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COSACNAIFY Claude Lévi-Strauss 0 SUPLICIO DO PAPAI NOEL ‘Tradugdo Denise Bottmann, ‘As festas de Natal de 1951 ficardo marcadas na Franga ppor uma polémica que encontrou grande repercus- io junto imprensa e a opinido piblica eintroduziu ‘um tom de inusitado azedume no clima geralmente alegre dessa época do ano. Hé virios meses as auto- ridades eclesiésticas, na vor de alguns prelados, j4 ‘manifestavam sua desaprovagio & importancia cada vex maior que as familias ¢ os comerciantes vinham dando & figura do Papai Noel. Flas denunciavam uma preocupante “paganizagio" do dia de Natal, desvian- 0.0 espirto piblico do sentido propriamente cristo dessa comemoraco, em favor de um mito sem va Jor religioso, Tais ataques aumentaram nas vésperas do Natal; com maior discriglo, mas igual firmeza, 4 Igreja Protestante uniu sua voz da igreja Catdica Cartas de letores ¢ artigos nos jornais é vinham de- ‘monstrando de maneiras variadas, geralmente con- trérias A posigo eclesistica o interesse despertado pelo assunto, Por fim, 0 ponto culminante ocorreu ‘em 24 de dezembro, durante uma manifestagio que {fo descrita pelo repérter do jornal France-Soir nos se- sguintes termos: PAPAI NOEL £ QUEIMADO NO ATRIO DA CATEDRAL. DE DIJON DIANTE DE CRIANGAS DE ORFANATOS Dijon, 24 de dezembro (enviad do France Sir) Papai Noe fol enforcado ontem & tarde nas grades da Cate Aral de Dijon e queimado publicamente om seu dtro, Essa cexecugio espetacular se realizou na presenga de vria cente- nas de internos de onfanatos, la contou com o aval do cero, ‘que condenara Papal Noe como usurpadore herege le fo acusado de paganzar a festa de Natal e des nstalar como tum intruso,ocupando um espago cada ver maior. Censuram- no, sobretdo, por ter-seintroduzido em todas as escola pi- ‘leas, de onde presépio fol meticulosamente bani, Astrés hora da tarde do domingo oinflizvelhinho de barbasbrancaspagou, como muitos inocentes, por um erro uj culpados eam os que aplaudiram a execusio. 0 fogo _quelmou sus barbas ele se esvau na fumaca ‘Ao final da execugto,distibuiu-se um comunicado coos prncipais termas eram: eprsemando todos os ares cristos da para, dpastos 4 ata oma a mentira, 250 rans, euidas dante da porta principal da Catedral de jn, gueimaram o apa Nod No se at de wm espeticl, esi de um gest sins lio, Papa Noe fo sacrifiadoem holcausto eft, a menti- ra nfo pode despertar sentiment religiss na crianga endo 6 de modo algum, um método educative - que outros digam € ceservam o gu guserem fam de Papal Nol cotrapes do Pere Fouettard." c Pama ns rts Natl deve conta ase fej gue comemora nascent d Saad ‘A execugo de Papa Noel no Sitio da clea fo va Jada de diversas maneras pla popula e desert vivos comentros mesmo entre os cldcs és manfextagoltempestivacor oriso de ter eonseqidcis no revista por seus oganizadre. ‘assunto dvde a cidade em dos capes. Dijon aguardaaresuregSo do Papa Noel assasinado ontem no tra dacatedral Ele ressuscitar hoes 1 horas, a prefetura Com eft, um comunicado ofa anunciou «ue ele convocavaaseriangas, como em todos os anos, paraa 1 Personae do flo francs que castign as cringas que se compertan al 5 Praga da Libertagioe que els se promunciard do alto do ed- ficiodaprfeltra onde circular sb ae uzes dos projlores, © céneg Kir, pref de Dijon prefer no tomar par tido neste caso dead, No mesmo dia, o supicio do Papai Noel ocupos todas as manchetes; no houve um jornal que ndo comentas se 0 episbo,e alguns - como o j eta France Sir, «que, como se sabe, & 0 de matorcirculago na Franga ~chegaram a the dedicar um editorial, De modo geral, 4 atitude do clero de Dijon foi crticada, e aparente- ‘mente a tal ponto que as autoridades reigiosas jul {garam conveniente bater em retirada, ou pelo menos aguardar certa reserva; no entanto,dizem que nossos Iministrosestdo divididos a respeito da questo. Os ar- tigos, em sua maioria, sto cheios de dedos: & tio bo- nto acreditar em Papai Noe}, néo faz mal a ninguém, 4s criangas se divertem tanto e guardam lembrangas 10 deliciosas para a maturidade etc. Na verdade, fogem {a questdo em ver de respondé-Ia, pols nao se trata de Justficar as razSes pelas quais as eriangas gostam de Papai Noel, e sim as razdes pelas quais os adultos © inventaram, Sea como for, so reagSes to unnimes ‘que, aessa altura, ¢inquestionsvel a existéncia de um. divércio entre a opinido piblica ea Igreja. Emboraseja ‘um epis6dio minimo,o fato é importante, pois, desde a ‘ocupagio,o desenrolar da histéria na Franga apontava ‘uma progressiva reconciliagio entre a religido e uma copinifo piblica em larga medida descrente:prova disso 6 presenca, nos gabinetes do governo, de um partido politico tio claramente religioso como o MRP. Por si- nal, os anticlericalistas tradicionais deram-se conta da ‘nesperada oportunidade que Ihes era oferecida: agora 21 Sige de Mouvement Répuicain Populaire, pris democrat crit fandad por Georges ial em 146, so eles, em Dijon e em outras partes, ue passam por defensores do Papai Noel ameacado, Papai Noel sim- bolo da irreligido, que paradoxo! is ness episddio, ‘6 como sea igreja adotasse um espirito critica dvido por frangueza e verdade, enquanto os racionalista po- sam de guardides da superstcao. Tal aparente inversio de papéis basta para suger que o singel epis6io en- cobre questdes mas profundas. Estamos diante de uma ‘manifestagdo sintomética de uma acelerada evalusio das crengase dos costumes, primeiro na Franca, mas certamente também em outros patses, Nio é todos 0s dias que o etndlogoencontra uma ocasio to propicia para observar, em sua prépriasociedade, o crescimen- to sito de um rio, e até de um cult; de pesquisar suas causas eestudar seu impacto sobre as outras for- ras de vida religosa;enfim, de tentar compreender 8 quis transformagSes globais, ao mesmo tempo men- tals e socials, se associam as manifestagSes visivels so- n 2 bre as quaisaIgreja ~com Fort tradigio nesses assun- tos no se enganou, pelo menos enquanto se imitava alhesatribuir um valor significativo. HE cerca de tr@s anos, ou seja, desde que a atividade econdmica voltou quase a0 normal, a comemoracio do Natal assumiu na Franca uma dimensio desconhecida antes da guerra. Esse desenvolvimento tanto por sua importincia material quanto pelas formas em que se presenta, certamenteé resultado direto da influéncia do prestigio dos Fstados Unidos. Assim, vimos surgie os grandes pinheiros, montados nos cruzamentos ou nas avenidas principals, tluminados a noite; os papeis decoratives para embrulhar os presentes de Natal; 05. carties de boas-festas,¢ 0 costume de expé-los em cima da lareira dos destinatérios na semana fatidica; as campanhas do Exército da Salvagdo erguendo nas ruas nas pragas seus cldeirdes como se fossem p. snhos de pedintes; por fim, as pessons vests de Papai Noel para receber os pedidos das eriangas nas gran- des lojas de departamentos. Todos esses costumes que, poucos anos atris, pareciam pueris barracos aos feanceses que visitassem os Estados Unidos, como wm dos sinais mals evidentes da profunda incompatibili dade entre as duas mentalidades, agora se planta: vam ¢ se alimataram na Franga com uma facildade & ‘uma amplitude que se tornam assunto a ser estudado pelo historiador das civiizagies. [esse camp, como em outros, estamos assstindo ‘uma vata experincia de difusto, nfo muito diferente daqueles fendmenosarcaicos que estivamos acostuma- dos aestudar nos exemplos dstantes do briquet piston? 3 Aeendedor defogo poe rex, 8 “ ou da pirogue a balancier* Mas & mais fécile ao mesmo tempo mais dif estudarfatos que se desenrolam sob nossos olhos, tendo como paleo nossa prépria socieda- de, Mais ffeil, porque a contin lade da experiéncia esti salvaguardada, com todos os seus momentos ecada uma de suas nuances; também mais dif, porque io rnessas rarissimas ocasides que percebemos a extrema complexidade das transformagSes sociais, mesmo as mais ténues; € porque as razdes aparentes que atribu- mos aos acontecimentos nos quais somos atores so muito diferentes das causas reais que neles nos deter- ‘minam algum papel Assim, seria simplista demais explicaro desenvol: vimento da comemoracio do Natal na Franga apenas pela influéncia dos Estados Unidos. 0 empréstimo & 4 canos rte com um poi later que era ad odo Sudeste Aste ena Plinth Jnegivel, mas nio traz consigo razdes suficientes para cexplicar o fenémeno. Enumeremos brevemente as 10s a Fran mais evidentes: hd muitos americ os quais comemoram o Natal sua maneira cinema, 0s digests, os romances ¢ também algumas reportagens da grande imprensa tornaram conhecidos os cost- mes americanos,e estes gozam do prestigio atribuido poténcia militar e econémica das EUA; tampouco se exclu a conjectura de que o Plano Marshall tena fa- vorecido, deta ou indiretamente a importagdo de al _g0mas mercadorasligadas a rito atalino, Mas tudo Isso ndo basta para explicar 0 fendmeno. Costumes importados dos EVA impdem-se a camadas da popu- lagdo que Ihes desconhecem a origem:; os meios ope- rivios, onde a influéncia comunista poderia desacredi- tar tudo 0 que traz a marca made in usa, os adotam ‘com a mesma disposi¢ao dos demais. Assim, em vez de uma difusio simples, cabe invocar aquele processo 15 ‘io mportante que Kroeber, o primeiroa identificé-lo, ‘chamou de “difusdo por estimulo" (stimulus diffusion: © costume importado nio é assimilado, mas funcio- ‘na como um catalisador, ou seja, provoca com a sua presen o surgimento de um uso semelhante que ja estava potencialmente presente no meto secundiri, llustremos esse ponto com um exemplo diretamente onado ao nosso tema, O industrial fabricante de papel que vai as Estados Unidos, a convite dos colegas americans ou como membro de uma missdo econd- ‘mica, constata que li fabricam papéis especiais para os pacotes de Natal ele adota aia e temas af um fe- rnémeno de difusio. A dona de casa parisiense que vai A papelaria do balero comprato papel necessro para ‘embrulhar seus presentes v8 na vitrine papéis mais Vonitos e de melhor acabamento do que aqueles que costumava usar; ela ignora totalmente os costumes americanos, mas esse papel satisfaz uma exigéncia es- titicae exprime ua disposi afetiva que jé exist sé nio dispunha de meios de expresso, Ao escolhé-o, a dona de casa néo adota diretamente (como o fabri- ante) um costume estrangeiro, mas esse costume, to Jogo é reconhecido,estimula nela onascimento de um costume igual se pode esquecer que a Em segundo lugar, comemoracio natalina, jé antes da guerra, estava ‘em proceso ascendente na Franca e em toda a Euro- ‘pa. Isso estava relacionado, iniclalmente, & melhoria progressiva do nivel de vida, mas também a motives mais sutis, Com as caracteristicas que conhecemos, 6 Natal 6 uma festa essencialmente moderna, apesar dos mitiplos tragos arcaizantes. 0 uso do visco nao 6 pelo menos em primera instncia, uma heranca drufdica, pots parece ter voltado & moda na tdade Mé- dia, 0 pinheiro de Natal ndo é mencionado em parte alguma antes de certos textos alemdes do século XVII; v7 18 echegaa cle segue para a Inglaterra no século XVI Franga apenas no século XIX. 0 iondrio Litt pare- ce conhect. pouco ou sob forma muito diferente da nossa, pois o define (no verbete Nod!) com a designa- ‘io: “Em alguns pafses, de um ramo de pinheiro ou de azevinho com diferentes enfetes, guarnecido princ palmente de balase brinquedos para serem dados is ériancas, que fazem uma tremenda festa”. A variedade de nomes dados ao personagem incumbido de distri- buir os bringuedos is eriancas ~ Papai Noel, S30 Nico Jau, Santa Claus ~ também mostra que ele é resultado dem fendmeno de convergéncia, e nfo um protétipo antigo conservado por toda parte. O desenvolvimento moderno, porém, no é uma invengdo: ee se limita a recompor pecasefragmentos de uma antiga comemoragéo, cuja importincia nun- 8 foi totalmente esquecida, Sea érvore de Natal para Litt & quase uma instituigdo exética, Cheruel nota de maneira significativa, em seu Dictionnaire historique des institutions, moeursetcoutumes dela France (segundo 0 proprio autor, uma adaptagao do Dictionnaire des anti- quitésnationales de Sainte Palaye, 1697-1781): “O Natal [ud foi, durante virios sulos e até uma época recente [ero nosso], a ocasto de festas em fami egue-se uma descrigd das fstas de Natal no séeulo XVII, que rio parecem ficaratrés das nossas, Assim, estamos dante de um ritual cua importaneia Nutuou bastante a0 longo da histéria; teve apogeus edeclinios, A forma americana 6 apenas sua encarnacéo mais moderna, Alids,essas ripidas indicagSes bastam para mos- trar que, diantedesse tipo de problema, é preciso des confiar das explcagées demasiado ficeis que apelam automaticamente aos “vestigios" eds “sobrevivéncas” Se nunca tivesse exist um culto is drvores os tem- pos pré-histricos, que se prolongou em virias tradt 8es folcléricas, a Europa moderna certamente nao te~ 19 20 ria inventado” a drvore de Natal. No entanto ~ como ‘mostramos mais acima -, ela é uma invengo recente. Essa invengio, porém, no nasceu do nada. Pols outros costumes medievais so plenamente ‘comprovados: a chamada lena de N (que inspirou um bolo natalino em Paris), um tronco espesso para arder a noite toda; 0s ctios de Natal, com uma di- smensio prdpria para a mesma finalidade; a decoragio das casas (desde as Saturnais romanas, sobre as quais voltaremos a falar) com ramos verdes: hera, azevinho, plnheiro; por fim, ¢ sem nenhuma relagao com 0 Na- tal, os romances da Tivole Redonda mencionam uma 4rvore sobrenatural recoberta de luzes. Em tal con texto, a drvore de Natal surge como uma solugo crética, isto & concentra num s6 objeto exigéncias até centio dispersas: drvore magica, fogo, luz duradoura, verde persistente, Inversamente, Papal Noel, em sua forma atual, é uma criagio moderna, e ainda mais re- cente €a crenga que situa sua morada na Groenlindl possessio dinamarquesa (0 que obriga o pafs a man- ter uma agéncia de correio especial para responder as cartas de eriangas do mundo inteito), € @ mostra viajando em um trené puxado por renas, Consta que esse aspecto da lenda se desenvolveu principalmente na iltima guerra, devido a presenga de tropas ameri- ‘canas na Islandia e na Groenlandia, E, no entanto, as renas nio estdo ali por acaso, visto que existem docu- ‘mentos renascentistas ingleses mencionando troféus de renas durante as dangas de Natal, antes de qual- joel, e quem dird da form {quer crenga em Pay desualenda. Assim, fndem-seerefundem-se elementos muito antigos,introduzem:se novos, encontram-se formulas inéditas para perpetuar, transformar ou reviver sos de velha data, Nao hé nada de especificamente novo - sem jogo de palavras -no renascimento do Natal a n Por que, entio, ele desperta tanta emosio, ¢ por que é em torno da figura de Papai Noel que se concen- traa animosidade de algumas pessoas? Papai Noel veste-se de vermelho: € um rei. A barba branca, as peles, as botas e o trend evacam o inver- nozf chamado de “papai"eé idoso: encarna, portanto, «forma benevolente da autoridade dos antigos. Tudo isso é bastante claro, mas em que categoria ele deve ser classifcado, do ponto de vista da tipologiareligio- sa? Nao & um ser mitico, pois no ha um mito que dé conta de sua origem e de suas FungBes; tampouco 6m. personagem lendario, visto que nao hi nenhuma nar- ‘ativa semi-hist6rica ligada a ee. Na verdade, esse ser sobrenatural e imutvel, fixado eternamente em sua forma e definido por uma fungio exclusiva e um retor- no periédico, pertence mais i familia das divindades; as criangas prestam-the um culto em certas épocas do ano, soba forma de cartas e pedidos; ele recompensa ‘os bons ¢ priva os maus. fa divindade de uma cate~ agora etdria de nossa sociedade (categoria etria, ali sulicientemente caracterizada pelo fat de acreditar em Papai Noe), nica diferenca entre Papai Noel e uma verdadeia divindade é que os adultos no créem nele, bora incentivem as criangasaacreditare man- tenham essa crenca com iniimeras mistificagies. Papai Noel, portanto, 6 em primeira lugar a ex- pressio de um status dfereneiado entre as criangas, de um lado, eos adolescentese adultos, de outro, Des te ponto de vista, ele se liga a um vasto conjunto de ‘rengas e priticas que os etn6logos estudam na mai ria das sociedades, a saber, o5rtos de passagem e de Iago, De fato, sio raros os agrupamentos huma: nnos em que as criangas (as vezes também as mulhe- 2 Py +e) no estdo, de uma manera ou de outra, excluidas da sociedade dos homens pela ignorncia de certos mistérios ou pela crenga ~ euidadosamente alimen tada~ em alguma ilusto que os adultos se reservam o direito de desvendar em um instante oportuno, cramentando assim o momento em que as geracoes ovens se integram ao mundo deles. Por vezes, tas ri- tos guardam uma semelhanca surpreendente com os ritos que estamos examinando agora. Como no notar, por exemplo, a analogia entre Papa Noel ea ktchna dos indios do sudoeste norte-americano? Fsses per~ sonagens fantasiados e mascarados encarnam deuses ancestrais; voltam periodicamente aldeta para dangar e para punir ou recompensar as criangas, e 4é-se um jeto para que elas no reconhecam os pais ou parentes sob odisfarce tradicional. Papai Noel cer- tamente pertence & mesma familia, com outros cole- {888 agora postos em segundo plano: o Croguemitaine, © Pire Fouettard etc £ extremamente significative 0 fato de as mesmas tendéncias educacionais que hoje profbem o apelo a essas “katchina” punitivas enalte- «am a figura benevolente do Papai Noel, em ver de englobé-lo na mesma condenacio, como permitria supor o desenvolvimento do esprito positive ¢ racio- nalista, Sob este aspecto, nfo houve racionalizacio dos métoddos pedagégicos, pois Papai Noel no é mais, ‘acional” do que oPére Fouctand (neste ponto algreja tem razio): asistimos a um deslocamento mitico,e & isso que requer explicacao, £ fato consumado que os ritos e mitos de iniciagio tém uma fungio pritica nas sociedades humanas: eles ajudam os mais velhos a manter aordemea obediéncia, centre os mais novos. Durante 6 ano todo, invocamos a 5 Personagens do florea usados par atsustaras rans emo equivalents brasieites Coca cho Pep. 2 26 ‘nda de Papai Noel para lembrar is crangas que a ge- nerosidade dele seré proporcional ao bom comporta- mento delase o carter perisico da distribuicao dos presentes¢ til para diseiplinar as reivindicagSes in- fantis, para reduzira um periodo curto a época em que clas tém realmente o dirito de exigirpresentes. Mas esse enunciado simples basta para mostrar como si0 insuficientes os quadros da explcagio utilitria. Pois de onde vem a iia de que as eriangas tem direitos, «© que tais direitos se impem de forma tao imperiosa 08 adultos que estes sio obrigados a elaborar mitos ¢ rituais custosos ¢ complicados para conseguir con {6-0 limité-los? Logo percebemos que a crenga em Papai Noel nao é apenas uma mistificaae agradavel mente imposta pelos adultos as eriangas; é, em larga medida, o resultado de uma negciago muito onerosa entre as duas geragSes. Ocorre com o ritual inteiro 0 ‘mesmo que com as folhagens verdes ~ pinheiro, aze- Vino, her, visco ~ com que decoramos nossas casas, Hoje sfo meros adornos, mas outrra, pelo menos em algumas regis, eram objeto de uma troca entre duas parcelas da populagéo: na véspera do Natal, na Ingla- terra até o inal do século xvi, as mulheres faziam «© chamado gooding isto é, saiam pedindo de casa em ‘casa, ofertavam ramos verdes aos que colaboravam. Encontraremos as criangas na mesma situagio, ¢ cabe notar qu elas, no peditério de Sao Nicolau, as vezes ‘se vestiam de mulher: mulheres, ri as, ou seja, em ambos 0s casos, n-inicados. ‘ra, trata-se de um aspecto muito importante dos rituais de iniiagSo que nem sempre recebeu atengio, sulficiente, mas que esclarece melhor sua natureza do ‘que as consideragbes utilitérias mencionadas no paré- _grafo anterior. Tomemos como exempl o ritual das katchina dos indios Pueblo, j citado, Se ndo se revela as criangas a natureza humana dos personagens que a 2 encarnam as katchina,seré apenas para que os temam ‘ou respeitem e se comportem de acordo com isso? Sim, sem dhvida, mas esta é apenas a fungdo secundéria do ritual, pois existe outra explicagdo, ue o mito origi- nal esclarece perfetamente, Este mito explica que as satchina sio as almas das primeira criangas indigenas, aque seafogaram dramaticamente num rio & época das tmigragdes ancestrais. Assim, as katchina sto ao mes- 1mo tempo prova da morte e testemunho da vida aps 4 morte. Endo tudo: quando os antepassados dos Indios atuais finalmente se estabeleceram na aldeia, conta o mito que as katchina vinham visiti-los todos os anos ¢, a0 ir embora, raptavam as criangas. Os fndios, desesperados com a perda das filhos, conseguiram que as katchna ficassem no além, em troca da promessa de representé-las uma vez por ano com dangas e més- caras, Se as crangas slo excluidas do mistério das Jatchina, no é primeiramente e nem principalmente para intimidé+las. Eu diria antes que é pela raz3o con- ‘dria 6 porque elas so as katchina. Flas so excluidas da mistficagdo porque representam a realidade coma qual a mistificagao precisa estabelecer uma espécie de compromisso. 0 ugar delas & outro: ndo com as mésca +as €0s vivos, mas com os deuses e 0s mortos; com 05 douses que so os mortos. Eos mortos sie as criangas. Acreditamos que essa interpretaco pode ser apli- cada a todos os rites de iniciagio © mesmo a todas as ocasides em que a sociedade se divide em dois grupos. 6 apenas um estado de privacio, definido pela ignordncia, pela ilusdo ou por outras co- notagaes negativas. A relagio entre iniciadose ciados tem um conte positivo. £ uma rlagao com- plementar entre dois grupos sendo que wm representa ‘0s mortos 0 outro, 0 vives. Durante o ritual ali, é ‘comum que os papéis se invertam viras vezes, pois a ddualidade engendra uma reeiprocidade de perspect!- 2» 30 ‘vas que, como espelhos colacados frente a frente, pode serepetr ao infinite se 0s ndo-iniciados so 0s mortos, «les tamibém sAo super-inilades; ese, como também ‘ocorre com freqiéncia, so 05 iniciados que personifi- amos fantasmas dos morts para assstar os nefits, 6 aestes que caberd, num estigio posterior do ritual, Aispersé-lo e impedir que retornem, Sem prosseguit nessas consideragoes, que nos afastariam de nosso ob- Jetivo, basta lembrar que, na medida em que as crengas £05 ritos lgados a Papai Noel derivam de uma sociolo sia inicdtica ( sobre isto no restam divas), trazem ‘Atona, para além da opesigao entre erianas e adults, uma oposicio mais profunda entre morta e vivos, ‘Chegamos & conclusio precedente por uma andlise pu- ramente sincrdnica da funcio de certosrituais edo con- terido dos mitos que servem para fundé-los. Mas uma anilise diacrSnica nos levaria 20 mesmo resultado. Pois os foleloristas e os historiadores das religides ad- ‘miter de modo geral que a origem distante de Papa ‘Noel se encontra no Abade de Liesse, 0 Abbas Stultorum, ‘0 Abade do Desregramento, que trad fielmente in- lés Lord of Misrule, personagens que, durante um certo period, sio reis do Natal, e nos quais reconhecemos ‘0s herdeiros do rei das Saturnais da época romana. (ra, as Saturnais eram as festas das larvae, isto é, dos ‘mortos por violéncia ou abandonados sem sepultura, ‘por rs do velho Saturno, devorador de criancinhas, alinham-se como imagens simétricas 0 bom velhinho Noel, benfeitor das criangas; o Julebok escandinavo, deménio chifrudo do mundo subterrneo que traz pre- sentes para ela; Sao Nicolau, que as ressuscitae Thes da presentes e, por fim, as katchina,criancas mortas precocemente que renunciam ao papel de assassinos a

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