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SU AAAS erysiiniey ferred fear] eroee! PUTTY) i A ciéncia Aatitude cientifica PWaaee mee tiery a eee EET OPC Re eRe See Oe el ro ‘Uma das caractersticas mais novas da ciéncia esti em que as pesquisas cientificas passaram a fazer parte das foreas produtivas da sociedade, isto é, da economia. A Ce Meee ee a ae econdmico, modos de organtzar o trabalho industrial e os servicos,criam profi s8es € ocupagdes novas, destroem profissdes e ocupagdes antigas, introduzem a So eae ee ee te ee Ne en eee ce ee integrante e indispensavel da atividade econémica, Tornou-se agente econémico ies Cerne) 1 uw CAPITULO 1 A atitude cientifica O senso comum Nossas opiniées cotidianas Osolé quea Terra. Quem duvidard disso se, diariamente, vemios um pequeno circulo avermelhado percorrer o céu, indo de leste a oeste? 0 Sol se move em torno da Terra, que permanece imdvel. Quem duvidara disso se, dia riamente, vemos o Sol nascer, percorrer 0 céu e se par? A aurora nao € 0 seu come¢o € 0 creptisculo seu fim? AS cores existem em si mesmas. Quem duvidars disso se passamos a vida vendo rosas vermelhas, amarelas e brancas, 0 azul do céu, 0 verde das arvores, o alaranjado da laranja e da tangerina? Cada género ou espécie de animais ja surgiu tal como 0s c imaginar um peixe tornar-se um nhecemos, Alguém paderia ptil ou passaro? fim religiao, como a judaica,a cristae a Islamia, os livros sagrados no ensinam que a divindad mais, num s6 dia? criou de uma s6 vez todos os ani A familia 6 uma realidade natural criada pela natureza para garantir a sobrevivéncia humana e para atender a afetividade natural dos humanos, que sentem a necessidade de viver juntos. Quem duvidard disso, se vemos, no mundo inteiro, no passado e no presente, a familia existindo naturalmente e sendo a célula primeira da sociedade? raga” é uma realidade natural ou biolégica produzida pela diferenca dos climas, da alimentagao, da geografia e da reprodugao sexual. Quem duvidara disso, se verios que os afticanos so negros, os asticos sao amarelos de olhos puxados, os indios so vermelhos ¢ 0s europeus, brancos? Certezas como essas formam nossa vida e o senso comum de nossa sociedade, transmi- tido de geracao para geracio, e, muitas vezes, ao se transformar em crenga religiosa, torna-se uma doutrina inquestionével Retomemos nossos exemplos Aastronomia demonstra que o Sol é muitas vezes maior do que a Terra e, desde Copér- nico, que &a Terra que se move em torno do Sol. A éptica demonstra que as cores so ondas luminosas, obtidas pela refracao e reflexdo ou decomposicio da luz branca, Abiologia demonstra que os géneros eas espécies de animais se formaram lentamente, no curso de milhdes de anos, a partir de modificagdes de microrganismos extremamente simples, Historiadores e Topélogos mostram que o que entendemos por familia (pai, mae, filhos; esposa, marido, irmaos) é uma instituigao social recentissima — data do século XV — € propria da Europa ocidental, nao existindo na Antiguidade nem nas sociedades africanas, asiiticas e americanas pré-colombianas. Mostram também que nao ¢ um fato natural, mas ‘uma cria¢ao humana, exigida por condigdes historicas determinadas. Sociélogos ¢ antropélogos mostram que a ideia de “raga” também é recente — data do século XVIII —, sendo usada por pensadores que procuravam uma explicacao para as dife rengas fisicas e culturais entre os europeus e os pavos que se tornaram conhecidos dos eu. ropeus a partir do século XIV, com as viagens de Marco Polo, e do século XV, com as Grandes Navegagées ¢ as descobertas de continentes ultra Marco Poo (1252-324) mereadoreexporador ve: nexano.O relat expedicoes pelo foipor muito tempo uma das poucas informacdes Aatitude clentifica | Gu Ao que parece, ha uma grande diferenga entre nossas certezas cotidianas € 0 mento cientifico, Como e por que essa diferenga existe Caracteristicas do senso comum OSS ee } so subjetivos, isto &, exprimem sentimento riando de uma pessoa © opinides individuals e de grupos, va 2 outra, ou de um grupo para outro, dependendo das condi: por exemplo, se eu for artista, ve eu for marceneira,a qu da madeira; se estiver passeando sob o sol, a sombr: descansar; se for boia-fria, os frutos que devo colher para ganhar o meu dia, Se e hindu, uma vaca serd sagrada para mim; se for dona de um frigorifico, estarei i da na qualidade e na quantidade de carne que poderei vender } por serem subjetivos, levam a uma avaliagao qualitativa das coisas conforme as efeitos que produzem em nossos érgios dos sentidos ou conforme os desejos que despertam em nds eo tipo de finalidade ou de uso que Ihes atribuimos, ou seja, as coisas sao jul gadas por ‘grandes ou pequenas, doces ou azedas, pesadas ou leves, novas ou velhas, belas ou felas, quentes ou frias, Uteis ou intteis, desejaveis ou indesejaveis, coloridas ou sem cor, com sabor, odor, proximas ou distantes, ete upam:se ou distinguem-se c nites. Ea s € 0s fatos nos parecam semelhantes oudife sim, por exemplo, que julgamos serem fatos diferentes um corpo que cal e uma pena que flutua no ar; -} sdo individualizadores, isto é, cada coisa ou cada fato nos aparece como um individuo distinto de outtos por possuir quali 's que nos afetam de maneira diferente: a seda 6 macia, a pedra ¢ rugosa, o algodio é suave, o mel é doce, o fogo é quente, o marmore é frio, a madeira é dura, etc. mas também sio generalizadores, pois tendem a reunir numa s6 opiniao ou numa s6 ideia coisas e fatos julgados semelhantes: falamos dos animais, das plantas, dos seres humanos, dos astros, dos gatos, das mulheres, das criangas, das esculturas, das pintura das bebidas, dos remédios, etc oP em decorréncia das generalizagdes, tendem a estabelecer relagbe tre as coisas ou entre os fatos: “onde ha fumaca, ha fogo”; "quem tudo quer, tudo perde ‘dize-me com quem andas ete direi quem és"; a posicao dos astros determina o destino struada nao deve das pessoas; mulher mi ar banho frio; ingerir sal quando se tem tontura é bom para a pressio; mulher assanhada quer ser estuprada; menino de rua é delinquente, etc ‘} nao se surpreendem nem se admiram com a ferenca das coisas, mas, ao contrario, a admirac2o e o espanto se dirigem para o que sgularidade, constancia, repeti¢ao e di 6 imaginado como Unico, extraor isso, em nossa sociedade, a propaganda rio, maravilhoso ou miraculoso. Justamente por moda esto sempre inventando o “extraor dem a vé-la quase como magia, considerando que ambas — magia e investigacao clen: tifica — lidam com 0 misterioso, o oculto, o incompreensivel. Essa imagem da ciéncia como magia aparece, por exemplo, no cinema, quando os filmes mostram os labora: tOrios cientificos repletos de obj siveis, com luzes que acendem e apa 273 I Uwoise7 | Aciéncia gam, tubos de onde saem fumagas coloridas, exatamente como sao mostradas as caver nas ocultas dos magos. Essa mesma identificagio entre ciéncia e maj gia aparece num © 0 nome indica, mostra aos, telespectadores resultados cientificos como se fossem espantosa obra de magia, assim como exibe magos ocultistas como se fossem cientistas; rograma da televisio brasileira, Fantdstico, que, co prog a =} costumam projetar nas coisas ou no mundo sentimentos de anguistia e de medo diante do desconhecido. Assim, por exemplo, durante a Idade Média, as pessoas viam o demé: rio em toda parte e, hoje, enxergam discos voadores no espagd > por serem subjetivos, generalizadores, express6es de sentimentos de medo e angiistia e de incompreensio quanto ao trabalho cientifico, nossas certezas cotdianas €0 senso co mum de nossa sociedade ou de nosso grupo social cristalizam-se quais passamos a interpretar toda a preconceitos com os alidade que nos cerca e todos os acontecimentos Aatitude cientifica Caracteristicas gerais da atitude cientifica © que distingue a atitude cientifica da atitude costumeira ou do senso comum? Antes de mais nada, a ciéncia desconfia da veracidade de nossas certezas, de nossa adeséo imediata 8s coisas, da auséncia de critica e da falta de curiosidade. Por isso, onde vemos coisas, fatos e acontecimentos, a atitude clentifica vé problemas e abstdculos, aparéncias que precisam ser explicadas e, em certas casos, afastadas, 'm quase todos os aspectos podemos dizer que o conhecimento cientifico opde-se pon: to por ponto as caracteristicas do senso comum } objetivo, pois procuraasestruturas univer: sais e necessérias das coisas investigadas, € quantitativo, ou seja, busca medidas, padroes, critérios de comparagio e de ava liagao para coisas que parecem diferentes, Assim, por exemplo, as diferencas de cor sao explicadas por diferengas de um mes. mo padrao ou critério de medida, com: primento de onda luminosa; as diferencas de intensidade dos sons, pelo comprimen to de onda sonora: ~} € homogéneo isto 6, busca as leis gerais de funcionamento dos fenémenos, que sio ‘as mesmas para fatos que nos parecem diferentes. Por exemplo, a lei un wersal da gravitagao demonstra que a queda de uma pedra ea flutuagao de uma pluma sio mo vimentos que obedecem a mesma lei no {interior do campo gravitacional; ~}_ égeneralizador, pois retine individualidades sob as mesmas leis, os mesmos padroes ou critérios de medida, mostrando Posse a mesma estrutura, embora sejam sen: sorialmente percebidas como diferentes, Assim, por exemplo, a quiimica mostra que a enorme variedade de corpos decorre das inimeras combinacdes de um pequeno nt: mero limitado de elementos que compaem os corpos complexos; Edward H, White, astronauta norte -americano, lutuando na gravidade zero do espaco,em 3 de junho de 196s | ~} € diferenciador, pois nio reine nem generaliza por semelhancas aparentes, mas tingue entre os que parecem iguais, desde que obedecam a estruturas diferentes. A p lavra queljo parece ser a mesma coisa que a palavra inglesa cheese e a palavra frances: fromage, quando, na realidade, s4o muito diferentes, porque se referem a estruturas alimentares diferentes, 86 estabelece relagdes causais depois de investigar a natureza ou estrutura do fato es tudado e suas relagdes com outros semelhantes ou diferentes. Assim, por exemplo, um corpo nao cai porque é pesado, mas 0 peso de um corpo depende do campo gravitacio nal onde se encontra ~ 6 por isso que, nas naves espaciais, onde a gravidade 6 igual a ¥o, todos os corpos flutuam, independentemente do peso ou do tamanho; um corpo tem uma certa cor nao porque é colorido, mas porque, dey ndendo de sua composico aluz de uma determinada maneira, etc quimica e fisica, rele surpreende-se com a regularidade, a constancia, a frequéncia, a repeticao e a diferenca das coisas e procura mostrar que o maravilhoso, 0 extraordinario ou 0 “milagroso" si0 tum caso particular do que é regular, normal, frequente. Um ec racdo, a erupcio de um vuledo, embora excepcionais, ob pse, um terremoto, um, cem as lels da fisica. Pro dadelras para os fatos, cura, assim, apresentar explicacdes racionais,claras, simples opondo-se ao espetacular, ao magico e ao fantastico, > distingue-se da magia, A magia admite uma participagao ou simpatla secreta entre cot sas diferentes, que agem umas sobre outras por meio de qualidades ocultas econsiderao psiquismo humano uma forca capaz de igar-se a psiquismos superiores (planetarios, as- trais, angélicos, demoniacos) para provocar efeitos inesperados nas coisas e nas pessoas. \ndo Aatitude cientifica, ao contrario, opera um desencantamento ou desenfeiticamento do mundo, mostrando que nele nio agem forcas secretas, mas causas ¢ relacdes racionais ue podem ser conhecidas e que tais conhecimentos podem ser transmitidos a todos, 3 > afirma que. pelo conhecimento, 0 homem pode libertar-se do medo e das superstigées E deixando de projeté-los no mundo e nos outros, “> procura renovar-se e modificar-se continuamente, evitando a transformaco das teo tias em doutrinas e destas em preconceltos sociais,O fato cientifco resulta de um tra batho paciente e lento de investigagao e de pesquisa racional, aberto a mudancas, nao sendo nem um mistério incompreensivel nem uma doutrina geral sobre o mundo. Em seu livro Légica e filosofia das ciéncias oflésofo das ciéncias, Giles Gaston Gr escreve A ciéncia é uma forma sistematicamente organizada do pensament v0. (~) Da magia — considerada um conjunto de priticas destinado a aproveitar sobrenaturais ~, a ciéncia teria conservado uma aparéncia de mistérioe gn tual, trago que ainda hoje surpreende a maioria dos espiritos. Do feiticeiro ao clentista hhd apenas um pequeno passo, fil de tra ido considerados os “milagres” da ciéncia moderna. Quanto mais escapam aos nossos sentidos as forcas naturais das quais la se aproveita (ondas hertzianas, eletricidade, emiss6es eletrénicas), mais parece ela realizar os sonhos dos magicos.(.) A ciéncia, entretanto, apenas poder ser magia aos | clhos de espectadores, pois apenas se libertando da magia que a ciéncia propriamente | dita pode desenvolversse. O trabalho cientifico é metédico e sistematico Os fatos ou objetos cientificos nio sio dados empiricos espontineos de nossa experién 'uidos pelo trabalho da investigacao cientifica, Esta é um conjun nicas,realizadas com base em meétodos que cia cotidiana, mas si0 cor to deatividades intelectuais, experimentais e t Permitem e garantem que a principal marca da ciéncia seja 0 rigor 1 Uwoie7 | Aciéncia i separar os elementos subjetivos e objetivos de um fendmeno, construir o fendm : 0 como um objeto do conhecimento, controlavel,verificavel, inter pretavel e capaz de ser retificado ou corrigido por novas elaboragdes, bod demonstrar e provar 0s resultados obtidos du nte a investigagao, gracas ao rigor das relagdes definidas entre os fatos estudados; a demonstra verificara validade dos sultados obtidos, mas também para prever racionalme Vos fatos como efeitos dos jé estudado: “}relacionar com outros fatos um fato isolado, integrando-o numa explicacao racional Unificada, pois somente essa integracdo transforma o fendmeno em objeto cientifico, isto é, em fato explicado por uma teoria: ~} formular u Investigados, isto é, formular um conjunto sistematico de tos que expliquem ¢ interpretem as causas e 0s efeitos, as relagdes de dependéncia, identidade e diferenca ‘eoria geral sobre 0 conjunto dos fendmenos observados e dos fatos entre todas 0s abjetos que constituem o campo investigado. Por Isso, no livro acima citado, Gi inger nos diz que“o verdadeiro significado da ciéncia que a distingue de toda outra forma de nossa atividade civilizada, é 0 de ser um meétodo di pensamen Delimitar ou definir os fatos a investigar, separando-os de outros semelhantes ou di ferentes; estabelecer os pr cedimentos metadologicos para observaciio, experimentagao e verificagao dos fatos; construir instrumentos técnicos e condi¢des de laboratdrio especificas para a pesquisa; elaborar um conjunto sistemtico de conceitos que formem a teoria ge: menos estudados, que controlem e guiem o andamento da pesquisa, além de ral dos fen conhecidos: esses so os pré-requisitos para a constituigao de uma ciéncia e as e dda propria ciéneia, A ciéncia distingue-se do senso comum porque este ¢ uma opinio baseada em habi tos, preconceitos, tradigées cristalizadas, enquanto a primeira baseia-se em pesquisas, in: vestigagdes metédicas e sistemiiticas e na exigéncia de que as teorias sejam int namente rentes e digam a verdade sobre a realidade. A ciéncia € con! -cimento que resulta de um trabalho racional Que tipo de conhecimento é esse? Vem de Aristoteles a primeir: grande definicao do conhecimento clentifico: a ciéncia é uum conhecimento das causas e pelas causas, isto é, um conhecimento demonstrative. E vem do final do Renascimento e do inicio da filosofia mod: Galileu e Descartes, a ideia de que, além de conhecime conhecimento eficaz, isto &, capaz de permitir ao hom m no sé conhecer © mundo, mas também dominé-loe transformé-lo. 0 trabalho cientifico é sistemstico e por isso uma teoria cientifica é um sistema orde e coerente de proposigdes ou enunciados baseados ¢ am pequeno niimero de prin. cipios, cuja finalidade € descrever, explicar e prever do modo mais completo possivel um conjunto de fendmenos, oferecendo suas leis necessdrlas. A teoria cientifica permite que ‘uma multiplicidade empirica de fatos aparentemente muito diferentes sejam compreendi dos como semelhantes e submetidos as mesmas leis; vice-versa, permite compreender por que fatos aparentemente semelhantes so diferentes e submetidos a leis dere 277 ciéncia nahistéria | Cooma? | CAPITULO 2 A ciéncia na historia As trés principais concepcdes de ciéncia rés tém sido as principais concepgdes de cléncia ou de ideais de istoricamente, trés tém cientificidad Ph rista, que toma o modelo de objetividade da medicina g a racionalista, cujo modelo de objetividade é a matematica; a eda historia natural do século XVIk;¢ a construtivista, cujo modelo de objetividade advém da idela de razdo como conhecimento aproximativo. A concepeao racionalista — que se estende dos gregos até o final do século XVII — afirma que a ciéncia é um conhecimento racional dedutivo e demonstrativo como a ma tematica, portanto, capaz de provar a verdade necesséria e universal de seus enunciados € resultados, sem deixar nenhuma diivida, Uma ciéncia 6 a unidade sistematica de axiomas, postulados e definigdes, que determinam a natureza e as propriedades de seu objeto, e de demonstragdes, que provam as relagoes de causalid: fegem o objeto investigado. objeto cientifico é uma representacao intelectual universal, necesséria e verdadeira das coisas representadas, ecorresponde a propria realidade, porque esta é racionale inteligt vel em si mesma. As experiéncias cientificas sto realizadas apenas para verificar e confirmar as demonstragoes teéricas, e nao para produzir o conhecimento do objeto, pois este é conhe: cido exclusivamente pelo pensamento. 0 objeto cientifico é matematico, porque a realidade possu! uma estrutura matematica, ou, co 10 disse Galileu, “o grande livro da natureza esta escrito em caracteres matematicos ‘A concepcao empirista — que vai da medicina grega e Aristételes até o final do século XIX — afirma que a ciéncia é uma interpretacao dos fatos baseada em o rimentos que permitem estabelecer induces e que, ao serem completadas, oferecem a de finigao do objeto, suas propriedades e suas leis de funcionamento. A teoria cientifica resulta das observagoes e dos experimentos, de modo que a experiencia nao tem simplesmente a funcao de verificar e confirmar conceitos, masa de produzi-los. Eis por que, nesta concep¢ao, sempre houve grande cuidado para estabelecer métodos experimentais rigorosos, pois de- les dependia a formulacao da teoria e a defini¢ao da objetividade investigada Essas duas concepcdes de cientificidade possuiam o mesmo pressuposto, embora o rea- jizassem de manetras diferentes, Ambas consideravam que a teoria cientifica era uma expli cagdo e uma representacao verdadeira da propria realidade, tal como esta é em si mesma. A ciéncia era uma espécie de raio X da realidade. A concepgao racionalista era hipoté utiva, isto 6, definia o objeto ¢ suas leis ¢ disso deduzia propriedades, efeitos posteriores, previsdes. A concepgio empirista era tético-indutiva, isto é, apresentava suposigdes sobre o objeto, realiz fa observacdes ¢ expe- rimentos e chegava a definicao dos fatos, as suas leis, suas propriedades, seus efeitos poste- A concepsio construtivista — iniciada em nosso século — considera a cléncia uma sentacao da propria rea- construgao de modelos explicativos para a realidad e nao uma r s — um vindo do racionalismo, outro vindo lidade. 0 cientista combina dois procedimen do empirismo — ea eles acrescenta um terceiro, vindo da ideia de conhecimento aproxin tivo e corrigivel I Uwoioe7 | Aciéncla Como o racionalista, o cientista construtivista exige que o método he permita e Ihe ga ranta estabelecer axiomas, postulados, definicdes e deducoes sobre o objeto cientifico.Como o empirista, o construtivista exige que a experimentacao gule e modifique axiomas, postu: Jados, definigdes e demonstragdes. No entanto, porque idera o objeto uma construgdo Jogica-intelectual e uma construcio experimental feita em laboratério,o cientista nao espe- raque seu trabalho apresente a realidade em si mesma, mas ofereca estruturas e modelos de funcionamento da realidade, explicando os fendmenos observados. Nao espera, portanto, apresentar uma verdade absoluta, e sim uma verdade aproximada que pod modificada, abandonada por outra m: is adequada aos fendmenos, Sio tres as exigéncias de seu ideal de cientificidade 4. que haja coeré cia (isto 6, que nao haja contradig6es) entre os principios que orientam ateoria, 2, que os modelos dos objetos (ou estruturas dos fendmenos) sejam construidos com base na observagaio e na experimentacio, 3. queos resultados obtidos possam nao sé alterar os modelos construidos, mas ta alterar os préprios principios da teoria, corrigindo-a Diferencas entre a ciéncia antiga ea classica ou moderna uuando apresentamos os ideais de cientificidade, dissemos que tanto o ideal raciona lista como o empirista se iniciaram com os gregos. Isso, porém, nao s o XVII) de ciéncia sejam idénticas. nifica que a concepeao antiga e a clissica ou moderna (sécu Entre as jas diferengas, devemos mencion: a mais profunda:a ciéncia an ss naturais, sem jamals imagh tiga era uma ciéncia teorética, ou seja, apenas contemplava os ser nar intervirneles ou sobr eles por meios técnicas; a ciéncia cssica é uma ciéncia que visa nao ou técnica Francis Bacon dizia era’. 86 a0 conhecimento teérico, mas sobretudo a aplicagao priti sve tornar-nos senhores da natu fervir na natureza, de corthecé-la para ‘que’saber é poder’ Descartes escreveu que“acciéncia\ ciéneia clissica ou moderna nasce vinculada a ideia apropriar-se dela, para controki-la ¢ dominé-la. A ciéneia nao é apenas contemplagao da verda: de, mas é sobretudo o exercicio do poderio humano sobre a natureza. Numa sociedade em que o capitalismo esta surgindo e, para acumular 0 capital, deve ampliar a capacidade do trabalho humano para modificar e explorar a natureza, a nova ciéncia serd inseparavel da técnica Naverdade,émais correto falarem ‘tecnologia’ do que em técnica’ De fato,a técnica éum conhecimento empirico, que, gracas @ observacao, elabora um conjunto de receitas e priticas para agir sobre as coisas. Atecnologi porém, ¢ um saber teérico que se aplica praticamente. Por exemplo, um rel6gio de sol é um objeto técnico que serve para marcar horas seguindo 9 solar no céu, Um cronémetro, porém, é um objeto tecnoldgico: por um lado, sua construcdo pressupée conhecimentos teéricos sobre as leis do movimento (as leis do péndulo) @, por outro, seu uso altera a percepcio empirica e comum dos objetos, pois serve para medir aquilo que nossa percepcio nao consegue perceber. Uma lente de aumento é um objeto técni co, mas 0 telescopio e 0 microscépio sao objetos tecnologicos, pois sua construcio pressupée o conhecimento das le cientificas definidas pela éptica. Em outras palavras, um objeto é tec nolégico quando sua construga pressupde um saber clentifico e quando seu uso interfere nos resultados das pesquisas cientificas. A ciéncia moderna tornou-se inseparavel da tecnologia, ‘As mudancas cientificas imos até aqui duas grandes mudangas na ciénela. A prim® do racionalismo e do empirismo ao construtivismo cidade baseado na idela de que a ciéncia é uma represe sto é, de um ideal de cienti 278 279 Aciéncia nahistéria | Carnao2 | n si mesma, a um ideal de cientificidade baseado na ideia de que o objeto cientifico é 0 sobre a modo de um modelo construido e nao uma representaco do real, uma aproximag nncionamento da realidade, mas nio o conhecimento absoluto dela. A segunda mudanga refere-se a passage da cléncia antiga — teorética, qualitativa — a ciéneia classica ou moder- nna — tecnolégica, quantitativa, Por que houve tais mudangas no pensamento cientifico’ Durante certo tempo, julgou-se que a ciéncia (como a sociedade) evolui e progride. Evo: os XVIII e XIX —, mas muito aceitas pelas pessoas. Basta ver 0 lema da bandeira brasileira para percebe .0 sdo duas Ideas muito recentes — datam dos sé: lugdo e progres pessoas acham natural falar em “Ordem e Progresso As nocbes de evolucdo e de progresso partem da suposigao de que o tempo uma li nh nua e homogénea (como a imagem do rio, que vimos ao estudar a metafisic tempo seria uma sucesso continua de instantes, mon entos, fases, perfodos, épocas, que iriam se somando uns aos outros, acumulando-se de tal modo que o que acontece depois é © resultado melhorado do que aconteceu antes. Continuo e cumulativo, o tempo seria aperfeigoamento de todos os seres (naturais e humanos) Evolugao e progresso sao a crenca na superioridade do presente em relacdo ao passa do futuro em relagao ao presente, Assim, os europeus clvilizados seriam superiores aos afi ceanos e aos indios,afisica galilaico-newtoniana seria superior aristotélica,afisica quantica seria superior & de Galileu e a de Newton, Evoluir significa tornar-se superior e melhor do que se era antes. Pi nifica ir num rumo cada vez melhor na diregao de uma finalidade superior. Evolugao e progresso também supdem o tempo como uma série linear de momentos ligados por relacoes de causa e efeito, em que o passado & causa e o presente, efeito, vindo a tornar-se causa do futuro, Vemos essa ideia aparecer quando, por exemplo, os manuais de historia apresentam as “Influéncias” q acontecimento anterior teria tido sobre um outro, posterior. Evoluir e progredir pressupdem uma concepeio da histéria semelhante a que a biologia presenta quando fala em germe, semente ou larva. O germe, a semente ou a larva sio entes que contém em si mesmos tudo o que Ihes aconteceri, ou seja, 0 futuro ja est contide no Ponto inicial de um ser cuja histéria ou cujo tempo nada mais é do que o desdobrar ou 0 desenvolver pleno daquilo que ele ja era potencialmente. Essa ideia encontra-se presente, por exemplo, na distincio e subdesenvolvidos. Quando digo que um pais é ou est desenvolvido, digo que sei que al- cangou a finalidade a qual estava destinado desde que surgiu. Quando digo que um pais é re paises desenvolvidos ou esta subdesen /olvido, estou dizendo que a finalidade — que é a mesma para ele e para o desenvolvido — ainda nao fot, mas deverd ser alcangada em algum momento do tempo. Nao por acaso, as expressdes “desenvolvido” e “subdesenvolvido” foram usadas para substituir duas outras, tidas como ofensivas e agressivas: paises “adiantados" e paises “atrasados' isto 6, paises "evoluidos” e nic evoluides’, paises “com progresso” e “sem progresso’ Em resume, evolugio e progresso pressupdem continuidade temporal, acumulagdo causal dos acontecimentos, superioridade do futuro e do presente com relagao ao passado, existéncia de uma finalidade a ser alcangada, Supunha-se que as mi langas cientificas indi Desmentindo a evolucio e o progresso cientificos filosofia das ciéncias, estudando as mudancas cientificas, impds um desmentido as Idelas de evolugao.e progress. Isso no quer dizer que a filosofia das ciéncias viesse a fa larematraso e regressao cientifica, pois essas duas nogoes sao idénticas as de evolucao.e progresso, apenas com o sinal trocado (em vez de caminhar causal e continuamente paraa fren- ‘ontinuamente para trés). 0 que a filosofla das cléncias compreen: diferentes e descontinuos. te, caminhar-se-ia causal deu foi que as elaboragdes cientificas e os ideais de cientificidade s 1 Uwo12e7 | Aciéncia Quando, por exemplo, comparamos a geometria cléssica ou geometria euclidiana (que ‘opera com 0 espaco plano) ¢ a geometria contemporanea ou topoldgica (que opera com o espaco tridimensiona vvemnos que nio se trata de duas etapas ou de duas fases sucessivas da mesma ciéneia geométrica,e sim de duas geo! objetos, der etrias diferentes, com principios, conceitos, jonstracbes completamente diferentes. Nao hi ve evolugao e progresso de uma para outra, pois sao duas geometrias diversas e nao geometrias sucessiva: Quando comparamos as fisicas de Aristoteles, Galileu-Newton ¢ Einstein, nao estamos diante de uma mesma fisica, que teria evoluido ou progredido, mas diante de trés fisicas di ferentes, baseadas em principios, conceitos, demonstracdes, experimentacdes ¢ tecnologias completamente diferentes. Em cada uma delas,a ideia de natureza ¢ diferente; em cada uma delas os métodos empregados sio diferentes; em cada uma delas o que se deseja conhecer 6 diferente Quando comparamos a ciéncia da linguagem do século XIX (que era baseada nos dos de filologia, isto €, nos estudos da origem e da histéria das palavras) com a Linguistica contemporinea (que, como vimos no capitulo dedicado a linguagem, estuda estruturas), vemos duas ciéncias diferentes. E 0 mesmo pode ser dito de todas as ciéncias. Verificou-se, portanto, uma descontinuidade e uma diferenga temporal entre as teo rias clentificas como consequéncia nao de uma forma mais evoluida, ma melhor de is progressiva ou azer ciéncia, mas como resultado de difere truir os objetos cientificos, de elaborar os métodos e inve Bachelard criou a expressao ruptura epistemologica para explicar essa descontinuidade no conhecimento cientifico ntar tecnologias. © filésofo Gaston Rupturas epistemoldgicas m cientista ou um grupo de cientistas comegam a estudar um fendmeno empre- gando teorias, métodos e tecnologias disponiveis em seu campo de trabalho, Pouco a pouco, descabrem que os conceitas, os procedimentos, os instrumentos existen no explicam o que est2o observando nem levam aos resultados que esto buscando Encontram, diz Bachelard, um “obstculo epistemolégico $F oobstculo epistemol6gico, ocientista ou o grupo de cientistas precisam ter a coragem de dizer "ni" Precisam dizer“no’ & teoria existente e aos métodos e tecnologias istentes, realizando a ruptura epistemolégica Esta conduz a elaboracao de novas teorias, novos métodos e tecnologias, que afetam todo o campo de conhecimentos existentes. Assim, uma nova concepeao clentifica emerge, levando tanto a incorporar nela os conhecimentos anteriores quanto a afasté-los inteir, mud: mente, Isso significa que, para -asclentificas 6 felta de descontin Jogias que rompem com os antigos) mas também comporta continuilades, q dads (novas teorias, novos modelos, novas tecro- indo se cons dera que 0 novo foi suscitado pelo antigo e que parte deste ¢ incorporada por aquele Da mesma maneira, Granger propde que distingamos entre dois tipos de descontinu dades cientificas: uma exter eoutra interna je é externa quando ha um hiato radical entre uma situacao cient fica cadtica, em que os conhecimentos esto dispersos e sao inverificaveis, ¢ 0s 0 de uma disciplina cientifica cujos conc aos’. Essa disciplina ordenadora, rigorosa e sistematica no m 10s, métodos e técnicas conseguem "por ordem no a ciéncia anterior, apenas a reorganiza A descontinuidade ¢ interna quando, mantida uma mesma visio objetiva de um. po de fatos, teorias diferentes se sucedem no interior desse campo. No livro A ciéneia eas cién: clas, escreve Granger: Tomando o exemplo da mecénica, vemos que a mecénica da relatividade restrita esta em ruptura Oveferencial ‘0m a meciinica newtoniana classica, e isso ndo apenas em pontos isolados do espaca.e do tempo, que serve, digamos, de decoracao de fundo para uma E i Gaston Bachelard ioglacontemporanea. epistemologia: 3 280 Thomas Kuhn 281 dy Aclencia na cumio2 | ‘mecéinica, éfundamentalmente modificad a dos espa gos edi ‘G0, do movimento relativo do observador e do tempos passando a dependie, e observado. A velocidade da propagacao cio fendmeno luminaso torna-se, em compe! a constante universal absol ficagdes do sentido operate: nga do quadro da descrieéo dos fendmenos. rio dos c cos decorrem dessa mud Quando hé descontinuidade interna, nao ha, porém, ruptura total, pois, diz Gr ‘omo é mantida a mesma visao objetiva de um campo de fatos, a teoria anterior é incor porada como um caso particular (as vezes até diminuto) da nova teoria, mas universal. Ha Revolugées cientificas iversamente de Bachelard, o filésafo da ciéncia Thomas Kuhn considera que a his: t6ria da ciéncia é feita de descontinuidades e de rupturas radicais. Kuhn designa os ‘momentos de ruptura e de cria¢do de novas teorlas com a expressao revolugdo cien tifica, como, por exemplo, a revolugao copernicana, que substituiu a explicacao geocéntrica de Ptol Segundo Kuhn, um campo clentifico é criado quando métodos, tecnologias, formas de observacao e experimentacio, conceitos e demonstragdes formam um todo sistematico, eu pela heliocéntrica de Copérnico, uma teoria que permite o conhecimento de intimeros fendmenos. A teoria se torna um mo -adigma cientifico, O paradigma se torna 0 campo no qual delo de conhecimento ou um pi Kuhn usa a expresso ciéncia normal para referir-se ao trabalho cientifico no interior ncia trabalha normalmente, sem crises. de um paradigma estabelecido, Em tempos normais, um cientista, diante de um fato ou de tum fenémeno ainda nao estudado, 0 explica usando © modelo ou o paradigma cientifico existente, Em con raposigao a cléncia normal, ocorre a revolugdio cientifica. Uma revoluca0 cientifica acontece quando o cientista descobre que o paradigma disponivel nao consegue explicar um fenémeno ou um fato novo, sendo necessério produzir um outro paradigma, até entio inexistente e cuja necessidade nao era sentida pelos investigadores. Numa revolu- ‘20 cientifica, nao s6 novos fendmenos sao descobertos e conhecimentos antigos sio aban- donados, mas ha uma mudanca profunda na maneira de o cientista ver 0 mundo, como se passasse a trabalhar num mundo completamente diferente, A cléncia, portanto, nao caminha numa via linear continua e progressiva, mas por sal tos ou revolugdes. Assim, quando a ideia de préton-elétron-néutron entra na fisica, a de v rus entra na biologia, a de enzima entra na quimica ou a de fonema entra na lin paradigmas existentes sao incapazes de alcangar, compreender e explicar esses objetos fen indo a criagdo de novos modelos cientificos. ‘or que, entdo, temos a ilusdo de progresso e de evolucao? Por dois motives principals: 1. do lado do cientista, porque este sente que sabe mais e melhor do que antes, jé que © paradigma anterior nio Ihe permitia conhecer certos abjetos ou fendmenos. Como rabalhava com uma tradigao cientifica e a abandonou, tem o sentimento de que o pas: presente aberto por seu novo trabalho. Nao é ele, mas ade e, portanto, a diferenea temporal, Do lado do cientista, o progresso é uma vivéncia subjetiva: sado estava errado, era inferior: o filosofo da ciéncia que perc a descontin pe a ruptura 2, do lado dos nao cientistas, porque vivernos sob a ideologia do progresso e da evolucao, do“ novo" e do “fantastico”: Além disso, vemos os resultados tecnologicos das ciéncias: naves espaciais, computadores, satélites, fornos de micro-ondas, telefones celulares, cura de doengas julgadas incuraveis, objetas plisticos descartaveis, ¢ esses resultados tecnoldgicos sto apresentados pelos governos, pelas empresas e pela propaganda como ‘ignos do progresso” e nao da diferenga temporal. Do lado dos nao cientistas, 0 pro gresso é uma crenca ideolégica 1 Unease? cla 44, porém, uma razdo mais profunda para nossa crenca no progresso, Desde a Antigui dade, conhecer sempre foi considerado o meio n ais precioso eeficaz para combater o mi a supersticao eas crendices, Ora, no caso da modernidade, o vinculo entre ciéncia e api pritica dos conhecimentos (tecnologias) fez surgirem objetos que nao s6 facilitaram a v humana (meios di ransporte, de iluminagao, de comunicacao, de cultivo do solo, etc), mas aumentaram a esperanca d smédios, cirurgias, etc), Do ponto de vista dos resultados Priticos, sentimos que estamos em melhores condigdes que os antigos e por isso falamos Entretanto, Kuhn no co. Julga que evidentemente, nao se pode aceitar a velha ideia do progresso em que se supunha que, com po € o actimulo de conhecimentas, a ciéncia se aproximava cada vez mais isa totalmente a idela de um progresso cient © passar do t da verdade; mas pode-se falar em progresso toda vez que um novo paradigma ou uma nova teoria se mostram capazes de resolver um maior niimero problemas do que os anteriores ede fazer mais e melhores previsées do que eles. Falsificacao x revolucao \ ] imos que a ciéncia contemporanea ¢ construtivista, julgando que fatos e fendme. nos novos podem exigir a elaboracao de novos métodos, novas tecnologias e novas teorias Alguns filésofos da ciéncia, entre os quais Karl Popper, afirmaram que a reelabora¢a0 Cientifica decorre do fato de ter havido uma mudanga no conceito filoséfico-cientifico da verdade. Esta, como ja vimos, foi considerada durante muitos séculos a correspondéncia e. Vimos também que, no século XX, fol na entre conceitos, proposta uma teoria da verdade como coerén terior, o falso acontecia quando uma ideia nao correspondia & coisa que deveria representar adecontradigoes Na nova concepeao, o falso é perda da coeréncia de uma teoria, a existénc entre seus principios ou entre estes e alguns de conceitos. Popper afirma que as mudancas cientificas s4o uma consequéncia da concepeao da ver- dade como coeréncia teérica. E propde que uma teoria cientifica seja avaliada pela possibi de de ser falsa ou falsificada. A falsificagao pola na idela anterior da verdade como correspondéncia entre as ideias e as coisas. Ou seja, Popper considera que a antiga nocao de verdade nao serve para confirmar uma teoria — uma teoria se mantém confirmada gragas & sua coeréncia interna —, mas serve para refutar uma teoria, Kar Poppe (902-7994), Fotografia detathada da infancia de nosso Universo, quando este tinha apenas 380000 anos de idade, obtida por observatério da Nasa Esta imagem, divulgada em Fevereiro de 2003,6 uma versio detalhada da produzida pelo telescopio COBE, em 1992, confirmando a teoria do ig bang, 282 283 Para explicar essa diferenca tre confirmagao (ou verificacao) e refutacao (ou falsifica (0), Popper usa o seguinte ex so brancos" nao pode ser verificada ou confirmada porque nenhum ser humano jamais viu emplo: uma teoria cientifica que disser que “todos os cisnes ou vera todos os cisnes; todavia, basta que alguém veja um tnico cisne gro para re (ou falsificar) essa teoria. Uma ¢ ia formula hipétes Cn solver problemas ¢ as conserva até que sejam para refutadas ou falsficadas por algum fato. Essas hipoteses sdo verdades provisérias mantidas Uma teoria cientifica é boa, diz Popper, quanto mais aberta estiver a fatos novos que possam tornar falsos os principios e os conceitos em que se baseava. Assim, 0 valor de uma teoria nao se mede por sua verdade, mas pela possibilidade de ser falsa. A falseabilidade seria o critério de avaliagao das teorias clentificas e garantiria a ideia de progresso cientifico, pois que vai sendo corrigida por fatos novos que a falsificam, A maioria dos fil6sofos da ciéncia, entre os quais Kuhn, demonstrou o absurdo da posi¢a0, de Popper. De fato, dizem eles, jamais houve um tinico caso em que uma teoria pudesse ser falsificad: por fatos cientificos ou jamais houve um tinico caso em que um fato novo garan- tisse a coeréncia de uma teoria, bastando impor a ela mudangas totais. Cada vez que novos fatos provocaram verdadeiras e grandes mudangas teéricas, essas, mudangas nao foram feitas com o objetivo de "melhorar” ou “aprimorar” uma teoria exis: tente, mas com o objetivo de abandon .oF uma outra. O papel do fato cientifico nao é © de falsear ou falsficar uma teoria, mas o de provocar o surgimento de uma nova teoria erdadeira. £o verdadelro e nao o falso que gula o clentista, seja a verdade entendida como correspondéncia entre ideia e coisa, seja entendida con ‘oeréncia interna das ideias. Classificacdo das ciéncias éncia, no singular, refere-se a um modo e a um ideal de conhecimento que examina mos até aqui. Ciénetas, no plural, refere-se as diferentes maneiras de realizacao do ideal clentificidade segundo os diferent s fatos investigados e os diferentes métodos e tecnolo A primeira classificacao sistemtica das ciéncias de que temos noticia foi a de Aristote les, 8 qual jé nos referimos no inicio deste livro. 0 fildsofo grego empregou trés critérios para =} critério da auséncia ou presenga da ago humana nos seres investigados, levando a dis: Lingo entre as ciéncias teoréticas (conhecimento dos seres que existem e agem inde pendentemente da agao humana) e as ciéncias pri icas (conhecimento de tudo quanto existe como efeito das aces humanas); critério da imutabilidade permanéncia e ca mutabilidade ou movimento dos seres, invest adios, levando a distincio entre metafisica (estudo do Ser enquanto Ser, fora de qualquer mudanca),fisica ou ciéncias da natureza (estudo dos seres constituldos por matéria e forma e submetidos & mudanca ou ao movimento) e matematica (estudo dos seres dotados apenas de forma, sem matéria, Imutvels, mas existindo nos seres naturals e conhecidos por abstracao) critério da modalidade pratica, levando a distingao entre ciéncias que estudam a praxis (a.agao ética, politica e econdmica, que tem o préprio agente como fim) e as técnicas (a fabricagao de objetos artificiais 30 que tem como fim a producao de um objeta diferente do agente) Com pequenas variagdes, essa classificago fol mantida até o século XVII, quando entao técnicos. Apés esse periodo, a 0s conhecimentos se separaram em filosoficos, cientificos e filosofia tende a desaparecer nas classificacdes cientificas (é um saber diferente do cienti lelas desaparecem as técnicas, Das inimeras ssificagdes propostas, as ! mais conhecidas e utilizadas foram feitas por filsofos franceses ¢ alemaes do século XIX, jeto estudado, tipo de método empregado, tipo de baseando-se em trés critérios: tip resultado obtido, Desses critérios e da simplificagao feita sobre as varias classificagdes ante riores resultou aquela que se costuma usar até hoje =} ciéncias matematicas ou légico-matemiticas (aritrética, geomet, dlgebra, trigo mia pura, ete cografiafisica,paleon: +} cignciasnaturais (lisica, quimica, bologia, geologia, astronomi tologia, etc) } ciéncias humanas ou sociais (psicologia, sociologia, antropologia, geografia humana, economia, linguistica, psicanalise, arqueologia, historia, as ciéncias que conduzem a invengao de tecnologias para in -} ciéncias aplicadas (i ana e nas sociedades, como, por exemple, direito, enge tervir na natureza, na vida h Cada uma das cigncias subdivide-se em ramos especificos, com nova delimitacao do objeto e do método de investigacio. Assim, por exemplo, a fisica subdivide-se em me acistica, éptica, etc; a biologia, em botinica, zoologia,fisiologia, genética, etc. a psicolo- {gla subdivide-se em psicologia do comportamento, do desenvolvimento, psicologia clinica, psicologia social, etc. e assim sucessivamente, para cada uma das ciéncias, Por s vex mais especificas, & cada ciéncia subdividem-se em disciplinas ca medida que seus objetos conduzem a pesquisas cada vez mais detalhadas e especializadas, CAPITULO 3 As ciéncias humanas Sao possiveis ciéncias humanas de humana de conhecimento, a expresso “ciéncias humanas’ refere-se aquelas cién: E& Jeja evidente que toda e qualquer ciéncia é humana, porque resulta da ativida: rio ser humano como objeto. A situagao de tais ciéncias é muito cias que tém o p especial. Em primeiro lugar, porque sé apenas no século XIX. Até enta 1 objeto é bastante recente: 0 homem como objeto 1, tudo quanto se referia ao jentifico é uma ideia surgid pela filosofia, humano era estudad ticas e naturais esta Emse 1, porque surgiram depois que as ciéncias mat ‘vam constituidas e jd haviam definido a ideia de cientificidade, de métodos econhecimentos, cientificos, de modo que as cléncias humanas foram levadas a imitar e copiar o que aquelas ciéncias haviam estabelecido, tratando o homem como uma coisa natural matematizavel e experimentavel. Em outras palavras, para ganhar respeltabilidade cientifica, as disciplinas {das como ciéncias humanas procuraram estudar seu objeto empregando conceitos, meétodos e técnicas propostos pelas ciéncias da natureza. 284 Em terceiro lugar, por terem surgido no peri tae determinista da ciéncia, também procuraram tratar 0 objeto humano usandoos m hipotético-indutivos e experimentais de estilo empirista,e bus sais e universais para os fenémenos humanos. Como, entretanto, nao era possivel realiza transposicao integral e perfeita dos métodos, das técnicas e das teorias naturais pa tudos dos fatos humanos, as ciéncias humanas acabaram trabalhando por analogia com as ciénclas naturais e seus resultados tomnaram-se multo contestaveis e pouco cientificos. possibilidade de ciéncias Essa situacio levou muitos cientistas e filésofos a duvidar da que tivessem 0 homem como objeto. Quais as principais objecées feitas a possibilidade das jéncias humanas? } A ciéncia lida com fatos observaveis, isto 6, com seres ¢ acontecimentos que, nas con: digdes especiais de laboratério, sio objetos de experimentagio. Como observar-exper' ‘mentar, por exemplo, a consciéncia hun (Ou uma sociedade, objeto da sociolog ana individual, que seria o objeto da psicologia? 2? Qu uma época passada, objeto da historia? =} Acigncia busca as lels objetivas gerais, universais e necessarias dos fatos. Como estabe. lecer leis objetivas para o que ¢ essencialmente subjetivo, como o psiquismo humano? Pe particular, como ¢ 0 caso de uma so Como estabelecer leis universa a algo que é leis necessérias para o que acontece uma tinica vez, ciedade humana? Como estabele } A.ciencia opera por andlise (decomposicao de um fato complexo em elementos sim- ples) e sintese (recomposicao do fato complexo por selecao dos elementos simples, dis Como analisare sintetizar 0 psiquismo huma: no, uma sociedade, um acontecimento histérico? lida com fatos regidos la necessidade causal ou pelo principio do determ 6 capaz de criar fins \sao cientifica versal, O homem é dotado de razao, vontade e liberdai e valores, de escolher entre varias opcdes possivels, Como dar uma explica necessaria aquilo que, por esséncia, 6 contingente, pois ¢ livre e age por liberdade? =} Acigncia lida com fatos objetivos, isto é, com 0s fendmenos depois que foram purifca dos de todos os elementos subjetivos, de todas as qualidades sensivels, de todas as opt niges e todos os sentimentos, de todos os dacs afetivos e valorativos. Ora, humano 6 justamente o subjetivo, o sensivel,o afetivo, o valorativo, apinative. Como transfor- mé-1o em objetividade sem destruir sua principal caracterfstica, a subjetividade © humano como objeto de investigacao mbora as ciéncias humanas sejam recentes, a percepcao de que os seres humanos $30 diferentes das coisas naturais é antiga. Desse ponto de vista podemos dizer que, do sé- culo XV ao inicio do século XX, a investig igo do humano realizou-se de trés maneiras diferentes: 1. Periodo do humanisme: inicia-se no século XV coma ide! do homem como centro do Universo, prosseg renascentista da dignidade alos XVIe XVII com o estudo do homem como agente moral, politico e técnico-artistico, de trolar a natureza e a sociedade, chegando ao século XVIII quando surge a ideia de civil nado a dominar e con 40 que se aperfeicoa e progride temporalmente por artes, das técnicas e meio das instituigdes socials e politi 0d dos oficios. © humanismo nao separa homem e natureza, mas considera o homem um, sernatural diferente dos demais, manifestando iferenga como ser racionale livre agente ético, politico, tecnico e artistico 285 | Uwaize7 | Aciénc 2. Periodo do positivismo: inicia-se no século XIX com Augusto Comte, para quem a hu manidade atravessa trés etapas progressivas, indo da superstigao religiosa & m eA teologia para chegarfinalmente a ciéncia positiva, ponto final do progresso h Comte enfatiza a ideia do homem como um ser social e prope o estudo cientifico da sociedade: assim como ha uma fisica da natureza, deve haver uma fisi sociologia, que deve estudar os fatos humanos usando procedimentos, métodos e téc nicas empregados pelas ciéncias da natureza. ‘A concepcao positivista no termina no século XIX com Comte, mas seré uma =, ge Bar eres pecstbes ae TTT Gave oUfee so a ‘fal como consciéncia, mas como comportamento observdvel que pode ser tratado com 0 método experimental das ciéncias naturais. A sociologia positivista (iniciada por Comte ancés Emile Durkheim) estuda a sociedade como Emile Durkheim 838-1917) soclogo e desenvolvida como ciéncia pelo fato afirmando que o fato social deve ser tratado como uma coisa & qual sio aplicados 6s procedimentos de analise e sintese criados pelas ciéncias naturais. Os elementos ou ‘Stomos sociais sao 0s individuos, obtidos por via da analise; a relagdes causais entre os individuos, recompostas por via da sintese, constituem as instituigdes sociais (familia, trabalho, religiao, Estado, etc). 3. Periodo do historicismo: desenvolvido no final do século XIX e inicio do século XX por Dilthey, filésofo e historiador alemao. Essa concepeio, herdeira do idealismo alemao ant, Fichte, Schelling, Heg el. insiste na diferenca profunda entre homem e natureza, centre ciéncias naturais e humanas, chamadas por Dilthey de “ciéncias do espirito ou da cultura’, Os fatos humanos sie hist6ricos, dotados de valor e de sentido, de signifi cagio e finalidade e devem ser estudados com essas caracteristicas que os distinguem dos fatos naturals. As ciéncias do espirito ou da cultura ndo podem e nao devem usar 9 método da observacio-experimentacao, mas devem criar 0 método da explicacao e bt compreensio do sentido dos fatos humanos, encontrando a causalidade historica que 0 fato humano é histérico ou temporal: surge no tempo e se transforma no tempo. Em cada época histérica, os fatos psiquicos, socials, politicos, religiosos, econdmicos, técnicos & risticos possuem as mesmas causas gerais, o mesmo sentido e sey levendo ser compreen .didos, simultaneamente, como particularidades histéricas ou “visdes de mundo” especificas ou autonomas e como etapas ou fases do desenvolvimento geral da humanidade, isto uum processo causal universal, que é 0 progresso. O historicismo resultou em dois problemas que nao puderam ser resolvidos por seus adeptos: o relativismo (numa época em que as ciéncias humanas buscavam a universalidade de seus cone los} ea subordinacdo a uma filosofia da histéria (numa época em queas ciéncias humanas pretendiam separar-se da filosofia). Relativismo: as leis cientificas sio validas apenas para uma determinada época e cultu- salizadas. Filosofia da histéria: os individuos humanos e as insti ra, ndo podendo ser univ) tuigdes socloculturais s6 so compreensivels se seu estudo cientifico subordinar-se a uma teoria geral da historia que considere cada formacao sociocultural, seja como “viséo de mun: do” particular, seja como etapa de um processo histérico universal. Para escapar dessas consequéncias, o socidlogo alemao Max Weber propés que as cién. cias humanas — no caso, a sociologia e a economia — trabalhassem seus objetos como tipos ideais e nao como fatos empiricos. © tipo ideal, como o nome indica, oferece construcdes res observaveis. “ira conceituais puras, que permitem compreender e interpretar fatos particul Assim, por exemplo, o Estado se apresenta como uma forma de dominagao social e politica sob varios tipos ideais (daminacao carismatica, dominagao pessoal burocratica, etc), caben: do ao cientista verificar sob qual tipo encontra-se 0 caso particular investigado. 286 Zz ‘6 287 Asciéncias humanas. | Carmo’ GGarotafotografada por Robert Capa em Barcelona, durantea Guerra Civil Espanhola, em 1939, 0s fatos humanos so histéricos, dotados de valor ede sentido, de sigificagio efinalidadee deve ser estudados com essas caractersticas que os distinguem os fatos naturas, Fenomenologia, estruturalismo e marxismo constituigdo das ciénelas humanas como cléncias especificas consolidow-se a parti das contribuigoes de trés correntes de pensamento, que, entre 0s anos 20 e 50 d século XX, provocaram uma ruptura epistemolégica e uma revolucio cientifica n campo das humanidades. A contribuigao da fenomenologia Como vimos em varios momentos deste livro, a fenomenologia introduziu a nogio d esséncia ou significaco como um conceito ue permite diferenciar internamente uma rea lidade de outras, encontrando seu sentido, sua forma, suas propriedades e sua origem. Dessa maneira, a fenomenologia comecou por permitir que fosse feita a diferenca rige rosa entre a esfera ou regiao da esséncia “natureza’ ea esfera ou regido da esséncia "hom A seguir, permitiu que a esfera ou regiao “homem’ fosse internamente diferenciada em es séncias diversas: 0 psiquico,o social, o histérico, o cultural, Com essa diferenciagao, garanti as cléneias humanas a validade de seus projetos campos cientificos de investigacio: psico logia, sociologi st6ria, antropologia,linguistica, economia, (Qual a diferenca entre a perspectiva positivista e a fenomenolégica? Dois exemplos po dem ajudar-nos a comprec Recusando a perspectiva metafisica, q se referia ao psiquico em termos Interioridade, a psicologia volta-se para o estudo dos fatos psiquicos dir nente observa veis, Ao radicalizar essa concep¢ao, a psicologia positivista fazia do psiquismo uma soma d elementos fisico-quimicos, anatomicos efisiolégicos, de sorte que nao havia, proprian falando, um objeto cientifico denominado"o psiquico”, mas efeitos psiquicos de causa Psiquicas (fisicas, quimicas,fisiolégicas, anatémicas) Por isso, a psicologia considerava uma ciéncia natural préxima da biologia, tendo coma objeto o comportamento ental fato externo, obse vel e expert Ao contririo,a psicologia como ciéncia humana do psiquismo tornou-se par Ur do momento em que um conjunto de fatos nos e externos ligade . (sensacao, percepcao, motricidade, linguagem, etc) puderam ser definidos cot significagao objetiva propria. Recusando a perspectiva da filosofia da historia, que considerava etapas culturais e civilizatorias de um 1cess0 histérico universal, a sociolog’ “ eet para o estudo dos fatos sociais observaveis, Inspirando-se nas ciénci naturais, a sociologia jade uma soma de ages individuais e tomava o individue como ot positivista fazia da elemento observavel e causa do social, de sorte que n sociedade como um objeto e dita, mas um efeito de agdes psicol6gicas dos individuos. ite do psiquico — e como ou uma realidade propriam ente a defini¢ao do social como algo essencialmente difer 9 a mera soma de agdes individuals — permitiu o surgimento da no sen iologia como ciéncia propriamente dita Em resumo, antes da fenomenologia, cada uma das cléncias humanas desfazia seu ob- jeto num agregado de elementos de natureza diversa do todo, estudava as relagées causais a como explicagao e lel de seu objeto de in: \enologia garantiu as ciéncias humanas a existéncia e ede vestigacao, specificida: Acontribuigdo do estruturalismo Cestruturalismo permitiu que as ciéncias humanas criassem métodos especificos para o estudo de seus abjetos,livrando-as das explicagdes mecinicas de causa e efeito sem que por isso tivessem de abandonar a ideta de lel clentifica A concepcio estruturalista velo mostrar que os fatos humanos assumem a forma de estruturas, isto &, de sistemas que criam seus préprios elementos dando a eles sentido pela posicdo e pela fungao que ocupam no todo. As estruturas sio totalidades organizadas se gundo principios internos que lhes sio préprios e que comat jam seus elementos ou partes, modo de funcionamento e sts possibilidades de transformacao temporal ou hist6rica Nel isoliveis, mas um prineipio ordenador, diferenclador e transformador. Uma estrutura é uma las, todo nao é a soma das partes nem um conjunto de relagdes causais entre elementos totalidade dotada de sentido, Jivim 1 nogio de estrutura quando, nos capitulos d 0, erimos a teorla da percepcio, formulada pela psicologia da gestalt ou da forma, bem la linguistica contemporinea. Apés a psicologia imeira das ciéncias humanas a se transform fundamente, gragas a idela de estrutura e ao método estrutural, foi a antropologia social. Esta péde mostrar que, ao contrario do que pensava a antropologia positivista, as chamadas elapaa 10 da historia social da hu: sociedades primitivas” nao eram u manidade, mas uma forma objetiva de organizar as relagbes sociais de modo diferente do D antropé 6vi-Strauss, por exemplo, mostrou que as estruturas dessas sociedades sio basea rincipio do valor ou da equivaléncia, que permite a troca e a circulagao de certos seres de maneira a constituir o todo da sociedade, organizando todas as. relagdes sociais: a troca ou circulagao das mulheres (estrutura do parentesco como sistema social de aliancas), a troca ou circulagio de objetos especiais (estrutura do dom como siste ma social da guerra e da paz) ea troca ¢ circulagao da palavra (estrutura da linguagem como sistema do poder religioso e politico). 0 modo como cada um desses sistemas ou estruturas parciais se organiza e se relaciona com os outros define a estrutu geral e especifica de u sociedade “primitiva’, que pode, assim, ser compreendida e explicada cientificamente Acontribuigdo do marxismo 0 marxismo permitiu compreender que os fatos humanos sao instituigdes sociais ¢ his L6ricas produzidas nao pelo espirito e pela vontade livre dos individuos, mas pelas condigdes ‘objetivas nas quais a ago e o pensamento humanos devem realizar-se. Levou a compreen: der que os fatos humanos mais origindrios ou primirios so as relagdes dos homens com a s relagdes so as de trabalho, dando origem as primeiras instituigées sociais: familia (divisio sexual do trabalho), pastoreio e agricultur {divisao social do trabalho), troca e comércio (distribuicao social dos produtos do trabalho}. 288 289 Assim, as primetras instituigdes sociais sao econdn cria ideias e sentimentos, valores e simbolos aceito: as instituigdes assim criadas, Também para conservé-la poder que sustentem (pela forca, pelas ar lores-simbolos produzidos. essa maneira, o marxismo perm ¢0es necessérias entre o plano psicolégico e o social da existéncia h econdmico eo dus instituicdes socials e politicas; entre todas praticas que uma sociedade produz Gracas a0 marxismo as ciéncias humanas puderam compreender que as mudangas historicas nao resultam de agdes stibitas e espetaculares de alguns individuos ou gru individuos, mas de lentos processos sociais, econdmicos e politicos baseados na forma ass mida pela propriedade dos meios de producao e pelas relacdes de trabalho. A materialidade "ida social e da espiritualidade e os da existéncia econémica comanda as 04 rocessos hist6ricos abrangem todas elas. Enfim, 0 marxismo trouxe como grande co} a histéria a interpretagao dos fenomenos humanos como expressdo e resultado de contra digdes sociais, de lutas e conflitos sociopoliticos determinados pelas relacdes econdmicas baseadas na exploragio do trabalho da maioria pela minoria de uma sociedade. Em resumo, a fenomenologia permitiu a definicao ea delimitacao dos objetos das cién- itiu uma metodologia que chega as leis dos fatos hi ribuigao a sociologia, 3 ciéncia politica e clas humanas; o estruturalismo perm manos sem que seja necessario imitar ou copiar os procedimentos das ciéncias naturais; 0 marxismo permitiu compreender que os fatos humanos sio historicamente determinados e que ahistoricidade, longe de impedir que sejam conhecidos, garante a interpretacao racio- nal deles e o conhecimento de suas leis, Com essas contribuigdes, que foram incorporadas de maneiras muito diferenciadas pe las varias ciéncias humanas, os obsticulos epistemol6gicos foram ultrapassados e foi possi vel demonstrar que os fenémenos humanos sao dotados de sentido e significacao, sdo his téricos, possuem leis proprias, sao diferentes dos fendmenos naturais e podem ser tratados cientificamente Os campos de estudo das ciéncias humanas Psicologia w} estudo das estruturas, do desenvolvimento das operagdes da mente humana cla, vontade, percepcao, linguagem, memsria, imaginacdo, emogdes) > estudo das estruturas e do desenvolvimento dos comportamentos humanos ¢ animais, wd estudo das relagdes intersubjetivas dos individuos em grupo e em sociedade, “Pesto das perturbacdes (patologias) da mente humana e dos comportamentos huma: nos e animais Sociologia -} estudo das estruturas socials: origem e forma das sociedades, tipos de organizacdes so- ciais, econdmicas e politicas; estudo das relagdes sociais e de suas transfor -} estudo das instituigdes sociais (origem, forma, sentido). eee | Uwowoe7 | A-iéncla Economia =} estudo das condigdes materiais aturais e socials) de produgao e reprodugio da rique- za, de suas formas de distribuigao, circulagao e consume; =} estudo das estruturas produtivas — relagdes de producd forcas produtivas — segun- do o critério da divisio social do trabalho, da forma da propriedade, das regras do mer: cado ¢ dos ciclos econémicos; s-} estudo da origem, do desenvolvimento, das crises, das transformaces. das formas econdmicas ou modos de pr Antropologia ‘=P estudo das estruturas ou formas culturais em sua singularidade ou particularidade, isto 6,como diferentes entre si por seus principios internos de funcionamento e transfor: magio, A cultura é entendida como modo de vida global de uma sociedade, incluindo religido, formas de poder, formas de parentesco, formas de comunicacao, organiza¢ao da vida econémica, artes, técnicas, costumes, cren¢as, formas de pensamento e de com portamento, etc =} estudo das comunidades ditas “primitivas’ isto é, tanto das que desconhecem a divisio, social em classes ¢ recusam organizar-se sob a forma do mercado e do poder estatal quanto daquelas que ja iniciaram 0 processo de divisao social e politica Historia -} estudo da génese e do desenvolvimento das formagdes socials em seus aspectos econ: micos, sociais, politicos e culturais; =} estudo das transformagées das sociedades e comunidades como resultado e expressio de conflitos, uta contradigoes internas as form estudo das transformagdes das sociedades e comunidades sob o Impacto de aconteci mentos politicos (revolugées, guerras civis, conquistas territoriais), econémicos (crises, inovagées técnicas, descobertas de novas formas de exploracio da riqueza ou proce- dimentos de produgio, mudangas na divisio social do trabalho), sociais (movimentos sociais, movimentos populares, mudangas na estrutura e organizacéo da familia, da educagao, da moralidade social, etc) e culturais (mudancas cientificas, tecnol6gicas, ar Usticas,flosoficas, éticas, religiosas, etc): =} estudo dos acontecime' ram ou determinam a preser vaso ou a mudanca de uma formagio social em seus aspectos econémicos, politicos, sociais e culturals (0s que, em cada caso, determ =} estudo dos diferentes suportes da meméria coletiva (documentos, monumentes, pin: ‘uras, fotografias, filmes, moedas, lipides funerdrias, testemunhos e relatos orais e es critos, etc). Linguistica ~} estudo das estruturas da linguagem como sistema dotado de principios internos de funcionamento e transformacao; =} estudo das relagdes entre lingua (a estrutura) ¢ fala ou palavra (o uso da lingua pelos falantes) “> estudo das relagdes entre a ling outros sistemas de comunicaga Juagem € 0s outros sistemas de signos e simbolos ou tnografia: todo ut: Tzado pele antropoto nocstudo descritvo das Adversas etnias de suse Caractristics antropoé peas socins ete Pode-se tizer que as anotagbes, detainadas da oosenagio do pesquiador const tnologa: na antropol levartados ela etnogtafia 291 O ideal centficoea razdo instrumental | Casrao4 | Psicandlise -} estudo da estrutura e do funcionamento do inconsciente e de suas relagdes com o cons: ciente } estudo das patologias ou perturbagdes inconscientes e suas expressbes conscientes (neuroses e psicoses). Devemos observar que: =} cada uma das cléncias humanas subdivide-se em varios ramos, definidos pela especi ficidade crescente de seus objetos e métodos. Assim, podemos falar em psicologia so cial, clinica, do desenvolvimento, da aprendizagem, da crianga, do adolescente, ete. Ou em sociologia politica, do trabalho, rural, urbana, econdmica, etc. Também podemos falar em historia econdmica, politica, oral, social, etc. Ou levar em consideracao que a antropologia depende de investigacées feitas pela etnografia e pela etnologia ou pela arqueologia, assim comoa linguistica trabalha com a fonologia, a fonética, a gramatica, a semantica, a sintaxe, et =} embora com campos e métodos especificos, as ciéncias humanas tendem a apresentar ados mais completos ¢ satisfatérios quando trabalham interdisciplinarmente, de modo a abranger os multiplos aspectos simultaneos e sucessivas dos fendmenos estudados } os desenvolvimentos da linguistica, da antropologia e da psicanalise suscitaram o apa recimento de uma nova disciplina ou interdisciplina cientifica: a semiologia, que das diferentes sistemas de signos e simbolos que constituem as miltiplase diferentes formas de comunicagao. 0 desenvolvimento da semiologia conduziu a idela de que sig nos e simbolos sao aces e praticas sécio-historicas, sto é, esto referidos as relagbes so ciais e as suas condigdes histéricas, cada sociedade e cada cultura constituindo-se como um sistema que integra e totaliza varios subsistemas de signos e simbolos (linguagem, arte, religiio, instituigées sociais e politicas, costumes, etc). Varios estudiosos propuse: ram que 0 método das ciéncias humanas fosse capaz de descrever e interpretar esses subsistemas ¢ o sistema geral que os unifica, ESse método é a semidtica, tomada como ‘metodologia propria as ciéncias humanas e capaz de unificé-las. CaPiTULO 4 O ideal cientifico e a razao instrumental O ideal cientifico percurso que fizemos no estudo das ciéncias evidencia a existéncia de um ideal jclentifico: embora continuidades e rupturas marquem os conhecimentos cientifi cos, ciéncia é confianga que a cultura ocidental deposita na razéo como capacida de para conhecer a realidade, mesmo que esta, afinal, tenha de ser intelramente construida pela propria atividade racional ere peor | Uwoise7 | Aciéne [A logica que rege 0 pensamento cientifico contemporaneo esta centrada na ideia de Jemonstrago e prova, baseada na definigio ou construcao do objeto do conhecin suas propriedades e funcaes e gbes de analise, sintese e interpretacio. A ciét ia posigao do sujeito do conhecimento, por meio das opera ia conte funda-se fe sujeito e objeto do conhecimento, que permite estabelece: objetividade, isto é, de independéncia dos fendmenos em relagao ao sujeito que conhe na idela de método como um conjunto de regras, normas e procedimentos gerais, que servem para definir ou construir 0 objeto para oautocontrole do pensamento durante esta, para a confirmacio ou falsificagao dos resultados obtidos. A a investigagao e, ideia de método tem como pressuposto que o pensamento obedece universalmente a certos principios internos — identidade, nao contradi¢ao, terceiro exclutdo, razao sufi- ite — dos quais dependem o conhecim: jee a exclusio do falso. A ver dade pode ser compreendida seja como correspondéncia necesséria entre os conce i to da verd ea realidade, seja como coeréncia interna dos préprios conceitos, .as operacdes de anilise e sintese, isto &, de passagem do todo complexo as suas partes, constituintes ou de passagem das partes ao todo que as explica e determina. O obje to cientifico € um fendmeno submetido a andlise e asi observados ou constroem a propria entidade objetiva como um campo de relacdes in screvem 0s fatos ternas necessérias, ou seja, uma estrutura que pode ser conhecida em seus suas propriedades, suas fungdes e seus modos de permanéncia ou de transformacio; } na ideia de lei do fendmeno, isto 6, de regularidades e constancias universais e neces sérias, que definem 0 modo de ser e de comportar-se do objeto, seja este tum campo separado dos demais, s de realidade, A lei cientifica define o que 1m suas relacdes com outros abjetos ou campos 0 fato-fendmeno ou 0 objeto construido pe las operades cientificas. Em outras palavras,a lei cientifica diz como o abjeto se cons titui, como se comporta, por que e como permanece, por que € como se tra sobte quais fendmenos atua e de quais sofre ago. A lel define o objeto segundo um sis ‘ema complexo de relagdes necessarias de causalidade, complementaridade, inclusio e tar as ideias de exclusdo, A ideia de lei visa marcar o carter necessario do objeto e af acaso, conting pletamente deter cla, Indeterminacio, oferecendo 0 objeto como co minado pelo pensamento ou completamente conhecido ou cognoscivel. no uso de instrumentos tecnolégicos e nao simplesmente téenicos. Os instrumentos técnicos so prolongamentos de capacidades do corpo humano e destinam-se a aumenté-las na relagao do nosso corpo com © mundo. Os instrumentos tecnolégicos so ciéncia cristalizada em objetos materia nada possuem em comum com as icidades e aptidoes do corpo humano; visam intervir nos fenémenos estudados e mesmo construir 0 préprio objeto cientifico; destinam-se adominar transformar o mundo e nao simplesmente a fa cilitar a relacio do homem com 0 mundo. A tecnologia con fere a cléncia precisio e controle dos resultados, aplicagao pritica e interdisciplinaridade. “na criagao de uma linguagem especifica e propria, distante linguagem cotidiana e da linguagem literdria. A ciéncia procura afastar os dados qualitativos e perce dios objetos ou dos fendmenos para guardar ou construit apenas seus aspectos quantitativos e relacionais. Técnica de clona gem de genes em Taboratério da Unesp de aboticabal (SP, ‘onde se encontra @ bbancade genes do Projeto Genoma. As amostras de clones Si inoculadas em placas de crescimento coma finalidade de extragiode DNA, A pesquisa procura combatera doenca do amarelinho que ataca ‘lavoura da laranja 293 Odea clentiicoearazdo instrumental | Cammuod | A linguagem cotidiana ea literéria sao conotativas e polissémicas, 0 que signific nelas as palav 0s simultaneos, subentendidos, ambi fas possuem muiltiplos ignifica des e exprimem tanto o sujeito quanto as coisas, ou sea, primem as relacées vividas entre o sujeito eo mundo qualitativo de sons, cores, formas, odores, valores, sentimentos, etc. Nas ciéneias, porém, sons e cores s20 explicados como variacio no comprimento das ondas sonoras ¢ luminosas, observadas e medidas no laboratério. Valores e se explicados pelas anilises do corpo vivido e da consciéncia,feitas pela psicologia, pelas an ses da estrutura e organizacao da soci feitas pela soc Alinguagem cientifica destaca o objeto das relagdes co cia vivi li sem ambiguidades as leis do objeto. 0 simbolismo cientifico rompe com inguagem cotidiana construindo uma lin ativos, de significado tinico ¢ universal A ciéncia cons ou de uma combinatéria de estilo matemitico. ‘otidianamente e constr6i u 1m propria, con Justamente por serem estes os principais tracas do ideal cientifico, podemos compree! der por que existem os problemas epistemologicos examinados nos capitulos precedent ™m outras palavras, o ideal de cientificidade impoe as ciéncias critérios e finalidades que, quando impedidos de se concretizarem, forcam rupturas e mudangas teoricas profunt fazendo desaparecer campos e disciplinas cientificos ou levando ao surgimento de objetos, métodos, disciplinas e campos de investigacao novos Ciéncia desinteressada e utilitarismo do conhecimento desinteressado, afirma que valor de uma ciéncia encontra-se na qualidade, no rigor e na exatidao, na coeréncia e na verdade de uma teoria, independe remente de sua aplicagao pratica. A teoria cientifica vale Por trazer conhecimentos novos sobre fatos desconhecidos, por ampliar o saber humano sobre a realidade e nao por ser a quea ciéncia pode ser aplicada doconhecimento cientifico, jicavel na pratica. Em outras palavras, é por ser verdadeira a pratica, mas o uso da ciéncia € consequencia e nao causa A segunda concepcio, conhecida como urilitarismo, afirma, a0 contrario, que o valor de ‘uma ciéncia encontra-se na quantidade de aplicaces praticas que possa permitir. Eo uso ou que prova a verdade de uma teoria cientifica e Ihe 10 procurados para resolver problemas priticos e estes a utilidade imediata dos conheciment confere valor. Os conhecimentos determinam nao s6 0 aparecimento de uma ciéncia, mas também suas transformagdes no decorrer do tempo. As duas concepgdes so verdadeiras, mas parciais. Se uma teoria clentificafosse elaborada apenas por suas finalidades praticas imediatas, intimeras pesquisas jamais teriam sido feitas e ntimeros fenémenos jamais teriam sido conhecidos, pois, com frequéncia, os conhecimentos tedricos esto mais avangados do que as capacidades técnicas de uma época e, em geral, sua aplicagdo s6 é percebida e s6 ¢ possivel muito tempo depois de haver sido elaborada, No entanto, se uma teoria cientifica nao for capaz de suscitar aplicagOes, se ndo for ca paz de permitir 0 surgimento de objetos técnicos ¢ tecnoldgicos, instrumentos, utensilios, méquinas, medicamentos, de resolver problemas importantes para os seres humanos, entio seremos obrigados a dizer que a téc ea tecnologia sio cegas, incertas, arriscadas e per! .gosas, porque sio priticas sem bas a realidade, teoria e pritica cientifi cas estao relacionadas na concepcio moderna e contemporanea de cleéncia, mesmo que uma te6ricas segura possa estar mais avangada do que a outra. ss cn emcemmcnriecnins T Uwoioi7 | Aciéncia A distingao ea relacio entre ciéncia pura e ciéncia aplicada pode solucionar o impasse ou. 0confronto entre as duas concepgoes sobre o valor das teorias cientificas, garantindo, por tum lado, que uma teoria possa e deva ser elaborada sem a preocupagao com fins praticos imediatos, embora possa, mais tarde, contribuir para eles; e, por outro, garantindo o carater cientifico de teorias construfdas diretamente com finalidades praticas, as quais podem, por sua ver, suscitar investigagoes puramente teéricas, Pode-se dizer que sao problemas e dificuldades técnicas ¢ priticas que suscitam o de- senvolvimento de conhecimentos tedricos. Sabemos, por exemplo, que o quimico Lavoisier decidit estudar o fendmeno da combustao para resolver problemas econdmicos de ilumi: nagao da cidade de Paris, e que Galileu e Torricelli investigaram o movimento dos corpos no vacuo para resolver problemas de carregamento de grandes pesos nos portos e para respon. der uma pergunta dos construtores de fontes dos jardins da cidade de Florenca No entanto, o que sempre se verifica é que a explicacio cientifica e a teoria acabam. conhecendo muito mais fatos e relagdes do que o que era necessirio para solucionar o pro: blema pratico, de tal modo que as pesquisas te6ricas vao avangando ja sem a preocupagio prética, embora comecem a surgir ea suscitar, tempos depois, solucdes priticas para proble- mas novos. Assim, por exemplo, passou-se muito tempo até quea te Hertz levasse as técnicas de radiodifusdo. a eletromagnética de A ideologia cientificista 's0 comum, ignorando as complexas relagdes entre as teorias cientificas e as téc- s, entre ciéncia pura e ciéncia aplicada, entre teoria e pritica e entre verdade € utilidade, tende a identificar as ciéncias com os resultados de suas aplicagdes. Essa Identificagao desemboca numa atitude conhecida como eientificismo, isto é, a fusdo entre ciéncia e técnica e a ilusdo da neutralidade cientifica Examinemos brevemente cada um desses aspectos que constituem a ideologia da ci cla na sociedade contemporanea Ocientificismo Ocientificismo € a nnca infundada de que a ciéncia pode e deve conhecer tudo; que de fato, conhece tudo e é a explicacio causal das leis da realidade tal como esta é em si mes. ma. Ao contrério dos cientistas, que nao cessam de enfrentar obstaculos epistemol6gicos, problemas e enigmas, o senso comum cientificista redunda numa ideologia e numa mito: logia da ciéncia, Ideologia da ciéncia: crenga no progresso e na evolucao dos conhecimentos cientificos que, um dia, explicardo totalmente a realidade e permitirao manipulé-la tecnicamente, sem limites para a ago humana, Mi as coisas e os homens, dando-Ihe o lugar que muitos costumam dar as religides, isto é, um conjunto doutrindrio de verdades intemporais, absolutas e inquestionaveis. ia da ciéncia: crenga na ciéncia como se fosse magia e poderio ilimitado sobre A ideologia e a mitologia cientificistas encaram a ciéncia nio pelo prisma do trabalho do conhecimento, mas pelo prisma dos resultados (apresentados como espetaculares e mi: raculosos) e sobretudo como uma forma de poder social e de controle do pensamento hu- ‘mano. For esse motivo, aceitam a ideologia da competéncia, isto é, a ideia de que ha, na so- edade, os que sabem eos que nao saber, que os primeiros so competentes.e témo direito de mandar e de exercer poderes, enquanto os demais sdo incompetentes, devendo obedecer ser mandados. Em resumo, a sociedade deve ser dirigida e comandada pelos que “sabem” e os demais devem executar as tarefas que Ihes sdo ordenadas. | O ideal cemtificoea razio instrumental | Caro’ | Ailuséo da neutralidade da ciéncia Como ciéncia se caracteriza pela separacio e pela distingao entre 0 sujeito do conhec mento € 0 objeto e por retirar dos objetos do conhecimento os elementos subjetivos; como 8 procedimentos cientificos de observagio, experimentacdo e interpretacio procuram alcangar 0 objeto real ou o objeto construido como modelo aproximado do real; e, enfim. como os resultados obtidos por uma ciéncia nao dependem da boa ou ma vont. Uista nem de suas paixdes, estamos convencidos de que a ciéncia é neutra ou imparclal. Diz 8 razao 0 que as coisas sio em si mesmas. Desinteressadamente, No entanto, essa imagem da neutralidade cientifica ¢ ilusdria. Quando o cien! the uma certa definicao de seu objeto, decide usar um determinado método e espera obter \de do cien Certos resultados, sua atividade nao é neutra nem imparcial, mas feita por escolhas precisas. ‘Vamos tomar trés exemplos que nos ajudarao a esclarecer este ponto, 4. 0 racismo nao é apenas uma ideologia social e politica; é também uma teoria que se pretende cientifica, apoiada em observages, dados e leis conseguidos com a biologla, a Psicologia, a sociologia. E uma certa maneira de apresentar tais dados de modo a trans formar diferencas étnicas e culturais em diferencas bioldgicas naturais imutaveis e se- Parar 0s seres humanos em superiores ¢ inferiores, dando aos primeiros jus para explorar, dominar e mesmo exterminar os segundos. ativas 2 Por que Copémnico teve de esconder os resultados de suas pesquisas e Galileu fol for- sado a comparecer perante a Inquisi¢ao e negar que a Terra se movia em redor do So imenaitantiag | Porguea conceptoastondmicageoctntcr elaorada a angatiseel pecan Tctmatowads | area Romana mantivsses idea dequearealdae econstanie por ava hree como forma de de seres, que vao dos mais perfeitos — os celestes — aos mais imperfeitos — os infernals. registro dos povos entio chamados de —, tendo a Terra como ponto intermediario entre o celeste e o infernal. Essa posicao da primitivos. como Terra como ponto intermedirio servia de base para aafirmagao de que @ mesma fungio neste daguerrestipo pertencia a Igreja e que esta, portanto, estava mais préxima de Deus do que as outras Rea religiGes e que, no mundo cristao, ela ocupava um lugar mais alto do que os reis e os etna imperadores. Estes, por sua vez, na hierarquia de perfeicdo dos eres, estavam acima dos bardes e estes acima dos camponeses e servos. Se a astrono mia demonstrasse que a Terra nao é o centro do Universo € se a mecanica galilaica demonstrasse que todos os seres esto submetidos as mesmas leis do movimento, entio as hierar: uias celestes, naturais e humanas perderiam legitimidade fundamento, nao precisando ser respeitadas. Uma sociedade e uma concepeao do poder viram-se ameagadas por uma nova concepeao cientifica 3. Nosso terceiro exemplo pode ser dado com a antropo: logia. Durante muito tempo os antropélogos afirmaram que havia duas formas de pensamento cientificamente observaveis e com leis diferentes: © pensamento l6gico. aclonal dos civilizados (homens europeus brancos adul tos) e o pensamento pré-l6gico e pré-racional dos selva gens ou primitivos (africanos, indios,tribos australianas). © primeito era considerado superior, verdadeiro ¢ evo. luido; 0 segundo, inferior, falso, supersticioso e atrasado, cabendo aos brancos europeus “auxiliar’ os selvagens rimitivos"a abandonar sua cultura e adquirir a cultura ‘evoluida” dos colonizadores. Em outras palavras, uma ciéncia como a antropologia simplesmente exprimia ‘com conceitos e teorias o poder dos dominantes e legiti mava a dominagao colonial As condigées atuais da pesquisa e os grandes interesses em jogo © melhor caminho para perceber a impossibilidade de uma ciéncia neutra ¢ levar em consideracao 0 modo como a pesquisa cientifica se realiza em nosso tempo. Durante séculos os cientistas trabalharam individualmente (mesmo que possuissem auxiliares e discipulos) em seus pequenos laboratérios. Suas pesquisas eram custeadas ou Por eles mesmos ou por reis, nobres e burgueses ricos, que desejavam a gloria de patrocin: descobertas e as vantagens praticas que delas poderiam advir. Por sua vez, o senso comum. social olhava o cientista como inventor e génio, Hoje os cientistas trabalham coletivamente, em equipes, nos grandes laboratorios uni versitérios, nos dos institutos de pesquisa e nos das grandes empresas ti nsnacionais que Participam de um sistema conhecido como complexo indust jal-militar, As pesquisas sao financiadas pelo Estado (nas universidades e institutos), pelas empresas privadas (em seus laborat6rios) e por ambos (nos centros de investigacio do complexo industrial-militar) S30 pesquisa esultados que @ opiniao publica nem sempre conhece. Além disso, os cientistas de uma mesma area de investigagao lutam entre si porque competem por a fazer segredo de suas de: que exigem altos investimentos econdmicos e das quais se esperam ut8os e financiamentos, e tendem ‘obertas, pois dependem delas para con: -guir fundos e vencer a competi¢ao com outros. Sabemos, hoje, que a maioria dos resultados cientificos que usamos em nossa vida cot diana — méquinas, remédios, fertilizantes, produtos de limpeza e de higiene, materiais sin téticos, computadores ~ tiveram como origem investigacoes militares ¢ peticdes econémica: ratégicas, com \des empresas transnacionais e competigdes politicas entre grandes Estados. Muito do que usamos em nosso cotidiano bacteriolégicas e espaciais, tre g rovérn de pesquisas nucleares, O senso comum social, agora, vé o cientista como engenheiro e mag em roupas bran: ‘cas no interior de grandes laboratorios repletos de objetos incompreensiveis, rodeado de outros cientistas, fazendo calculos misterlosos diante de dezenas de computadores, 1 Oo cientista como membro de uma eq na visio anterior — 0 clentista como inventor e génio solitario — quanto na atual ipe de engenheiros e m: ciéncia desligada do contexto das condigdes de sua realizacio ede suas finalidades. Eis por que tende a acreditar na neutralidade clentifica, na idei que o tinico compromisso da ciéncia é 9 conhecimento verdadeito e desinteressado e a solucio correta de nossos problemas A ideolog Cientificista usa essa imagem idealizada para consolidar a da neutralidade dissimulando, com isso, a origem ea finalidade da maioria das pesquisas, destina- dasa controlar a natureza ea sociedade segundo os inte financiamentos dos laboratérios, cientifica sses dos grupos que dominam os Arazio instrumental P...... uma ideologia e uma mitologia da ciéncia? A Escola de Frankfurt e a razdo instrumental Quando estudamos a teoria do conhecimento, examinamos a nocio de ideologla como logica social imaginéria de ocultamento da re lidade historica, Ao estudarmos o nascimento da filosofia, examinamos a diferenga entre mythos e l6gos, isto é entre a explicacao antropo- 'meérfica e magica do mundo e a explicacdo racional. Quando estudamos a razio, vimos que alguns filésofos alemaes, reunidos na Escola de Frankfurt, descreveram a racionalidade oci lental como instrumentalizagao da razao. Se reunirmos esses varios estudos que fizemos até ‘aqui, poderemos responder a pergunta sobre a ideologizacao ¢ a mitologizacao da ciéncia. 296 Spencer (1820-1903), Flosoro gles. Muto ence naturale Spencer morganismo 297 — que os frankfurtianos, como Adorno, Marcuse e Horkheimer, também designaram com a expressio razdo iluminista — nasce quando 0 sujeito do co- nhecimento toma a decisio de que conhecer é dominar e controlar a natureza e os seres humanos, Assim, por exemplo,o filésofo Francis Bacon, no inicio do século XVI, criou w expressao para referir-se ao objeto do conhecimento cientifico: ‘a natureza ator entada’ Atormentar a natureza é fazé-la reagir a condicées artificiais,criadas pelo homem. Oa: boratério cientifico éa maneira pi radigmaitica de efetuar esse tormento, pois, nele, plantas, animais, metals, liquids, gases, etc, so submetidos a condigdes de investigacao totalmente diversas das naturais, de maneira a fazer com que a experimentacao supere a experiéncia, descobrindo formas, causas, efeitos que nao poderiam ser conhecidos se cont ssemos ape- nas com a atividade espontinea da natureza. Atormentar a natureza é conhecer seus segre: dos para dominé-lae transform tormento da realidade aumenta coma \cla contemporanea, uma ver que esta no se contenta em conhecer as coisas ¢ os seres humanos, mas os constrdiartificlalmente e apli sultados dessa construgao ao mundo fisico, biolégico e humano (psiquico, social, po plo, a organizagao do processo de trabalho nas industrias litico, histérico). Assim, por exer apresenta-se como cientifica porque é baseada em conceitos da psicologia, da sociologia, da economia, que permitem dominar e controlar o trabalho humano em todos os aspectos (controle sobre o corpo eo espirito dos trabalhadores), a fim de que a produtividade seja a maior possivel para render lucros ao capital. Na medida em que a razdo se torna instrumental, a ciéncia vai delxando de ser uma for madeacesso 10s conhecimentos verdadeiros para tornar-se um inst rumento de dominacao, poder e exploracao, Para que nao seja percebida como tal, passa a ser sustentada pela ideo- logia cientificista, que, através da escola e dos meios de comunicagao de m: na mitologia cientificista, sa, desemboca Flaboracao cientifica X mitologia cientifica Todavia, devemos distinguir entre o momento da investigacio cientifica propriamente dita e 0 da ideologiza¢ao-mitologizacao de uma ciéncia. Um exemplo poder auxiliar-nos a perceber essa diferenca Quando Darwin elaboraa te ria biol6gica da evolugao das espécies, o modelo de expli: cagao usado por ele permitia-lhe supor que o processo evolutivo ocorria por sele¢ao natural jos mais aptos a sobrevivéncia Ora, na mesma época, a sociedade capitalista estava convencida de que o p social e hist6rico provinha da competicao e da concorréncia dos individuos, segundo a lei econ6mica da oferta e da procura. Um fildsofo, Spencer, aplicou, entio, a teori jana a sociedade: nesta, os mals “aptos" (sto 6, os mais capazes de competir e concorrer) tornam-se naturalmente superiores aos outros, vencendo-os em riqueza, privilégios e poder, Ao transpor uma teoria biolégica para uma explicagao filos6fica sobre a esséncia da so- ciedade, Spencer transformou a tearia cientifica da evoluedo em ideologia evolucionista. Po! qui , porque generalizou para toda a realidade resultados obtidos num campo particular de conhecimentos 2 Em primeito lu specificos. Em segundo lugar, porque tomou concet: tos referentes a fatos naturais e os converteu em fatos sociais, como se nao houvesse dife renga entre natureza e sociedade, Uma vez criada a ideologia evolucionista, o evolucionismo ‘ornou-se teoria da historia e, a seguir, mitologia cientifica do progresso humano. Os efeitos da razdo instrumental ‘© emprego da nogao de razao instrumental nos permite compreende “pat clentificista ansformacio de uma ciéncia em ideologia e mito social, isto & em senso comum | Uwosce7 =} quea ideologia da ciéncia ndo se reduz & transformagao de uma teoria cientifica em ideologia, mas encontra-se na propria ciéncia quando esta é concebida como instru ‘mento de dominacao, controle e poder sobre a natureza e a sociedade; que as ideias de progresso técnico e neutralidade cientifica pertencem ao campo da Ideologia cientificista Confusdo entre ciéncia e técnica mos que a ciéncia moderna e contempordnea transforma a técnica em tecnologia, \ ] isto 6, passa da méquina-utensilio & maquina como instrumento de preciso, que permite conhecimentos mais exatos e novos. Essa transformagio traz duas consequéncias principais: a primeira se refere ao conhe cimento cientifico e a segunda, 20 estatuto dos objetos técnicos: 1. oconhecimento cientifico é concebido como légica da invengdo (para solusao de proble- as teéricos e praticos) e como légica da construgdo (de objetos teéricos), gracas & possi- bilidade de estudar os fendmenos sem depender apenas dos recursos de nossa perceped0 e de nossa inteligéncia. E assim que, por exemplo, Galileu se refere ao telesc6pio como um instrumento cuja fungéo nao é a de simplesmente aproximar objetos distantes, mas de corrigir as distorcdes de nossos olhos e garantir-nos a imagem correta das coisas. 0 mesmo foi dito sobre o microscéplo, sobre a balanga de precisao, sobre o crondmetro. Em nosso tempo, 0s instrumentos técnico-tecnolégicos vio além da corregao de nossa percepgio, pois corrigem falhas de nosso pensamento, uma vez que sao inteli: géncias artificiais (0 computador foi chamado de “cérebro eletrOnico") mais acuradas do que nossa inteligéncia individual, Evidentemente, so conhecimentos cientificos que permitem a construgao desses instrumentos, mas dando-Ihes capacidades que cada um de nés, como individuo, nao possul, Ora, 0s objetos técnico-tecnolégicos am- pliam a ideia da ciéncia como invengao e construgio dos préprios fenomenos; 2. 08 objetos téenicos sio criados pela ciéncia como instrumentos de auxilio ao trabalho humano, maquinas para dominar a natureza e a sociedade, instrumentos de preciso para o conhecimento cientifico e, sobretudo, em sua forma contemporanea, como au. tématos, Estes s40 0 objeto técnico-tecnolégico por exceléncia, porque possuem as se- guintes caracteristicas, marcas do novo estatuto desse objeto: =}. sio conhecimento cientifico objetivado, isto 6, depositado e concretizado num objeto. Sao resultado e corporificagao de conhecimentos cientificos Chargedocartunista, argentino Quin sobrea pritica cientifica 299 © deal cientficoe a razio instrumental | Cumao4 } sao objetos que possuem em si mesmos o principio de sua regulagao, manutengio e transformacao. As maquinas antigas dependiam de forcas externas para realizar suas fungoes (alavancas, polias, manivelas, forca muscular de seres humanos ou de animais, forga hidraulica, etc). As maquinas modernas s4o autématos porque, dado o impulso elétrico-eletrénico inicial, realizam por si mesmas todas as operacdes para as quais fo- ram programadas, incluindo a correcao de sua propria agao, a realimentacao de energia, a transformacio, Sao autorreguladas e autoconservadas, porque possuem em si mes mas as informagdes necessérias ao seu funcionamento; =} como consequéncia, nio sio propriamente um objeto singular ou individual, mas um sistema de objetos interligados por comandos reciprocos; ‘s-P sdo sistemas que, uma ver programados, realizam operacdes te6ricas complexas, que modificam o contetido dos proprios conhecimentos cientificos, isto é, 0s objetos técni: -o-tecnol6gicos fazem parte do trabalho teérico, Ora, 0 senso comum social ignora essas transformagdes da ciéncia e da técnica e conhe- cceapenas seus resultados mais imediatos: os objetos que podem ser usados por nés (maqut na de lavar, videogame, televisio a cabo, maquina de calcular, computador, robé industrial, telefone celular, e-book, aparelho de mp3, etc) Como, para usé-los, precisamos receber um conjunto de informagoes detalhadas e so fisticadas, tendemos a identificar 0 conhecimento cientifico cam seus efeitos tecnol6gicos a fazer parte Com isso, deixamos de perceber o essencial, isto é, que as ciéncias passarai das forcas econdmicas produtivas da sociedade e trouxeram mudangas sociais de grande porte na consumi-los. Nao percebemos que as pesquisas cientificas s2o financiadas por empresas e governos, demandando grandes somas de recursos que retornam, gracas aos resultados ob- isdo social do trabalho, na producao e na distribuicio dos objetos, na forma de tidos, na forma de lucro e poder para os agentes financiadores. Por nao percebermos 0 poderio econdmico das ciéncias, lutamos para ter acesso, para possuir e consumir os objetos tecnol6gicos, mas nao lutamos pelo direito de acesso tanto aos conhecimentos como as pesquisas cientificas, nem lutamos pelo direito de decidir seu modo de insergao na vida econdmica e politica de uma sociedade is por que, entre outros efeltos de nossa confusio entre ciéncia e tecnologia, aceitamos, no Brasil, politicas educacionais que profissionalizam os jovens no ensino médlo — portanto, antes que tenham tido acesso as ciéncias propriamente ditas — e que destinam poucos re- cursos puiblicos as areas de pesquisa nas universidades — portanto, mantendo os cientista: nna mera condig2o de reprodutores de ciéncias produzidas em outros paises e sociedades. O problema do uso das ciéncias lem do problema anterior, isto é, de teorlas cientificas serem formuladas com base tistas, com consequéncias sérias para os seres humanos, um outro problema tam: bbém é trazido pelasciéncias: 0 seu uso ‘Vimos que uma teoria cientifica pode nascer para dar resposta a um problema pritico ou técnico. Vimos também que a investigacao cientifica pode ir avancando para descober tas de fendmenos e relacdes que jé nao possuem relagio direta com os problemas priticos Iniciais e, como consequénecia, éfrequente uma teoria estar muito mais avancada do que as técnicas ¢ tecnologias que poderao aplicé-la, Muitas vezes,aliés, 0 cientista nem sequer imagina que ateoria teré aplicacdo pratica E exatamente isso que torna o uso da cigneia algo delicado, que, em geral, escapa das rmaios dos proprios pesquisadores.[ assim, por exemplo, que a microfisica ou fisica quintica

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