a0 Codigo de Processo Civil, cit., pp. 133/134). 43 uum entidade, encontrando-se a desconformidade i lei ou ao estatuto no pr6- prio ato de convocagio, ¢ o da sustacio do protesto de cambial por defeito formal do titulo constatavel prima facie, ou por nao autorizar a leio protesto no Caso concreto, ou por estar sendo tirado em cartorio que nio é o do lugar do pagamento — inexiste presente o pressuposto legitimador da propria tute 'a de cognicao sumatia, que ¢ precisamente o requisito da “aparencia’. Ora, se 0 diteito afirmado no é apenas verossimil, mas prima facie evidente, a hipd- tese ndo é de procedimento de cogni¢ao sumétia, mas de procedimento de Cognicio exauriente onde seja possivel uma liminar fundada em cognicio sumarizada. Aacio cautelar nao pode dispensar a “aco principal” porque nao basta Porsi s6, ou seja, existe justamente para tutelar um direito que deve ser discu- tido em um “processo principal”. Como a tutela cautelar é concedida com base na probabilidade da existéncia do direito que sera objeto da “acao prin- ipa”, a ndo propositura desta no s6 acarretari a inviabilidade da realizacio do direito que foi zcautelado, como também a impossibilidade da cognigio do acerto da protecio de mera seguranca. Problema mais dificil € 0 da autonomia do procedimento antecipatorio. A medida que 0 procedimento antecipat6rio realiza sumariamente dircito, Cogita-se acerca da desnecessidade de uma “acio principal”, ou mesmo da inversio do énus da propositura de tal agio, A sumariedade da cognigio, por nao permitir declaragio, nio faz surgir Coisa julgada material. Em outras palavras, um juizo definitivo, proprio a atin- gira marca da imutabilidade, pressupde, necessariamente, cognicsio exauriente Anecessidade do “processo principal", portanto, decorre da incompatibilida, de entre cognicio suméria e coisa julgada material. Ora, o procedimento ma. terialmente sumério resttinge o direito a prova, que é corotirio dodue process of law. Demais — € esta conchusio seria conseqiiéncia tnica, nio fosse o de. ver do juiz. participar de forma efetiva no proceso, do direito constitucional ‘provi ~, 0 cidactio tem direito zo julgamento com base em cognicao adequa- da, ou seja, 0 cidadtio tem o diteito de exigit 0 conhecimento adequado das suas alegacdes. Por fim, considerado 0 principio da isonomia, parece que nio é logico obrigarao réu propor uma acio contraria para reverter uma sentenca fundada em probabilidade, A tutela antecipatoria urgente surge comonecessaria para Barantir a efetividade da tutela do direito, incumbindo ao autor, no “proceso Principal”, demonstrar o acerto da sentenca que realizou o seu dircito 44 .7.. PROVA PRECONSTITUIDA E TUTELA LIMINAR URGENTE A pratica forense tem mostrado varias hipoteses em que processos rotu- lados de “cautelar” perdem qualquer sentido apos a concessio da liminar. Isto quer significar, obviamente, que a pratica, em varios casos, reduziu a impor- tincia do processo cautelar a uma liminar. A pritica, com apoio na doutrina, aceita a tese de que a aco cautelar pode substituir o mandado de seguranca, uma vez escoado o seu prazo deca- dencial. 0 que era “direito liquido ¢ certo” transforma-se, em passe de magica, em fumus bond furis, Porém, passada a fase propicia & concessio da liminar, por inexistir necessidade de elucidacio da matéria de fato, 0 juiz estd em condigdes de proferir sentenca capaz de produzir coisa julgada material. Ou seja, a “aco cautelar” seria suficiente para a resolugio definitiva do mérito Contudo, a doutrina deixa claro que 0 local do julgamento do mérito é no chamado “proceso principal”, desnecessariamente incoado quando perce- bido que o proceso dito cautelar na verdade foi travestido para que fosse vidvel a postulacio da liminar. Nestes casos, realmente, a conclustio deveria ser a de que a ‘acio principal” € despicienda, ¢ a “aco cautelar” nao é caute- lar. Necessirio é um procedimento de cogni¢ao exauriente em que seja possi- vel a postulaco de uma liminar, isto é, um procedimento semelhante ao do mandado de seguranca. A doutrina transforma “direito liquido e certo” em fumus, mas nao tem coragem para reconhecer que sio completamente desnecessirios dois procedimentos para tais casos, Nos casos de prova preconstituida inexiste um dos requisitos legitimadores do procedimento materialmente sumario, precisamente a situa cao de aparéncia. A aparéncia exige um procedimento de cognicio sumaria exatamente para permitir ao juiz constatar a existéncia do fumus boni iuris. Em suma, existindo prova preconstituida nfo ha razao para um procedimento tendente a um juizo que jé surgiu com a apresentagio da peticao inicial. 45 Como jf foi dito, a tuteta antecipatéria constitui execucio fundada em Cognicio sumaria. Ora, se € possivel execucio provisoria mediante cognicio Suméria, é intuitiva a necessidade da admissio de execucio proviséria funda- da em cognicao exauriente, Notes, aliis, que a impossibilidade perici de dano pela demora procedimental estaria atenuado, Na verdade, se nao for aceita a tese da execucio proviséria contra 0 Periculum in mora nas hipoteses em que é admissivel a tutela antecipatéria 4.9. A CONCESSAO DA LIMINAR EO DIREITO DO REU AO JULGAMENTO DO MERITO EM UM PRAZO RAZOAVEL 15 = Como diz TROCKER, referindo-se a Conso (‘Tempo e Giustizia*: un binomio in crisi, in Costituzione eprocesso penale, Milano, Ciulte, 1969, pp. 39 ess, 43), la celeriti del proceso Un valore da perseguire atuttitivelicon teciso impegno, a condizione pero che non se facele gare ‘prezzo al dititto di difesa” (Processo eivite Ccostituztone, Milano, Giuffré, 1974, p. 508). 46 Aefetividade da tutela do direito, é certo, muitas vezes obriga a posteci- pacao da defesa. Convém frisar, entretanto, que a concessio da liminar pode representar para o réu exatamente o que a sua nao concessio pode significar para o autor. £ que o “tempo processual” pode ser sinal de aftonta ao princi- pio do devido processo legal no s6 no caso em que o autor esperao desfecho do processo sem liminar, mas também quando o réu aguarda longamente a solucio do conflito com o peso da liminar sobre os ombros. O péssimo vezo da espera do momento propicio ao julgamento do mé- rito da “aco principal” para o julgamento do mérito da aco antecipatéria (ou da aco cautelar) fere 0 principio do devido processo legal, pois o réu tem direito ao julgamento do mérito da acdo antecipatoria (ou da aco cautelar) com base em cognicao suméria, ou seja, com base na cognicio adequada a0 procedimento antecipatério (ou cautelar). O juiz, portanto, antes de julgar 0 mérito da “aco principal”, tem o dever de julgar o mérito da aco antecipatéria (ou da acio cautelar), sob pena de evidente lesio ao direito ao julgamento com base na cogni¢io adequada 4 situacio de direito material, que evidente- mente também dé corpo 4 clausula do devido processo legal. Cumpre ressaltar, ainda, que a tutela urgente deveria merecer tratamen- to diferenciado em segundo grau de jurisdi¢ao, Ora, se a sentenca suméria ¢ proferida em razio da urgéncia, 0 descaso com a situagio emergencial no segundo gran de jurisdicao nao guarda consondncia com o ideal de instrumen- talidade do proceso. 4,10. A TUTELA SUMARIA NAO-URGENTE jf referido Anteprojeto de modificacio do Codigo de Processo Civil afirma que “o juiz podera, a requerimento da parte, antecipar, total ou parci- almente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existen- te prova inequivoca, se convenca da verossimilhanga da alegacio e’... “fique caracterizado 0 abuso do direito de defesa ou o manifesto propésito protelatrio do réu” (art, 273, ID. A tutela é concedida no curso do processo de cognicao exauriente. O caso, evidentemente, nao é simplesmente de “julgamento ante- cipado da lide”, mas de “julgamento antecipado da lide mediante cogni¢io suméria”, o que determina o carater nao definitivo da tutela. 47 A proposta, que arreda a ordinariedade, tem por escopo dar tratamento diferenciado is hipdteses em que o direito aparece como evidente desde logo a defesa € exercida de modo a protelar a sua realizacio. 4.11. BREVE ACENO A PROBLEMATICA DA EFETIVAGAO DA TUTELA SUMARIA A problemitica da efetivacao da tutela suméria nao pode ser adequada- mente compreendida 4 distincia da premissa de que a prestacio jurisdicional sumiria, fora os casos de observancia espontanea, somente € efetiva com a sua efetivagao. O mencionado artigo 273 do anteprojeto de modificacao do Cédigo de Processo Civil prevé, em seu § 32, que “a execucio da tutela antecipada obser- vara, no que couber, o disposto no art. 588, Ie III”. Contudo, a tutela sumaria nao pode se submeter ao caput do artigo 588 exatamente porquea efetividade da tutela sumiria exige execucio imediata, ou em outras palavras, precisa- mente porque a execugio da tutela sumaria nao pode ser presidida pelas nor- mas encartadas no livro que trata do processo de execucio. Pense-se, apenas, na tutela antecipatéria que, visando 4 protecio da higidez do meio ambiente, impde um fazer infungivel. O provimento do tipo condenatério, para 0 caso, obviamente no seria adequado, ao passo que 0 provimento mandamental, se destituido de meios coercitivos suficientes 4 imediata imposigao da ordem, valeria quase nada. Observesse, alias, que a doutrina italiana, apontando a ineficdcia da sen- tenga condenatéria para a protecio das situagdes proprias da sociedade con- temporanea, propde a importacao dos instrumentos especificos do direito anglo-americano. Deveras, 0 direito anglo-americano, através da equity, tem criado instrumentos bastante adequados as reais necessidades de tutela dos direitos. Entre eles, de grande importancia € 0 instituto da injunction. Trata- se de uma ordem para fazer (mandatory) ou nao fazer (prohibitory), que pode ter natureza suméria ou definitiva, mas que tem como marcante a carac- teristica de adaptarse, no seu contetido especifico, a uma situacio qualquer carecedora de tutela’®, 16 ~ Cf. MICHELE TARUFFO, L'attuazione esecutiva dei diritti: profili comparatistici, Rivista trimestrale di diritto e procedura civile, 1988, p. 146. 48 Deacordo com Taruffo, ainjunction tem, na verdade, 0 efeito tipico de impor a especific performance da obrigagio de fazer ou de nao fazer €, logo, de bloquear a eventualidade substitutiva do ressarcimento do dano derivado do inadimplemento. Por conseqiiéncia, ou se recorre a formas de execugio especifica por sub-rogacio, quando for possivel, ¢ quando a Corte o julga oportuno, ou a execucio € deixada ao obrigado, que, em caso de inadimple- mento, € punivel a titulo de contempt of Court”. ‘Tais caracteristicas fazem com que a injunction seja um remédio de grande importincia no direito anglo-americano, notadamente pela sua parti cular eficicia executiva. Ela tem sido empregada, entre outras, nas relages de familia e, ainda, na tutela dos direitos do consumidor € do meio ambiente. ‘Acfetividade da tutela suméria, como esta claro, faz supor a existéncia dos provimentos mandamental ¢ executivo, exigindo, ainda, meios coerci- tivos capazes de realizar 0 enunciado sentencial. 17 — Cf. MICHELE TARUFFO, L’attuazione esecutiva det dirittt.. cit., p. 151. 18—Cf. MICHELE TARUFFO, J ‘attuazione esecutiva dei diritt.., cit. p. 151. 49 Capitulo Quinto A TUTELA ANTECIPATORIA NAO E TUTELA CAUTELAR 1. Descobrimos, recentemente, que o proceso de conhecimento, ain- da que aliado a0 processo cautelar, nao serve para a tutela efetiva de muitas situagdes conflitivas. ‘A ideologia da neutralidade do processo em relagio ao direito material, que conduziu universalizagio do procedimento ordinario e contribuiu para a formacio do pensamento de que as tutelas sumdrias de urgéncia tém por fim garantir a utilidade do processo, nio poderia permitir a adequacio do sistema processual 4s novas situagées carentes de tutela ‘A falta de sensibilidade para a exigéncia de adequagao das formas de prestacio de tutela jurisdicional as variadas situagdes de direito substancial', deixou fora do sistema de tutela dos direitos a tutela suméria satisfativa, tnica capaz de tutelar adequadamente os direitos que necessitam de satisfacao ur- gente. Mas como as necessidades da vida contornam os defeitos dos sistemas, a tutela sumaria satisfativa passou a ser prestada através do manto protetor da tutela cautelar. Ou seja, aacdo cautelar passoua ser 0 veiculo para a realizacio urgente dos direitos. 2. O que interessa, agora, € definirmos a natureza da tutela suméaria satisfativa, j que a mesma nio ter carter cautelar apenas porque prestada sob 0 rotulo de cautelar. Para tanto precisamos investigar, ou até mesmo (des)cobrir, as razdes que levam parte da doutrina a afirmar que a tutela antecipatoria é espécie do género tutela cautelar. 3. O doutrinadores que seguem Camelutti, que sabidamente foi influ- enciado pela teoria unitdria do ordenamento juridico, no poderio deixar de 1~V. ANDREA PROTO PISANI, Breve premessa un corso sulla giustizia civile, in: Appunti sulla giustizia civite, Bari, Cacucci, 1982, pp. 11-12. pe! lado a idéia de que 0 juizo de cognicio sumaria é apenas juizo provis6rio sobre a lide. A teoria unitéria, como se sabe, faz supor a insuficiéncia das normas de direito material para a composicio da lide, a qual somente poderia se dar, no pensamento de Carnelutti, através da sentenca de cognicao plenae exauriente. Nesta perspectiva, como é 6bvio, a sentenca de cognicio sumaria nao poderia ser outra coisa que nao sentenca provis6ria sobre a lide; sentenca que sequer disciplina a lide e que, portanto, no poderia ser apta para a “sa- tisfagao do direito”’. Carnelutti, fiel a sua visio da relacio entre direito € processo, ao tentar estabelecer o escopo do processo cautelar, falou inicialmente em sistematiza- ao dos fatos da lide, depois em composicio provisoria da lide e, finalmente, em tutela do processo®. Note-se que se € 0 processo que disciplina a lide, participando do iter de criagio do direito, pouca diferenga poderia existir entre as concepcdes de “composicio proviséria da lide” ¢ “tutela do proces- so”, Calamandrei, por sua vez, afirmou que a tutela antecipatoria — para ele tutela cautelar — “decide interinamente uma relagio controvertida”, deixando claro que no seu modo de pensar a tutela antecipatéria € um meio para a atuagio do direito?. Calamandrei no aceitou o critério utilizado por Chiovenda' para a clas- sificagio das tutelas sumérias em “declaragio com predominante fungio exe- cutiva” e tutela cautelar. Chiovenda e Cristofolini® entenderam que o critério de distingao deveria ser buscado no efeito pritico da medida, segundo a mes- ma tenda realizaco do direito ou se limite a assegurar a sua futura realiza- io, Calamandrei, de fato, frisou que somente a providéncia capaz de se tor- nar definitiva poderia constituir “declaraco com predominante fungio exe- cutiva”, Para Calamandrei, portanto, algumas providéncias consideradas por Cristofolini como “declaragdes com predominante fungio executiva” deveri- am ser classificadas como cautelares*. Importa, porém, lembrarmos que Chiovenda, ao analisar as “declara- des com predominante funcio executiva’, aludiu a atuagio da lei mediante 2—F. CARNELUTTI, Diritto e proceso, Napoli, Morano, 1958, pp.355/356. 3 — PIERO CALAMANDREI, /ntroduccion al estudio sistematico de las providencias cautelares, Buenos Aires, EBA, 1945, p. 45. 4 GIUSEPPE CHIOVENDA, Jnstituicdes de direito processual civil, Sio Paulo, Saraiva, 1965, v. 1, pp. 234s. 5 — GIOVANNI CRISTOFOLINI, Processo d ingiunzione, Padova, Cedam, 1939, pp. 10/11 6~V. PIERO CALAMANDREI, Introduccion, cit., pp. 59/61 52 cognicio suméria, o que mostra que a atuagio da vontade da lei pode se dar mediante cognicio suméria. £ que ojuiz nio precisa atuar a vontade concreta do direito e, a0 mesmo tempo, declarar definitiva esta atuacio; nem, muito menos, declarar como efetivamente existentes os fatos que o tornaram concreto: os fatos sdo 0 que sio, ¢ 0 Estado nao pode pretender acredité-los verdadeiros; nao existe uma logica de Estado’. 4, Porque, entio, Chiovenda nio classificou as “declaragées com pre- dominante fungio executiva” como tutela executiva ? A primeira vista em razio do principio segundo 0 qual nulla executio sine titwo*. Mas se real- mente desejamos investigar as suas razdes, ndo podemos esquecer que por detris deste principio esta presente a idéia de um processo voltado a des- coberta da verdade e que o cariter ideologico-mitificante deste valor pode ser facilmente detectado quando percebemos que parte da doutrina sempre acei- tou a tese de que a busca da verdade pode ser dispensada quando falta a contestagio?, Sem qualquer diivida, indispensavel para a execucao nunca foi a cognicio exauriente, mas sim a simples oportunidade — nem sempre real de realizagio plena do contraditério. ‘Atuaimente, porém, nfo ha mais fundamento para a relagao entre pleni- tude do contraditério ¢ tutela executiva, pois o surgimento dos chamados “novos direitos” permitiu ao processualista moderno descobrir algo que nfo poderia ao menos ter sido intuido 4 época de Chiovenda: muitos direitos — como 0 direito 4 higidez do meio ambiente — exigem para sua efetiva prote- cio uma tutela suméria satisfativa, ou seja, uma tutela satisfativa que limite a plenitude do contraditério. Seri que a evolucio da consciéncia dos homens que j4 fez ruir tantos castelos construidos nos ventos de outras €pocas, nao permitira a derrubada do mito da nulla executio sine titulo? 7 ~ GIUSEPPE CHIOVENDA Instituigdes, cit. p. 44. 8—V. OVIDIO BAPTISTA DA SILVA, Tutela antecipat6ria ¢juizos de verossimilhanga, in:O processo civil contemporaneo, Curitiba, Ed, Jurua, 1994, p. 126. ‘9 ~Como escreve OVIDIO BAPTISTA DA SILVA, “nao podem haver sentencas liminares que, de ‘alguma forma, antecipem tutelajurisdicional, porque 0s juizes do sistema romano canénico estio proibidos de julgar apoiados em juizos de simples verossimilhanca. Linteressante ~e mais do que interessante, dramitica ¢ perversa — a ideologia que se oculta sob este principio que, em iltima analise, é o motor tebrico da concepcio, tio profundamente arraigada no Direito Processual Civil, da neuttalidade do juiz, face a0 conflito judiciirio, que, por sua vez, nem seria necessitio dizé-1o, €0 fundamento da ordinariedade” (Tutela antecipatéria ¢juizos de verossimilhanga, in:O processo civil ‘contemporaneo, Curitiba, Ed, Jurua, 1994, p. 125). 53 5. Demonstramos até aqui que a tutela antecipatoria € considerada cautelar porque muitos acreditam que o processo serve para a justa composi- 10 da lide € outros pensam que no pode haver execucio com base em juizo de verossimilhanga. Porém, quem admite a atuacio da vontade concreta do direito ¢ a exe- cugio fundadas em cogni¢io suméria, pode entender que a tutela antecipatoria realiza 0 direito mediante cogni¢io suméria, enquanto a tutela cautelar ape- nas assegura a viabilidade da realizacio do direito. Ora, se a justa formula de Chiovenda nos ensina que 0 processo deve dar a quem tem um direito tudo aquilo ¢ exatamente aquilo que cle tem 0 direito de obter™, aquele que é titular de um direito que necessita ser realiza- do de forma urgente deve, necessariamente, ter a0 seu dispor uma espécie de tutela jurisdicional que possibilite a reatizacdo imediata do direito que afirma possuir. Sea tutela antecipatoria di aquele que afirma ter 0 direito que deve ser realizado de modo urgente, tudo aquilo € exatamente aquilo que ele tem 0 direito de obter, como podemos aceitar a afirmacio de Calamandrei no senti- do de que a tutela antecipat6ria constitui apenas um meio para a atuacio do direito, ou ainda a tese de que a tutela antecipatéria visa assegurar o resultado til do processo, se o tinico resultado ttil que se espera do processo — obvia- mente do Angulo do autor ~ é realizado no momento em que € efetivada a tutela antecipatéria. A sentenga proferida no proceso antecipatério, porque fundada em cognicao sumiria, nio faz coisa julgada material, surgindo 0 proceso princi: pal apenas para possibilitar a realizacio do contraditério postecipado. Na maioria das vezes, aquele que requer a tutela antecipatéria deve propor aacio principal, j4 que a tutela antecipatéria foi prestada para tornar efetivo 0 seu direito. Contudo, determinadas situagdes de direito substancial aconselham que tal encargo fique por conta do proprio réu da aco sumaria, como, por exemplo, no caso da tutela antecipatéria do consumidor, quando as mesmas raz6es que determinam a inversio do 6nus da prova aconselham a inversio do 6nus da propositura da aco principal. Em se tratando de tutela antecipatoria, a definicio do encargo da propositura da ago principal deve ser feita em atengio as diversificadas situ- agdes de direito substancial, sendo insuficiente a norma de direito processual 10~ GIUSEPPE CHIOVENDA, Saggi di diritto processuale civile, Roma, 1930, ¥. 1, p. 110 34 que prevé, de forma generalizada, que 0 autor da agio antecipatéria tem 0 nus de propor a agio de cognigéo exauriente. Como finalmente esti claro, a tutela antecipatoria se assemelha muito 10 procedimento monit6rio, bipotese de "declaragio com predominante fun- io executiva’ de Chiovenda, c por isso que também Proto Pisani, sucessor Ga catedra de Calamandrei na Universidade de Florenca, nao deixou escapar a observacio de que o interesse de Calamandrei, a0 tentar asistematizagio das tutelas cautelares, tinha como verdadeiro alvo os procédimentos monitorios’ 6. £ bom lembrar, ainda, que recente anteprojeto de modificagao do Cédigo de Processo Civil pretende introduzir em nosso direito a tutela antecipatoria nao fundada em periculum in mora, ou seja. & tutela antecipat6ria que permite arealizacio antecipada do direito quando caracteri- zado 0 abuso no exercicio do direito de defesa. ‘Tal espécie de tutela antecipat6ria evidencia que atécnica da cognicio, permitindo uma prestacio jurisdicional suméria, é imprescindivel 4 constru- Gio do devido processo legal, pois nao € devido processo legal aquele que protela, injustamente, a realizacio do direito do autor. Ninguém ousara pensar que esta tutela antecipatoria tem carater cautelar, muito embora Calamandrei tenha chegado a afirmar que mesmo a clausula de execucio provisoria da sentenca concedida com base na probabilidade de que a sentenca de primeiro grau no vai ser modificada, caso analisada pelo Angulo da provisoriedade, comportase como um provimento cautelar"?, Realmente, nada melhor para fecharmos o nosso discurso do que a de- monstracio de que Calamandrei, ao tratar da tutela cautelar, nio percebeu quea.expressio “execucio provisoria” revela uma contradigio, a medida que “execucio provisoria” execugio é. Provisoria a sentenga na qual aexecucio se funda, assim como provisoria pode ser apenas a sentenga antecipatoria; jamais a realizagao do dircito. 11 CANDREA PROTO PISANI, Sula tutela giurisdizionalediferenciata Rivista dart, processuale, 1979, p.536¢s. Heo cee go CALAMANDREI,lntroduccion al estudio sistematico dels providencias cautelares cit, p62. 55 Capitulo Sexto EFETIVIDADE DO PROCESSO E TUTELA ANTECIPATORIA 1. Aproblemitica da tutela antecipatéria requer seja posto em evidén- cia 0 seu eixo central: 0 “tempo”. Se o tempo é a dimensio fundamental na vida humana, no processo ele desempenha idéntico papel, pois processo tam- bém é vida.’ O tempo do processo angustia os litigantes; todos conhecem os males que a pendéncia da lide pode produzir. Por outro lado, a demora pro- cessual € tanto mais insuportavel quanto menos resistente economicamente é a parte, o que vem aagravar a quase que insuperivel desigualdade substancial no procedimento. O tempo, como se pode sentir, é um dos grandes adversi- tios do ideal de efetividade do processo. 2. Mas o tempo nio pode servir de empeco & realizacio do direito. Ora, se 0 Estado proibiu a autotutela, adquiriu o poder e o dever de tutelar de forma efetiva todas as situacdes conflitivas concretas. O cidadéo comum, assim, tem 0 direito 4 tutela habil a realizagdo do seu direito, € nio somente um direito abstrato de acio. Em outras palavras, tem 0 direito 4 adequada tutela jurisdicional. 3. O principio da inafastabilidade no garante apenas uma resposta jurisdicional, mas a tutela que seja capaz de realizar, efetivamente, o direito afirmado pelo autor, pois 0 processo, por constituir a contrapartida que o Estado oferece ao cidadio diante da proibicio da autotutela’, deve chegar a resultados equivalentes aos que seriam obtidos se espontaneamente observa- dos os preceitos legais. Dessa forma, o direito adequada tutela jurisdicional CARNELUTTI, 1 DONALDO ARMELIN, A tutela jurtsdicional cautelar, RPGESP, v.23, p. 1153, Diritto proceso, Napoli, Morano, 1958, p. 354, 2—ANDREA PROTO PISANI, [ rapponti fra dirtto sostanziale-e processo, in: Appunti sulla giustizia civite, Bari, Cacucci, 1982, p. 42. Ply garantido pelo principio da inafastabilidade € o direito & tutela adequada a realidade de direito material e 4 realidade social’. 4. A partir do momento em que foi proibida a ago privada, surgiu a aco processual como veiculo destinado a sua realizacio. A acio processual, contudo, para poder realizar as diversas agdes de direito material, precisa a elas adaptarse, Devemos ter nao somente uma acio processual, mas virias aces processuais. Nessa perspectiva, como se percebe, aacio nao’se exaure com a sua mera propositura ou coma constatagio dos seus requisitos existen- ciais, mas configura direito a procedimento, a cogni¢io, a0 provimento € aos meios coercitivos adequados a pretensio de direito material. 5, As tutelas jurisdicionais devem ser diferenciadas. A diferenciagio se dé em atencio as peculiaridades da pretensio de direito material. Revisitase, nessa linha, 0 Codigo Civil, para uma releitura do artigo 75. Para que desta norma seja retirada toda a conotagio imanentista, basta que a leiamos com a explicitagao de que a toda afirmacio de direito (¢ no um direito existente) corresponde uma aco que o assegura‘. Em outros termos, todos tém o direito aco adequada ao plano do direito material. 6. Para a efetividade da tutela dos direitos nao basta a acio cautelar; também é necessiria uma acio que permita a realizagio do direito com base em cognicio suméria. Para que seja possivel a tutela jurisdicional de um direi- to que precisa ser realizado de forma urgente é necessirio um procedimento acelerado, a cogni¢do sumaria, o provimento mandamental ¢ os meios coerci- tivos necessarios para a efetivacio do enunciado sentencial, ai incluida a pena de pristo por descumprimento de ordem judicial, intensamente empregada no direito angloamericano’. Realmente, a cognicfo exauriente (aprofundada) € completamente incompativel com a situago de perigo de dano iminente que exige a propria tutela urgente. Nesses casos 0 juiz € autorizado a julgar com base em cognicao suméria, ou fumus boni iuris. A aco processual € urgente e de cogni¢ao sumaria, mas satisfativa do direito material afirmado. A 3 Sobre a necessidade dos procedimentos tomarem em consideracdoas diferentes posigoes sociais das partes, v. TROCKER, Processo civile e costituzione, Milano, Giufire, 1974, pp. 698/699. 4 — Cf. KAZUO WATANABE, Codigo Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, Rio de Janeito, Forense Universitaria, 1991, p. 523. 5—V. ALDO FRIGNANI,L'inyjunetion nella common law eV'inibitoria nel di iuffre, 1974. 0 italiano, Milano, 58 satisfatividade, entretanto, nao se dé no plano processual. £ que o juiz nao declara que o direito existe, mas que provavelmente 0 direito existe, razio pela qual a sentenca nao fica acobertada pela coisa julgada material, Por essa razio € necessaria a chamada “acio principal”, que sc destina apenas a garan- tir o direito 4 prova ou A adequada cognicio da lide’, A tutela antecipa a satis facdo que ordinariamente se daria ap6s o tempo necessitrio para aaveriguacao da existéncia do direito. 7. Atutela que satisfaz antecipadamente o direito nao é cautelar porque nada assegura ou acautela. A tutela cautelar supde referibilidade a um direito acautelado ou protegido. Quando nio ha referibilidade € porque ha tutela antecipatéria. A tutela antecipatéria no tem por fim assegurar o resultado itil do processo, jé que 0 tinico resultado sitil que se espera do processo ocorre ‘exatamente no momento em que a tutela antecipatoria € prestada. O “resulta- do itil do processo” somente pode ser o “bem da vida” que é devido ao autor, € nio a sentenca acobertada pela coisa julgada material, que € propria da “acio principal”. Porém, a tutela antecipat6ria sempre foi prestada sob o man- to da tutela cautelar’. Mas é, na verdade, uma espécie de tutela jurisdicional diferenciada. 8. A tutela antecipatoria € fundamental para a realizacao dos direitos niio patrimoniais. O nosso sistema processual civil, marcado por uma visio de mundo centrada no “ter”, esta estruturado para a tutela dos direitos patrimo- niais, ou sejd, paraa restauracdo do direito violado. Para. efetividade da tutela dos direitos nao patrimoniais nao é suficiente uma tutela reparatoria; € neces- s4ria uma tutela jurisdicional capaz de impedir a lesio ao direito. Sem divida, a tutela antecipatoria “€ a mais iddnea das tutelas no dominio dos direitos da personalidade, por prevenir agressGes ilicitas emergentes do progresso técni- co € tecnologico, especialmente das novas ¢ sofisticadas tecnologias informaticas e publicitarias, dominio em que a importancia ¢ a natureza pes- 6~V. LUIZ GUILHERME MARINONI, Tutela cautelar e tutela antecipatéria, Sio Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1992, pp. 120/124. 7 — Cf. OVIDIO BAPTISTA DA SILVA, Comentarios ao Cédigo de Proceso Civil, Porto Alegre, Lejur, 1986, v. 11, p.97. 8 V,JOSE CARLOS BARBOSA MOREIRA, Tutela sancionatéria e ratela preventiva, in: Temas de diretto processual, Segunda Série, Sio Paulo, Saraiva, 1980, p. 23. 59 soal e extrapatrimonial dos valores em presenca tornam insuficiente e inade- quada a tutela ressarcidora”® 9. Se € possivel uma ago que satisfaca por antecipacao o direito mate- rial, somente a completa ignorincia da técnica da cogni¢ao poderia suportar a conclusio de que no é possivel a liminar antecipatéria ou cautelar no pro- cedimento comum. O procedimento acelerado das ages cautelar e antecipa- t6ria nao pode permitir, como € dbvio, a producio das provas necessirias 20 conhecimento exauriente. Este procedimento tem por objetivo permitir 20 juiz visualizar apenas a fumaca do bom direito. Quando a matéria em discus- so € “unicamente de direito”, inexistindo afirmagio de fato para ser elucidada, € completamente desnecessario 0 procedimento antecipatério ou cautelar, bastando a possibilidadle da concessio da liminar no procedimento de cognicio exauriente"". Pense-se, porém, nas dezenas de acdes cautelares que sio des- pejadas diariamente no foro trazendo como causa de pedir a inconstitu- cionalidade da cobranca de um determinado tributo. Para estes casos, se é necessariaa tutela cautelar, basta apenas a medida liminar na acao devidamen- te rotulada: agio de cogni¢io exauriente. A distorcio que ai ocorre, na verda- de, € muito curiosa. O contribuinte admite que tem a alternativa de ajuizar a agio de mandado de seguranga ou a ago cautelar, quando a primeira exige o chamado “direito liquido e certo” ea segunda exatamente 0 seu contritio, ou seja, 0 fumus boni iuris. Dizemos admite que tem a alternativa porque € 0 sistema processual que o obriga a iludirse, ja que é 0 Cédigo de Proceso Civil que nao prevé a possibilidade da concessio de medida liminar no procedi- mento comum. Qual outra altemnativa sendo se iludir e pretender iludir 0 juiz que, na realidade, porque precisa julgar com justica, quer ser iludido ? Nenhu- ma. O sistema processual civil precisa de alteracdes, e recente Anteprojeto de modificagio do Codigo de Processo Civil prevé a medida liminar urgente como ato do proprio procedimento comum. Note-se, ainda, que a incompreensio da técnica da cognigio faz com que © autor da “agio cautelar” em que se discute “matéria de direito” seja Obrigado a propor a “acio principal”, quando o juiz na imaginada “sentenca cautelar” pode declarar a existéncia ow a inexisténcia (¢ no simplesmente a probabilidade da existéncia ou da inexisténcia) do direito afirmado, 0 que € Suficiente para fazer surgir a coisa julgada material. 9 ~ Cf. JOXO CALVAO DA SILVA, Cumprimento e sangao pecuniéria compulséria, Coimbra, Almedina, 1987, p. 468. 10—V. LUIZ GUILHERME MARINONI, Tutela cautelar e tutela antecipat6ria, cit., pp. 86/87. 60 10. Demais, & preciso que seja descortinada a ideologia que est por detris da idéia de que a ago de mandado de seguranca no pode ser dirigida contra o particular, Fundamental para a construcio da democracia social sio ‘os “novos direitos”, ou seja, os direitos sociais. E quem atenta contra estes dircitos é, principalmente, o poder econdmico. ‘Além do mais, na Justica Fe- deral 80% dos mandados de seguran¢a destinam-se 4 discussio de matéria tributiria, Eo Ministério Pablico, que precisa de tempo para preocuparsé com a tutela dos “novos direitos”, tem a sua fungio amesquinhada com a obrigatoria intervencio nestes feitos. Somente alguém muito ingénuo pode pensar que tal situagao éapenas acidental, Na yerdade, esta situagio € op¢io Gos detentores do poder, é reforcada por uma postura descompromissada com o valor da “efetividade do processo”. 11. Nao podemos mais resistir ’ admissio da chamada execucio provi soria contra 0 periculum in mora. Muitas das liminares concretizam execu- cio antecipada, ou execucio urgente, embora prestadas sob 0 nome de Ciutelares, E as decisbes que concedem estas liminares apreciam, mediante cognicio sumaria, a lide que deve ser julgada na sentenca de cognigio cxauriente. Em outras palavras, é possivel execucio provisoria, através de liminar, mediante cognicao sumaria da lide. Ora, se devemos admitir a possi- ilidade da concessio de liminar antecipatoria no procedimento comum, obviamente temos que aceitar, pena de evidente contradigao, a execugio provis6ria da sentenca de cogni¢ao exauriente ‘contra o periculum in mora. 12. Afirma o referido Anteprojeto de modificagio do Codigo de Proces: s0 Civil que “no se concedera a antecipacio da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado”. finecessario que se perceba, porém, que € incorreto se falar em irreversibilidade do provimento, j que esta no se pode dar no plano juridico; a irreversibilidade €a dos efeitos faticos do provimento. Entretanto, 0 perigo de irreversibilidade dos efeitos faticos do provimento nao pode constituir impedimento ao deferimento da tutela ur- gente, Em se tratando de tutela antecipat6ria urgente, deve set possivel 0 sacrificio, ainda que de forma irreversivel, de um direito que parega improva- vel em beneficio de outro que pareca provavel. Do contririo, o direito que tem maior probabilidade de ser definitivamente reconhecido poder ser irre- versivelmente prejudicado, Em resumo, se no ha outro modo para evitar um. prejuizo irreparivel a um direito que se apresenta come provavel, devese admitic que 0 juiz possa provocar um prejuizo irveparavel 20 direito que the 61 parece improvavel'', Nestes casos deve ocorrer a ponderaco dos bens juridi- cos em jogo, aplicando-se o principio da proporcionalidade"?, pois quanto maior for 0 valor juridico do bem a ser sacrificado, tanto maior devera ser a probabilidade da existéncia do direito que justificard o seu sacrificio. £ claro, no entanto, que o bem que tem valor juridico largamente superior ao daquele ‘com quem confronta nao poder ser sacrificado. Realmente, a ética da jurisdi- do de urgéncia exige que o principio da probabilidade seja aplicado a luz do principio da proporcionalidade. 13. O risco de decisées arbitririas fez 0 Anteprojeto estabelecer o de- ver de 0 juiz indicar, na decisio que antecipar a tutela, “de modo claro e preciso, as razdes do seu convencimento”. Deverd o juiz precisar as razdes pelas quais entende existir, ou nao, fumus boni iuris e periculum in mora. Quando houver o perigo de irreversibilidade dos efeitos fiticos do provimen- to, a decistio devera explicar a razio pela qual ocorreu a opgio (ou no) pela realizacao antecipada do direito, valendo dizer que o juiz estara obrigado a fundamentar a sua valoragio sobre os bens que devem ser ponderados. Na verdade, o principio da motivacao assume grande importancia no juizo suma- rio, apresentando-se como mecanismo impeditivo do arbitrio jurisdicional e, por conseqiiéncia, como elemento possibilitador de uma maior efetividade do proceso. A proliferacio das liminares antecipat6rias, de que tanto se fala, bem como 0 abuso na concessio de tais liminares, nZio podem ser desligados da questio da falta de fundamentagio das decisdes. £ dificil falar em “abuso” na concessio de liminares quando, na verdade, poucas vezes sio conhecidos os fundamentos pelos quais estas liminares sio deferidas'®. A saida, portanto, 11 ~ V. FERRUCCIO TOMMASEO, “Intervento” no “Colloquio Internazionale’, i: Les mesures brovisoires en procédure civile, Milano, Giuffte, 1985, p. 307. 12 ~ V. KARL LARENZ, Mefodologia da cténcia do direito, 2 ed., Lisboa, Fundacio Calouste Gulbenkian, 1989, p. 491; EGAS MONIZ DE ARAGAO, Medidas cautelares inominadas, Rev. brasileira de direito processual, v.57, p. 44 13~"Outro ato comum, que ocorre amitide no foro, €a auséncia de motivagio das decisies concessivas ‘ou denegatérias de liminar, em mandado de seguranca, cautelares, possessbrias ¢ ages civis piblicas. A locugio “presentes os pressupostos legais concedo‘a liminar”, ou, por outa, “ausentes os pressupostos legais denego aliminar’, sio exemplos tipicos do vicio aqui apontado. O ministro, desembargador ou juiztem necessidade de dizer porque entendeu presentes ouausentes os pressupostos para a concessio ou denegagao da liminar, isto é, devera ingressar no exame da situacio concreta posta sua decisio, endo limitar sea repetir os termos da le, sem dar as razes de seu convencimento. Quantas vezes observamos situacio semethante, notadamente em casos de acio civil piiblica, onde o desembargador evga aliminar em casos importantes e de gravidade, com decisio mio, em uma linha, do seguinte 62 nio €a de se proibir a concessio de liminares, mas sim a de se exigit uma adequada fundamentagio das decisdes. Vale a pena lembrar, alis, que o prin- cipio da motivagio possibilita o controle da atividade jurisdicional por qual quer um do povo, o que éaltamente importante para a legitimacao do poder, principalmente quando a decisio que concede a liminar € proferida em uma aco que constitui via de participacio popular na gesto do bem-comum, como a.acio popular ou a acio civil publica. 14, Atutela antecipatoria, porém, nao se presta somente aos casos de perigo de dano iminente. Como jé disse Fix-Zamudio em excelente trabalho Sobre a situacio da justica na América Latina, uma das garantias fundamentais tio cidadio deve ser a de uma resposta jurisdicional em um prazo razodvel' Com efeito, nao é, nem de longe, devido processo legal aquele que se arrasta por longos anos para dar resposta ao jurisdicionado. Inspirado por estas ra 75es, 0 Anteprojeto de modificacio do Codigo de Processo Civil apresenta a possibilidade de antecipacio da tutela quando o direito afirmado pelo autor for evidenciado desde logo e ficar “caracterizado 0 abuso do dircito de defesa ou manifesto propésito protelatorio do réu”. Nesse caso a antecipagio nao fica vinculada i afirmacio de existéncia de perigo. O caso nao € de julgamento antecipado da lide, pois o julgamento se faz.com base em cogni¢ao sumétia. A tutela antecipa a realizagio do direito, porque a grande probabilidade da exis téncia do direito ligada ao “abuso do direito de defesa” ou ao “manifesto pro- posito protelat6rio do réu é suficiente para impedir que a tutela satisfativa surja apenas apos ao decurso do tempo necessario para a plenitude da instru- ao probatéria. 15, Abusca de uma tutela mais répida se da em homenagem a efetividade do direito de aco. Mas se falamos em efetividade do direito de acao para indicar a necessidade de efetividade da tutela dos direitos, queremos também deixar claro que a morosidade do proceso é fator potencializador das disparidades entre as partes, Como jf lembrou Cappelletti, a demora excess ‘Teor ausentes 0s pressupostos legs, revogoaliminar’, ou, o que se nos afiguea ainda mais graye, simplesmente “revogo aliminar". em qualquer fundamentacio de fat ou de dircito, essas decses jnfeliamentetém prokierado no foro brasileiro, sem omienor constrangimento de alguns magistades Em afrontarem texto expresso da Constituicio Federal” (NELSON NERY JUNIOR, Principios do process civil na Constituicao Federal, Sio Paulo, Bd Revista dos Tribunais, 1992. pp 157/158). 1d — HECTOR FIZ:ZAMUDIO, Constituci6n y proceso civil en Latinoamerica, ‘México, Unam, 1974, p.33. 63 vaé fonte de injustica social, porque o grau de resistencia do pobre é menor do que o grau de resistencia do rico; este tiltimo, € nao o primero, pode sem dano grave esperar uma justiga lenta'’, Na realidade, a demora do processo é ‘um beneficio para o economicamente mais forte, que se torna, no Brasil, um litigante habitual em homenagem 3 inefetividade da justica. Basta lembrarmos o que se verifica na Justica do Trabalho, onde os economicamente mais fortes, desdenhando da justica, apostam na lentidao da prestagio jurisdicional, obri- gando aos trabalhadores realizar acordos quase sempre desrazoiveis. Sera que alguém ainda acredita que a justiga € efetiva ou inefetiva, ou sera que elaé sempre efetiva para alguns ? 16. Demais, o direito de acio muitas vezes se apresenta como verdadei- 0 direito politico, ou como canal de participago popular na gest4o do bem comum. A acio popular, as acdes coletivas € acio de inconstitucionalidade, sio altamente importantes para a realizacio da democracia social € no po- dem deixar de encontrar efetividade em razio de uma injustificavel demora do proceso. A demora do proceso, nestes casos, coloca em risco importan- tes mecanismos da democracia participativa. Nessa linha, para finalizar, € de se dizer que o uso arbitrario do poder caminha na razio proporcional inversa da efetividade da participacio popular através do proceso jurisdicional. 15 ~ MAURO CAPPELLETTI, El proceso como fenémeno social de masa, in; Proceso, ideologias, sociedad, Buenos Aires, EJEA, 1974, pp. 133/134. 64 Capitulo Sétimo ODIREITOA ADEQUADA TUTELA JURISDICIONAL ____ {APROIBIGAO DAS LIMINARES E DA EXECUCAO PROVISORIA DA SENTENCA NO MANDADO DE SEGURANCA)* 7.1. O DIREITO DO CIDADAO EM VISTA DA OBRIGACAO DO ESTADO A PRESTACAO DA DEVIDA TUTELA JURISDICIONAL E certo que o “tempo” despendido para a cognicao da lide, através de investigagio probatoria, é reflexo da propria existéncia do Estado, e da neces- sidade que 0 mesmo se impés de, antes de tutelar as situacdes concretas, conhecer € reconhecer a existéncia do dircito cuja titularidade se alega em juizo. Mas, é reflexo da existéncia do Estado, porque é este que proibe a defe- sa sob forma de autotutela privada, obrigando as pessoas a submeterem suas pretensdes 4 prévia averiguagio jurisdicional. 0 Estado, ao estabelecer tal proibi¢ao, obviamente adquiriu “poder” ¢ “dever” de tutelar qualquer espécie de situagao conflitiva concreta. Isso, alias, no escapou 4 percepgio aguda de Barbosa Moreira, que adverte que, se 0 Estado proibiu a justica de mao propria, “assumiu para com todos e cada um de nés o grave compromisso de tornar realidade a disciplina das relagdes intersubjetivas prevista nas normas por ele mesmo editadas”, pelo que o processo avizinha-se do optimum, na proporcio em que tende a * O presente trabalho objetivou discutira medida provisdria que, na época do denominado “Plano Collor’, proibiu'a concessio de liminares ea execuciio provis6ria da sentenca nasacbes cautelarese no mandado de seguranca. 65 fazer coincidir a situacio concreta com a situacao abstrata prevista na regra juridica material." Nessa perspectiva deve surgir, entio, a resposta intuitiva de que a inexisténcia de tutelaadequada a determinada situacio conflitiva corresponde 4 propria negacdo da tutela a que o Estado se obrigou quando chamou a si o monopélio da jurisdi¢io, pois 0 processo deve ser visto como uma espécie de contrapartida que o Estado oferece aos cidadios diante da proibicao da autotutela.* Ora, se o Estado tem o dever de prestar a “devida tutela jurisdicional’, entendida esta como a tutela apta a tornar efetivo o direito material, 0 cidadao tem o direito 4 “adequada tutela jurisdicional”, que é elemento indissociavel do due process of law. Direito 4 adequada tutela jurisdicional quer dizer direi- to a um processo efetivo, proprio as peculiaridades da pretensio de direito material de que se diz titular aquele que busca a tutela jurisdicional. Conhecemos os problemas que pairam sobre o aparelho judiciario (fal- ta de recursos etc.), as dificuldades da concretizacio do direito ao acesso 4 justica, bem como a ineficiéncia do nosso procedimento ordinario, cuja estru- tura de ha muito se encontra superada. O problema da equacio rapidez-certeza, posta pela excessiva morosida- de do processo, foi que inspirou o surgimento das liminares cautelares € antecipatorias ¢ a execucio proviséria da sentenca contra 0 periculum in mora, que, segundo alguns doutrinadores italianos de renome, como Mario Dini, natureza cautelar também possui. ‘A necessidade de tutelas rapidas ¢ imediatas apareceu, com certeza, para remediar a ineficiéncia do procedimento ordinario e da propria adminis- tracdo da justi¢a. Basta atentarmos para 0 processo de execu¢io de titulo extrajudicial, a mais sumiria (no sentido cognitivo) de todas as vias de tutela, concebida para minimizar os males de uma “justica tardia”, mas que surgiu para privilegiar uma determinada classe. O certo, porém, é que ninguém pode negar que determinadas preten- sdes, quando envolvidas em situacdes emergenciais, somente podem ser tute- ladas com efetividade através de liminares, ou mediante execucio antecipada, © que ocorre tanto quando se antecipa a sentenca de mérito com a liminar 1 — JOSE CARLOS BARBOSA MOREIRA, Tutela sancionatoria e tutela preventiva, Temas de direito processual, 2* Série, Sao Paulo, Saraiva, 1980, p. 21 2~Cf. ANDREA PROTO PISANI, “Irapportifra ditto sostanzialee processo”, Appuntisulla Giustizia Civile, Bari, Cacucci, 1982, p. 42. 3 — MARIO DINI, La Denunzia di Danno Temuto, Milio, Giuffré, 1957. 66 como quando sc tutela mediante execucio provisoria. Einegivel, com efeito, que a execucio provis6ria € necessiria, sob pena de restar indcua a prestagio jurisdicional no plano fatico, em varias situagdes concretas que exigem exe- cugio imediata em razio de periculum in mora. Tais remédios processuais foram elaborados para proteger 0 cidadio comum dos males da morosidade da justica. B que se 0 tempo é a dimensio fundamental na vida humana, no processo desempenha ele idéntico papel, no somente porque, como ja dizia Carnelutti, proceso é vida, mas também, porquanto, tendendo o processo a atingir seu fim moral com a maxima pres- teza‘, a demora na sua conclusdo é sempre detrimental, principalmente as partes mais pobres ou fracas, que constituem a imensa maioria da nossa popu- lacio, para as quais a demora em receber a restitui¢io de suas pequenas eco- nomias pode representar angitstias psicologicas e econdmicas, problemas fa- miliares e, em nao poucas vezes, fome e miséria. Naverdade, o procedimento ordindrio sempre foi o reduto dos plebeus, do povo, dos marginalizados, pois aqueles encastelados no poder sempre se serviram de procedimentos especiais, como a ago de busca e apreensio de bens objeto de alienacao fiduciaria em garantia, onde se apreende liminarmente o bem e se permite seja 0 mesmo vendido a terceiros indepen- dentemente de leilio ou hasta publica, sendo absolutamente limitado 0 cam- po da defesa, ou seja, a cognicao do conflito de interesses (no do mérito) no plano horizontal. Ora, se 0 cidadio comum tem o direito 4 liminar, que € concedida so- mente porque 0 processo ¢ moroso, ¢ Sbvio € pouco mais do que evidente que este direito dele nao pode ser retirado. 7.2. O PRINC{PIO DA INAFASTABILIDADE E tal direito é garantido por principio constitucional, pois a Constitui- cio da Repiblica de 1988, em seu art. 5°, XXXV, estabelece que a lei nao so nao excluir da apreciagio do Podcr Judicidrio lesio, como também ameaga 4a direito, com o visivel intuito de propiciar a0 cidadio 0 asseguramento cons- titucional de seu direito 4 ‘adequada tutela jurisdicional”. 4—Cf, DONALDO ARMELIN, “A tutela jurisdicional cautelar”, RPGESP, 23/116 67 £ que a Constitui¢o anterior, em certa perspectiva, poderia deixar fora da protecdo constitucional determinada gama de fendmenos que nao seriam abarcados pela estreita expresso lesdo, a menos que entendéssemos — como realmente entendiamos — que a tutela de urgéncia ja se inseria na previsio constitucional anterior, em razio de existir, nestas hipdteses, evidente lesio potencial Mas foi exatamente para dissipar as ditvidas que a interpretacao do tex- to constitucional anterior suscitava, que o constituinte de 1988 vedou, ex- pressamente, que a lei excluisse da apreciacio do Poder Judiciério ameaga a direito, englobando, de vez por todas, no dispositivo constitucional, o dever de o Estado tutelar situagdes de urgéncia. £ de se concluir, portanto, que o cidadio tem direito Aadequada witela jurisdicional (ai incluidas as liminares), como decorréncia do principio da inafastabilidade do controle jurisdicional. O direito 4 adequada tutela jurisdicional é principio imanente a qual- quer Estado de Direito. Suprimir o direito constitucional 3 liminar, vg., € 0 mesmo que legitimar a autotutela privada. 7.3. O CASO ESPECIFICO DO MANDADO DE SEGURANCA, O mandado de seguranca, se examinado através da 6tica da efetividade do processo, jamais podera ser admitido com a supressio do instrumento propicio 4 tutela contra 0 periculum in mora, sob pena de deixar de ser um relevante remédio constitucional posto a servico do cidadao, para tornarse um procedimento inefetivo € incoerente, por pressupor tutela urgente e, a0 mesmo tempo, nao dispor de instrumento necessario para realiza-la. Se 0 mandamus requer procedimento acelerado, a possibilidade da afericao da eventual periclitacdo, em virtude depericulum in mora, do ditei- to que através dele se visa proteger, evidentemente no pode ser suprimida por norma alguma Se nao for assim, o direito que deve ser protegido através da via célere podera jamais ter relevancia no plano fatico, quando a sentenca transita em julgado e produtora de coisa julgada material adquirir4 o perfil de mero ador- no, a “compensar” a insatisfacio do homem com a ineficiéncia da justica, ea 68 alegrar aqueles que nao desejam um processo efetivo porque tém medo das mudancas sociais que ele podera realizar. Perceba-se, alias, que a efetividade do mandado de seguranca se apresenta na razio proporcional inversa da mar- gem de arbitrio daqueles que exercem 0 poder, para intrometerse com as liberdades pablicas. Retirar da via do mandado de seguranga a possibilidade da execugio provisoria, outrossim, significa a aniquilagio da garantia constitucional. Eque © mandado de seguranca, por sua propria natureza, pressupde a execucio provisoria da sentenca como forma de fazer eficaz a tutela jurisdicional do direito ameacado ou violado por ato (ou omissio) ilegal ou de abuso de poder. ‘A execucio provisoria no mandado de seguranga; portanto, é instru mento indispensavel para a propria efetividade da garantia constitucional con- cretizada no mandamus. A subtracio da execugao provis6ria do procedi- mento do mandado de seguranca equivale a criagao de outro procedimento especial. Procedimento, com certeza, sem a mesma efetividade. Equivale 4 destruigio do remédio constitucional. Note-se, alidis, que 2 amputacio da exe- cuco provisoria da figura do mandado de seguranga jamais poderia ser admi- tida através de lei infraconstitucional. Ora, considerando-se que 0 mandado de seguranga encontra alicerce na Constitui¢ao, temos que a tarefa da lei infraconstitucional é somente a de regulamentar a previsio constitucional, € nio a de redesenhar a hipétese normativo-constitucional, danificando, atra- vés de amputacio, uma garantia de tal amplitude. Como diz Celso Antdnio, o mandado de seguranga possui um “cunho muito especifico constitucional, de realizagao completa ou de protelacao completa de objetivos transfundidos no Estado de Dircito.”, constituindo um. instrumento gracas a0 qual se pretende dar a0 cidadao, ao individuo, mefos eficazes, meios expeditos de defesa, proporcionando uma via de rapidez e de eficiéncia na protecao ao direito5 Deveras, 0s direitos do homem precisam ser protegidos do poder poli- tico ou econdmico. E o mandado de seguranca concretiza o instrumento cons- titucional habil para amparar estes direitos. A protecio dos direitos do homem em face do uso abusivo do “poder” somente se realiza através de garantias instrumentalizadas em processos céleres, e com expedientes destinados a tutelar contra o periculum in mora. Com efeito, conforme ja ressaltou o Conselho Superior da Magistratura Italiana, “e 5 CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO, “Ato coator” ,Mandado de Seguranga, Porto Alegre, Fabris € IAB, 1986, pp. 31 € 32. 69 impossibile negare che un giudizio lento e macchinoso come quello im- posto all'attuale organizzazione processuale giudiziaria, da luogo a fenomeni di compressione dei diritti fondamentali del cittadino”.6 7.4, UMA ABORDAGEM EM FACE DO PRINCIPIO DA SEPARACAO DOS PODERES Ademais, através de outro Angulo visual, podemos dizer que nenhum ato legislativo pode vedar 20 Poder Judiciario a afericao dos pressupostos das medidas de urgéncia. Quando se fala em tutela urgente entra em jogo a pro- pria atividade jurisdicional do Estado. Deveras, na Constituicao esta engastada a tuigdo A tutela jurisdicional de urgéncia. F esta existe para assegurar a eficd- cia da tutela jurisdicional dos direitos.” Atutela urgente, destarte, est encartada nos poderes implicitos do Poder Judiciério. Portanto, como ja advertira o Prof. Donaldo Armelin, no cabe ao legislador ordinario suprimir a tutela jurisdicional de urgéncia, que, mesmo se niio viesse regrada em nivel de lei ordinaria, seria perfeitamente vidvel ¢, pois, deferivel com base nos poderes implicitos do Judiciario. “Efetivamente, como 6 cedi¢o em matéria constitucional, a atribuicdo de poderes implica tam- bém na outorga de meios para tornar eficazes tais poderes” * Impedirse ao Poder Judiciario o uso de seus poderes imiplicitos fere 0 principio da separacao dos poderes. & precedente perigoso, que podera, numa seqiiéncia de logica nefanda, obstruirlhe quem sabe o direito a cognigio de algumas espécies de lesdes a direito, o que, lamente-se a sombria mas ne- cessiria constatagio, verificou-se em nossa historia de ndio muito tempo atras. 6 —Cf. FEDERICO CARPI, La Provvisoria Esecutorieth della Sentenza, Mitio, Giuffré, 1979, p. 12. 7 Cf. DONALDO ARMELIN, artigo cit, p. 118. 8 Idem, p. 119. 70 Capitulo Oitavo ATUTELA CAUTELAR DO DIREITO : AO DEVIDO PROCESSO LEGAL (O CASO DA EXECUCAO PRIVADA DO DECRETO-LEI N° 70/66) 1. Discute-se acerca da constitucionalidade da execucio privada do Decreto-ei n® 70/66 e sobre qual a tutela aptaa permitir a suspensio do leilio que é designado nestes procedimentos. 2. Deacordo com o artigo 5°, XXXV, da Constituigao da Repiiblica, “a lei no excluiré da apreciagio do Poder Judiciirio lesio ou ameacaa direito”. Tal norma constitucional garante ao cidadao 0 direito de submeter A cognicio do Poder Judiciario uma afirmada lesio ou ameaca a direito. Determinados procedimentos, é certo, ao fixarem os limites da defesa (hipétese da acio de desapropriagdo), impedem que todas as questdes perti- nentes a um determinado litigio sejam levadas a0 conhecimento do juiz. Essa restrigio a cognicio, contudo, nio pode impedir a investigacio, através de outra ago, da questio litigiosa afastada. Se alguma questio pertinente a um caso conflitivo no péde ser conhecida em razio da limitagio da cognicio, deve estar aberta, obrigatoriamente, outra oportunidade para o seu debate. De fato, como diz Kazuo Watanabe, “as limitaces ao direito do contraditério ¢, por via de conseqiiéncia, da cognicio do juiz, sejam estabelecidas em lei pfocessual ou em lei material, se impossibilitam a efetiva tutela jurisdicional do direito contra qualquer forma de denegagio da justica, ferem o principio da inafastabilidade do controle jutisdicional e por isso so inconstitucionais” (ofensa ao artigo 5%, XXXV, da Constituicio Federal), Os procedimentos que limitam a defesa, obrigando 4 propositura de agio inversa, devem estar em consonancia com as necessidades do direito substancial € de acordo com os valores da Constituicao. Ou seja, a limitagio 1 ~KAZUO WATANABE, Da cognigdo no processo civil, Sio Paulo, Fd. Revista dos Tribunais, 1987, p.88. rat do direito a cognicio do conflito de interesses somente pode acontecer em razio de exigéncias do direito material e da realidade posta pela Constituicio®. 3. A Constituicao Federal, no artigo 5%, LIV, consagra 0 valor de que “ninguém sera privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Pode-se dizer que ninguém seri privado da liberdade ou de seus bens sem 0 processo que esta de acordo com os principios processuais insculpidos na Constituigao. No procedimento do Decretolei n® 70/66, que podemos chamar de “procedimento do poder econdmico”, somente é possivel o pedido de purga- cio de mora, sendo invidvel 0 exercicio da defesa, j4 que purgar, como é cedico, nao é defender. A execucdo extrajudicial do Decreto-lei n® 70/66 per- mite a execucio privada, em verdadeira justica de mio propria, i medida que autoriza 0 leilio pablico de venda do imével dado em garantia sem a prévia autorizag4o do Poder Judiciério. Nao cabe, evidentemente, o argumento de que 0 devedor, apés 0 leilio, pode levar ao Poder Judicifrio suas eventuais objecées, pois a Constituigio de 1988 deixa claro que ninguém seri privado de seus bens sem o devido processo legal. Em outros termos, a propria Cons- tituicdo veda ao legislador processual construir um procedimento que sé per- mita a cognicao das objecées, através de aco inversa, apés 0 leilio do bem dado em garantia. Foge completamente 4 constitucionalidade, portanto, a “mania” arbitraria, que deita raizes na época em que os bancos tudo podiam fazer, de se leiloar bens privadamente, sem a autorizacao do Poder Judiciario sem o crivo do due process of law. Nao ha davida que o procedimento presidido por agente fiducirio (ar- tigo 31 do Decreto-lei n° 70/66) nao constitui devido processo legal. Se a Constituicio diz que ninguém ser’ privado de seus bens sem o devido proces- ° so legal, esta afirmando que ninguém sera privado de seus bens sem ser ouvi- do por uma autoridade que possa garantir 0 contraditério. O principio do contraditério garante a participagdo das partes no processo, sendo impres- cindivel 4 propria legitimacio do exercicio do poder, ja que o poder, nas democracias, é legitimado pela participacdo, ¢ a garantia do contraditério é verdadeira expresso do principio politico da participago. Ora, € Obvio que © agente fiduciario niio pode assegurar a participago das partes em con- 2. - V. LUIZ GUILHERME MARINONI, Novas linhas do processo civil, Sao Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1993. a traditorio, ou melhor, a participacdo em paridade de armas, de que fala Mario Chiavario’. Notese, por exemplo, que os agentes fiduciirios no tem observado 0 artigo 53, caput, do Codigo de Defesa do Consumidor’, impondo aos devedo- res gravames despropositados. A execucao do Decreto-lei n* 70/66, portanto, além de ser privada, é realizada 4 margem da legalidade. Naverdade, como bem concluiu o Tribunal de Alcada Civil do Estado do Rio Grande do Sul ao julgar incidente de inconstitucionalidade na apelaco civel n? 189040938, o artigo 31 do Decretolei n® 70/66, ao atribuir ao agente fiducidrio a presidéncia do processo de execucio, subtrai do Poder Judiciario, “detentor de monopolio, a jurisdicdo, parcela da soberania, funcio indelegivel € propria do Juiz natural, provido das garantias ¢ investido na forma constitu- cionalmente exigida, tinico capaz de assegurar a imparcialidade no tratamento das partes”®. 4, Aexecucio privada, além de atentar contra 0 direito do cidadao nao ser privado de seus bens sem o devido processo legal, constitui privilégio inconcebivel em favor das instituigdes financeiras. Os procedimentos, como tados os atos do poder piiblico; devem estar ‘em consonincia com o principio da igualdade, Vale dizer: o legislador infraconstitucional é obrigado a desenhar procedimentos que nao constituam privilégios, bem como para atender aos socialmente mais carentes, a estru- turar procedimentos que sejam diferenciados, na medida em que, como es- creve Nicolo Trocker, a diferenciacio de procedimentos é uma exigéncia insuprimivel para um ordenamento que se inspira no principio da igualdade®. 3 — MARIO CHIAVARIO, Processo civile e garanzie della persona, Milano, Giullre, 1982, ¥.2, p 19. 4—De acordo com 0 artigo 53, caput, do Codigo de Defesa do Consumidor, “nos contratos de ‘compra e venda de méveis ouimaveis mediante pagamento em prestacées, bem como nasalienagoes fiduciérias em garantia, consideram-se nulas de pleno direitoas clausulas que estabelegam a perda total das prestagées pagas em beneficio do credor que, em razio do inadimplemento, pleitear a resolugio do contrato ¢ a retomada do produto lienado”, Consoante explica Nelson Nery jiinior, * paras comprasa prestacio, sejam de méveis ou iméveis, com garantia hipotecaria, com ckiusula resolutiva de propriedade, de alienacio fiduciaria, reserva de dominio ou outro tipo de garantia, © Cédigo nao permite que se pactue a perda total das prestacdes pagas, no caso de retomada do bem ou esolucio do conteato pelo credor, por inadimplemento do consumidor” (NELSON NERY JUNIOR, Cédigo Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, Rio de Janeiro, Forense Universitaria, 1991, p. 378). 55 —Julgados dos Tribunal de Alcada do Rio Grande do Sul, v.76, p. 82. 6~ NICOLO‘TROCKER, Processo civile e costituzione, Milano, Giuffre, 1974, p. 701 rb) 0 procedimento que esti em desacordo com o principio da igualdade nao € due process of law. A cliusula do devido proceso legal, com efeito, nao é mais mera garantia processual, tendo se transformado, ao lado do princi- pio da igualdade, “no mais importante instrumento juridico protetor das li- berdades publicas, com destaque para a sua novel fungio de controle do arbi- trio legislativo ¢ da discricionariedade governamental, notadamente da “razoabilidade" (reasonableness) € da “racionalidade” (rationality) das nor- mas juridicas e dos atos em geral do Poder Pablico”’. A clausula do devido proceso legal no sentido substancial, na realida- de, permite o controle da legitimidade das normas juridicas através do princi- pio da isonomia. Ora, como ja dizia o magistral San Tiago Dantas, nem todo ato legislativo formalmente perfeito é due process of law. Para que o seja, € necessario que esse ato, no seu conteudo normativo, esteja de acordo com 0 principio da igualdade*. Assim, 0 controle da razoabilidade da lei, realizada em virtude da garan- tia do devido processo legal, tem por fim evitar leis que sejam arbitrarias, ou melhor, leis que discriminem em desatengio ao principio da igualdade, ou que deixem de diferenciar quando necessirio 4 observincia deste principio. Isto é, a cldusula inclui ‘a proibi¢io ao Poder Legislativo de editar leis discriminatérias, ou em que sejam negécios, coisas ou pessoas tratados com desigualdade em ponto sobre os quais nao haja entre eles diferencas razoa- yeis, ou que exijam, por sua natureza, medidas singulares ou diferenciais”’, £ induvidoso que a execucio privada do Decretolei n® 70/66 atenta contra o principio da igualdade. Alids, 0 Tribunal de Alcada Civil gaticho, referindo-se a0 procedimento do Decreto-ei n? 70/66, nao s6 afirmou que o principio da isonomia é desobedecido “quando se confere a grupos econdmi- cos 0 uso de remédios juridicos diferentes, por mais Ageis, ou sem emprego do Judiciario”, mas também que tal procedimento revela uma opcio ideolégi- ca incompativel com a atual Constituicao", 7 ~Cf. CARLOS ROBERTO DE SIQUEIRA CASTRO, O devido provesso legal ea razoabitidade das leis na nova Constituicéo do Brasil, 2" ed., Rio de Janeiro, Forense, 1989, p. 31 8—F. C. DESAN TIAGO DANTAS, Problemas de direito positivo, Rio de Janeiro, Forense, 1953, p. 34, 9—Cf. FRANCISCO CAMPOS, Igualdade de todos perante alei, Revista de direito administrativo, v1, p. 412. 10—AJURIS, v. 49, p.99, 74 5. Naiminéncia da realizacao do leildo previsto no artigo 32 do Decre- tole’ n® 70/66, € possivel o uso da tutela cautelar para a obtengio da sua suspensiio. £ interessante notar que a liminar cautelar estard tutelando 0 direito do cidadio comum nao ser privado de seus bens sem o devido processo legal. A agio, neste caso, é aut6noma, A medida que é desnecessaria a chamada “agao_ principal” Comoa matéria em discussio é unicamente de direito, apresentada con- testacio o juiz estara em condigoes de declarar, ou nao, a existéncia do direito afirmado, o que € incompativel com 0. juizo cautelar. Nao € 0 caso de falarmos, ‘como impropriamente costuma falara doutrina, em “aco cautelar satisfativa”, ja que a acio € auténoma, porque o seu resultado sera apto a produzir coisa julgada material sobre o direito afirmado. A hipotese, realmente, édeagio de cognicdo exauriente com liminar. Aacio somente sera de cognicio sumaria ¢, portanto, cautelar ou antecipatéria, quando o material probatorio do procedi- mento sumirio for insuficiente para o juiz declarar a existéncia, ou a inexis- téncia, do direito". 6. Concluindo, podemos dizer que a execucio privada do Decretolei 11° 70/66 fere o direito ao devido processo legal e que 0 leilio do Decreto-lei n® 70/66 pode set suspenso através de liminar cautelar em ago de cogni¢io exauriente. 11 —V. LUIZ GUILHERME MARINONI, Tutela cautelar e tutela antecipatoria, Sio Paulo, Ed Revista dos Tribunais, 1992. Capitulo Nono MEDIDA DE URGENCIA, DANO E RESPONSABILIDADE 1. De acordo com 0 artigo 811 do Cédigo de Processo Civil, o reque- rente de medida cautelar responde perante o requerido pelo prejuizo que a este causar a respectiva efetivacio, (a) “se a sentenca no processo principal Ihe for desfavoravel”; (b) “se, obtida liminarmente a medida no caso do art. 804”, “no promover a citagdo do requerido dentro em cinco (5) dias”; (©) “se ocorrer a cessa¢ao da eficdcia da medida, em qualquer dos casos previstos no art, 808°; (d) “se 0 juiz acolher, no procedimento cautelar, a alegacio de decadéncia ou de prescri¢io do direito do autor”. 2. O primeiro inciso do artigo 811 afirma que h4 responsabilidade do requerente da medida cautelar se a sentenca no processo principal Ihe for desfavoravel. 0.§ 945 da ZPO alemi dispde que “se o decreto de arresto ou de medida cautelar resultarem injustificados, ou forem revogados, na forma dos §§ 926, inciso 2, ¢ 942, inciso 3, a parte que os pediu tera que indenizar 4 outra os prejuizos que Ihe houver causado em virtude da execugio de tais me pela necessidade de prestar caucio para evitar ou obter o arresto”. O § 945 trata, em uma de suas hipoteses, da chamada responsabilidade decorrente de medidas injustificadas desde o inicio. Afirma-se que 0 arresto € injustificado quando ao tempo da sua concessao inexistiu a pretensio ao atresto; na hi- potese em que inexistiu a causa do arresto (periclitagao do direito); ¢, ainda, quando o arresto nao deveria ter sido concedido, porque os meios de prova, destinados 4 demonstracio da sua plausibilidade, nao eram suficientes! O melhor entendimento, porém, é o de que presentes a pretensio a0 arresto e a causa para a sua expedicao, nao € bastante, para a fundamentagio 1 —C£. FRITZ BAUR, Tutela juridica mediante medidas cautelares (raducio de Armindo Edgar Laux), Porto Alegre, Fabris, 1985, pp. 144/145; V, também, LEO ROSENBERG, Tratado de derecho procesal civil, Buenos Aires, EJEA, 1955, ¥.3, pp. 290/291. 7 de uma pretensio 4 reparagio do dano, que a prova tenha sido insuficiente. Na verdade, como mostra Baur, 0 decisivo € saber se 0 juiz a quem coube julgara pretensio 4 reparacio do dano, considerou configuradas, na época da concessio do arresto, a pretensio ao arresto € a causa do arresto?. No direito alemiio, a parte que sofreu a execucao havera, para obter reparagio do dano, de exercitar sua pretensio de indenizagao. Acontece que a decisio proferida ho processo cautelar que, v. g., afirma inexistir causa para o arrest, nao tem efeito algum no processo que trata da reparacio do dano. O juiz no poderia estar vinculado a decisio proferida no processo cautelar porque isto “signifi- caria barrar 0 caminho a verdade”’, Como diz Baur, “se no processo de arresto se permite a0 postulante renovar o pedido com novos meios de prova ¢ se o adversario da postulagio pode conseguir, na conformidade do § 927 da ZPO, aanulacdo do arresto quando € capaz de demonstrara ocorréncia de “circuns- tancias alteradoras”, nenhuma das partes pode ser impedida de, no processo concernente a reparacio do dano, fazer uso de todos os meios de prova, tanto no que diz respeito a pretensio ao arresto quanto no que tange causa do arresto”. O legistador brasileiro esqueceu de prever 0 caso em que o requerente, apés a efetivactio da medida cautelar, saiu vencido no processo cautelar € vitorioso no processo principal>, A primeira vista tal omissio poderia ser suprida pelo julgador, nao s6 porque as hipéteses do artigo 811 nao sio numerus clausus, como também porque é necessaria a responsabilizagio do vencido no processo cautelar. Entretanto, no pode haver dever de indenizar como resultado direto de sentenca de improcedéncia proferida em processo cautelar; neste caso seria necessaria nao somente uma aco de liquidagio de obrigacao, mas uma verdadeira ago auténoma de reparacio de dano, com possibilidade de ampla cognicio sobre a existéncia da causa da medida cautelar. Nessa linha, percebase que surgindo circunstancia que passe a justi- ficar uma medida, inicialmente injustificada, deixa de existir razio para obri- gagdo de ressarcimento. Por outro lado, o surgimento de ius novum pode fazer com que uma medida, a partir de determinado momento, deixe de ser justificada. Neste caso 0 requerente somente deve responder por perdas € 2 FRITZ BAUR, Tutela juridica.. cit..p. 145. 3 — FRITZ BAUR, Tutela juridica... cit. pp. 146/147, 4 FRITZ BAUR, Tutela jurtdica... cit, p. 148. 5 —V. OVIDIO BAPTISTA DA SILVA, Comentérios ao Codigo de Processo Civil, 2 ed., Porto Alegre, Lejur, 1986, v. 11, p. 252; HUMBERTO THEODORO JUNIOR, Comentarios ao Codigo de Processo Civil, Rio de Janeiro, Forense, 1983, v.5, p. 140. 78 danos a partir do instante em que a medida tornousse injustificada. A melhor doutrina, alias, para demonstrar tal conclusio, lanca mao de dispositive que regula a responsabilidade pelas custas do processo no direito portugués. De acordo com 0 artigo 450 do Codigo de Processo Civil portugués, 0 encargo pelas custas recaira sobre ambas as partes, cada qual no periodo em que exer- ‘ceu uma atividade injustificada, o que pode significar, no caso de responsabi- Jidade pela efetivacio da medida cautelar, que o requerente da medida cautelar somente deve responder por perdas ¢ danos a partir do momento em que a medida perdeu a justificativa’, 3. Aurgéncia, em alguns casos, pode exigiraefetivagio de uma medida cautelar antes da ouvida do réu. Para a justificagio de tais medidas alegase, em geral, que a tutela dos direitos ameacados por perigo de dano iminente ¢ irreparivel pode tornar necessitias medidas imediatas sem um completo es- clarecimento da situacio fatica, € recorda-se, ainda, que a omissio da audién- cia prévia do réu pode ser ditada pelo objetivo de nio colocar este tiltimo em condigdes de frustrar a eficacia pritica do proprio provimento (suspicio de dilapidatione bonorum seu de fugay’. A validade destes motivos, segundo rocker, foi acolhida pelo Bundesverfassungsgericht alemio, que advertiu, no entanto, que, tratando-se de uma ingeréncia na esfera juridica de um sujei- to, uma derrogacio ao principio geral da audiéncia prévia somente pode ser admitida quando ela resultar como indispensavel (unabweisbar) para 0 al- cance do escopo do provimento*. Nestes casos 0 juiz deve verificar, com base no principio da probabilidade, em que medida a no concessao da liminar poders lesionar o direito do autor. O grau de probabilidade a ser exigido deve- ra ser tanto menor quanto maior for o valor juridico do bem a ser tutelado”. Se a efetivacio da medida cautelar inawdita altera parte, em algumas hipdteses, é absolutamente necessaria para preservar a efetividade da tutela do direito afirmado pelo autor", a sua excepcionalidade decorre do fato de 6~V. EGAS DIRCEU MONIZ DE ARAGAO, Medidas cautelares inominadas, Revista Brasileira de Direito Processual, v.57, p.70, OVIDIO BAPTISTA DA SILVA, Comentarios, cit. p. 253, 7-—Cf. N, TROCKER, Processo civile e costituzione, Milano, Giutfré, 1974, p. 406. 8 —N. TROCKER, Processo citile e costituzione, cit, p. 07. 9 — Cf. LUIZ GUILHERME MARINONI, Novas linhas do processo civil, Sio Paulo, Bd. Revista dos Tribunais, 1993, pp. 149/150. 10—V. LUIGI PAOLO COMOGLIO, La garanzia costituzionale delljazione ed il processo civite, Padova, Cedam, 1970. 79

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