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A CONSTRUÇÃO SOCIAL DO MERCADO

EM DURKHEIM E WEBER:
análise do papel das instituições na
sociologia econômica clássica*

Cécile Raud-Mattedi

Introdução empenhados em analisar os fatos econômicos de


maneira a fornecer explicações alternativas às teo-
Desde a década de 1980, a sociologia econô- rias econômicas, sobretudo à teoria standard neo-
mica está em plena efervescência nos Estados Uni- clássica. Em particular, esta “nova sociologia econô-
dos e na Europa.1 Cada vez mais sociólogos estão mica” teria o mérito de analisar sociologicamente
o núcleo mesmo da ciência econômica, ou seja, o
* Este texto foi escrito durante o estagio pós-doutoral mercado, o que a distinguiria radicalmente da so-
realizado entre ago. 2002-jul. 2003 na Universidade ciologia econômica clássica (Swedberg, 1994). No
de Dauphine, Paris, França. Gostaríamos de agrade- entanto, outros autores criticam essa noção de rup-
cer à Capes, pelo apoio financeiro, à professora Ca-
tura e defendem a idéia de que, na sociologia eco-
therine Bidou, diretora do Iris, que nos convidou e
nos disponibilizou ótimas condições de trabalho e, nômica de hoje e de ontem, o objetivo e os meios
sobretudo, ao professor Philippe Steiner, nosso permanecem os mesmos (Gislain e Steiner, 1995).
orientador, cuja contribuição foi fundamental para a De fato, a sociologia econômica surge no fi-
elaboração deste texto. Agradecemos também ao
professor Fernando Ponte de Sousa e aos demais nal do século XIX em reação à hegemonia da teo-
colegas pelos comentários a respeito de uma versão ria econômica marginalista e aos limites evidentes
preliminar deste texto, discutida num dos seminá-
de seu programa de pesquisa (Idem). Teóricos da
rios internos do Programa de Pós-Graduação em
Sociologia Política da UFSC. envergadura de Durkheim, Weber, Simmel ou Ve-
Artigo recebido em abril/2004 blen, por exemplo, tentam denunciar os pressu-
Aprovado em novembro/2004 postos teóricos e metodológicos de uma ciência

RBCS Vol. 20 nº. 57 fevereiro/2005


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social que se reivindica independente do meio so- Uma definição sociológica


cial.2 Sem se limitar a este papel crítico, eles apli- do mercado
cam seu próprio modelo analítico ao estudo dos
fenômenos econômicos. Apesar de sua crítica aos economistas, acusa-
Este texto pretende resgatar, de maneira ex- dos de utilizar pré-noções, isto é, conceitos econô-
ploratória, algumas reflexões pioneiras de Dur- micos que não foram definidos cientificamente,
kheim e Weber a respeito do mercado a fim de mas que fazem parte do senso comum,3 Durkheim
não define realmente o que ele entende por mer-
poder tomar posição no quadro desse debate.
cado. No entanto, ele não deixa de considerar este
Não pretendemos discutir a existência de uma
fenômeno econômico como uma instituição, ou
continuidade ou de uma ruptura entre a nova e a
seja, um fato social. Para Steiner (1992) é esta abor-
velha sociologia econômica. Gostaríamos apenas dagem institucional que caracteriza, de maneira ge-
de argumentar, contra Swedberg (1994), que Dur- ral, a sociologia econômica durkheimiana e dos
kheim e Weber iniciaram o estudo sociológico do durkheimianos. De fato, Durkheim identifica o
mercado em termos de construção social, contri- mercado como uma das “instituições relativas à tro-
buindo assim diretamente para a emergência da ca”, no quadro de sua definição da sociologia eco-
nova sociologia econômica na década de 1970. nômica como sociologia específica que analisa as
Ambos refletiram sobre o papel das instituições instituições relativas à produção de riquezas, à tro-
na orientação do comportamento do ator econô- ca e à distribuição (Durkheim, 1975, p. 135). Além
mico e, portanto, na regulação do mercado, com disso, no cerne de sua análise do mercado encon-
conclusões freqüentemente semelhantes. tra-se a noção de contrato, cuja importância vere-
Para organizar nossa argumentação, escolhe- mos em seguida. A sociedade moderna é funda-
mentalmente uma sociedade de mercado, ou seja,
mos tomar como ponto de partida uma classifica-
contratual: “a cada instante e não raro inesperada-
ção emprestada de Weber, provavelmente o so-
mente, sucede-nos contrair esses vínculos, seja ao
ciólogo clássico que foi mais longe na analise
comprarmos, seja ao vendermos [...]. A maioria das
sociológica do mercado, e contrastar com a posi- nossas relações com outrem são de natureza contra-
ção de Durkheim. Além de sua tipologia bem co- tual” (Idem, 1995, p. 201).4 Nesse sentido, apesar de
nhecida da ação social, Weber dá uma pista rápi- Durkheim não usar freqüentemente o termo “merca-
da, mas extremamente interessante, dos diversos do”, quando analisa o contrato, o que ocorre fre-
tipos possíveis de regulação do mercado. No se- qüentemente em sua obra, ele está se referindo à es-
gundo capítulo da primeira parte de Economia e fera do mercado. Partimos, portanto, do pressuposto
sociedade, intitulado “As categorias sociológicas de que a sociologia durkheimiana do mercado po-
fundamentais da gestão econômica”, considerado dia ser deduzida de sua análise do contrato na so-
por Swedberg (1998a) como seu manifesto em so- ciedade moderna.
ciologia econômica, Weber explica que a regula- Apesar desta definição sucinta do mercado,
ção do mercado pode ter quatro tipos de causa: Durkheim traz uma contribuição fundamental à
sociologia do mercado, na medida em que mostra
tradicional, convencional, jurídica ou voluntária
o papel socializador da troca mercantil no quadro
(Weber, 1991). Essa tipologia nos permite abordar
da divisão social do trabalho (Steiner, 1992). Com
os temas da tradição, das regras morais e das re-
efeito, apesar de suas conquistas evidentes, a nova
gras jurídicas, aos quais acrescentamos uma aná- sociologia econômica, com seu esforço para rea-
lise do papel do Estado para além do Direito. An- firmar a dimensão social da economia, acaba às
tes, no entanto, abordaremos uma questão vezes assumindo uma visão “intimista” do laço so-
preliminar, qual seja, a definição sociológica do cial. “Dito de outra forma, a confiança, baseada
mercado, que implica a análise de sua dimensão em relações pessoais contínuas e duráveis, repre-
socializadora. senta a condição de possibilidade da troca mer-
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cantil concreta. Mas esta concepção parece limitar Mas, na medida em que o ator econômico se
nossa compreensão da especificidade do laço so- enquadra na regulamentação contratual, isto é, na
cial mercantil” (Chantelat, 2002, p. 522).5 Nesse medida em que respeita uma série de regras so-
sentido, Durkheim deu algumas pistas para pensar ciais, seja formais (direito), seja informais (tradi-
a especificidade sociológica da relação mercantil. ção e normas morais), elaboradas coletivamente e
De fato, a coesão social no âmbito da solidarieda- inscritas numa dimensão temporal de longo pra-
de orgânica nasce das interdependências decor- zo, ele participa da criação de uma verdadeira re-
rentes da especialização e da divisão do trabalho. lação social:
A sociedade moderna prescinde da forte consciên-
cia coletiva, que assegura a coesão social nas so- [...] mesmo onde a sociedade repousa da manei-
ciedades tradicionais, onde não há divisão do tra- ra mais completa na divisão do trabalho, ela não
se resolve numa poeira de átomos justapostos,
balho. Portanto, a relação mercantil, que obriga
entre os quais só se podem estabelecer contatos
pessoas a entrar no mercado para trocar bens e externos e passageiros. Mas seus membros são
serviços indispensáveis à sua sobrevivência, en- unidos por vínculos que se estendem muito além
cerra uma dimensão socializadora. No entanto, dos momentos tão curtos em que a troca se con-
isto não ocorre espontaneamente, como preten- suma (Idem, p. 217).
dem Spencer e os economistas liberais. Portanto,
a ordem social não decorre da busca egoísta de Portanto, a relação mercantil gera um laço so-
seu interesse por parte de cada indivíduo isolado. cial mesmo sem passar por relações pessoais ínti-
“Para que cooperem harmoniosamente [...] é ne- mas, na medida em que esse laço não se esgota no
cessário [...] que as condições dessa cooperação único ato da troca, mas se enraíza e participa do
sejam estabelecidas para toda a duração de suas processo de reprodução das instituições sociais.
relações”, e isto será feito por regras formais (jurí- Weber, por sua vez, na sua cuidadosa análi-
dicas) e/ou informais (tradição, normas) (Dur- se das categorias sociológicas fundamentais da
kheim, 1995, p. 200). economia, não deixa de definir, mesmo que de
Essa referência à importância do direito con- maneira sucinta, sua concepção de mercado. “Fa-
tratual ou das regras informais na regulação do lamos de mercado quando pelo menos por um
mercado será analisada mais tarde. Por enquanto, lado há uma pluralidade de interessados que
o que nos interessa são as conseqüências sociais competem por oportunidades de troca”, assim o
da troca mercantil. Se o mercado funcionasse “[...] fenômeno específico do mercado [é] o rega-
como dizem os liberais, só resultaria uma “solida- teio” (Weber, 1991, p. 419). Weber via o mercado
riedade precária”, uma vez que seria baseada como o resultado de duas formas de interação so-
numa relação social mercantil superficial, confli- cial – a troca, que está simultaneamente orientada
tual e instável: para o parceiro e para os concorrentes, e a com-
petição (luta sobre os preços entre o cliente e o
Se o interesse aproxima os homens, nunca o faz vendedor e entre concorrentes, tanto vendedores
mais que por alguns instantes e só pode criar en- como clientes). Estabelece-se então uma idéia
tre eles um vínculo exterior [...]. As consciências fundamental em relação à visão econômica do
são postas apenas superficialmente em contato: mercado, qual seja, a noção de luta6 e, conse-
nem se penetram, nem aderem fortemente umas qüentemente, de poder, que introduz uma dimen-
às outras. Se olharmos as coisas a fundo, veremos
são política no coração de um fenômeno econô-
que toda harmonia de interesses encerra um con-
flito latente ou simplesmente adiado. Porque, mico.7 No mercado encontram-se em conflito
onde o interesse reina sozinho, como nada vem re- interesses opostos, e a troca efetivada representa
frear os egoísmos em presença, cada eu se encon- uma situação de equilíbrio.
tra face ao outro em pé de guerra e uma trégua
nesse eterno antagonismo não poderia ser de lon- A troca é um compromisso de interesses entre os
ga duração. De fato, o interesse é o que há de participantes pelo qual se entregam bens ou pos-
menos constante no mundo (Idem, p. 189). sibilidades como retribuição recíproca. [...] Toda
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troca racionalmente orientada é a conclusão me- As diversas instituições sociais de


diante um compromisso de uma prévia luta de in-
regulação do mercado
teresses aberta ou latente (Idem, p. 43).8

Na sociologia econômica de Durkheim, e


Nesse sentido, os preços expressam as rela- esta afirmação pode ser aplicada igualmente à so-
ções de poder existentes entre os atores econômi- ciologia weberiana, “as instituições organizam as
cos: eles provêm de “[...] luta (luta de preços e de relações sociais e as atividades econômicas, não
concorrência) e de compromisso entre interesses somente porque regulamentam os conflitos de in-
diversos que ocorrem no mercado” (Idem, p. 57). teresse, mas sobretudo porque permitem a defini-
Weber aprofunda sua análise sociológica do ção mesma dos interesses individuais” (Trigilia,
mercado, mostrando que ele “[...] representa uma 2002, pp. 76-77). Nesse sentido, deve-se entender
coexistência e seqüência de relações associativas as instituições em termos de regras, formais ou in-
racionais, das quais cada uma é especificamente formais, e de valores.
efêmera por extinguir-se com a entrega dos bens Ambos analisam o papel das instituições na
de troca” (Idem, p. 419). Dizer que se trata de atos regulação do mercado, contudo o significado das
reiterados é analisar o mercado como forma de instituições não é o mesmo para Durkheim e
interação social e introduzir uma dimensão tem- para Weber. Se as instituições determinam
poral ausente de muitos modelos econômicos. o comportamento dos indivíduos em Durkheim,
Por outro lado, o impacto socializador da relação elas o orientam em Weber. Com efeito, para ele,
mercantil na visão weberiana do mercado é limi- não é a norma em si que explica a ação social,
tado pela dimensão “efêmera” da troca e pelo nú- mas a apropriação que o ator social faz desta
mero limitado de atores contemplados: “a troca norma. De fato, a norma pode influenciar a con-
realizada constitui uma relação associativa apenas duta com diferentes graus de consciência: costu-
com a parte contrária na troca” (Idem, ibidem). me, cálculo utilitário ou respeito valorativo da
No entanto, Weber nega uma concepção tradicio- norma (Weber, 1977).
nal do mercado, ou seja, o atomismo dos atores Durkheim desenvolve uma análise das insti-
econômicos, na medida em que tanto o produtor tuições econômicas que pode ser caracterizada em
como o cliente levam em conta a concorrência.9 termos de “custos de transação”, para usar uma
terminologia contemporânea. De fato, em sua aná-
No período preparatório anterior à troca, “ambos
lise da divisão do trabalho, ele dialoga com Spen-
os interessados na troca orientam suas ofertas
cer e os economistas marginalistas, criticando a vi-
pela ação potencial de uma pluralidade indeter-
são deles de uma sociedade organizada com base
minada de outros interessados também concor-
no único contrato mercantil, e mostra que a esta-
rentes, reais ou imaginados” (Idem, ibidem).
bilidade do sistema de troca generalizada, que
Além disso, como em Durkheim, a relação
constitui a sociedade moderna, depende do res-
mercantil é uma relação social na sociologia eco-
peito a regras preestabelecidas. Devido à inconsis-
nômica weberiana, uma vez que o ator econômi- tência do interesse, o contrato puro implica um
co deve levar em conta não somente o comporta- custo alto em termos de tempo social para a
mento dos outros atores econômicos, mas (re)negociação sistemática das cláusulas, quando
também, de maneira mais geral, o contexto socio- da sua formação ou do surgimento de conflitos.
político.10 De fato, a atividade econômica orienta- Portanto, a viabilidade do contrato, como relação
se em função de interesses próprios11 “[...] e tam- mercantil generalizada, depende de um fundo ins-
bém pela ação futura e previsível de terceiros [...], titucional composto, de um lado, pelos costumes
além disso por aquelas ‘ordens’ que o agente co- mentais e comportamentos enraizados na repeti-
nhece como leis e convenções ‘em vigor’” (Idem, ção da troca ao longo do tempo e, de outro lado,
p. 20). O restante do texto concentra-se na análi- pelas regras jurídicas, que não são nada mais que
se dessas leis e convenções que orientam o com- a cristalização de costumes mentais e comporta-
portamento econômico. mentais do passado (Durkheim, 1995).
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De acordo com Weber (1991, pp. 17-18), o caracterizada por uma racionalização crescente, a
sociólogo não se interessa tanto pelas ações indivi- tradição não desapareceu completamente: “mes-
duais e sim pela análise de diversos “tipos de regu- mo com considerável racionalização da ação, a
laridades na atividade social”, ou seja, para falar influência exercida pela orientação tradicional
como Durkheim, pela análise das instituições. No permanece relativamente importante” (Idem, p.
quadro de seu método compreensivo, Weber 41). Em particular, a existência de uma necessida-
(1991) distingue, entre os motivos dos diversos ti- de, por exemplo o desejo de adquirir um bem, é
pos de regularidades sociais, a busca do interesse determinada em grande medida pela tradição.
mútuo, o respeito a uma regra tradicional, uma Durkheim não distingue claramente a tradição
convenção social ou uma regra jurídica. Encontra- das normas sociais na sua análise do contrato, mas
mos aqui, além da busca do interesse12 (tema que não deixa de mostrar que os atores econômicos
não cabe tratar neste texto), as três instituições fun- não podem buscar somente seus interesses, pois
damentais de regulação do mercado: o uso/costu- devem respeitar também certas regras costumeiras.
me, a convenção e o Direito, às quais acrescenta-
remos uma reflexão mais geral sobre o papel do Enfim, fora dessa pressão organizada e definida
Estado para além do Direito. que o direito exerce, há uma outra que vem dos
costumes. Na maneira como celebramos nossos
contratos e como os executamos, somos obriga-
O papel da tradição na construção dos a nos conformar com regras que, por não se-
social do mercado rem sancionadas, nem direta, nem indiretamente,
por nenhum código, nem por isso são menos im-
Weber define o uso a partir do momento em perativas. Há obrigações profissionais puramente
morais, e que no entanto são bastante estritas
que a probabilidade de uma determinada regulari-
(Durkheim, 1995, pp. 202-203).
dade decorre unicamente do “exercício efetivo”, e
o uso se torna costume quando “[...] o exercício se
De fato, percebemos que, apesar de terem
baseia no hábito inveterado” (1991, p. 18). A dife-
feito referência à importância da tradição no com-
rença com relação à convenção ou ao Direito resi-
de no fato de que o indivíduo pode escolher livre- portamento do ator econômico e na regulação do
mente se conformar ou não ao costume, sem que mercado, nenhum dos dois autores desenvolveu
haja qualquer caráter de obrigatoriedade ou puni- sua análise nesse sentido. Em contrapartida, quan-
ção. Pode-se dizer que o mercado é regulado pela do se trata das regras morais ou jurídicas, encon-
tradição quando é determinado “[...] pela assimila- tramos uma reflexão mais aprofundada em ambos.
ção de limitações ou condições tradicionais da tro-
ca” (Idem, p. 50). É evidente para Weber que uma
regulação pela tradição ou por convenções é con- O papel das normas sociais: legitimidade dos inte-
trária ao espírito racional da economia: “A troca resses individuais e justiça social
pode ser ambicionada e realizada: 1) de forma tra-
dicional ou convencional e, portanto, irracional, do Uma outra fonte das regularidades são para
ponto de vista econômico [...], ou 2) de forma ra- Weber as convenções sociais, definidas como um
cional, economicamente orientada” (Idem, p. 43). “[...] ‘costume’ que, no interior de determinado cír-
De maneira geral, Weber contrapõe constante- culo de pessoas, é tido como ‘vigente’ e está ga-
mente capitalismo e tradicionalismo econômico, em rantido pela reprovação de um comportamento
particular em sua Historia geral da economia, discordante” (Weber, 1991, p. 21). A noção impor-
em que mostra o papel da religião e das estrutu- tante apresentada nessa definição, e que distingue
ras sociais, como as castas ou os clãs na manuten- a convenção da tradição, é a reprovação social. O
ção das mesmas técnicas e práticas de trabalho ator social é obrigado a se conformar à determina-
(1968). No entanto, ainda que a modernidade seja da convenção social se ele não quer sofrer as con-
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seqüências do “boicote social”.13 Essa influência nitárias representam, pois, “obstáculos” para o de-
não é sentida somente na esfera social, especial- senvolvimento do mercado (Weber, 1991, p. 420).
mente nas classes altas da sociedade, mas também É justamente quando desapareceu o dualismo éti-
na esfera econômica. Em particular, no mercado, co, ou seja, quando foi superada a oposição en-
existe uma “[...] desaprovação social da mercabili- tre ética interna baseada na reciprocidade e ética
dade de determinadas utilidades ou da livre luta externa aberta ao lucro, que o mercado pôde se
de preços e de concorrência para determinados desenvolver (Trigilia, 2002).
objetos de troca ou para determinados círculos de Por outro lado, apesar de reconhecer a im-
pessoas” (Idem, p. 50).14 portância da busca do interesse para explicar o
Por um lado, Weber não parece ter desenvol- comportamento do ator econômico, Weber não cai
vido uma análise sistemática sobre o papel das na armadilha do pensamento liberal, pois não dei-
normas sociais, ou convenções, na economia mo- xa de apontar o papel norteador das idéias: “são
derna, em particular na regulação do mercado. Ele interesses (materiais e morais) e não idéias que a
se limitou, em diversos momentos de Economia e princípio comandam a maneira de agir dos ho-
sociedade, a abordar rápido e indiretamente esse mens. No entanto, as visões do mundo criadas
tema. Veremos, assim, quando analisarmos a rela- por ‘idéias’ freqüentemente orientaram as ações
ção entre mercado e Direito, que este último tem humanas sobre as vias determinadas pelo dina-
um papel regulador menos importante do que as mismo dos interesses” (Weber, 1960, pp. 18-19),
convenções, ou melhor, ele é respeitado essencial- ou seja, nossa “visão do mundo” acaba condicio-
mente em função de uma convenção social que nando nossos interesses. De fato, toda sua obra
reprova a desobediência civil. Em outras passa- empenha-se em mostrar que os interesses e os
gens, o autor parece negar a influência das nor- meios adequados para satisfazê-los são situados
mas sociais, definindo o mercado “livre” como um social e historicamente, já que devem ser legitima-
mercado “não comprometido por normas éticas” dos pelos valores existentes na sociedade. Assim,
(Idem, p. 420). A única ética existente no merca- a economia de mercado só existe e se mantém no
do, segundo Weber, é o respeito à palavra dada, quadro de uma sociedade que incentiva a busca
sem o qual as transações financeiras na bolsa, por racional do lucro e onde reina uma certa ética do
exemplo, seriam impossíveis. É esta dificuldade trabalho. Nesse sentido, não se pode pensar que
de qualquer regulamentação ética do mercado os interesses sejam os únicos elementos explicati-
que explicaria a antipatia profunda tanto da reli- vos do comportamento do ator econômico e do
gião católica como do protestantismo luterano em funcionamento do mercado, pois os interesses
relação ao capitalismo (Weber, 1968, p. 312). We- precisam dos valores para a formulação de seus
ber faz referência ao princípio do “preço justo”, objetivos e para a legitimação dos meios empre-
mas apenas para mostrar que ele faz parte do pas- gados para persegui-los.
sado, uma vez que caracteriza a ética econômica Considerações éticas entram na sociologia
medieval. De maneira geral, o autor opõe ao es- econômica de Weber também quando o autor dis-
pírito do capitalismo moderno o espírito do tradi- tingue entre racionalidade formal da economia e
cionalismo econômico, caracterizado por um for- racionalidade material. Se a primeira refere-se à
te componente ético. Nele os diversos aspectos aplicação rigorosa da lógica fria do cálculo de
da produção, da distribuição e do consumo são custo e benefício, a segunda permite introduzir
definidos por convenções sociais, geralmente le- uma avaliação valorativa das conseqüências so-
gitimadas pela religião. De fato, Weber considera ciais da atividade econômica. A “racionalidade
que o mercado moderno representa “relações im- formal” de uma atividade econômica tem a ver
pessoais” entre os seres humanos. Como é domi- com “[...] o grau de cálculo tecnicamente possível
nado por interesses materiais individuais, tal mer- e que ela realmente aplica”, ou seja, uma ativida-
cado é contrário a toda “confraternização”, à de econômica será considerada “formalmente ra-
“piedade” e à “comunidade”.15 As relações comu- cional” à medida que suas “previdências” possam
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ser quantificadas (Weber, 1991, p. 52). Nesse sen- trínseca”, na medida em que, como atores econô-
tido, a economia moderna é o arquétipo da ativi- micos, “[...] somos pegos numa rede de obriga-
dade econômica formalmente racional, na medida ções de que não temos o direito de nos emanci-
em que é orientada para o lucro, que supõe o cal- par” (Idem, 1995, pp. 218 e 219). A moral, uma
culo monetário, “meio formalmente mais racional dessas instituições que o ator econômico deve
de orientação da ação econômica” (Idem, p. 53). respeitar, desempenha várias funções na sociolo-
A racionalidade material, em contrapartida, garan- gia econômica durkheimiana.
te a possibilidade de se avaliar a atividade econô- Em primeiro lugar, o papel das regras morais
mica sob outros pontos de vista. Exigências éticas, é de permitir a passagem do nível micro ao nível
políticas, de classe, igualitárias etc., podem ser macro, ou seja, de realizar a adequação entre os
mobilizadas para apreciar a atividade econômica interesses individuais e os interesses coletivos. De
no contexto de uma racionalidade em valor ou de fato, para Durkheim, fazer do ser humano (egoís-
uma racionalidade material em finalidade.16 Nesse ta) um ser social (moral) supõe uma instituição
sentido, essa racionalidade avalia os resultados da que o obrigue a respeitar e se conformar aos in-
atividade econômica em termos de repartição dos teresses sociais, isto é, supõe uma disciplina mo-
bens entre os diversos grupos sociais, em termos ral, internalizada por meio do processo de socia-
de hierarquia social, ou ainda em termos de ou- lização. Assim, diferentemente do que afirma a
tros critérios de valor.17 Weber acrescenta que es- teoria liberal, Durkheim mostra que o bem-estar
sas duas formas de racionalidade “[...] discrepam, coletivo não pode decorrer da busca egoísta dos
em princípio, em todas as circunstâncias”, mesmo interesses individuais. Pelo contrário, existe um
que possa ocorrer ocasionalmente uma coinci- antagonismo entre ambos, pois, sem disciplina
dência (Idem, p. 68). moral, a sede de riqueza é sem fim (Idem, 1983).
No que tange às relações entre economia e Em segundo lugar, as regras morais são fun-
moral, Durkheim adota uma postura ao mesmo damentais para a estabilidade da sociedade con-
tempo normativa e analítica. Por um lado, o autor tratual, uma vez que asseguram o respeito às ins-
adverte quanto aos riscos da modernidade, ao in- tituições básicas. Durkheim mostra a origem
sistir sobre o estado de anarquia de uma socieda- religiosa do respeito aos contratos e à proprieda-
de cuja esfera econômica não está regulada mo- de privada, por meio das palavras e dos ritos re-
ralmente (Durkheim, 1983, 1995). De maneira ligiosos, quando da emergência histórica dessas
geral, a sociologia durkheimiana aborda o tema instituições. Mas hoje, com a diminuição da fé, o
das regras morais na vida econômica com base na que asseguraria o respeito ao contrato, instituição
noção de anomia, lamentando as conseqüências básica do mercado? É evidente que o direito obri-
mórbidas da ausência de regras morais, no caso ga as partes interessadas, mas, fundamentalmen-
da divisão do trabalho, por exemplo (Idem, 1995). te, o contrato é sagrado porque o indivíduo é sa-
Por outro lado, na polêmica que mantém com grado. Da mesma forma, é a emergência do
Spencer e os economistas marginalistas, o autor individualismo18 que explica o caráter sagrado da
se empenha em mostrar que a moral não é tão propriedade individual, outra instituição funda-
ausente assim da vida econômica, mesmo na so- mental da sociedade mercantil. Originalmente,
ciedade moderna. Ele analisa particularmente a havia uma “religiosidade difusa nas coisas”, que,
moral profissional (Idem, 1983), mas aborda tam- aos poucos, passou a caracterizar as pessoas: “[...]
bém o tema do mercado (Idem, 1995). Nesse sen- as coisas deixaram de ser sagradas por si mesmas,
tido, não se pode opor a sociedade tradicional, já não tiveram esse caráter senão indiretamente,
caracterizada por uma forte consciência coletiva, pois dependiam das pessoas, estas sim, sagradas”
à sociedade moderna, cuja solidariedade derivaria (Idem, p. 156). A referência a uma esfera trans-
somente das interdependências nascidas da divi- cendente, sagrada, corporifica-se nos ritos, não
são do trabalho. Com efeito, a especialização pro- somente verbais, como no caso do formalismo re-
fissional e os contratos têm uma “moralidade in- ligioso e jurídico, mas também manuais: ainda
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hoje o aperto de mão ou uma refeição/bebida devidamente o Direito, mas mostra que um pro-
compartilhada costumam selar os contratos. Tal- gresso nítido pode ser sentido no caso do merca-
vez a significação primitiva desses ritos tenha se do do trabalho, no qual uma série de medidas,
perdido, mas a tradição se mantém (Idem, 1983). efetivas ou propostas, como o salário mínimo, o
Assim, as regras morais permitem assegurar a seguro-doença, a aposentadoria etc., estão come-
confiança no mercado, mesmo entre pessoas que çando a “[...] tornar menos injusto o contrato de
não se conhecem diretamente, pelo respeito aos trabalho” (Idem, p. 193).
mesmos valores fundamentais da sociedade mo- Essa noção de contrato justo, ou eqüitativo,
derna, ou seja, os direitos do indivíduo. faz intervir uma idéia extremamente interessante
Finalmente, percebemos que as regras mo- em sociologia econômica, a noção de preço jus-
rais difundem também um princípio de justiça to. “É sabido, com efeito, a existência em cada so-
que orienta a vida econômica de maneira geral e que ciedade, e em cada momento da história, de um
influencia, em particular, o estabelecimento dos sentimento obscuro, mas vivo, do valor dos vários
contratos e dos preços. De fato, juntamente com serviços sociais, e das coisas envolvidas nas tro-
o respeito ao contrato, o individualismo traz prin- cas” (Idem, p. 191). Por um lado, Durkheim faz
cípios novos, a saber, as noções de livre consen- referência ao mecanismo de formação dos preços,
timento e, sobretudo, de contrato justo. mecanismo essencialmente social e não mercantil:
“os preços verdadeiros das coisas trocadas são fi-
Negligenciadas pelos economistas, as “condições xados anteriormente aos contratos, bem longe de
morais da troca” requerem uma regulação do resultar deles” (Idem, p. 192). O autor continua
mercado que não se limite a perseguir as fraudes sua reflexão explicitando sua noção do valor dos
e a fazer respeitar os contratos, mas que aja efi-
bens, que se afasta da teoria do valor-trabalho da
cazmente contra os desequilíbrios que acarretam
uma troca injusta e geram conflitos, pondo em
economia clássica e marxista, e se aproxima da no-
perigo as próprias atividades econômicas (Trigi- ção de utilidade da economia neoclássica:
lia, 2002, p. 79).
[...] não é a quantidade de trabalho posto numa
coisa que lhe faz o valor a essa coisa, é a manei-
Esta dimensão moral supõe, primeiro, que
ra pela qual essa coisa é estimada pela socieda-
ninguém pode ser obrigado a assinar um contra-
de; e essa estimativa depende não tanto da quan-
to e, segundo, que o contrato não deve prejudi- tidade de energia despendida quanto de seus
car nenhuma parte. Aqui Durkheim se refere a efeitos úteis, tais, ao menos, como são sentidos
um aspecto psicológico – os sentimentos de sim- pela coletividade (Idem, p. 197).
patia que os seres humanos sentem em relação ao
outro –, mas que expressa uma norma social típi- Infelizmente, Durkheim não aprofunda este
ca da sociedade moderna, ou seja, o respeito ao tema da “construção social do preço”, remetendo
indivíduo. É esse respeito que fundamenta a con- a reflexão a um momento mais oportuno. Por ou-
denação coletiva da injustiça. “Há, nessa explora- tro lado, ele mostra como as normas sociais – isto
ção do homem pelo homem [...], algo que nos é, morais – orientam o mercado, na medida em
ofende e nos indigna” (Durkheim, 1983, p. 192). que a sociedade reprova o contrato injusto, como
Nesse contexto, a consciência social rebela-se acabamos de ver, ou seja, um contrato que prevê
contra o contrato injusto, o que pode diminuir a a remuneração de bens ou serviços a um preço
pressão para que ele seja respeitado.19 “Reprova- inferior ao seu valor, definido socialmente, e que
mos todo contrato leonino, isto é, todo contrato acaba, portanto, prejudicando uma das partes.
que favoreça indevidamente uma parte em detri- Nesse sentido, Durkheim teve o mérito de chamar
mento da outra; por conseguinte, julgamos que a a atenção para a influência da ética no mercado,
sociedade não está obrigada a fazê-lo respeitar” que pode em certos casos se revelar mais forte do
(Idem, pp. 192-193). Durkheim reconhece que que a pura lógica econômica. No entanto, lamen-
tais julgamentos morais ainda não influenciaram tamos que não tenha aprofundado sua análise, o
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DO MERCADO EM DURKHEIM E WEBER 135

que deixou sua teoria da avaliação social pouco futuras do acordo e, portanto, “[...] ficaríamos
consistente (Steiner, 1992).20 imobilizados” (Idem, ibidem). O Direito permite
assim economizar tempo social e reduzir os con-
flitos no mercado, na medida em que define os
O papel das regras jurídicas: confiança direitos e os deveres de cada um.
e previsibilidade De maneira geral, o Direito moderno empe-
nha-se em fazer respeitar os direitos individuais, o
Weber e Durkheim iniciaram uma tradição que representa uma inovação na história da hu-
de análise sobre os vínculos entre Direito e eco- manidade. Durkheim lembra que as formas anti-
nomia, em particular a construção jurídica das re- gas de contrato, o contrato real e o solene, corres-
lações mercantis, que hoje voltou a ser debatida. pondem “[...] a um estádio da evolução social em
Interessante é observar que eles não tinham so- que o direito dos indivíduos ainda não era senão
mente a visão, comum hoje, de Direito como re- fracamente respeitado. Daí resultou não serem se-
gra coercitiva, mas o consideravam também um não mui fracamente protegidos os direitos indivi-
instrumento facilitador, no sentido de assegurar a duais envolvidos em todo contrato” (Durkheim,
confiança entre os atores econômicos. 1983, p. 180). Isso não significa que não havia pu-
Para Durkheim, devido à sua complexidade, nição, mas as sanções só intervinham no caso e
o contrato, base da relação mercantil, longe de na medida em que o contrato representava uma
ser primitivo, só poderia surgir e se desenvolver ameaça para a sociedade em si, ou seja, para a
numa época tardia da história da humanidade, “autoridade pública”. Pelo contrário, os interesses
pois ele supõe uma base jurídica. Mesmo na so- individuais não eram levados em conta: “não são
ciedade moderna, como vimos, o contrato preci- previstos, de modo nenhum, os danos que possa
sa do não-contratual, ou seja, das regras formais causar [...]” o contrato (Idem, p. 181). Nesse sen-
e/ou informais que estabelecem as condições da tido, o Direito moderno permite assegurar a con-
relação entre os parceiros da troca: “é bem verda- fiança no mercado, ao punir atos desonestos:
de que as relações contratuais [...] se multiplicam hoje, “a sanção dos contratos consiste, então, es-
à medida que o trabalho social se divide. Mas [...] sencialmente, não em vingar a autoridade pública
as relações não contratuais se desenvolvem ao da desobediência, como no caso do devedor re-
mesmo tempo” (Durkheim, 1995, p. 193). Em par- calcitrante, mas em assegurar, às duas partes, a
ticular, o contrato precisa do Direito que, para plena e direta realização dos direitos adquiridos”
Durkheim, é uma instituição, isto é, um fato so- (Idem, p. 182). Ele permite, finalmente, evitar a
cial, no sentido de ser exterior, coercitivo e geral; exploração do fraco pelo forte, sobretudo no mer-
seu aspecto institucional revela-se também no cado de trabalho, e assegurar assim um princípio
fato de ele encerrar uma dimensão coletiva e de de justiça, como vimos anteriormente.
longo prazo: “Resumo de experiências numerosas A sociologia do Direito de Weber é bem co-
e variadas, o que não podemos prever individual- nhecida, mas raramente se faz referência à sua
mente está previsto aí, o que não podemos regu- contribuição à sociologia econômica (Swedberg,
lar aí é regulamentado, e essa regulamentação se 1998b). No entanto, várias vezes, ele cita o Direi-
impõe a nós, conquanto não seja nossa obra, mas to como um pré-requisito da emergência do capi-
da sociedade e da tradição” (Idem, p. 201). Qual talismo ou de seu funcionamento, afirmando que
seria, então, seu papel na regulamentação do a ordem econômica e a ordem jurídica estão rela-
mercado? O Direito contratual está na base da re- cionadas de maneira íntima (Weber, 1991, p. 210).
lação contratual e, portanto, possibilita a ativida- Entretanto, Weber critica tanto Marx e sua determi-
de econômica, pois, se as condições gerais de nação linear do Direito pela economia, como
todo contrato de compra e venda ou de aluguel Stammler e sua determinação simetricamente
não fossem predefinidas, não teríamos como ne- oposta da economia pelo Direito. Weber argumen-
gociar constantemente as condições presentes e ta que as relações entre ambas as esferas são com-
136 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 20 Nº. 57

plexas e que não se pode estabelecer uma causa- criar novas relações econômicas, são em princípio
lidade simples, num ou noutro sentido (Swedberg, garantidos “por coação jurídica” que se apóia es-
1998b, p. 88). De acordo com nosso objetivo, ten- pecialmente na garantia estatal (Idem, p. 221). We-
taremos aqui nos concentrar sobre o papel do Di- ber, assim como Durkheim, desenvolve uma aná-
reito na regulação do mercado. lise sociológica cuidadosa do contrato e mostra
No caso do Direito, a reprovação para toda que, para permitir um funcionamento racional do
violação da regra constatada no caso da convenção mercado, a lei deve assegurar a “liberdade mate-
se caracteriza por uma “[...] coação (física ou psí- rial do contrato” (Weber apud Swedberg, 1998b,
quica) exercida por determinado quadro de pes- p. 100). Ele analisa também as outras instituições
soas cuja função específica consiste em forçar a ob- da economia de mercado, demonstrando como o
servação dessa ordem ou castigar sua violação” Direito é fundamental para legitimar a proprieda-
(Weber, 1991, p. 21). O traço distintivo do Direito de privada e a firma; em particular, sua análise
é, portanto, a existência deste “quadro de pessoas”, considera as condições legais que permitiram a
constituído, na sociedade moderna, por “[...] juízes, emergência da noção de pessoa jurídica e de em-
procuradores, funcionários administrativos, execu- presa, como organização legalmente autônoma,
tores etc.” (Idem, ibidem). Na economia, ele regu- isto é, cuja autonomia é garantida pelo Estado
lamenta em particular as relações mercantis “[...] (Weber apud Swedberg, 1998b, p. 102).
pela efetiva limitação jurídica da troca ou da liber- O Direito permite assegurar a confiança no
dade na luta de preços e de concorrência, de for- mercado na medida em que aumenta as chances
ma geral ou para determinados círculos de pessoas de que os contratos sejam respeitados e de que a
ou objetos de troca” (Idem, pp. 50-51). propriedade seja defendida. Por um lado, a regra
De maneira geral, na teoria da ação social de jurídica aumenta a possibilidade de as pessoas
Weber, o Direito deve ser visto como mais um exigirem o apoio de um aparelho coercitivo para
elemento, além de seus interesses e dos outros defender seus interesses; por outro, se, nas trocas
atores, que um ator econômico deve levar em mercantis, o “interesse egoísta” “[...] atua contra a
conta quando toma suas decisões. Segundo We- inclinação de faltar à promessa”, é melhor ainda
ber, as pessoas respeitam as regras jurídicas, não poder contar com uma garantia jurídica21 (Weber,
“por obediência sentida como dever jurídico”, 1991, p. 221). Não obstante a economia oferecer
mas por uma variedade de motivos, indo do utili- vários exemplos de atividades ou organizações
tário ao ético, passando pelo “subjetivamente econômicas que gozam de estabilidade e segu-
convencional, pelo temor à desaprovação do rança sem que haja necessariamente a garantia do
mundo circundante” (Idem, pp. 210-211). Com Direito – como a Bolsa ou os cartéis –, ele não
efeito, a autoridade da ordem jurídica depende deixa de representar um “acréscimo de seguran-
menos da existência da coerção e mais do fato ça” na expectativa de que um determinado com-
de as regras jurídicas se tornarem regras tradicio- portamento ocorra (Idem).
nais, cuja desobediência é punida pelas conven- Contudo o mais importante é que a econo-
ções sociais. Nesse sentido, a importância da re- mia moderna precisa de um ambiente previsível,
gra jurídica na conduta social não deve ser do qual participa o Direito, estreitamente ligado à
exagerada, pois, às vezes, ela tem menos força do racionalidade. “O domínio universal da relação as-
que o preceito religioso ou a convenção social. sociativa de mercado exige [...] um funcionamen-
Apesar disso, de acordo com Weber, a lei de- to do direito calculável segundo regras racionais”
sempenha um papel-chave na economia de mer- (Idem, p. 227, grifo do autor). Com efeito, uma das
cado, sobretudo em virtude do contrato, o que precondições para a emergência do capitalismo
aproxima sua reflexão das idéias de Durkheim: “a no Ocidente foi a existência de um “Direito racio-
economia moderna baseia-se em oportunidades nal”, isto é, “calculável”; qualquer outro tipo de
adquiridas por contratos” (Idem, p. 226). E os con- Direito produz constantes perturbações nas esti-
tratos, que regulamentam as trocas e permitem mativas da vida econômica (Weber, 1968). O Di-
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DO MERCADO EM DURKHEIM E WEBER 137

reito racional implica a previsibilidade, ou seja, exemplo. Como esse aspecto tem mais a ver com
evita as surpresas, e não é arbitrário, isto é, respei- as regras jurídicas, ponto já tratado, abordaremos
ta a autonomia da economia (Swedberg, 1998b, p. aqui dois outros temas.
104). Assim, o papel do Direito consiste essencial- Weber considera que o mercado prescinde
mente em assegurar um ambiente previsível para de uma intervenção direta do Estado. Por um
que os atores econômicos possam tomar suas de- lado, ele mostra que o capitalismo de mercado se
cisões da maneira mais racional possível. desenvolveu onde a participação direta do Estado
Ambos os autores insistem, portanto, na im- na economia era a menor possível; foram os usos
portância do Direito para manter a confiança no da moeda e do sistema de taxação que constituí-
mercado, ao assegurar o respeito aos contratos e ram um ambiente favorável para a emergência da
à propriedade privada, duas instituições funda- economia de mercado (Idem). Por outro lado, em
mentais. Cada um traz ainda uma contribuição sua crítica da teoria monetária de Knapp, Weber
adicional e diferenciada: Durkheim lembra que defende a idéia de que a legislação do Estado não
o Direito permite economizar o tempo social; We- pode influenciar muito a realidade econômica
ber mostra o papel do Direito na implementação (1991). Qual seria então o papel do Estado na re-
de um ambiente estável e previsível. gulação do mercado? Em primeiro lugar, como no
caso do Direito, e em grande parte por meio dele,
o Estado assegura a estabilidade das regras do
O papel do Estado: regulação econômica jogo, ou seja, a manutenção de um ambiente po-
e difusão de valores lítico e econômico previsível. Em particular, uma
das atribuições do Estado é garantir a existência
No quadro de sua concepção sofisticada de de um sistema monetário racional, ou seja, de não
embeddedness, Weber discute a influência recí- fazer flutuar a moeda em função de interesses po-
proca entre a esfera econômica e a política.22 líticos. Isso explica o fato de a dominação legal
Como neste texto estamos interessados no papel ser, das três formas de dominação, a mais adapta-
do Estado na construção social do mercado, é su- da à economia de mercado, devido à lógica de
ficiente analisarmos como Weber entendia a in- funcionamento da burocracia, com suas regras
fluência da esfera política sobre a esfera econômi- definidas e estáveis, e a ausência de arbitrarieda-
ca. Podemos começar lembrando que o conceito de.23 De fato, “para que a exploração econômica
de “luta” é central tanto na sociologia política we- capitalista proceda racionalmente precisa confiar
beriana como em sua sociologia econômica em que a justiça e a administração seguirão deter-
(Swedberg, 1998b). Contudo, o ponto-chave que minadas pautas” (Idem, p. 251). Trata-se de uma
diferencia ambas as esferas é a noção de violên- visão perfeitamente compreensível dentro da so-
cia. De fato, se o uso da violência é o monopólio ciologia econômica de Weber, pois, na medida
do Estado num determinado território, a atividade em que o ator econômico orienta sua ação em
econômica é vista como uma atividade intrinseca- função do comportamento dos outros atores e do
mente pacífica, na qual os conflitos de interesse contexto sociopolítico, ele precisa da maior previ-
são resolvidos pelo compromisso ou pelo poder, sibilidade possível desses comportamentos.
mas não pela violência, ao menos na sociedade Em segundo lugar, o Estado, através a buro-
moderna. No entanto, a ordem econômica é ga- cracia, participa da difusão de um ethos que tem
rantida, em última instância, pela ordem política: afinidades eletivas com o ethos capitalista, ou seja,
“atrás de toda economia existe um elemento coer- a ênfase na impessoalidade e na racionalidade.
civo – atualmente, manejado pelo Estado” (We- Nesse sentido, o Estado contribui para a manuten-
ber, 1968, p. 10). Nesse sentido, a ampliação do ção de uma determinada mentalidade econômica,
mercado acarreta obrigatoriamente um reforço mas não é a política econômica que, direta e vo-
do poder estatal e a dissolução de todos os outros luntariamente, pode influenciar o comportamento
organismos de coerção, como as corporações, por do ator econômico, pois “[...] não se cria uma
138 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 20 Nº. 57

mentalidade econômica capitalista com uma polí- ele é quem redime o indivíduo da sociedade”
tica econômica” (Weber, 1991, apud Swedberg, (Idem, p. 63). Por outro lado, não se pode consi-
1998b, p. 241). Para Weber, são os interesses dos derar, na ótica dos socialistas, o Estado como
indivíduos e não as idéias econômicas que lide- “uma simples peça da máquina econômica”, isto
ram o mundo, tanto no presente como no futuro. é, como um prestador de serviços para a econo-
Assim, ele afirma que uma mudança revolucioná- mia (Idem, p. 66). O papel do Estado é funda-
ria do sistema político e, portanto, da ideologia, mentalmente moral, ele é o “órgão por excelência
provavelmente não conseguiria influenciar o da disciplina moral” (Idem, ibidem). Em vez de
comportamento econômico, que permaneceria nos afastar do Estado, estamos nos tornando cada
orientado em função dos interesses individuais. vez mais dependentes dele, na medida em que
Se, na economia de mercado, os atores econômi- “[...] ele tem por encargo chamar-nos ao senti-
cos buscam a satisfação de seus interesses ideais mento da solidariedade comum” (Durkheim,
ou materiais, “[...] numa economia organizada de 1995, p. 218).26 Nesse sentido, ele influencia indi-
forma socialista, não seria em princípio diferente” retamente o mercado, uma vez que assegura não
(Weber, 1991, p. 136).24 Contudo, na medida em só o respeito aos contratos e à propriedade priva-
que tanto a esfera burocrática como a econômica da, por meio da garantia dos direitos individuais,
na sociedade moderna incentivam e valorizam mas também a justiça das trocas.27 O Estado não
comportamentos racionais e impessoais, a buro- pode intervir diretamente na vida econômica,
cracia estatal acaba reforçando, até um certo limi- pois está por demais afastado dos particularismos
te,25 a legitimidade do mercado. setoriais, locais, etc.28 Este papel de regulação di-
Para Durkheim, o Estado é menos um órgão reta do mercado deve ser desempenhado pelas
executivo, que age, do que deliberativo, que pen- corporações profissionais.29
sa: “o Estado é um órgão especial encarregado de Em suma, pode-se dizer que ambos os auto-
elaborar certas representações que valem para a res têm uma postura relativamente parecida em
coletividade” (Durkheim, 1983, p. 46). Durkheim relação ao papel do Estado. Reprovam uma inter-
afirma sua visão de Estado, e em particular sua vi- venção direta da esfera política na economia,
são das relações entre Estado e economia, opon- mesmo se por razões diferentes, mas insistem so-
do-se às teorias existentes. Por um lado, ele criti- bre sua importância na difusão dos valores da
modernidade, indispensáveis para o funciona-
ca a visão de Spencer e dos economistas, que
mento do mercado: racionalidade e impessoalida-
minimizam o papel do Estado. Talvez as funções
de, de um lado, individualismo e justiça, de outro.
tradicionais, como a guerra, tenham regredido, ar-
gumenta o autor, mas o Estado passou a assumir
inúmeras novas funções – nas áreas de educação, Considerações finais
saúde, infra-estrutura de transporte e de comuni-
cação, etc. – e suas ramificações se estenderam Apesar do caráter exploratório deste texto,
por todo o território nacional (Durkheim, 1995). podemos destacar alguns resultados fundamen-
Nesse sentido, o crescimento do individualismo tais. Em ambos os autores, encontramos uma aná-
não implica a diminuição do papel do Estado; lise sociológica do mercado que insiste na dimen-
pelo contrário, é justamente o Estado que legitima são socializadora da relação mercantil. Ao discutir
e garante o individualismo, que afirma e faz res- esse tema, eles superaram muitas teorias contem-
peitar os direitos do indivíduo. “Longe de ser an- porâneas a respeito. Com efeito, essa dimensão
tagonista do Estado, nossa individualidade moral não decorre obrigatoriamente das relações pes-
[é], ao contrário, produto do Estado” (Durkheim, soais, mas do fato de que, no quadro da troca
1983, p. 63). De fato, ele “[...] tende a assegurar a mercantil, os atores econômicos não levam em
individuação mais completa permitida pelo esta- conta somente seus interesses próprios, mas tam-
do social. Bem longe de ser o tirano do indivíduo, bém o contexto institucional.
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DO MERCADO EM DURKHEIM E WEBER 139

Assim, esperamos ter conseguido mostrar co da revista Sociedade e Estado, 17 (1) jan.-jun.
que as reflexões de Durkheim e Weber contribuí- 2002, dedicado à nova sociologia econômica.
ram de maneira fundamental para a emergência
2 Esta temporalidade exclui de fato Karl Marx dos
de uma sociologia clássica do mercado. Além de
fundadores da sociologia econômica clássica, ape-
terem tido o mérito de introduzir a questão do po-
sar de ele ter feito contribuições valiosas. Cf. Stei-
der, hoje retomada por autores como Bourdieu e
ner (2000).
Fligstein, por exemplo, os autores orientaram sua
reflexão no sentido de explicitar os aspectos so- 3 Ver, em particular, o segundo capítulo de As Regras
ciopolíticos que caracterizam e permitem o fun- do método sociológico (Durkheim, 1984).
cionamento do mercado. De fato, ambos insisti- 4 Infelizmente, a tradução para o português não re-
ram sobre o fato de que o ator econômico não produz de maneira fiel o pensamento de Dur-
busca unicamente seu interesse, ou melhor, os in- kheim. O texto original, em francês, é mais explí-
teresses e os procedimentos adequados para sua cito a respeito da analogia que se pode fazer entre
realização são definidos socialmente, isto é, pelas contrato e mercado: “nous passons constamment
instituições, entre as quais são destacadas a tradi- par le marché, soit pour acheter, pour vendre, ou
ção, a moral e o Direito. pour louer. La plupart de nos relations avec autrui
Acreditamos que seja necessário aprofundar sont de nature contractuelle”.
essa reflexão em três direções. Primeiro, no que
diz respeito às relações entre ética e economia, so- 5 Chantelat critica essencialmente a análise estrutural
mente esboçadas aqui. De fato, as idéias pioneiras do mercado na sociologia econômica contemporâ-
de Durkheim a respeito do preço justo parecem nea, que se empenha em mostrar que as relações
encontrar um eco hoje nas análises desenvolvidas mercantis estão inseridas em redes de relações pes-
em torno da noção de “economia moral”, elabora- soais. Ver Granovetter (1985), DiMaggio e Louch
da inicialmente por E. P. Thompson. Em seguida, (1998) e Uzzi (1996).
parece fundamental resgatar e aprofundar as análi- 6 Lembramos que Weber define luta como a ativida-
ses iniciadas por Durkheim e Weber a respeito do de orientada “[...] pelo propósito de impor a pró-
papel do Estado, cuja importância reside menos pria vontade contra a resistência do ou dos parcei-
numa regulação direta da economia (tema relativa- ros” (1991, p. 23).
mente comum na sociologia econômica contempo-
rânea), do que na difusão de valores fundamentais 7 Essa dimensão política foi retomada mais recente-
para o funcionamento apropriado do mercado. Fi- mente no contexto da nova sociologia econômica,
nalmente, tanto para Weber como para Durkheim, por autores como Fligstein (1996) e Bourdieu
o ator econômico não se comporta como um autô- (1997), mas vale a pena conferir que ela não está
mato, que reage aos estímulos do mercado, mas de ausente da análise durkheimiana.
acordo com elementos subjetivos, que não são in- 8 Essa visão sociopolítica do mercado como “campo
dividuais, mas sociais, isto é, enraizados no longo de lutas”, para falar como Bourdieu, encontra-se
prazo e veiculados pelas instituições. Nesse senti- confirmada e reforçada por sua definição do cálcu-
do, ainda não foi feito um exame minucioso da so- lo de capital que “[...] em sua feição formalmente
ciologia do conhecimento implícita nas teorias des- mais racional, pressupõe, portanto, a luta entre os
ses dois autores pioneiros a partir da noção de homens, uns contra os outros” (Weber, 1991, p. 57;
mentalidade econômica. grifo do autor).

9 Essa intuição fundamental de Weber é aprofunda-


NOTAS da num artigo clássico da nova sociologia econô-
mica (White, 1981).

1 Ultimamente, o Brasil vem ingressando nesta área, 10 No espaço restrito deste texto não podemos desen-
como testemunha, por exemplo, o número temáti- volver esse aspecto, mas o leitor pode conferir a
140 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 20 Nº. 57

análise weberiana da mediação social efetivada por é também possível uma crítica ética, ascética e es-
meio do dinheiro, na qual Weber dialoga com Sim- tética tanto da atitude econômica quanto dos meios
mel e Marx (Weber, 1991). econômicos” (1991, pp. 52-53, grifo do autor).

11 Diferentemente de Durkheim, que insiste na incon- 18 Longe do individualismo metodológico e ético dos
sistência dos interesses, Weber considera que o in- utilitaristas, trata-se de um “individualismo moral”,
teresse egoísta é uma garantia de estabilidade nas expressão que subentende que o “culto ao indiví-
relações econômicas, pois “[...] atua contra a incli- duo” característico da sociedade moderna coexiste
nação de faltar à promessa” (1991, p. 221). com a manutenção de regras morais compartilha-
das pela coletividade. Cf. Giddens (1998).
12 Se Durkheim e Weber reconhecem que uma parte
do comportamento do ator econômico pode ser ex- 19 Weber não concordaria com Durkheim, pois, como
plicada pela busca do interesse, eles lembram que vimos, ele considera o mercado uma esfera na qual
esses interesses são definidos socialmente e não fa- reinam interesses impessoais e contrários a toda
zem parte de uma hipotética “natureza” humana. ética fraterna.

13 Tal ameaça pode ter um impacto econômico sério: 20 De acordo com Steiner (1999), pesquisas empíricas
Weber, em sua análise das seitas protestantes na realizadas recentemente confirmaram esta intuição
sociedade norte-americana, mostra até que ponto a fundamental de Durkheim.
exclusão de uma seita é economicamente penaliza- 21 Reencontramos essa diferença fundamental entre
dora para o indivíduo, uma vez que a falta de con- Weber e Durkheim a respeito da estabilidade do
fiança que ele inspira nos outros dificulta sua ob- interesse.
tenção de créditos (Weber, 1982).
22 Durkheim desenvolve uma concepção simples de
14 Essa reflexão continua ainda hoje pertinente, quan- embeddedness, na qual a esfera econômica é vista
do, por exemplo, se discute a doação/venda de como inserida dentro da esfera social, enquanto We-
sangue ou de órgãos. Zelizer (1978, 1992) realizou ber, coerente com sua recusa do determinismo uni-
duas pesquisas fundamentais sobre a mercabilida- causal, desenvolve implicitamente uma concepção
de de crianças adotivas ou de seguro de vida. mais sofisticada, na qual a esfera econômica coexis-
15 Reis (2003) aponta para essa “ambigüidade funda- te no mesmo plano de análise das esferas sociocul-
mental” do mercado identificada por Weber. Ao mes- tural e político-jurídica (Boettke e Storr, 2002).
mo tempo que legitima e incentiva o comportamen- 23 Não poderemos desenvolver aqui uma análise cui-
to frio e egoísta de busca do interesse pessoal, o dadosa a respeito das relações existentes entre os
mercado encerra uma dimensão “comunal” pelo ne- tipos de dominação e a organização econômica em
cessário reconhecimento recíproco de um conjunto Weber. Ver a esse respeito, Swedberg (1998b).
de direitos comuns entre os parceiros da troca.
24 Nesse ponto não se pode ter certeza se Weber, no
16 De acordo com Gislain e Steiner, “a distinção entre seu desejo de criticar o socialismo, não estaria se
essas duas formas de apreciação é delicada e pou- contradizendo, já que afirma, em outro momento de
co explícita em Weber; ela corresponde a duas ma- sua obra, o papel preponderante das idéias na
neiras segundo quais os valores podem intervir. No orientação dos interesses. Ou seja, será que a ideo-
caso de uma apreciação materialmente racional em logia socialista não conseguiria reorientar os interes-
finalidade, trata-se de uma ação (intelectual) racio- ses individuais em direção aos interesses coletivos?
nal em finalidade, mas baseada num critério axio-
25 Essa restrição indica que há também antagonismo
lógico (exigência política, ética etc.), enquanto no
entre as duas esferas. Por um lado, Weber refere-
outro caso não se leva em conta as conseqüências
se à incompreensão, até à hostilidade, dos funcio-
da ação, como em qualquer ação racional em va-
nários públicos em relação aos atores econômicos.
lor” (1995, p. 191, grifo dos autores).
Por outro lado, deve-se, segundo o autor, contro-
17 Weber acrescenta que, “independentemente desta lar a burocracia, porque ela tende a reduzir as ini-
crítica material do resultado da gestão econômica, ciativas econômicas privadas.
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DO MERCADO EM DURKHEIM E WEBER 141

26 Evidentemente, Durkheim deposita grandes espe- DURKHEIM, Émile. (1984), As regras do método
ranças na escola laica para a difusão dos valores sociológico. 11 ed. São Paulo, Editora
morais republicanos. Nacional.
27 Weber discordaria de Durkheim quanto a essa ques- _________. (1975), “Sociologia e ciências sociais”,
tão, na medida em que defende a tese de que não in _________, A ciência social e a ação,
existe nenhuma afinidade eletiva entre capitalismo e São Paulo, Difel, pp. 125-142 (1ª ed.
democracia, isto é, que se trata de uma coincidên-
1909).
cia histórica se a sociedade moderna se caracteriza
ao mesmo tempo por uma economia de mercado e _________. (1983), Lições de sociologia: a moral, o
pelo individualismo político (Swedberg, 1998b). direito e o Estado. São Paulo, T. A. Quei-
28 Essa análise do papel do Estado ilustra (brevemen- roz/USP.
te) a posição de Weber e Durkheim no debate, _________. (1995), Da divisão do trabalho social.
acirrado na virada do século XIX, entre liberalismo São Paulo, Martins Fontes.
e socialismo. Contrário ao liberalismo, que signifi-
cava anomia e caos social, Durkheim via com sim- FLIGSTEIN, Neil. (1996), “Markets as politics: a
patia o socialismo somente se fosse encarado es- political-cultural approach to market
sencialmente como reforma moral. Weber, por sua institutions”. American Sociological Re-
vez, encarava o socialismo com pessimismo, na view, 61: 656-673.
medida em que significava um aprofundamento
das restrições à liberdade humana, tendo-se em
FRIDMAN, Luis Carlos. (1993), Socialismo: Émile
vista o crescimento da razão instrumental e do pa- Durkheim, Max Weber. Rio de Janeiro,
pel da burocracia pública. Cf. Fridman (1993). Relume Dumará.

29 Para uma análise do papel das corporações, com GIDDENS, Anthony. (1998), “Durkheim e a ques-
conclusões opostas, ver Durkheim (1983) e Weber tão do individualismo”, in _________,
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A CONSTRUÇÃO SOCIAL DO THE SOCIAL CONTRUCTION LA CONSTRUCTION SOCIALE


MERCADO EM DURKHEIM E OF MARKET IN DURKHEIM DU MARCHÉ DANS DUR-
WEBER: ANÁLISE DO PAPEL AND WEBER: AN ANALYSIS KHEIM ET WEBER: ANALYSE
DAS INSTITUIÇÕES NA SO- ON THE ROLE OF INSTITU- DU RÔLE DES INSTITUTIONS
CIOLOGIA ECONÔMICA TIONS IN THE CLASSICAL DANS LA SOCIOLOGIE ÉCO-
CLÁSSICA ECONOMICAL SOCIOLOGY NOMIQUE CLASSIQUE

Cécile Raud-Mattedi Cécile Raud-Mattedi Cécile Raud-Mattedi

Palavras-chave Keywords Mots-clés


Mercado; Instituições econômi- Market; Economic institutions; Marché; Institutions économi-
cas; Estado; Dukheim; Weber. State; Durkheim; Weber. ques; État; Durkheim; Weber.

Este texto objetiva resgatar, de ma- This text aims to revive, in an explo- Ce texte prétend récupérer, de façon
neira exploratória, algumas refle- ratory manner, some of the pionee- exploratoire, quelques réflexions
xões pioneiras de Durkheim e We- ring reflections of Durkheim and pionnières de Durkheim et Weber à
ber a respeito do mercado. No Weber in relation to the market. propos du marché. Dans le cadre de
quadro da atual efervescência da From the viewpoint of the current l’actuelle effervescence de la nou-
nova sociologia econômica, argu- excitement in the field of the new velle sociologie économique, nous
mentamos que Durkheim e Weber economic sociology, we argue that soutenons que Durkheim et Weber
iniciaram o estudo sociológico do Durkheim and Weber were respon- ont commencé l’analyse sociologi-
mercado em termos de construção sible for originating the sociological que du marché en termes de cons-
social. De fato, ambos mostraram study of the market as a social struc- truction sociale. En fait, tous deux
que os interesses econômicos e os ture. In fact, they both showed that ont montré que les intérêts écono-
meios adequados para sua busca economic interests and the means miques et les moyens adéquats pour
são definidos socialmente, isto é, by which they may be adequately les atteindre sont définis sociale-
pelas instituições. Em particular, as pursued are defined socially, by ins- ment, c’est-à-dire, par les institu-
regras tradicionais, morais e jurídi- titutions. In particular, traditional, tions. Les règles traditionnelles, mo-
cas são vistas como condicionantes moral and legal rules are seen as ba- rales et juridiques sont, en
básicos da regulação do mercado. sic conditions for the regulation of particulier, considérées comme des
Além disso, iniciando uma reflexão the market. Moreover, giving rise to éléments fondamentaux de la régu-
considerada hoje fundamental, am- a reflection which today is seen as lation du marché. En outre, en dé-
bos apontaram para o papel do Es- fundamental, both pointed towards butant une réflexion considérée, au-
tado, cuja importância reside menos the role of the State, the importance jourd’hui, essentielle, tous deux
numa regulação direta da economia of which consists less in a direct re- insistent sur le rôle de l’État, dont
do que na difusão de valores sociais gulation of the economy than in the l’importance réside moins dans une
fundamentais. diffusion of essential social values. régulation directe de l’économie
que dans la diffusion de valeurs so-
ciales fondamentales.

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