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Por Valerio Arcary, Colunista do Esquerda Online
Fiquei sabendo da morte de Moreno em plena Praça da Sé, em São Paulo. Era janeiro de 1987, e eu estava voltando de ônibus de um Congresso Nacional de professores em João Pessoa. Tinha desembarcado na rodoviária do Tietê, tomado o metro e, acidentalmente, cruzei com um militante que me deu a notícia. Ainda me lembro de ter comentado: “agora estamos muito mais sozinhos”.
Por Valerio Arcary, Colunista do Esquerda Online
Fiquei sabendo da morte de Moreno em plena Praça da Sé, em São Paulo. Era janeiro de 1987, e eu estava voltando de ônibus de um Congresso Nacional de professores em João Pessoa. Tinha desembarcado na rodoviária do Tietê, tomado o metro e, acidentalmente, cruzei com um militante que me deu a notícia. Ainda me lembro de ter comentado: “agora estamos muito mais sozinhos”.
Por Valerio Arcary, Colunista do Esquerda Online
Fiquei sabendo da morte de Moreno em plena Praça da Sé, em São Paulo. Era janeiro de 1987, e eu estava voltando de ônibus de um Congresso Nacional de professores em João Pessoa. Tinha desembarcado na rodoviária do Tietê, tomado o metro e, acidentalmente, cruzei com um militante que me deu a notícia. Ainda me lembro de ter comentado: “agora estamos muito mais sozinhos”.
Recordaes sobre Nahuel Moreno nos 30 anos de sua morte
25 Janeiro, 2017 Add Comment
Por Valerio Arcary, Colunista do Esquerda Online
Fiquei sabendo da morte de Moreno em plena Praa da S, em So Paulo. Era janeiro de 1987, e eu estava voltando de nibus de um Congresso Nacional de professores em Joo Pessoa. Tinha desembarcado na rodoviria do Tiet, tomado o metro e, acidentalmente, cruzei com um militante que me deu a notcia. Ainda me lembro de ter comentado: agora estamos muito mais sozinhos. Tinha acabado de fazer trinta anos. Fui, atordoado ou, talvez, atormentado redao da Folha de So Paulo e da Globo para levar uma nota. Sentia o peso esmagador das novas responsabilidades. Suspeitava que, para aqueles que estvamos engajados na luta pela reconstruo da Quarta no Brasil, esse janeiro desenhava uma antes e um depois. E foi assim. No estou entre os brasileiros que tiveram contato pessoal regular e intenso com Hugo. Nunca vivi nem na Colmbia, nem na Argentina. Depois que sa de Portugal permaneci, ininterruptamente, no Brasil. Minha relao foi sempre, essencialmente, indireta, atravs da leitura de seus escritos. Encontrei-o pela primeira vez no aeroporto de Lisboa em 1975. Ele demorava muito para sair do controle de passaportes e eu estava ansioso, portanto, no hesitei. No me lembro como, mas conhecia o seu nome de batismo. Em alguns minutos ecoava bem alto pelos autofalantes da Portela: Senhor Hugo Bressano, esto sua procura, e no deixei que cansassem de repetir. Estavam em Lisboa, desde o ltimo trimestre de 1974, Aldo Casas e Ldia Daleffe do PST argentino e seu filho Huguito, ento um menino. Eles tiveram a disposio de mudar para Portugal, vieram para ficar. Tnhamos recebido a visita de Gerry Foley do SWP dos EUA, mas somente uma visita de poucas semanas. Os dois eram quadros de despojamento extraordinrio, e de capacidades complementares. Tinham conquistado, merecidamente, a nossa confiana e afeto. Era a primeira vez que Moreno vinha a Portugal, e fomos direto do aeroporto para a Avenida da Repblica, onde o GMR (Grupo Marxista Revolucionrio) tinha ocupado um palacete, alguns meses antes, um solar meio grandioso, quase um Palcio, porm, abandonado e decadente. Ainda assim, desproporcional para o qu, de fato, ramos: um pequeno ncleo fundador de algumas dezenas de jovens estudantes imberbes, e alguns poucos trabalhadores inexperientes. Majestoso e, tambm, algo pretensioso era o novo nome da organizao: PRT (Partido Revolucionrio dos Trabalhadores). Ousadia e alguma presuno no nos faltavam. A primeira impresso de Moreno foi arrebatadora, creio que para todos ns. Hugo estava no auge aos cinquenta anos. Parecia, talvez, um pouco mais velho: era um homem alto e corpulento, muito educado, at um pouco formal, tinha um vigor, intensidade ou veemncia que lhe era prpria. No era nem solene, nem pomposo. Ns ramos adolescentes, portanto, impressionveis, e ele transbordava de entusiasmo. Tinha uma fora contagiosa que animava todos que o ouviam, quase uma comoo. O tom de voz era poderoso, e uma atitude, ao mesmo tempo, enrgica e sria. Mas, tambm, respeitosa. Moreno tinha amplo repertrio cultural, aos nossos olhos era um erudito. Combinava variedade de interesses e um senso de humor de tipo monumental: ria muito e alto, e sem freios, todo ele se sacudia em gargalhadas, quando contava uma de suas muitas histrias hilrias. Minha primeira impresso permanece viva at hoje: foi umas das pessoas, sem exagero algum, de inteligncia mais extraordinria que conheci ao longo da vida. A corrente morenista se expandia, nesses anos, com muito dinamismo. O impacto do trabalho que veio a ser publicado sob o ttulo O partido e a revoluo era muito grande. Em imensa maioria concordamos, em 1976, com a deciso de formar a Tendncia Bolchevique, que depois se transformou em Frao. Mas pagamos um preo elevado. Porque o processo de debate da separao com o SWP norte-americano, com quem tinha sido constituda a FLT para o Congresso Mundial de 1974, no foi unnime. Os procedimentos da discusso foram, em Portugal pelo menos, extremadamente sumrios. Tudo terminou em algumas expulses sob a acusao de frao secreta. Olhando para trs, em perspectiva, iniciava-se ali, talvez, uma dinmica de fracionamentos rpidos, portanto, tambm, de isolamento latino-americano, que viria a ter graves, ou at incontornveis consequncias para nossa corrente nos anos oitenta: a incapacidade de compreender a abertura de uma situao europeia e mundial mais desfavorvel, na virada para a dcada de oitenta, ao mesmo tempo em que, paradoxalmente, as ditaduras eram derrotadas no Cone Sul. Reencontrei Moreno quando ele voltou a Lisboa, em 1977, e ele teve um papel agregador insubstituvel na soluo de uma crise que quase destruiu a jovem organizao. No ano e meio anterior, inspirados por um projeto elaborado por quadros da frao bolchevique que vieram para Portugal substituir Aldo e Ldia, tnhamos realizado uma experincia de proletarizao de mais de cinquenta militantes entre os metalrgicos de Aveiro. O giro era fundamentado em uma anlise da situao poltica que se demonstrou equivocada. A ligeireza, imaturidade e superficialidade, ou um pouco de tudo isso, no nos permitiram compreender o significado da inverso desfavorvel da relao social de foras, depois do golpe de 25 de novembro de 1975, e da eleio do general Ramalho Eanes presidncia em 1976. Tampouco consideramos que no era razovel exigir da abnegada estrutura de quadros um engajamento em uma ttica de construo irrealista, que colocava objetivos que estavam muito alm das possibilidades subjetivas da militncia. Participei, ento, da minha primeira luta poltica, em condio de minoria, e fiquei chocado, e entristecido com a forma impaciente, spera, e at mesmo feroz de polmica de alguns quadros educados na escola argentina. Felizmente, a vinda de Moreno permitiu um dilogo unificador e construtivo, e a recuperao das relaes de confiana que abriram o caminho para a unificao com a LCI, e a fundao do PSR. Poucos meses depois, em agosto de 1978, Moreno foi preso em So Paulo, junto com a maioria dos quadros da organizao brasileira. Decidi voltar para o Brasil, e me unir Convergncia Socialista. Com a sada dos quadros mais veteranos da priso se abriu na CS uma luta fracional. Uma luta poltica que tinha, como pano de fundo, diferentes apreciaes de balano sobre os erros que tinham conduzido s prises, diferenas sobre os ritmos da luta de classes, e a presso do crescente movimento pr-PT, que acabou sendo fundado em fevereiro de 1980. Mas, tambm, uma disputa pela direo, com elementos de um conflito geracional, que terminou resultando na ruptura de um tero do ncleo dirigente, e a disperso de mais de metade da militncia: uma catstrofe. O papel moderador dos camaradas argentinos nessa luta, em especial, de Martin Hernandez, representando a tradio da organizao argentina, e inspirado por Moreno, consolidou uma slida relao de confiana entre ns, que foi decisiva, em minha opinio, para manter a unidade da direo e da organizao por muitas dcadas. Depois estive presente, em janeiro de 1980, no Congresso do PST argentino que se realizou na Colmbia e, na sequncia, na reunio que constituiu o comit paritrio com a corrente liderada pela OCI francesa e Pierre Lambert, uma tentativa frustrada de reagrupamento internacional para diminuir o risco do isolamento latino-americano. O contexto era dramtico: as diferenas com o SU da Quarta sobre a revoluo nicaraguense conduziram ruptura com o bloco da maioria formado pelos franceses e norte-americanos. O horizonte sul-americano de perspectiva de momentos decisivos na etapa final de luta pela derrubada das ditaduras nos levou a concluses apressadas e unilaterais. Foi nesse processo que a corrente assimilou, infelizmente, a elaborao sobre o carter iminente da revoluo socialista, uma formulao sobre a etapa internacional que se demonstrou, especialmente, equivocada, depois do incio da restaurao capitalista na China com Deng Xao Ping, em 1978, e que deu um salto de qualidade com Gorbatchev em 1986. Acompanhei o Congresso do PST (A) preocupado. Porque a polmica que existia, previamente, foi resolvida por uma interveno pessoal de Moreno que, embora brilhante, foi devastadora para os que estavam em minoria, e sugeria que ele ocupava, na principal organizao da Frao, o papel de uma liderana com autoridade incontestvel. Compreendo que alguns possam ter concludo que ele seria um caudilho, ou at que ele gostava de ser um caudilho. No essa a minha opinio. Ele era, ao lado de Ernesto Gonzalez, o nico quadro reminiscente dos anos cinquenta. Exercia autoridade com equilbrio, mesmo quando perdia a sobriedade, ainda quando sua opinio tendia a ser a ltima. Acontece que lderes incontroversos, queiram ou no, podem acabar cercados por colaboradores incondicionais, em um processo de seleo regressivo determinado pelas lealdades pessoais. Seria injusto no ressaltar que Moreno era, diante de ns, um gigante, ou seja, tinha qualidades excepcionais. Hugo ocupava um papel proeminente, muito especial, mas no acredito que se sentia confortvel nessa condio. Era melhor que isso. Era lcido o bastante para tentar evitar, a qualquer preo, a degenerao da corrente em mais uma seita que se transforma a si mesma em um fim. Gostava muito de rir, honestamente, de si mesmo. Me recordo de um episdio divertido. Aconteceu quando Moreno voltou de uma viagem Inglaterra, e comentou a reunio que tinha feito com um grupo que tinha rompido com WRP de Healy. Os camaradas ingleses colocaram como ponto de pauta um balano da experincia, na Argentina, de interveno nas 62 organizaes, um movimento de resistncia operria sindical liderado pelos peronistas. Consideravam oportunista a orientao. Hugo no se ofendeu, mas nos alertou que o debate sobre possveis unificaes deveria sempre calibrar os acordos e diferenas sobre a realidade presente, e perspectivas do que fazer no futuro. Nunca a partir da exigncia ultimatista de acordo sobre balanos autocrticos do que tinha acontecido vinte e cinco anos atrs. Pude testemunhar, mais de uma vez, que valorizava camaradas com opinies distintas s suas. Nunca aderiu ideia ingnua de internacional-frao. Minha interpretao que Moreno queria reconstruir a Quarta como uma grande organizao, por isso, estava sempre inquieto: depois do fracasso das relaes com a OCI de Lambert, tentou a aproximao com Lutte Ouvriere e com os ingleses que vinham do WRP de Healy. Moreno j era nesses anos, indiscutivelmente, o nosso mentor. Estive, nos dois anos seguintes, por mais duas vezes alguns poucos dias em Bogot, a primeira vez com Eduardo Almeida, e a segunda com Maria Jos de Almeida, a Zz, para discutir a proposta de entrada no PT. Cada um de ns representava uma das sensibilidades presentes na direo brasileira. O papel de Hugo nesse debate foi inspirador. Abdicou de avanar posio sobre os temas mais tticos, e privilegiou o debate estratgico sobre as peculiaridades brasileiras, que conhecia bem. Insistiu que a construo de um partido de classe sem delimitao estratgica, ou seja, sem um programa revolucionrio, era, relativamente, progressivo, quando considerado o papel do MDB como nico partido de oposio legal ditadura. Mas alertou para o carter social de casta burocrtica das lideranas sindicais. E insistiu que no deveramos, em nenhuma circunstncia, sacrificar a nossa prpria independncia poltica, nem nos dissolvermos. Foi quando tive um convvio pessoal mais estreito com Hugo. Comentou as viagens que tinha feito ao Brasil, no passado, e fez elogios a Hermnio Sachetta. Me recordo, tambm, dos comentrios respeitosos sobre Ernest Mandel. Moreno procurava ter, ao mesmo tempo, uma viso crtica, e uma atitude generosa sobre as pessoas. Ele nos ofereceu uma noite um jantar em seu apartamento: a clebre preferncia argentina pelo bife milanesa, que ele mesmo preparou. Gosto de pensar que, para me agradar, Hugo abriu uma garrafa de vinho verde portugus. Ainda colocou um tango, e convidou Zz para danar. Ao final da noite, ele perguntou se eu ainda tinha o passaporte diplomtico. Tive esse direito at os 25 anos, pelo lugar de minha me no Itamaraty. Eu j tinha sido correio uma vez, entre Lisboa e Madri, com uma mala cheia de dlares: uma parte dos fundos do partido argentino. Hugo me pediu para passar por Buenos Aires, antes de voltar, para levar uns documentos em microfilmes, porque sabia que era pequena a possibilidade de ser revistado com o passaporte vermelho. Hugo gostava de acreditar nos camaradas, mesmo os muito jovens: preferia a confiana suspeita, nos estimulava e empolgava, apostava na integridade dos militantes, e lhes colocava desafios. Finalmente, em meados dos anos oitenta, encontrei-o, pela ltima vez, com Lus Leiria, no Rio de Janeiro. Viajamos para v-lo. Ele estava muito zangado conosco, e discordava, frontalmente, de nossas posies. Discutiu de forma franca, perdeu a pacincia, decepcionado, talvez. Levantou a voz mais de uma vez, furioso. Lembro da minha surpresa quando ele nos disse, j mais calmo, que esperava mais de ns dois, j que ramos to estudiosos: tnhamos a obrigao de ser mais agregadores, ter sentido das propores, e ser menos conflitivos. No chegamos a um acordo, e a reunio terminou muito amarga. Mas, somente anos depois, fiquei sabendo que a interveno enrgica dele favoreceu, na reunio do executivo da CS, uma soluo negociada, depois referendada no comit central. Brigou conosco, mas depois nos defendeu. Foi possvel a constituio de uma regional para uma experincia em separado, em So Paulo, e o ambiente, em alguns anos desanuviou. Assim era Moreno: o dia em que foi mais brutal conosco foi o mesmo dia em que nos fez o maior elogio de sempre. Moreno foi grande.