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PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA


SEÇÃO JUDICIÁRIA DA PARAÍBA
SEGUNDA VARA FEDERAL

PROCESSO N. 90.366-0 – CLASSE 29 - AÇÃO ORDINÁRIA


AUTORA: FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO – FUNAI
RÉUS: EMÍLIO CELSO ACIOLI DE MORAIS, FERNANDO RÉGIS DE ALBUQUERQUE
FILHO, LUÍS FRANCO DA ROCHA, FRANCISCO XAVIER DE ANDRADE, JOÃO
ROSENDO DE MENEZES FILHO, ANIANO VIJUELA DI LA CAL, RIO VERMELHO
AGROPASTORIL MERCANTIL S/A, GERALDO ANTÔNIO CAVALCANTI DE MORAIS
SOBRINHO, DESTILARIA MIRIRI S/A E RIVALDO NEVES BASTOS

PROCESSO N. 93.8204-3 - CLASSE 29 - AÇÃO ORDINÁRIA


AUTORES: RIO VERMELHO AGROPASTORIL MERCANTIL S/A, DESTILARIA MIRIRI S/A
E USINA CENTRAL NOSSA SENHORA DE LOURDES S/A
RÉS: UNIÃO, FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO – FUNAI E COMUNIDADE INDÍGENA
JACARÉ DE SÃO DOMINGOS

PROCESSO N. 94.11346-3 - CLASSE 233 - AÇÃO POSSESSÓRIA


AUTORES: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL – MPF, FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO
– FUNAI E UNIÃO
RÉUS: EMÍLIO CELSO ACIOLI DE MORAIS, DESTILARIA MIRIRI S/A, RIVALDO NEVES
BASTOS, FERNANDO RÉGIS DE ALBUQUERQUE FILHO, “ABEL”, “HUGO”, “CHICO
FÉLIX” (FALECIDO), “GIL”, “JOSÉ TAVARES” (FALECIDO), “JÚLIO” E “RODRIGUES”

S E N T E N Ç A1

Julgo os processos acima identificados conjuntamente em razão da conexão


existente entre eles (artigo 105 do CPC).

RELATÓRIO

AÇÃO ORDINÁRIA N. 90.366-0

Cuida-se de “Ação Ordinária Declaratória de Nulidade de Titulação


Dominial, Cumulada com Reintegração de Posse e com Perdas e Danos” movida pela
Fundação Nacional do Índio – FUNAI em face de Emílio Celso Acioli de Morais,
Fernando Régis de Albuquerque Filho, Luís Franco da Rocha, Francisco Xavier de
Andrade, João Rosendo de Menezes Filho, Aniano Vijuela Di La Cal, Rio Vermelho
Agropastoril Mercantil S/A, Geraldo Antônio Cavalcanti de Morais Sobrinho, Destilaria

1
Sentença tipo A, cf. Resolução nº 535/2006 do Conselho da Justiça Federal.
ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU
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Miriri S/A e Rivaldo Neves Bastos, pretendendo a declaração da nulidade das titulações
dominiais em nome dos réus e seus cônjuges, se casados forem, com o cancelamento
dos respectivos registros imobiliários, bem como a reintegração na posse das áreas
pertencentes à União e de usufruto dos índios da tribo Potiguara de Jacaré de São
Domingos, além de reparação por perdas e danos.

A autora afirma o seguinte:

1) Os índios da tribo Potiguara habitam a localidade de Jacaré de São


Domingos, no Município de Rio Tinto/PB, e são tutelados pela FUNAI, sendo que a
presença indígena em tal localidade remonta à época do descobrimento do Brasil, uma vez
que os Potiguaras ocupam o litoral nordestino – mais precisamente os Estados do Rio
Grande do Norte e Paraíba – desde o século XVI, espalhando-se por 400 (quatrocentas)
léguas de costa entre a Paraíba e o Maranhão.

2) O “Mapa de Cantino”, considerado um dos mais antigos documentos sobre


o descobrimento do Brasil, publicado na Europa em 1502, indica o Rio Paraíba, à época
denominado de São Domingos. Por sua vez, no mapa “Terra Brasilis”, publicado em Lisboa
em 1519, já aparece a indicação acerca da Baía da Traição. Em 1549, uma carta escrita por
Gonçalo Coelho ao Rei de Portugal já denominava a costa do litoral paraibano como “Costa
dos Potyguara”. Um mapa elaborado pelo espião francês Jacques de Vaux Clay, em 1575,
apontava as tribos indígenas que poderiam auxiliar os franceses, indicando uma enseada
logo adiante de São Domingos.

3) Com a conquista definitiva da Paraíba pelos portugueses, iniciou-se o


processo de catequese dos índios. Em documentos do século XVIII, surgem referências ao
aldeamento de Montemor ou Preguiça, oriundo de uma dissenção interna do aldeamento de
Baía da Traição. Em 1829, os índios dos dois aldeamentos atingiam cerca de “500 almas”.
O relatório dos Negócios da Agricultura de 1861 informava que havia 02 (duas) aldeias na
Paraíba, uma delas era a Montemor, habitada por cerca de 150 (cento e cinquenta)
indígenas e cujas terras estavam em parte arrendadas a terceiros (sua superfície equivalia a
quatro léguas quadradas). Em outubro de 1866, Antônio Justa Araújo comunicou
oficialmente haver concluído a demarcação da sesmaria de Montemor e iniciada a medição
do perímetro da Baía da Traição.

4) Em 1923, o Serviço de Proteção aos Índios – SPI começou a executar


trabalhos de levantamentos na área de Montemor, a qual passou a sofrer investidas de não
índios: “A historia oral do grupo conta que em 1932 a Vila Montemor foi invadida por
Frederico Lundgren, que fez uma reunião com os caboclos, „colocando para correr‟ aqueles
que afirmassem ser aquela área terra de índio”. Desde então, os índios Potiguara de
Montemor, atual Jacaré de São Domingos, têm sofrido “uma sucessão de derrotas e

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adversidades, culminando com a exclusão de suas terras da demarcação promovida na


Área Indígena Potiguara (Baía da Traição) pela FUNAI.”

5) Foi dado início a um processo administrativo de demarcação das terras


pertencentes aos índios Potiguara de Jacaré de São Domingos, na forma do Decreto n.
94.945/1987. O Grupo de Trabalho Interministerial formado por representantes do Ministério
do Interior, Ministério da Agricultura, DADEN, FUNDAP e sob a coordenação do Presidente
da FUNAI, emitiu o Parecer n. 219/1989 – GTI – Decreto n. 94.945/1987, de 14.02.1989,
opinando pela aprovação da proposta da FUNAI “propondo à Presidência da FUNAI
imediata interdição da área demarcada e à Procuradoria Jurídica da FUNAI que promova as
ações pertinentes, visando incontinenti paralização do esbulho praticado por terceiros.”

6) Acolhendo a sugestão do Grupo de Trabalho Interministerial, o Presidente


da FUNAI interditou a área indígena localizada em Rio Tinto/PB, com aproximadamente
4.500 ha (quatro mil e quinhentos hectares), visando a segurança, garantia de vida e bem
estar dos índios Potiguara. Além da interdição da área, a Portaria PP n. 0162, de
17.02.1989, determinou que a área demarcada seria denominada de “Colônia Indígena de
Jacaré de São Domingos”, condicionando o ingresso de não-índios à expressa autorização
da FUNAI.

7) Após a expedição da citada Portaria Interministerial pelos Ministérios do


Interior e da Reforma e Desenvolvimento Agrário, a demarcação da área seria materializada
e submetida à homologação do Presidente da República. No entanto, o direito dos índios à
posse das referidas terras independe de demarcação, nos termos do artigo 25 da Lei n.
6.001/1973 (Estatuto do Índio) e artigo 231 e parágrafos da Constituição Federal de 1988,
de modo que, apesar de haver um processo administrativo de demarcação das terras
indígenas de Jacaré de São Domingos, este não é condição sine qua non para o
reconhecimento do direito dos índios à posse permanente das terras que tradicionalmente
habitam.

8) Os Réus ocupam parte das terras indígenas de Jacaré de São Domingos


em Rio Tinto/PB, inclusive com títulos de domínio, matrículas e demais elementos
imobiliários registrados, os quais, utilizando-se de meios ilícitos e de titulação dominial nula
de pleno direito, invadiram áreas de terras localizadas no interior dos limites da Colônia
Indígena de Jacaré de São Domingos, ficando caracterizado o esbulho das terras de
usufruto indígena.

9) O direito dos índios à posse permanente das terras que tradicionalmente


habitam leva em consideração o consenso histórico de antiguidade da ocupação, conforme
o artigo 231 e parágrafos da CF/1988 e artigos 22, 23 e 25 da Lei n. 6.001/1973, e não é
hodierna tal proteção, pois a Lei Imperial n. 601, de 18.09.1850, em seus artigos 12, 72, 73
e 75, estabelecia que as terras reservadas para a colonização indígena seriam destinadas

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ao seu usufruto e não poderiam ser alienadas, ao passo que as Constituições Federais de
1934, 1937, 1946, 1967 e 1969 asseguravam aos indígenas o usufruto das terras e seu
domínio pela União.

10) A posse indígena expressa na Constituição não pode ser reduzida ao


conceito de posse extraído no direito civil, pois aquela goza de privilégios e a sua extensão
é apontada pelo próprio texto constitucional, não sendo possível reduzir o seu alcance ou
expressão.

11) O artigo 231, § 6º, da CF/1988 estabelece que são nulos quaisquer atos
que tenham por objeto o domínio, a posse ou a ocupação de terras indígenas e, desse
modo, relativamente às áreas de terras dos índios Potiguara, os títulos dominiais em nome
dos Réus são nulos, não produzindo efeitos jurídicos.

12) Não há direito adquirido em favor daqueles que, possuindo título dominial,
intitulem-se proprietários de terras que eram ocupadas pelos índios, os quais sofreram
esbulho em sua posse e, da mesma forma, inexiste direito adquirido contra a posse
indígena, uma vez que a posse está prevista na Constituição Federal, em relação a qual não
há direito adquirido.

13) Mesmo com a expulsão dos índios de parte de suas terras e dos ilícitos e
sucessivos atos de transmissão de propriedade envolvendo as terras de posse
tradicionalmente indígena, subsiste aos indígenas o direito originário as suas terras e, em
conseqüência, é de se reintegrar os índios Potiguara de Jacaré de São Domingo na posse
da área esbulhada.

Acompanham a petição inicial os documentos de f. 33/300.

Emenda da FUNAI requerendo que onde se lê “índios da tribo Kaimbé”, no


item 56, leia-se “índios da tribo Potyguara” (f. 303).

Intimado (f. 326), o Ministério Público Federal manifestou interesse em intervir


na lide, na forma do artigo 232 da CF/1988 (f. 363).

Citados Luís Franco da Rocha e cônjuge (f. 327, vº), Francisco Xavier de
Andrade e cônjuge (f. 327, 327v.), União (para, querendo, integrar o pólo ativo, f. 327v.),
Emílio Celso Acioli de Morais e cônjuge (f. 332/337), Fernando Régis de Albuquerque Filho
(f. 340/346), João Rosendo de Menezes Filho e cônjuge (f. 352/356), Destilaria Miriri S/A (f.
358/362), Rio Vermelho Agro Pastoril Mercantil S/A (f. 365/401), Aniano Vijuela Di La Cal e
cônjuge (f. 406/446), Geraldo Antônio Cavalcanti de Morais Sobrinho (f. 521/564) e cônjuge
(f. 954, 954v.).

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Rio Vermelho Agropastoril Mercantil S/A apresentou contestação (f. 573/942)


suscitando a preliminar de inépcia da inicial, em razão: a) da ausência de indicação dos
limites, áreas e confrontações dos terrenos cuja posse a FUNAI pede a reintegração, pois
não se pode saber se houve ou não posse anterior dos silvícolas e se estes foram
esbulhados; b) de não haver individualização da participação de cada réu na posse das
terras em relação as quais se pleiteia a reintegração, o que lhes impede de contestar a
demanda, ou, até mesmo se fosse o caso, acolhê-la; c) de falta de comprovação da posse e
do esbulho, porque a FUNAI não provou que os índios detinham a posse e, tampouco, que
estes a perderam, somente alegando ter o domínio da área sub judice, em face do texto
constitucional, o qual não se aplica ao presente caso.

Arguiu, ainda:

- a impossibilidade de conciliação dos ritos procedimentais das ações


propostas e cuja cumulação se pretende: a ação declaratória de nulidade de títulos
dominiais obedece ao rito ordinário, ao passo que a ação de reintegração é de rito especial.

- a paralisação da demanda por mais de 01 (um) ano por negligência da


autora, a ensejar a extinção (artigo 267, inciso II, do CPC).

- a conexão entre a presente demanda com a Ação Ordinária n. 93.8204-3


ajuizada pela ré, pretendendo a nulidade da demarcação cumulada com pedido
reivindicatório.

- a prescrição da pretensão autoral, uma vez que os títulos dominiais dos


réus são de mais de 20 (vinte) anos, além de os réus e seus antecessores, em cadeia
sucessória, exercerem a posse e domínio sobre as terras há mais de 100 (cem) anos.

No mérito, sustentou que:

1) A titulação dominial da parte ré relativa à faixa de terra sub judice foi


reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ no Mandado de Segurança n. 1835-
5/DF. O Ministro-Relator Milton Pereira, inclusive afirmou a legitimidade da aquisição
territorial pela ré como “senhores e possuidores de significativa parte das terras”, haja vista
a “cadeia sucessória perfeita”, entendendo como incontestes as provas do domínio e posse
da ora ré. No entanto, o STJ entendeu que a matéria extrapolava o âmbito do mandado de
segurança e deveria ser objeto de ação própria.

2) Não há que se falar em nulidade dos títulos, uma vez que eles são
anteriores não só à CF/1988, como também à CF/1934 – primeira Carta Magna a conter
dispositivo relativo à posse indígena. A própria FUNAI, na petição inicial, reconhece que,
desde 1932, pelo menos, a posse era dos réus (por seus antecessores) e os índios a

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haviam perdido quando da demarcação feita por Justa Araújo, de modo que a pretensão
tem o seu fundamento em direito anterior e na ausência de posse dos silvícolas sobre as
terras utilizadas pelos réus.

3) O direito vem desde 1866, quando Antônio da Justa Araújo extinguiu o


aldeamento indígena de Montemor e distribuiu entre os possuidores de glebas os títulos
dominiais. Assim, extinto o aldeamento e titulados os proprietários das terras, não há que se
falar em domínio ou posse dos silvícolas, visto que consolidou-se o domínio individual dos
titulados. Ademais, as terras ocupadas pelos índios na região foram demarcadas e a eles
entregues, constituindo a “Reserva Indígena Potyguara”, devidamente demarcada pelo
Decreto n. 89.256/1983 e, consequentemente, foi reconhecido aos silvícolas o direito sobre
a área que ocupavam, valendo ressaltar que, no próprio mapa de demarcação da citada
reserva, vê-se que as terras da ré se encontram fora de seu perímetro e, portanto, não
ocupadas pelos índios.

4) É impossível falar em nulidade da titulação dominial de documentos


devidamente registrados em cartório, que remetem à posse e domínio de área há, pelos
menos, 70 (setenta) anos, não podendo, portanto, haver a reintegração dos índios à posse
de terras que nunca detiveram.

5) Falta à pretensão da FUNAI um elemento essencial, que é a posse, a qual


pertence aos réus (e seus antecessores), imemorialmente, e, assim, o direito da ré não pode
ser atingido, já que fora adquirido anteriormente à CF/1934, porque as aquisições das terras
objeto da presente demanda fizeram-se nos termos da legislação constitucional vigente à
época, e norma posterior não as pode atingir, em observância ao direito adquirido, este
reconhecido em todas as Constituições brasileiras (artigo 11, § 3º, CF/1891 - artigo 113, §
3º, CF/1934 - artigo 114, § 3º, CF/1946 - artigo 150, § 3º, CF/1967 - artigo 153, § 3º, EC
n.1/1969 - artigo 5º, CF/1988), desde a do Império (artigo 179, §3º).

6) São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e tuteladas


constitucionalmente aquelas por ele habitadas de forma localizada e em caráter permanente
e “utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos
ambientais, necessários ao seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e
cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”, o que não ocorre no caso da presente
demanda.

7) A doutrina considera essencial à proteção constitucional da posse indígena


a habitação/ocupação permanente e atual e não estão sob esta proteção as terras que
deixaram de ser ocupadas e aquelas pretendidas por indígenas integrados, estes
entendidos como os índios incorporados à sociedade, à comunhão nacional, os quais têm
pleno gozo dos seus direitos civis e políticos, muito embora conservem os usos, costumes e
tradições da cultura indígena.

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8) A proteção constitucional à posse indígena necessita da observância a


requisitos indispensáveis a sua aplicação: a habitação ou ocupação, em caráter
permanente, das terras, sob pena de ser negado todo o processo de colonização,
restabelecendo-se o status quo de 1500 e transformando o Brasil em vasto território
indígena, o que, evidentemente, não se cogita, de modo que, dar efeito retroativo à proteção
possessória em favor da população indígena, não teria efeito prático e nem seria razoável,
visto que isto importaria na devolução, sem limite de tempo, de todo o território nacional aos
seus primeiros habitantes.

9) No que tange ao aldeamento de Montemor, o Engenheiro Antônio da Justa


Araújo foi designado, em 1866 e sob a égide da Lei Imperial n. 601, para a realização de
trabalhos na Província da Paraíba com o escopo de determinar as terras públicas e
particulares, devendo prestar contas de sua realização através de relatórios enviados ao
Diretor Geral das Terras Públicas e Colonização.

10) Em 01.07.1867, Justa Araújo enviou um Relatório ao Diretor Geral


narrando, minuciosamente, os trabalhos efetuados na região de Mamanguape e conta que
demarcou o perímetro da Sesmaria dos Índios de São Miguel da Baía da Traição, hoje
Reserva Indígena Potiguara, medindo cerca de 22.500 ha (vinte e dois mil e quinhentos
hectares). Da mesma forma, mediu e demarcou o perímetro da Sesmaria dos Índios de
Montemor, dando seus limites e nela encontrou 05 (cinco) posses de particulares: 03 (três)
arrendamentos extintos, 01 (uma) posse legitimável e 01 (um) aforamento. Em relação aos
índios, mediu a posse para cada família, que, posteriormente, recebeu um título de posse
em propriedade particular - a relação nominal dos índios beneficiados se acha em anexo ao
Relatório. Por fim, o Relatório de Justa Araújo declarou que “os terrenos do lado de oeste
ficarão devolutos, de conformidade com o disposto nos artigos 5º da Lei n. 601, de 18 de
setembro de 1850, 45 e 46 do Regulamento de 30 de janeiro de 1854, como se vê na Carta
Topographica de Sesmaria.”

11) Em 1867, a Sesmaria de Montemor foi efetivamente extinta, após ser


loteada e distribuídos os lotes de terras com os indígenas, em razão de não mais se
encontrar com as características necessárias, o que é reconhecido, inclusive por escritores
como o Professor Frans Moonen, autor do livro “Cadernos Paraibanos de Antropologia”.

12) Justa Araújo procedeu à medição das terras de Sesmaria de Montemor


em consonância com os artigos 5º, da Lei n. 601/1850, e 45 e 46 do Decreto n. 1318/1854.
O engenheiro, primeiramente, considerou a posse como individual, medindo-as e
demarcando-as, de acordo com a Carta Topográfica, para depois declarar como devolutas
as terras restantes. No entanto, Antônio da Justa Araújo faleceu em 1868, antes de lotear a
Sesmaria de São Miguel e, como não foi nomeado outro engenheiro para conduzir o serviço,

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a Sesmaria da Baía da Traição foi a única na Paraíba que ficou como propriedade coletiva
da comunidade indígena.

13) A FUNAI, no Parecer n. 2, de 16 de março de 1992, reconhece que o


trabalho/relatório elaborados por Justa Araújo são os documentos mais importantes que
comprovam o reconhecimento oficial da ocupação Potiguara na área objeto do presente
feito e é exatamente este relatório reconhecido pela FUNAI que confirma o direito líquido e
certo da ré, à luz do consenso histórico ou jurídico.

14) Os limites da Sesmaria, constantes do relatório, não implicam em


considerar que todas as terras à época pertenciam aos índios, ou que estes detinham a sua
posse, haja vista o quadro por ele descrito (“Quadro da Aldeia ou Vila da Preguiça”) e as
áreas demarcadas incluírem além das 150 (cento e cinquenta) posses para os índios, 05
(cinco) porções de terras particulares - 02 (dois) aforamentos perpétuos feitos pela Câmara
Municipal de Mamanguape/PB, 01 (um) arrendamento e 02 (duas) pequenas posses
particulares.

15) Quanto às terras devolutas, no relatório constam que 02 (duas) porções


destes terrenos já tinham sido requeridos por terceiros interessados e um destes
requerimentos foi originário de Augusto Carlos D‟Almeida e Albuquerque, resultante do
aforamento perpétuo, em 23 de janeiro de 1868, cujas terras se denominaram Rio
Vermelho.

16) Não são devidos quaisquer valores à FUNAI a título de perdas e danos;
ao contrário, é a Ré quem tem direito a ser ressarcida pelos prejuízos que vem suportando
com o fato de a FUNAI patrocinar a invasão de suas terras por caboclos (não índios) de
Jacaré de São domingos na tentativa de ocupá-la.

Edital de citação de terceiros interessados (f. 970).

Edital de citação de Rivaldo Neves Bastos e cônjuge, se casado for (f. 971).

Na petição de f. 973, a FUNAI requereu a expedição de novos editais


dirigidos a Rivaldo Neves Bastos e terceiros interessados, devendo constar naqueles, em
síntese, as alegações da autora, o objeto da demanda, os pedidos e a advertência de que
não sendo contestada a ação se presumirão os fatos como verdadeiros, nos termos do
artigo 285 do CPC. Indeferimento (f. 999/1002).

Traslado de cópia das decisões proferidas nos autos da Ação de


Reintegração n. 94.11346-3 (f. 1009/1011) e da Ação Cautelar n. 99.10786-1 (f. 1012/1014)
e de petição juntada por Fernando Régis Albuquerque Filho nos autos da Ação Cautelar n.
99.10786-1, requerendo a juntada de cópia de peças do Agravo de Instrumento n. 7195/PB

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e a renovação do pedido de concessão de liminar, tendo em vista haver mais de 200


(duzentas) toneladas de cana-de-açúcar queimadas no campo, necessitando de corte e
colheita urgente (f. 1015/1025).

O MPF requereu a alteração dos editais de citação com nova expedição de


um único edital dirigido a Rivaldo Neves Bastos e cônjuge, se casado for, e aos terceiros
interessados, devendo constar referência sucinta dos fundamentos da ação e de seu
pedido, com a advertência constante da segunda parte do artigo 285 do CPC (f. 1028/1032).
Deferimento (f. 1033).

Traslado de cópia da sentença proferida nos autos da Ação de Reintegração


de Posse n. 94.11346-3, que a extinguiu sem resolução do mérito (f. 1039/1055).

A RIO VERMELHO AGROPASTORIL MERCANTIL S/A e a DESTILARIA


MIRIRI S/A requereram que se determinasse a Domingos Barbosa dos Santos, José Carlos
Pereira da Cruz – conhecido por Carlos Barbosa –, ao indivíduo conhecido por “Cabral” e
aos demais integrantes da Comunidade Jacaré de São Domingos e a terceiros não
autorizados pelas rés, a interrupção imediata do corte da cana-de-açúcar, para a renovação
do plantio e todo o trato cultural necessário. Requereram, também, que a medida fosse
concedida “initio littis” sem a prévia audição do MPF e da União, determinando desde logo
os meios necessários para o seu cumprimento. Pleitearam, ainda, que fosse oficiado à
Usina Monte Alegre S/A, no Município de Mamanguape/PB, da medida concedida,
determinando o imediato bloqueio de pagamento da cana por ela recebida e esmagada,
oriunda das terras pertencentes às requerentes encravadas na área de “Jacaré de São
Domingos”. Na oportunidade, requereram o auxílio de força policial (f. 1061/1075).

O Juiz Federal, então Substituto da 2ª Vara Federal, Dr. Rudival Gama do


Nascimento, deferiu parcialmente o pedido e determinou que se oficiasse à Usina Monte
Alegre S/A para que não procedesse ao pagamento de qualquer valor em decorrência da
venda da cana-de-açúcar colhida das terras que seriam de propriedade das rés (f.
1076/1078).

Ofício encaminhado ao Administrador da Usina Monte Alegre solicitando que


não se procedesse ao pagamento de quaisquer valores decorrentes da venda de cana-de-
açúcar (f. 1081).

Em cumprimento ao despacho de f. 1093, a Secretaria informou que, em


consulta à pagina eletrônica do Supremo Tribunal Federal – STF, verificou que não consta
quaisquer informações acerca do MS n. 21.096-8/PB, mas que, compulsando os autos,
constatou que há referência ao MS n. 21.896/PB, impetrado por Rio Vermelho Agropastoril
Mercantil S/A e Outros contra o Decreto s/n. de 01.10.1993 (DOU de 04.10.1993) do
Presidente da República, que homologou a demarcação administrativa da área indígena

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Jacaré de São Domingos, e que copiou as informações colhidas no site do STF


relativamente à impetração (f. 1094/1099).

O Juiz Federal da 2ª Vara, Dr. Alexandre Costa de Luna Freire, proferiu


despacho em 03.12.2002 determinando que se aguardasse o julgamento do MS n.
21.896/PB (f. 1100).

Apensamento aos autos da Ação de Reintegração de Posse n. 2003.82.6837-


7 (f. 1102).

Apensamento aos autos da Ação de Reintegração de Posse n. 94.11346-3 (f.


1125).

A Presidente do STF, Ministra Ellen Gracie, comunicou que a Corte, em


04.06.2007, denegou a segurança no MS n. 21.896/PB (f. 1139).

Posteriormente, o STF encaminhou cópia integral do acórdão prolatado no


MS n. 21.896/PB (f. 1148/1250).

AÇÃO ORDINÁRIA N. 93.8204-3

Cuida-se de “Ação de Nulidade de Demarcatória Cumulada com Ação


Reivindicatória” movida por Rio Vermelho Agropastoril Mercantil S/A, Destilaria Miriri
S/A e Usina Central Nossa Senhora de Lourdes S/A em face da Fundação Nacional do
Índio – FUNAI e União, pretendendo a anulação da demarcação administrativa feita pela
FUNAI, com a devida restituição de seus imóveis, além da condenação das rés ao
pagamento das custas processuais e demais cominações legais.

As autoras alegam o seguinte:

1) São possuidoras e proprietárias de uma gleba de terras localizada no


Município de Rio Tinto/PB, medindo cerca de 10.111,18 ha, compreendendo as
propriedades de: Rio Vermelho (5.175,72 ha), Montemor (518,24 ha), Preguiça (316,68 ha),
Gameleira (1.432,08 ha), Três Rios (1.021,39 ha), Boa Vista II (293,84 ha), Jacaré do Meio
(158,75 ha), Alagoa Grande (171,11 ha), Jacaré de Cima (165 ha), Taboleirinho (109,37 ha),
Arrepia (612 ha) e Grupiuna de Cima (137 ha).

2) Detêm a posse e propriedade das citadas terras por força de cadeia


sucessória perfeita; no entanto, em Portaria datada de 01.06.1992, o Ministro da Justiça
declarou como de posse permanente indígena, para efeitos de demarcação, a Área

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Indígena Jacaré de São Domingos, em superfície aproximada de 4.500 ha, localizada em


Rio Tinto/PB.

3) Das citadas terras demarcadas, 3.324,79 ha estão transcritas no registro


imobiliário em nome das autoras, “filiando-se o registro a uma longa cadeia dominial,
iniciada por alienação feita pelo Governo da Província da Parayba, em 24 de abril de 1920;
a Mitra da Parayba, por seu arcebispo Dom Adauto Aurélio de Miranda Henriques, entre
outros, que as possuíam desde 1868; 1862 e assim por diante”.

4) A demarcação foi feita sem observância ao devido processo legal, além do


que as autoras estão sofrendo restrições no seu direito de propriedade e no exercício
regular de sua posse, sem, contudo, estarem sendo observados os limites e o perímetro
delimitados pela Portaria n. 277, de 01.06.1992, conforme se observa dos levantamentos
topográficos realizados na área demarcada.

4) Ao julgar o Mandado de Segurança n. 1835-5/DF impetrado pelas autoras,


o STJ anulou o item III da supracitada Portaria Ministerial, além de vários de seus eminentes
Ministros reconhecerem o direito de propriedade das autoras sobre as terras sub judice.

5) Quando do julgamento do referido Mandado de Segurança, os Ministros


consideraram robustas as prova trazidas pelas autoras, demonstrando a legitimidade da
aquisição dominial, ressaltando que o Ministro Peçanha Martins afirmou que a Portaria do
Ministro da Justiça é “absolutamente inconstitucional, porque cria a possibilidade de uma
intervenção que se me afigura abusiva e inconstitucional, em face dos direitos assegurados
ao cidadão”. No mesmo sentido, o Ministro César Rocha afirmou que as impetrantes
“demonstraram de forma irretorquível, a mais não poder, que têm posse imemorial na área
cogitada e a própria FUNAI já chegou a reconhecer como área não indígena, a que é objeto
do presente feito”.

6) O STJ reconheceu a ilegalidade e inconstitucionalidade da Portaria do


Ministro da Justiça, em especial no seu item III, e considerou robusta a prova pré-
constituída, demonstrando que elas (impetrantes/autoras) sempre tiveram, imemorialmente,
a propriedade e a posse das terras, além de a explorarem com a agroindústria produtiva.
Por isso mesmo, considerou que os indígenas não ocupam ou não ocuparam
tradicionalmente as terras, só não deferindo o Mandado de Segurança neste último ponto
por entender que a questão não deveria ser decidida na via mandamental.

7) Até 1850 a legislação sobre as terras estava esparsa e sem


sistematização, sendo regulamentada por meio de Ordens, Carta Régia, Alvará, dentre
outros, até a Lei Imperial n. 601/1850 que foi a primeira norma legal do Brasil destinada ao
ordenamento das terras, após o término da colonização portuguesa. Regulamentada pelo
Decreto Imperial n. 1.318/1854, autorizou o Governo a proceder à medição, divisão e

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descrição das terras devolutas, separando-as das particulares, após revalidar as sesmarias
e demais concessões do Governo Geral ou Provincial. Determinava que, das terras
devolutas, fossem reservadas as que se julgassem necessárias à colonização indígena.
Previa, ainda, que seriam legitimadas as posses mansas e pacíficas adquiridas por
ocupação primária ou havidas do primeiro ocupante, que se achassem cultivadas ou com
princípio de cultura e moradia habitual do respectivo posseiro ou de quem o representasse.

8) O Decreto n. 2.672/1875, dentre outras providências, autorizava o Governo


a alienar as terras das aldeias extintas que estivessem aforadas e nas que estivessem
fundadas vilas ou povoações seriam elas transferidas aos municípios. Posteriormente, a
Constituição Federal de 1946 incluiu entre os bens de domínio da União as terras devolutas,
o que foi seguido pelas demais Constituições.

9) As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios são aquelas por eles


habitadas de forma localizada e em caráter permanente e são elas bens públicos da União
e, por consequência, intangíveis.

10) No entanto, no caso dos autos, os índios não habitam/ocupam as terras


de forma permanente e atual, uma vez que se tratam de terras particulares que não estão
sob a proteção constitucional referente à posse indígena, e tal proteção não compreende “as
glebas próximas a aglomerados urbanos e habitados por indígenas integrados” – estes
entendidos como os índios incorporados à sociedade, à comunhão nacional, os quais têm
pleno gozo dos seus direitos civis e políticos, muito embora conservem os usos, costumes e
tradições da cultura indígena.

11) A proteção constitucional à posse indígena necessita da observância de


requisitos indispensáveis à sua aplicação: a habitação ou ocupação das terras, em caráter
permanente, sob pena de ser negado todo o processo de colonização, restabelecendo-se o
status quo do ano de 1500 e transformando o Brasil em vasto território indígena. Dessa
forma, dar efeito retroativo à proteção possessória em favor da população indígena não teria
efeito prático, nem razoável, visto que isto importaria na devolução, sem limite de tempo, de
todo o território nacional aos seus primeiros habitantes.

12) A intenção da Constituição Federal de 1988 é proteger a situação atual


das comunidades indígenas ainda existentes, jamais negar ou reverter todo o processo de
colonização, e a posse das autoras é permanente e imemorial, ainda na vigência da
Constituição Imperial de 1824 e da primeira Constituição Republicana de 1891.

13) O Estatuto do Índio prevê que a União poderá destinar áreas à posse e
ocupação pelos índios, onde possam viver e obter meios de subsistência, sem afrontar,
contudo, o direito de propriedade. Assim, a União terá que desapropriar a área e organizá-la
como uma reserva, parque, colônia agrícola ou território federal indígena, jamais poderá

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confundi-la com área de posse indígena permanente, haja vista se tratar de propriedade
particular sem a presença de silvícolas.

14) Não há que se falar que as terras pertencentes às autoras são devolutas
e de domínio da União, posto que à época das medições feitas por Antônio da Justa Araújo
e dos aforamentos, as terras devolutas eram de domínio das Províncias ou Governos
Municipais e, posteriormente, passaram aos Estados-Membros. A prova de serem devolutas
as terras disputadas entre particular e Estado, compete sempre a este, vez que não se
presumem e nem se apuram por exclusão.

15) É evidente que as terras demarcadas desde 1867 passaram a pertencer


às autoras, que mantiveram a posse e o domínio legalmente adquirido perante o Governo
Provincial e, portanto, são as legítimas possuidoras. Ademais, além de se filiarem a uma
sucessão de posses que se perde no tempo, as autoras dispõem de uma cadeia dominial
lançada no registro de imóveis com base em títulos legítimos (concessões aforamentos,
escrituras públicas) que remontam aos anos de 1912, 1915, 1918, 1920 e, segundo a
legislação vigente à época, não dependiam de transcrição para reproduzirem a transmissão
da propriedade.

16) No tocante ao aldeamento de Montemor, o Engenheiro Antônio da Justa


Araújo foi designado em 1866, e sob a égide da Lei n. 601, para a realização de trabalhos
na Província da Paraíba com o escopo de determinar as terras públicas e particulares,
devendo prestar contas de sua realização através de relatórios enviados ao Diretor Geral
das Terras Públicas e Colonização.

17) Em 01.07.1867, Justa Araújo enviou um Relatório ao Diretor Geral


narrando, minuciosamente, os trabalhos efetuados na região de Mamanguape e conta que
demarcou o perímetro da Sesmaria dos Índios de São Miguel da Baía da Traição, hoje
Reserva Indígena Potiguara, medindo cerca de 22.500 ha. Da mesma forma, mediu e
demarcou o perímetro da Sesmaria dos Índios de Montemor, dando seus limites e nela
encontrou 05 (cinco) posses de particulares: 03 (três) arrendamentos extintos, 01 (uma)
posse legitimável e 01 (um) aforamento. Em relação aos índios, mediu a posse para cada
família, que, posteriormente, receberam um título de posse em propriedade particular - a
relação nominal dos índios beneficiados se acha em anexo ao Relatório. Por fim, o Relatório
de Justa Araújo declarou que “os terrenos do lado de oeste ficarão devolutos, de
conformidade com o disposto nos artigos 5º da Lei n. 601, de 18 de setembro de 1850, 45 e
46 do Regulamento de 30 de janeiro de 1854, como se vê na Carta Topographica de
Sesmaria”.

18) Em 1867, a Sesmaria de Montemor foi efetivamente extinta, após ser


loteada e distribuídos os lotes de terras com os indígenas, em razão de não mais se

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encontrar com as características necessárias, o que é reconhecido, inclusive por escritores


como o Professor Franz Moonen, autor do livro “Cadernos Paraibanos de Antropologia”.

19) Justa Araújo procedeu à medição das terras de Sesmaria de Montemor


em consonância com os artigos 5º, da Lei n. 601/1850, e 45 e 46 do Decreto n. 1318/1854.
O engenheiro, primeiramente, considerou a posse como individual, medindo-as e
demarcando-as, de acordo com a Carta Topográfica, para depois declarar como devolutas
as terras restantes. No entanto, Antônio da Justa Araújo faleceu em 1868, antes de lotear a
Sesmaria de São Miguel e, como não foi nomeado outro engenheiro para conduzir o serviço,
a Sesmaria da Baía da Traição foi a única na Paraíba que ficou como propriedade coletiva
da comunidade indígena.

20) A FUNAI, no Parecer n. 2, de 16 de março de 1992, reconhece que o


trabalho/relatório elaborados por Justa Araújo são os documentos mais importantes que
comprovam o reconhecimento oficial da ocupação Potiguara na área objeto do presente
feito e é exatamente este relatório reconhecido pela FUNAI que confirma o direito líquido e
certo das autoras à propriedade e posse.

21) Os limites da Sesmaria, constantes do relatório, não implicam em


considerar que todas as terras à época pertenciam aos índios, ou que estes detinham a sua
posse, haja vista o quadro por ele descrito (“Quadro da Aldeia ou Vila da Preguiça”) e as
áreas demarcadas incluírem além das 150 (cento e cinquenta) posses para os índios, 05
(cinco) porções de terras particulares - 02 (dois) aforamentos perpétuos feitos pela Câmara
Municipal de Mamanguape/PB, 01(um) arrendamento e 02 (duas) pequenas posses
particulares.

22) Por meio de editais, os interessados, índios e particulares foram


notificados a apresentarem seus títulos ou outros documentos comprobatórios da posse ou
direito às terras por eles ocupadas para a devida revalidação e posterior entrega do título de
posse pela Repartição de Terras Públicas, sem conter quaisquer cláusulas resolutivas ou
restritivas.

23) Quanto às terras devolutas, no relatório elaborado por Antônio da Justa


Araújo, constam que 02 (duas) porções destes terrenos já tinham sido requeridos por
terceiros interessados e um destes requerimentos foi originário de Augusto Carlos
D‟Almeida e Albuquerque, resultante do aforamento perpétuo, em 23 de janeiro de 1868,
cujas terras se denominaram Rio Vermelho.

24) Dos 4.500 ha de área objeto da Portaria Ministerial de 01.06.1992, a qual


a considerou como de ocupação tradicional e permanente indígena, 3.324,79 ha pertencem
à Rio Vermelho Agropastoril Mercantil S/A, À Destilaria Miriri S/A e à Usina Nossa Senhora
de Lourdes, e os restantes 1.175,21 ha pertencem a terceiros, pequenos proprietários de

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terras que cultivam feijão, cana-de-açúcar, abacaxi, etc, cuja posse detêm há mais de 100
(cem) anos, em cadeia sucessória, à luz da Lei n. 601/1850.

25) A área demarcada pela Portaria Ministerial de 01.06.1992, em sua


totalidade, corresponde a terras da antiga Sesmaria de Montemor, onde existiu um
aldeamento indígena extinto em 1862. Após a extinção, a Vila de Montemor foi transferida
para a Mamanguape/PB sob a denominação de “Vila de Mamanguape”, declarada extinta e
sendo o seu território anexado ao de São Pedro e São Paulo de Mamanguape, por força da
Lei n. 1 da Província da Parahyba do Norte, de 23.01.1839.

26) Em 1867, após a medição das terras por Justa Araújo, os indígenas
remanescentes receberam um título de terra particular e várias posses de não índios e
aforamentos foram medidos e consolidados, entre eles três engenhos de cana-de-açúcar,
denominados Gameleira, Preguiça e Três Rios. As demais terras foram consideradas
devolutas partir do relatório de Justa Araújo. Na parte das terras a oeste da antiga Sesmaria
de Montemor mencionadas no relatório e consideradas como devolutas, já havia plantação
de cana-de-açúcar, da mesma forma em outras áreas, em virtude da existência dos três
supracitados engenhos encravados na Sesmaria.

27) Tais terras foram adquiridas: a) por meio de compra e venda direta com o
proprietário ou seus herdeiros, após inventariadas e homologada a partilha; b) em hasta
pública; c) e ao Governo da Paraíba. Dessa forma, as transações foram sendo realizadas ao
longo dos anos, formando uma cadeia sucessória de mais de 100 (cem) anos, todas elas
ocorridas anteriormente à vigência da Constituição Federal de 1934, primeira Carta Magna a
conter dispositivo referente à posse indígena.

28) A própria FUNAI, no Parecer n. 652, de 24.08.1981, afirmou,


relativamente às terras em questão, que “não tem como se sustentar um domínio indígena
que nunca existiu. As terras são de domínio particular”. Ademais, o mencionado Parecer cita
as 165 (cento e sessenta e cinco) pessoas beneficiadas com um título de terra na Sesmaria
e solicitou uma pesquisa genealógica para provar quem, hoje, é descendente delas.

29) A FUNAI, no Parecer n. 2/1990, de 23.01.1990, em questão relativa ao


Processo MINTER 28000-004/89-33 (Processo de Reconhecimento), cujas interessadas
eram a Rio Vermelho Agropastoril Mercantil S/A e a Destilaria Miriri S/A, reconheceu a
posse centenária e particular das autoras, alegando que “as terras abrangidas têm
indiscutível condição de propriedade particular, fundada em títulos aquisitivos de origem
centenária, conforme documentação apresentada”.

30) Entretanto, a FUNAI e tampouco o Ministério da Justiça não levaram em


consideração tais pareceres e publicaram portaria declarando a área de posse imemorial

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indígena e, por isso, o STJ, quando do julgamento do MS n. 1835-5/DF, salientou a sua


ilegalidade.

31) A Destilaria Miriri S/A e a Usina Nossa Senhora de Lourdes adquiriram o


controle acionário da Rio Vermelho Agropastoril Mercantil S/A em 29 de março de 1984, ao
Grupo Lundgren, por meio de instrumento de cessão de direitos, cujo capital é integrado
pelas propriedades: Rio Vermelho, Montemor, Preguiça, Gameleira, Três Rios, Boa Vista,
Arrepia, Grupiuna de Cima e Jaraguá. As propriedades Alagoa Grande, Jacaré do Meio e
Taboleirinho também foram adquiridas aos Lundgren, mediante ítulos de compra e venda,
perfazendo uma área de 10.111,18 ha, dos quais 3.324,79 ha foram atingidos pela Portaria
Ministerial.

32) Propriedade Rio Vermelho: área total (5.175,72 ha), área atingida pela
Portaria (2.543,42 ha); localizada a oeste da antiga Sesmaria de Montemor, originou-se de
terras devolutas aforadas perpetuamente a D. Augusto Carlos D‟Almeida e Albuquerque, em
23.01.1868; em 01.10.1917, foi alienada ao comerciante Luiz Moura, por meio de escritura
pública de venda, lavrada no Cartório Monteiro da Franca, e com a concessão de Alvará
pelo juízo da 2ª Vara de Órfãos da Comarca do Estado da Parahyba do Norte, haja vista a
existência de filhos menores dos alienantes; em 11.01.1918, foi vendido o domínio útil a
Frederico João Lundgren, Artur Herman Lundgren, Guilherme Alberto Lundgren e Annita
Lundgren Groschie, conforme escritura pública de compra e venda lavrada em notas do 2º
Cartório da Comarca de Mamanguape/PB; em 24.04.1920, o Governo do Estado da
Parahyba vendeu o domínio direto a Frederico João Lundgren, Artur Herman Lundgren,
Guilherme Alberto Lundgren e Annita Lundgren Groschie, consoante escritura pública
registrada no Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Mamanguape/PB; em
30.09.1977, foi processada na Comarca de Mamanguape/PB retificação de área, por se
confrontar com a linha divisória das terras da Reserva Potiguara; apesar de citada a FUNAI
não contestou a ação; em 1980, a propriedade passou a integrar o capital social da Rio
Vermelho Agropastoril Mercantil S/A; em 29.03.1984, as ações da Rio Vermelho
Agropastoril Mercantil S/A foram adquiridas e transmitidas por cessão de direitos de compra
e venda à Destilaria Jacuípe S/A e Usina N.S. de Lourdes.

33) Propriedade Arrepia: área total (612 ha), área atingida pela Portaria
(310,62 ha); em 12.08.1918, parte da propriedade foi adquirida pelos Lundgren, conforme
escritura pública no Cartório da Comarca de Mamanguape/PB, referente a 04 (quatro) títulos
de terras da Sesmaria do extinto aldeamento da Vila Montemor concedidos pelo Governo do
Império a João Martins de Almeida, à índia Inocência Maria da Conceição, ao índio José
Félix e à índia Julia Anna Flora, todos em 1862; em 09.02.1918, os Lundgren compraram
outra parte da propriedade Arrepia ao sr. Cassiano José da Silva que por sua vez comprou
de um indíviduo que adquirira de um indígena; em 15.02.1918, outra parte da propriedade
Arrepia foi comprada pelos Lundgren, em decorrência do falecimento do Capitão Francisco
Purquerio Gonçalves de Andrade, o qual a comprou do índio Manoel José do Nascimento,

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que a possuía desde 1862; posteriormente, as citadas terras foram incorporadas ao capital
social da Rio Vermelho Agropastoril Mercantil S/A, cujas ações passaram a integrar o capital
da Destilaria Jacuípe e Usina N.S. de Lourdes.

34) Propriedade Grupiuna de Cima: área total (137 ha), área atingida pela
Portaria (137 ha); parte da propriedade foi adquirida pela Rio Vermelho Agropastoril
Mercantil S/A mediante negócio realizado com as índias Tibúrcia e Tereza, as quais
receberam de seu pai Paulo José dos Santos, que as possuía desde 1862; a outra parcela
da propriedade foi adquirida dos herdeiros de Pedro Lourenço Martins, conforme planilha
feita nos autos do inventário da Comarca de Rio Tinto/PB; posteriormente, as citadas terras
foram incorporadas ao capital social da Rio Vermelho Agropastoril Mercantil S/A, cujas
ações passaram a integrar o capital da Destilaria Jacuípe e Usina N.S. de Lourdes.

35) Propriedade Jacaré do Meio: área total (158,75 ha), área atingida pela
Portaria (158,75 ha); em 09.01.1918, adquirida pelos Lundgren por compra feita a Cassiano
José da Silva que, por sua vez, adquiriu, em 26.11.1917, de Targino Soares de Avelar e
Arcanja Maria da Conceição, cujo titulo foi a estes concedido em 1862; em 19.12.1934,
outra parte da propriedade foi adquirida pelos Lundgren.

36) Propriedade Gameleira: área total (1.432,08 ha), área atingida pela
Portaria (22,19 ha); sede do engenho Gameleira, um dos primeiros engenhos de fabricação
de açúcar existente na Sesmaria desde 1860; em 14.11.1917, foi vendida por Felizardo
Vicente do Rego e sua mulher Izabel Maria da Conceição a Tertuliano Alves de Lima, que,
por seu turno, comprou a propriedade em 02.06.1913; em 1920, a propriedade foi adquirida
pelos Lundgren; em 1980, passou a integrar o capital social da Rio Vermelho Agropastoril
Mercantil S/A.

37) Propriedade Jacaré de Cima: área total (165 ha), área atingida pela
Portaria (165 ha); propriedade adquirida pela Destilaria Miriri S/A a Manoel Dantas, que por
sua vez, comprou-a de Ana Mororó que a possuía desde 1962.

38) Propriedade Montemor: área total (518,24 ha), área atingida pela Portaria
(37,19 ha); em 13.08.1928, adquirida pela Cia. de Tecidos Paulista; em 27.01.1951,
transferida para a Cia. de Tecidos Rio Tinto, conforme escritura pública lavrada no Cartório
Luiz Cavalcanti de Albuquerque.

39) Propriedade Três Rios: área total (1,021,39 ha); adquirido o domínio
direto do Governo do Estado da Paraíba; domínio útil a diversos particulares.

40) Patrimônio N.S. dos Prazeres: (encravada na propriedade Gameleira); em


27.12.1917, os Lundgren adquiriram a propriedade sendo transmitente a Mitra do Estado da

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Paraíba, por seu Arcebispo Dom Adauto Aurélio de Miranda Henriques, conforme escritura
pública lavrada no Cartório da Comarca de Mamanguape/PB.

41) Propriedade Jaraguá: atualmente denominada Boa Vista II, encravada na


propriedade Gameleira.

42) O processo de reconhecimento/demarcação feito pela FUNAI está eivado


de erros e nulidades. Primeiramente, o laudo antropológico que serviu de base para todo o
processo foi elaborado em 05 (cinco) dias, quando necessitava de um estudo mais
aprofundado/minucioso. A área reservada pela FUNAI, ao invés de ser determinada por
seus técnicos, em razão de um estudo, foi fixada por Domingos Barbosa dos Santos, em
uma das salas da 3ª Superintendência da FUNAI em Recife/PE, que fez um “croquis” da
área, ao seu bel prazer.

43) Não houve o levantamento nos Cartórios da Comarca de Mamanguape,


onde se encontram os registros originais das terras, mas sim fizeram apenas levantamento
no Cartório da Comarca de Rio Tinto, onde os registros datam apenas de 1980, quando da
constituição da Rio Vermelho Agropastoril Mercantil S/A.

44) Em 1983, quando da redemarcação da Reserva Indígena Potiguara, com


o Decreto n. 89.256/1983, ficou definitivamente resolvida a questão dos índios Potiguara na
Paraíba. A reserva abrange cerca de 22.800 ha (vinte dois mil e oitocentos hectares)
seguindo os limites descritos por Justa Araújo em 1867.

45) A área hoje reservada pela Portaria Ministerial havia sido reivindicada
anteriormente quando do estudo feito pela FUNAI para demarcação da Reserva; porém,
após contestação dos Lundgren, assim como apreciação do processo pelo grupo de
Trabalho, a área foi excluída por se tratar de terras particulares (“Projeto Agropecuário Rio
Vermelho”), de modo que não há que se confundir a área já demarcada e ocupada pelos
remanescentes potiguaras e a área das autoras vizinha à Reserva Potiguara, reconhecida
nesta mesma demarcação como de posse e propriedade particulares.

46) Desde 1867, não há mais que se falar em terras de silvícolas em


Montemor, uma vez que o engenheiro Justa Araújo: demarcou as terras dos índios, dando a
cada família um título individual nominado; reconheceu alguns aforamentos (a começar pelo
de Augusto Carlos D‟Almeida e Albuquerque), que, em cadeia sucessória, chega à
propriedade das autoras; declarou as demais terras devolutas; extinguiu o aldeamento
indígena de Montemor.

47) A demarcação a qual alude a Portaria do Ministro da Justiça é nula, haja


vista a interdição ilegal da área e pela inclusão de terras de incontestável e imemorial

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domínio das autoras, até mesmo extrapolando o limite fixado na Portaria, que era de 4.500
há, e agora a FUNAI pretende demarcar 7.000 ha.

48) Detêm a propriedade em cadeia dominial inconsútil e a posse pelo cultivo


da cana- de-açúcar e seu aproveitamento agroindustrial, nos engenhos existentes e
explorados da região, já indicados no relatório de 1868, e funcionando sem quebra de
continuidade, desde então, com posse e utilização mansa e pacífica.

49) Todas as propriedades são registradas no INCRA e IBRA e devidamente


tributadas.

50) As propriedades das autoras e, consequentemente, a posse, são


imemoriais, datando algumas delas do Relatório de Justa Araújo (1868), ou, quando menos,
de 1918/1920, sob a égide das Constituições de 1824 e 1891, ou seja, anteriores à
Constituição de 1934, adquiridas e ocupadas sob a vigência da Lei n. 601/1850, e
Regulamento do Decreto n. 1318/1854.

51) As Constituições Federais posteriores à aquisição das propriedades não


invalidaram a propriedade e a posse adquiridas (direito adquirido) e aperfeiçoadas (ato
jurídico perfeito) no regime das Constituições de 1824 e 1891.

Acompanham a petição inicial os documentos de f. 81/502.

As autoras requereram que se determine ao Serviço do Patrimônio da União


(SPU) e ao Registro Imobiliário da Comarca de Rio Tinto que se abstenham de proceder ao
registro da demarcação das terras homologadas pelo Presidente da república em
01.10.1993, visto que este homologou área com perímetro e confrontações diversos
daqueles explicitados na Portaria do Ministério da Justiça (f. 504/523).

Na petição de f. 524/526, as autoras requereram a concessão de liminar a fim


de assegurar o direito ao corte e transporte da cana-de-açúcar pronta para a colheita, como
também assegurar a continuidade normal das atividades agrícolas, com a manutenção do
plantio, limpeza e adubação até o julgamento final da presente ação.

Citadas a União (f. 531v.) e FUNAI (f. 541/648). Intimado o MPF (f. 1090v.).

A União apresentou contestação (f. 532/535), alegando que, no que tange ao


acórdão proferido pelo STJ nos autos do Mandado de Segurança n. 1835-5/DF, a Corte
realmente afastou a aplicação do item III da Portaria Ministerial, mas não reconheceu o
direito de propriedade das autoras. Ademais, a parte autora não comprovou o alegado
deslocamento dos índios que lhe aproveitaria na descaracterização da natureza jurídica da
área como sendo indígena.

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A FUNAI apresentou contestação (f. 651/1088) argüindo as preliminares de:

a) litisconsórcio passivo necessário com a União, Comunidade Indígena


Jacaré de São Domingos e Ministério Público Federal.

b) carência da ação em razão da impossibilidade jurídica do pedido, haja


vista a pretensão autoral afrontar regras constitucionais relativas à inalienabilidade de terras
indígenas, porquanto a Carta Magna estabelece que deve ser declarada a nulidade de todo
e qualquer ato que tenha por objeto o domínio, a posse ou a ocupação de terras indígenas.

No mérito, sustentou:

1) O acórdão proferido pelo STJ nos autos do Mandado de Segurança


impetrado pela parte autora se restringiu a anular a interdição constante da Portaria
Ministerial, permanecendo válida e eficaz a declaração de posse permanente indígena,
caracterizada como de ocupação tradicional do grupo Potiguara, com a definição dos limites,
para efeito de demarcação da Área Indígena Jacaré de São Domingos.

2) As terras objeto da presente demanda são terras de ocupação tradicional


dos índios Potiguara de Jacaré de São Domingos, comprovada por Laudo Técnico
Administrativo de natureza antropológica, o qual a jurisprudência admite como meio
probatório de ocupação indígena. A demarcação não dá, tampouco retira direitos, apenas
evidencia quais os limites das terras dos silvícolas, considerando o consenso histórico
acerca da antiguidade da ocupação, e admitem-se como de posse indígena os casos de
extinção de aldeamento que não se efetivou completamente, por caracterizar ocupação
tradicional.

3) As autoras, ao alegarem a nulidade do processo de demarcação, não


apontam qual seria o “defeito substancial em seus elementos constitutivos ou no
procedimento formativo”, ressaltando que o processo observou todos os ditames legais e
constitucionais.

4) São nulos os títulos dominiais das autoras, não servindo como fundamento
para sua pretensão.

5) A permanência exigida pelas Constituições anteriores refere-se ao


passado, ao passo que a permanência exigida pela Carta Magna de 1988 diz respeito “não
a um pressuposto do passado, mas uma garantia para o futuro”. Assim, a posse das terras
ocupadas tradicionalmente pelos índios não é a simples posse regulada pelo direito civil,
mas sim considerada de acordo com os usos, costumes e tradições dos índios, não sendo
possível diminuir o seu alcance.

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6) Os índios da tribo Potiguara habitam a localidade de Jacaré de São


Domingos, no município de Rio Tinto/PB. A presença indígena em tal localidade remonta à
época do descobrimento do Brasil. Os Potiguaras ocupam o litoral nordestino – mais
precisamente os Estados do Rio Grande do Norte e Paraíba – desde o século XVI,
espalhando-se por 400 léguas de costa entre a Paraíba e o Maranhão.

7) O “Mapa de Cantino”, considerado um dos mais antigos documentos sobre


o descobrimento do Brasil, publicado na Europa em 1502, assinala o Rio Paraíba, à época
denominado de São Domingos. No mapa “Terra Brasilis”, publicado em Lisboa em 1519, já
aparece a indicação acerca da Baía da Traição. Em 1549, uma carta escrita por Gonçalo
Coelho ao Rei de Portugal já denominava a costa do litoral paraibano como “Costa dos
Potyguara”. Um mapa elaborado pelo espião francês Jacques de Vaux Clay, em 1575,
apontava as tribos indígenas que poderiam auxiliar os franceses, indicando uma enseada
logo adiante de São Domingos.

8) Com a conquista definitiva da Paraíba pelos portugueses, iniciou-se o


processo de catequese dos índios. Em documentos do século XVIII, surgem referências ao
aldeamento de Montemor ou Preguiça, oriundo de uma dissenção interna do aldeamento de
Baía da Traição. Em 1829, os índios dos dois aldeamentos atingiam cerca de “500 almas”.
O relatório dos Negócios da Agricultura, de 1861, informava que havia 02 (duas) aldeias na
Paraíba, uma delas era a Montemor, habitada por cerca de 150 (cento e cinquenta)
indígenas e cujas terras estavam em parte arrendadas a terceiros (sua superfície equivalia a
quatro léguas quadradas). Em outubro de 1866, Antônio Justa Araújo comunicou
oficialmente haver concluído a demarcação da sesmaria de Montemor e iniciada a medição
do perímetro da Baía da Traição.

9) Em 1923, o Serviço de Proteção aos Índios – SPI começou a executar


trabalhos de levantamentos na área de Montemor, a qual passou a sofrer investidas de não
índios. Conforme o relatório antropológico elaborado pela FUNAI, constatou-se que a
“historia oral do grupo conta que em 1932 a Vila Montemor foi invadida por Frederico
Lundgren, que fez uma reunião com os caboclos, „colocando para correr‟ aqueles que
afirmassem ser aquela área terra de índio”.

10) O direito dos índios à posse permanente das terras que tradicionalmente
habitam leva em consideração o consenso histórico de antiguidade da ocupação, conforme
o artigo 231 e parágrafos da CF/1988 e artigos 22, 23 e 25, da Lei n. 6.001/1973.

11) Não é hodierna tal proteção, pois a Lei Imperial n. 601/850, em seus
artigos 12, 72, 73 e 75, e o Decreto n. 1.318/1854, estabeleciam que as terras reservadas
para a colonização indígena seriam destinadas ao seu usufruto e não poderiam ser

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alienadas. As Constituições Federais de 1934, 1937, 1946, 1967 e 1969 asseguravam aos
indígenas o usufruto das terras e o seu domínio pela União.

12) O artigo 231, § 6º, da CF/88 estabelece que são nulos quaisquer atos que
tenham por objeto o domínio, a posse ou a ocupação de terras indígenas e, no caso das
áreas de terras dos índios Potiguara, os títulos dominiais em nome das autoras são nulos,
não produzindo efeitos jurídicos.

13) Não há direito adquirido em prol daqueles que, possuindo título dominial,
intitulem-se proprietários de terras que eram ocupadas pelos índios os quais sofreram
esbulho em sua posse, e inexiste direito adquirido contra a posse indígena, uma vez que a
posse está prevista na Constituição Federal, em relação a qual não há direito adquirido.

14) A posse indígena expressa na Constituição não pode ser reduzida ao


conceito de posse extraído no direito civil, pois aquela goza de privilégios, a sua extensão é
apontada pelo próprio texto constitucional, não sendo possível reduzir o seu alcance ou
expressão.

15) Mesmo com a expulsão dos índios de parte de suas terras e dos ilícitos e
sucessivos atos de transmissão de propriedade envolvendo as terras de posse
tradicionalmente indígena, subsiste aos índios o direito originário às suas terras. Apesar de
afastados de parte de suas terras, os índios Potiguara de Jacaré de São Domingos, em
momento algum, perderam a sua identidade.

Na petição de f. 1091/1118, o Ministério Público Federal arguiu


preliminarmente:

a) a citação das comunidades indígenas de Jacaré de São Domingos e


Gripiuna para integrarem a lide na condição de litisconsorte passivo.

b) a inépcia da inicial em razão da conclusão não decorrer logicamente da


narrativa dos fatos, além do pedido da presente demanda ser juridicamente impossível,
haja vista a Carta Magna vedar a prática de qualquer ato objetivando a posse e o domínio
sobre terras indígenas.

c) defeito de representação, já que as sociedades comerciais não


demonstraram sua existência legal.

No mérito, sustentou que:

1) A Constituição Federal de 1988 estabelece que se destinam à posse


permanente dos índios as terras de sua tradicional ocupação, as quais são aquelas

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habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as


imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as
necessárias a sua reprodução física e cultural.

2) As terras indígenas são de propriedade da União, mas é dos índios o seu


usufruto, e tais áreas são inalienáveis, indisponíveis e os direitos sobre elas imprescritíveis.

3) Na própria inicial, as autoras reconhecem a presença dos Potiguaras nas


antigas sesmarias de Montemor (ou Preguiça) e São Miguel. Atualmente, tais áreas
correspondem aos municípios de Rio Tinto/PB e Baía da Traição/PB. Descendentes
daqueles índios continuam ainda hoje a ocupar as terras, apesar de “parcialmente
despojados da maioria da área do que um dia foi a Sesmaria de Monte-Mor”.

4) A demarcação feita pelo engenheiro Antônio Gonçalves da Justa Araújo


cumpria uma determinação legal imposta pela Lei n. 601/1850 e pelo Decreto n. 1.318/1854.
À época dos trabalhos de Justa Araújo, já eram intensas as reclamações feitas pelos índios,
no que tange à violação ao seu direito originário às terras de ocupação tradicional. O artigo
5º da Lei n. 601/1850, ao dispor sobre as terras devolutas, excluiu deste rol as terras
indígenas, reconhecendo a ocupação primária como causa legitimadora da posse.

5) O Relatório de Justa Araújo confirma que os índios Potiguara de Montemor


estavam na posse de terras da aldeia e alguns indígenas tiveram os títulos nominalmente
distribuídos. Justa Araújo faleceu sem completar a medição e demarcação de 79 (setenta e
nove) posses de índios.

6) Com a entrega da documentação aos índios Potiguara, reconhecendo sua


legitimidade sobre as terras de sua ocupação tradicional, iniciou-se um “processo de
usurpação de lotes individuais”. Invasores deram início a um processo de aquisição forçada,
por pressão psicológica ou pelo uso da força.

7) A troca de correspondências entre José Brasileiro da Silva, agente do


Posto Indígena Nísia Brasileiro (antigo nome dado ao Posto Indígena situado nas terras dos
Potiguara), e Raimundo Dantas Carneiro, chefe da 4ª Inspetoria Regional, revela a
preocupação com a invasão das terras dos índios por parte da Cia de Tecidos Rio Tinto. Em
1954, o Inspetor Regional comunicou à Direção Nacional do SPI, no Rio de Janeiro, a
ocorrência de invasões de terras indígenas na Paraíba.

8) A demarcação promovida pela FUNAI, em 1983, não demarcou a


totalidade da área de ocupação tradicional dos índios Potiguara, uma vez que a demarcação
irregular se dera para atender interesses outros que não cabia ali e naquele momento
analisar. Foram os poderosos interesses econômicos que pressionaram o Governo Federal
a retirar da proposta de área indígena parte de terras de sua ocupação tradicional. No

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entanto, o Relatório elaborado pelo Grupo de Trabalho criado pela Portaria n. 1503/1983
deixou claro que Jacaré de São Domingos integrava a terra de ocupação tradicional dos
índios Potiguara, mas não fora feito o seu levantamento por requerer um trabalho de maior
detalhamento.

9) Após a demarcação realizada em 1983, a FUNAI, em 1988, constituiu um


novo Grupo de Trabalho para elaborar estudo sobre a área de Jacaré de São Domingos.
Assim, a demarcação de 1993 é um complemento da demarcação de 1983 e observou o
disposto no artigo 231, caput, da CF/1988 c/c artigo 67 do ADCT.

10) São nulos os títulos dominiais das autoras relativamente às áreas


indígenas demarcadas, posto que não evidenciam, licitamente, o domínio e a posse das
terras. À época das aquisições forçadas das terras indígenas, os índios eram equiparados
aos órfãos e, como tais, não poderiam negociar diretamente seus títulos sem assistência do
órgão governamental próprio (vício de consentimento decorrente de incapacidade).

11) Os documentos evidenciam que muitos índios foram coagidos a


efetivarem a venda aos Lundgren. Os índios não venderam ou abandonaram
voluntariamente suas terras. Eles foram “expulsos”.

12) Mesmo que se considere que não houve vício de consentimento dos
índios, ainda sim os títulos apresentados pelas autoras continuariam “inservíveis”, visto que
a área constante do título aquisitivo é muito inferior à constante do registro atualmente
atribuído a ela.

13) Em relação à propriedade Rio Vermelho, adquiriu do Estado o domínio


útil; porém, a escritura pública de origem não faz qualquer referência à área da fazenda Rio
Vermelho. As autoras também afirmaram que as terras da propriedade Rio Vermelho foram
decorrentes de terras devolutas. Entretanto, não pode o Estado transferir terras devolutas ao
particular.

14) No tocante à propriedade Arrepia, os Lundgren passaram a ter a posse de


06 (seis) título de terras de sesmaria, equivalendo a 127 ha (cento e vinte e sete hectares).
Contudo, a propriedade, atualmente, aparece com 612 ha (seiscentos e doze hectares), dos
quais 310 ha (trezentos e dez hectares) estão dentro dos limites da Terra Indígena de
Jacaré de São Domingos.

15) Caso o Decreto Presidencial homologatório da demarcação da Terra


Indígena de Jacaré de São Domingos declarasse como de posse imemorial área de não
ocorrência de ocupação tradicional indígena, a matéria não seria resolvida pela devolução
da posse aos pretensos titulares, mas pelo entendimento de ocorrência de desapropriação
indireta, sujeita à indenização, por parte da União.

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A Rio Vermelho Agropastoril Mercantil S/A apresentou impugnação,


ratificando a inicial e rebatendo os termos das contestações. Acrescentou que não pode
figurar no pólo passivo a Comunidade Indígena de Jacaré de São Domingos, uma vez que
não tem existência legal. Na oportunidade, requereu a juntada de documentos (f. 1127/1165
e 1166/1173).

As autoras informaram que casas estão sendo construídas na área objeto da


presente demanda por pessoas oriundas de outras localidades, como Cruz do Espírito
Santo, Sapé e outras. Informou, também, que as autorizações para as construções são da
lavra de Domingos Barbosa dos Santos, o qual, inclusive está autorizando o desmatamento
da área. Por fim, requereram a notificação da FUNAI acerca da medida liminar concedida
nos autos do Agravo Regimental em Mandado de Segurança n. 21.896-8 impetrado por Rio
Vermelho Agropastoril Mercantil S/A, assim como a notificação de Domingos Barbosa dos
Santos para suspender todo e qualquer ato atentatório à liminar concedida e determinar
prazo para o desfazimento das casas construídas e as em construção na área sub judice (f.
1178/1185).

Despacho determinando a notificação da FUNAI acerca da decisão proferida


nos autos do Agravo Regimental em Mandado de Segurança n. 21.896-8 (f. 1188).

Intimada, a FUNAI alegou que a liminar concedida pelo STF não atingiu e
tampouco anulou o processo de demarcação, mantendo-se válidos a identificação,
delimitação, demarcação, homologação e registro imobiliário. A liminar foi concedida de
forma limitada, vedando, a partir da data de sua concessão, a prática de atos alicerçados no
Decreto homologatório do Presidente da República que implicou a homologação da
demarcação administrativa da área indígena de Jacaré de São Domingos (f. 1190/1191).

Despacho determinando a intimação de Domingos Barbosa dos Santos do


inteiro teor da medida liminar deferida nos autos do Agravo Regimental em Mandado de
Segurança n. 21.896-8/PB (f. 1192). Cumprimento (f. 1201/1214).

As autoras requereram que se determinasse à parte ré a suspensão da


prática de quaisquer atos tendentes a obstaculizar as atividades normais daquelas, em
observância à decisão do STF (f. 1216/1219).

Despacho determinando às autoras que requeressem a citação das


comunidades indígenas Potiguaras de Jacaré de São Domingos e Grupiúna (f. 1233).
Cumprimento (f. 1239).

Citada a Comunidade Indígena de Jacaré de São Domingos (f. 1247/1254).

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A Comunidade Indígena Jacaré de São Domingos apresentou contestação


(f. 1258/1269) arguindo, preliminarmente, a impossibilidade jurídica do pedido, haja
vista o disposto na CF/1988 no que tange à inalienabilidade das terras indígenas, além da
previsão de nulidade dos atos que tenham por objeto seu domínio, posse ou ocupação.
Ademais, o pedido reivindicatório das Autoras não é possível, uma vez que a ação
reivindicatória somente pode ser proposta por quem é proprietário não possuidor, com o
escopo de reaver imóvel próprio em poder de terceiro não proprietário.

No mérito, sustentou que:

1) A decisão proferida pelo STJ nos autos do Mandado de Segurança


impetrado pela parte autora se restringiu a anular a interdição constante da Portaria
Ministerial, permanecendo válida e eficaz a declaração de posse permanente indígena,
caracterizada como de ocupação tradicional do grupo Potiguara.

2) As terras objeto da presente demanda são terras de ocupação tradicional


dos índios Potiguara de Jacaré de São Domingos, comprovada por Laudo Técnico
Administrativo de natureza antropológica.

3) Não há vícios no processo de demarcação administrativa da terra indígena


de Jacaré de São Domingos, pois foram observados os requisitos constitucionais e legais.

4) A posse indígena é congênita, “de índole e limites constitucionais definidos,


não se assemelhando à posse civil”. É com base nisso que a Constituição Federal
estabelece a inalienabilidade, indisponibilidade e imprescritibilidade dessas terras.

5) Não há direito adquirido em prol daqueles que, possuindo título dominial,


intitulem-se proprietários de terras que eram ocupadas pelos índios os quais sofreram
esbulho em sua posse e inexiste direito adquirido contra a posse indígena, uma vez que
esta está prevista na Constituição Federal.

6) Há independência entre o direito dos índios sobre suas terras e o direito à


demarcação. Não tem nenhum efeito jurídico sobre o direito de posse indígena o fato de o
processo de identificação indígena ter deixado de incluir entre as terras dos silvícolas, por
mero critério de conveniência, uma determinada área por eles habitada. A Carta Magna fala
em terras habitadas pelos índios de acordo com seus usos, costumes e tradições, não
podendo ser reduzido o seu alcance.

7) A utilização agrícola das terras pelas autoras, além de ser ilegal, está
restrita ao interesse puramente patrimonial, de caráter privado, uma visão individualista em
detrimento de toda uma comunidade indígena.

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Impugnação à contestação apresentada pela Comunidade Indígena Jacaré


de São Domingos ratificando e reiterando os termos da inicial (f. 1274/1278).

Intimadas as partes, especificaram provas as autoras (f. 1283), a FUNAI (f.


1284/1285), ao passo que a União e o MPF se manifestaram entendendo suficientes as
provas até então produzidas (f. 1288 e 1295v.).

A Secretaria informou sobre o andamento processual do MS n. 21.896-8/PB,


em curso no STF (f. 1293/1295 e 1306/1307).

Em parecer (f. 1334/1339), o MPF opinou, em sede de preliminar, que seja


declarada a inépcia da inicial, por conter pedido juridicamente impossível, e em razão da
conclusão não decorrer da narrativa dos fatos. No mérito, opinou pela improcedência do
pedido, ante a legalidade dos atos destinados à demarcação das áreas objeto da presente
demanda.

A Destilaria Miriri S/A juntou documentos e requereu: a) a concessão de


medida liminar para fins de permitir que a autora possa ter o uso e o gozo das áreas objeto
da presente demanda, inclusive para fins de plantio, corte, transporte e renovação da cana
de açúcar até o trânsito em julgado da presente ação; b) que seja oficiado à FUNAI para que
se abstenha de efetivar contratos de fornecimento de cana-de-açúcar com qualquer que
seja a unidade produtora, dentro dos limites geográficos de Jacaré de São Domingos; c) que
seja oficiado à PEMEL Empreendimentos Agroindustrial e Comercial Ltda. e Destilaria UMA
a fim de que se abstenham de realizar contratos de compra e venda de cana-de-açúcar
originárias de Jacaré de São Domingos, devendo os contratos já celebrados serem
suspensos (f. 1368/1473).

Traslado de cópia da sentença proferida nos autos da Ação Cautelar n.


2006.4730-2 (f. 1486/1487).

A Destilaria Miriri S/A requereu a juntada de documentos, oitiva de


testemunhas e perícia técnica a fim de demonstrar que as terras reivindicadas não são
indígenas (f. 1493/1513).

Juntada de cópia do acórdão proferido nos autos do MS n. 21.896-8/PB (f.


1519/1620).

AÇÃO POSSESSÓRIA N. 94.11346-3

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O Juiz Federal Rudival Gama do Nascimento, quando Substituto da 2ª Vara,


proferiu sentença extinguindo o feito, em face da litispendência com a Ação Ordinária n.
90.366-0, verbis (f. 1453/1469):

“O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ajuizou a presente ação diversa perante


EMILIO CELSO ACIOLI DE MORAIS, DESTILARIA MIRIRI, RIVALDO NEVES
BASTOS, FERNANDO REGIS DE ALBUQUERQUE F., ABEL, HUGO, CHICO FÉLIX,
GIL, JOSÉ TAVARES, JULIO e RODRIGUES, visando a desocupação de área dita
indígena.
Alega, em síntese, que os réus, na condição de
esbulhadores, invadiram indevidamente área indígena denominada
Jacaré de São Domingos, regularmente demarcada e declarada por Decreto
Presidencial.
Discorre sobre o processo de demarcação e sua conseqüência, o esbulho, a posse
indígena, o ajuizamento de mandado de segurança n° 21896-8/166 interposto contra
do Decreto Presidencial no Supremo Tribunal Federal.
Por fim, requer:
a) constatada a ocupação irregular, pelos réus, de áreas de terras indígenas, com
plantio de cana- de-açucar e derrubada de coqueiros, impõe-se sua retirada
incontinente, pelo que se propõe a presente Ação de Reintegração de Posse, como
pedido principal, conforme o direito que lhe é assegurado pelas disposições legais
dos arts. 926 do CPC e 499 do CC, sem prejuízo das disposições pertinentes do
próprio Estatuto do Indio;
b) que sejam os réus condenados em perdas e danos, a serem apurados em
liquidação de
sentença;
c) que seja cominada pena para o caso de nova turbação ou esbulho;
d) que sejam desfeitas as construções ou plantações, realizadas em detrimento da
posse
indígena.
Requer, ainda, a citação da UNIÃO e da FUNAI na condição de litisconsortes ativos
necessários.
Documentos (f. 20/211).
A seguir, o conteúdo dos autos por volume.
VOLUME 1
F. 211 — despacho inicial determinando a designação de audiência de justificação; a
citação da UNIAO e da FUNAI para integrarem a lide na condição de litisconsortes
ativos; a citação dos réus de qualificação completa e por edital dos que não foram
qualificados.
F. 219 — promoção Ministerial requerendo a citação por edital.
F. 224 — decisão ressaltando a necessidade do Ministério Público providenciar a
liberação de recursos para que se efetive a publicação do edital.

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F. 227/228 - interposto agravo retido pelo Ministério Público.


F. 232 — citação da Destilaria Miriri.
F. 233/238 - citação da UNIÃO e da FUNAI.
F. 239 — carta precatória para a citação de Emilio Celso.
F. 243 - citação de Emilio Celso.
F. 257 — petição da FUNAI ratificando a inicial.
F. 272 - promoção ministerial requerendo a citação de Rivaldo Neves por edital; a
citação de Fernando Régis por Carta Precatória e a publicação de novo edital.
F. 277 - despacho determinando a designação de nova data para audiência de
justificação.
F. 278 — promoção ministerial para apresentar rol de testemunhas.
F. 292 - termo de audiência onde foi determinada a realização de citações e
designação de nova data.
F. 300/313 - Audiência de Justificação onde, em suma:
a) foram ouvidas as testemunhas Rosângela Sitôriio Rumão, Maria da Salete Horácio
da Silva e Antônio Elisio Garcia Sobreira;
b) surgiu a notícia de óbito dos réus CHICO
FELIX; JOSÉ TAVARES;
c) foi declarada a procedência da justificação com a expedição de mandado de
reintegração de posse.
F. 314 e 320— petição Fernando Regis, Rodrigo Ferreira e da Destilaria Miriri
noticiando a nova sistemática de demarcação das terras indígenas, nos termos do
Decreto 1775/96, bem como o ajuizamento de ação ordinária declaratória de titulação
dominial, cumulada com reintegração de posse e perdas e danos pela FUNAI e
Ministério Público Federal, em 10.12.90, em trâmite nesta 2 Vara. Ao final, pede a
suspensão da ação.
F. 339 - promoção ministerial no sentido de que seja rejeitado o pedido de
suspensão.
F. 342 e 345 - petição de GILVAN CELSO CAVALCANTI DE MORAIS SOBRINHO e
EMILIO CELSO ACIOLI DE MORAIS pugnando pelo prazo em dobro para contestar.
F. 348 - oficio do Eg. T.R.F. da 5 Região trazendo cópia da inicial e do despacho
proferido no Agravo de Instrumento n° 7143-PB, interposto pela Destilaria Miriri, que
suspendeu liminarmente a reintegração de posse deferida.
F. 375/379 — informações prestadas.
VOLUME 2
F. 380 - Oficio do Eg. T.R.F. da 5 Região trazendo cópia da inicial e do despacho
proferido no Agravo de Instrumento n° 7152-PB, interposto pela RIVALDO NEVES
BASTOS, suspendendo liminarmente a reintegração de posse deferida.
F. 397 - Informações prestadas ao do Eg. T.R.F. da 5fl Região.
F. 402 - Oficio 337/96 do Eg. T.R.F. da 5d Região trazendo cópia da inicial e do
despacho proferido no Agravo de Instrumento n° 7153-PB, interposto por JOSÉ
LUCENA DE FARIAS e AURICÉLIA RICARDO TAVARES, suspendendo a

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reintegração de posse deferida.


F. 419 — Informações prestadas.
F. 424 — Contestação de Gilvan Celso C. M. Sobrinho requerendo a exclusão da lide
por ser Diretor Superintendente da Destilaria Miriri S/A e não proprietário ou posseiro.
F. 426 — Contestação Emilio Celso Acioli de Morais alegando, em preliminar, o não
preenchimento das condições do artigo 927 do CPC, litispendência com a Ação
Ordinária de Nulidade de Titulação Dominial cumulada com Reintegração de Posse
n° 90.366. Pede a exclusão da lide por não ser possuidor de terras objeto da ação.
Sustenta que tem um plantio de cana-de-açucar em terras pertencentes a Rio
Vermelho Agropastoril S/A e Desfilaria Miriri S/A;
F. 437/711 — Contestação da Destilaria Miriri S/A aduzindo, em síntese,
preliminarmente:
a) a impossibilidade de compor o pólo passivo da relação processual tendo em vista
estar
acobertada por medida liminar concedida em Agravo Regimental em Mandado de
Segurança n° 21.896-8, impetrado contra o Decreto Presidencial que homologou a
área indígena;
b) litispendência com a Ação Ordinária Declaratória de Titulação Dominial, cumulada
com Reintegração de Posse e Perdas e Danos, n° 90.366-O, em trâmite na 2° Vara
Federal/PB;
c) nulidade do registro da área em discussão no Cartório do Registro Geral de
Imóveis da Comarca de Rio Tinto;
d) edição do Decreto n° 17775 que alterou a sistemática da demarcação e
delimitação das terras indígenas;
e) impossibilidade jurídica do pedido sob alegação de que os representados pelo
MPF não são índios;
f) inépcia da inicial pela não individualização das terras que teriam sido objeto do
esbulho;
g) tratar-se de posse velha que não admite ação com base nos arts. 926 e seguintes,
nem a concessão de liminar de reintegração;
h) a prescrição aquisitiva nos termos do art. 177 do Código Civil e até usucapião
conforme art. 550 do Código Civil;
Pede, preliminarmente:
a) suspensão da tramitação do feito em face da liminar proferida pelo Col. S.T.F. e
apresentação de contestação administrativa;
b) ou reconhecimento da litispendência;
c) ou decretação de carência de ação (art. 301, X, do CPC);
d) ou inépcia da inicial
No mérito, alega, em suma, que na verdade os índios que se encontravam na região,
dispersos desde que se extinguiu o aldeamento da Monte-mór, foram acolhidos e
tiveram sua vida e costumes assegurados com a demarcação da “Reserva Indígena
Potiguarda”, pelo Decreto 89.256, de 28.12.83, abrigando os remanescentos dos

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indígenas da região. A condição de “caboclos” dos representados pelo MPF. A


comprovação da posse e a propriedade, mansa e pacífica da contestante, com justo
título e boa fé.
VOLUME 3
F. 712 - Ofício 370/96 do Eg. T.R.F. da 53 Região trazendo cópia da inicial e do
despacho proferido no Agravo de Instrumento n° 7195-PB, interposto por
FERNANDO RÉGIS DE ALBUQUERQUE FILHO E ESPÓLIO DE ROMILDO
HIBERNON DE MELO CAVALCANTI, suspendendo a reintegração de posse
deferida.
F. 740 a DESTILARIA MIRIRI 5/A; as f. 863
JOSÉ LUCENA DE FARIAS, AURICÉLIA RICARDO TAVARES e
RIVALDO NEVES BASTOS; as Lis. 896 FERNANDO REGIS DE
ALBUQUERQUE FILHO e ESPÓLIO DE ROMILDO HIBERNON DE
MELO CAVALCANTI juntam a documentação que foi apresentada
na instrução de agravos de instrumentos interpostos junto ao Eg.
T.R.F. da 5 Região.
F. 920 - Ofício 29/96 — GAB, informações prestadas ao Eg. T.R.F. da 5 Região.
VOLUME 4
F. 926 - Contestação de José Lucena de Farias, Auricélia Ricardo Tavares e Rivaldo
Neves Bastos;
F. 1092 — contestação de Fernando Régis e espólio de Romildo Hibernon
representado por Rodrigo Ferreira;
VOLUME 5
F. 1204 — petição da FUNAI requerendo citação pelo correio ou fax;
F. 1212 — despacho - Dr. J. Fernandes fez a seguinte constatação e expediu
despacho:
a) falta de comprovação de publicação, em jornal local, do edital de citação expedido
as fis. 294 para citação de Abel e Hugo;
b) notícia do óbito de Chico Felix e José Tavares; c) ingresso de Auricélia Ricardo
Tavares e espólio
de Ron-iildo Hibernon representado por Rodrigo Ferreira;
d) inexistência de documentação conferindo ao réu Rodrigo Ferreira Lima poderes de
representação do espólio de Romildo Hibernon;
e) determinou a manifestação do Ministério Público sobre os quatro itens e
contestações apresentadas.
F. 1222 — relatório, voto e acórdão de AGTR proposto por Rivaldo Neves Bastos —
parcialmente provido para revogar a liminar de reintegração de posse e observação
do rito ordinário;
F. 1235 parecer do MF pede desmembramento do feito;
F. 1236 — despacho requisitando manifestação das partes;
F. 1244 - a FUNAI pede o desmembramento do feito
F. 1248 — Despacho acolhendo o pedido de desmembramento

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Fis. 1250 - relatório, voto e acórdão de AGTR proposto por Rivaldo Neves Bastos —
parcialmente provido para revogar a liminar de reintegração de posse e observação
do rito ordinário;
F. 1298 — decisão declinando a competência;
F. 1318 — petição de Fernando Regis para proceder a colheita da cana;
F. 1328 — deferimento do pedido de fis. 1318;
F. 1353 — pedido de força policial;
F. 1355 — deferimento do pedido de fis. 1353;
F. 1358 — pedido de força policial;
F. 1375 — requisitada cópia de agravo de instrumento;
F. 1376 — Auto de Constatação;
F. 1384 — pedido de colheita de 405 hectares;
F. 1399 — deferimento do pedido de fis. 1384;
F. 1406 - cópia do Despacho do AGIR proposto pela Destilaria Miriri — suspende a
liminar de reintegração até o pronunciamento da Turma;
F. 1407 - cópia de agravo de instrumento
proposto pela FUNAI contra a decisão que permitiu a colheita;
F. 1422 — pedido de proteção policial deferido no rosto da petição;
F. 1435 — pedido de abertura de inquérito para apuração de crime de desobediência
e assegurar a colheita;
F. 1444 — ofício requisitando informações para instrução do AGIR interposto pela
FUNAI;
F. 1448 — informações prestadas.
É o relatório, decido.
1- COMPARAÇÃO DE PEDIDOS
Em apenso a presente ação encontra-se a ação ordinária n° 90.366-0. Necessária a
comparação dos pedidos:
QUADRO N. 01
AÇÃO ORDINÁRIA N° 90.366-O AÇÃO DVERSA N. 94.1346-6

Ajuizamento em 07.02.90 Ajuizamento em 19.12.94

a) declarar a nulidade das a) constatada a ocupação irregular,


titulações dominiais em nome dos Réus e pelos réus, de áreas de terras
respectivas esposas, as pessoas físicas indígenas, com plantio de cana-de-
que casadas forem, com o açucar e derrubada de coqueiros,
cancelamento dos registros impõe-se sua retirada incontinente,
imobiliários; pelo que se propõe a presente Ação
b) reintegrar na posse das áreas de terras de Reintegração de Posse, como
em referência os índios da tribo pedido principal, conforme o direito
Potvguara de Jacaré de São Domingos, que lhe é assegurado pelas
como bens pertencentes à União Federal disposições legais dos arts. 926 do

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e de usufruto dos indígenas da CPC e 499 do CC, sem prejuízo das


localidade; disposições pertinentes do próprio
c) condenar os Réus no pagamento das Estatuto do índio;
perdas e danos sofridos pelos índios b) que sejam os réus condenados em
Potvguara; e perdas e danos, a serem apurados em
d) condenar os Réus e os eventuais liquidação de sentença;
contestantes no pagamento das c) que seja cominada pena para o
despesas processuais e honorários caso de nova turbação ou esbulho;
advocatícios. d) que sejam desfeitas as construções
OBS: Pede, ainda, a citação da UNIÃO e ou plantações, realizadas em
de terceiros e interessados incertos e não detrimento da posse indígena.
sabido, por edital.

2- COMPARAÇÃO DAS PARTES


Também necessária a comparação das partes:
QUADRO N°02
AÇÃO ORDINÁRIA N. 90.366-0 AÇÃO DIVERSA N. 94.11346-6
Ajuizamento em 07.02.90 Ajuizamento em 19.12.94
AUTOR: FUNAI e MINISTÉRIO PÚBLICO AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO
FEDERAL FEDERAL, UNIÃO e FUNAI
RÉUS: RÉUS:
EMILIO CELSO ACIOLI DE MORAIS; EMILIO CELSO ACIOLI DE MORAIS;
FERNANDO REGIS DE ALBUQUERQUE DESTILARIA MIRIRI;
F.; RIVALDO NEVES BASTOS;
LUIS FRANCO DA ROCHA; FERNANDO REGIS DE
FRANCISCO XAVIER DE ANDRADE; ALBUQUERQUE F.;
JOÃO ROSENDO DE MENEZES FILHO; ABEL;
ANIANO VIJUELA DI LA CAL; HUGO;
RIO VERMELHO AGR PASTORIL M. CHICO FÉLIX;
S/A; GIL;
GERALDO A. CAVALCANTE DE M. S.; JOSÉ TAVARES;
DESTILARIA MIRIRI; JULIO; e
RIVALDO NEVES BASTOS; RODRIGUES
Obs: Há, n ainicial, pedido de citação da
UNIÃO na condição de litisconsorte ativo
necessário.
* (.) sublinhadas as partes repetidas
3- LITISPENDÊNCIA
Ocorre litispendência quando se reproduz ação idêntica àquela em curso, e essa
identidade de ações se faz inequívoca quando há similaridade entre as partes, os
fundamentos de fato e de direito que constituem a causa de pedir, e o pedido.
O art. 301, § 1° a 3°, traz a seguinte definição da matéria:

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“Art. 301
§ 1° Verifica-se a litispendência ou a coisa julgada, quando se reproduz ação
anteriormente ajuizada.
2° Uma ação é idêntica à outra quando tem as mesmas partes, a mesma causa de
pedir e o niesmo pedido.
§ 3° Há litispendência, quando se repete ação, que está em curso; há coisa julgada,
quando se repete ação que já foi decidida por sentença, de que não caiba recurso.”
Cumpre, todavia, assinalar que a litispendência, como pressuposto processual
negativo, podendo ser examinada de ofício pelo juiz ou a requerimento da parte, a
qualquer tempo e grau de jurisdição. É matéria de ordem pública e constitui a própria
essência da relação processual, cuja sobrevivência dela depende.
A partir da análise do Quadro N° 01, vê-se que o pedido constante na presente ação
(Ação Diversa n 94.11346-3) está claramente abrangido pelo pedido disposto na
Ação Ordinária n°
90.366-O.
A causa de pedir também coincide uma vez que
centra-se na ocupação ou não de terras indígenas.
Em relação às partes, passo ao seguinte exame:
a) quanto aos réus EMILIO CELSO ACIOLI DE MORAIS, DESTILARIA MIRIRI,
RIVALDO NEVES BASTOS e FERNANDO REGIS DE ALBUQUERQUE F., a
repetição em relação à Ação Ordinária 90.366-O é cristalina, conforme demonstra o
Quadro 02, restando ABEL, HUGO, CHICO FÉLIX, GIL, JOSÉ TAVARES, JULIO e
RODRIGUES, indicados na inicial sem qualificação;
b) na Audiência de Justificação foi noticiado o falecimento de CHICO FÉLIX E DE
JOSÉ TAVARES, dada oportunidade de manifestação,
o Ministério Público Federal pediu o desmembramento do feito (f. 300/313, 1.212 e
1.235);
c) vieram aos autos apresentando Contestação -
GILVAN CELSO DE C. M. SOBRINHO
requerendo exclusão da lide por não ser possuidor e sim Superintendente da
Destilaria Miriri S/A (f. 424); JOSÉ LUCENA DE FARIAS e AURICÉLIA RICARDO
TAVARES (fis. 863); ESPÓLIO DE ROMILDO HIBERNON DE MELO CAVALCANTI
representado por RODRIGO FERREIRA LIMA CAVALCANTI;
d) não há nos autos manifestação de ABEL e
HUGO.
Acolho as razões relatadas as fis. 424 para excluir da lide GILVAN CELSO DE C. M.
SOBRINHO.
Quanto aos demais, em virtude da simultaneidade de ações a incidir sobre o mesmo
objeto “área indígena denominada Jacaré de São Domingos”, a fim de evitar a
colidência de decisões, excluo da lide JOSÉ LUCENA DE FAMAS, AURICÉLIA
RICARDO TAVARES e ESPÓLIO DE ROMILDO HIBERNON DE MELO
CAVALCANTI representado por RODRIGO FERREIRA LIMA CAVALCANTI já que

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poderão integrar a ação ordinária n° 90.366-O, na qualidade de terceiros e


interessados incertos e não sabido, conforme pede a Inicial.
Em conseqüência, acolho a preliminar de litispendência argüida nas Contestações de
f. 437 e 1092, por identidade de pedido, causa de pedir e de partes da presente
ação(Ação Diversa n° 94.11346-3) com a Ação Ordinária n° 90.366-O.
4;
Uma vez configurada a litispendência, a relação processual revela-se
irremediavelmente comprometida desde o seu nascedouro, passando de uma
existência material e jurídica para uma existência meramente formal, passível, a
qualquer tempo, de imediata extinção, eis que esvaída em sua essência.
Nesse sentido, os precedentes abaixo, inter plures:
“A identidade de pedidos não caracteriza a
litispendência. Somente se verifica a litispendência com
a identidade de ações: as mesmas partes, o mesmo pedido
e a mesma causa de pedir” (TRF — 5ª, 1ª T., Ap.
17.299-RN, rei. Juiz Ridalvo Costa, v.u., j.
10.12.1992, JSTJ 47/583).
PROCESSO CIVIL - LITISPENDÊNCIA - EXTINÇÃO DO PROCESSO.
1. Há lide pendente quando, em nzandado de segurança, pleiteia-se a compensação
de valores que, em ação ordinária, estão sendo questionados, com pedido de
devolução.
2. Recurso da Fazenda e remessa oficial providos.
( TRF 4ª Região, 4ª T., AMS n° 0100839, rel. JUIZA ELIANA CALMON, j. 01-02-96).
PROCESSO CIVIL. LITISPENDÊNCIA.
OCORRÊNCIA. VERIFICAÇÃO DE
LITISPENDÊNCIA, TENDO EM VISTA QUE O
PEDiDO FORMULADO NA AÇÃO FOI
FORMULADO NO MANDADO DE SEGURANÇA,
ANTES IMPETRADO, AINDA QUE NESSE
ÚLTIMO TENHA MAIOR AMPLITUDE.(TRF
1ª Região, 3ª T., AC n° 106222-0, rel. juiz
TOURINHO NETO, j.14.05.96).
Diante dessa constatação, demonstrada como está
a existência de duas ações similares em aberto, apenas uma delas (90.366-0) está
autorizada a prosseguir em seu curso, impondo-se quanto à posteriormente ajuizada
(94.11346-6), a imediata extinção sem o conhecimento do mérito, nos moldes do art.
267, V, do CPC, que dispõe, ipsis litteris:.
“Art. 267. Extingue-se o processo, sem julgamento do
mérito:
V — quando o juiz acolher a alegação de perempção, litispendência ou de coisa
julgada;”

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Isto posto, julgo extuinto o processo sem exame do mérito, nos termos do art. 267, V,
do C.P.C.
Custas ex lege e verba honorária de 10 % (dez por cento) sobre o valor da causa.
P.R.I.
Oficie-se aos Exmos. Juízes Relatores dos Agravos de Instrumentos n.s 7143-PB (f.
348), 7152 (f. 380), 7153-PB (f. 402) 7105-PB (f. 712).
Desapense-se e traslade-se para a Ação Ordinária n. 90.366-0 a presente Sentença.
João Pessoa, 05.04.2000.”

O Tribunal Regional Federal da 5ª Região negou provimento à apelação


interposta pelo MPF (f. 1556/1562).

O Superior Tribunal de Justiça deu provimento a recurso especial interposto


pelo MPF e União para anular a sentença, a míngua de litispendência, e determinou o
apensamento com os autos do processo n. 90.366-0 (f. 1602/1616).

Retornando os autos, a Secretaria procedeu ao apensamento com os autos


do processo n. 90.366-0 (f. 1624).

O Supremo Tribunal Federal encaminhou cópia do acórdão prolatado no MS


n. 21.896-PB (f. 1201/1259).

FUNDAMENTAÇÃO

Observo, inicialmente, que o exame do(s) pedido(s) de liminar e de outra(s)


medida(s) acautelatória(s) encontra-se prejudicado em razão do julgamento de mérito dos
feitos.

Analiso as preliminares arguidas nos processos conexos:

- Incompatibilidade dos ritos:

A pretensão formulada nos autos da “Ação Ordinária Declaratória de Nulidade


de Titulação Dominial, Cumulada com Reintegração de Posse e com Perdas e Danos”
(processo n. 90.366-0) movida pela FUNAI consiste na declaração da nulidade das
titulações dominiais em nome dos réus e seus cônjuges, se casados forem, com o
cancelamento dos respectivos registros imobiliários, bem como a reintegração na posse das
áreas pertencentes à União e de usufruto dos índios da tribo Potiguara de Jacaré de São
Domingos, além de reparação por perdas e danos.

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Os títulos dominiais e respectivas posses questionados pela FUNAI


retroagem formalmente há mais de um ano e um dia, aplicando-se, portanto, a segunda
parte do artigo 924 do Código de Processo Civil quanto à observância do rito ordinário,
razão pela qual rejeito a preliminar.

- Inépcia da petição inicial:

A petição inicial dos autos dos processos n.s 90.366-0 e 93.8204-3


apresenta-se logicamente estruturada e concatenada em sua causa de pedir e pretensão,
de modo que não vislumbro as hipóteses de indeferimento previstas no artigo 295, parágrafo
único, do Código de Processo Civil.

A questão relativa à prova insere-se, por sua vez, nos ônus processuais das
partes, na forma do artigo 333 do Código de Processo Civil e nos dispositivos concernentes
às ações possessórias.

- Impossibilidade jurídica da pretensão:

A preliminar de impossibilidade jurídica do pedido, sob a premissa de se tratar


de área indígena com os atributos de inalienabilidade e usufruto exclusivo por parte dos
índios, confunde-se com o próprio mérito do direito em discussão.

A condição de indígena dos ocupantes das terras é, também, matéria de


mérito.

- Litispendência:

A preliminar de litispendência com o processo n. 90.366-0 foi afastada pelo


Superior Tribunal de Justiça quando deu provimento a recurso especial interposto contra
acórdão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, que manteve a sentença de extinção do
feito sem resolução do mérito proferida nos autos do processo n. 94.11346-3.

- Ilegitimidade passiva da Destilaria Miriri S/A e Emílio Celso Acioli de


Morais:

A condição formal da Destilaria Miriri S/A de titular do domínio das terras e de


Emílio Celso Acioli de Morais de arrendatário caracterizam a legitimidade passiva, em face
da pretensão formulada nos autos do processo n. 94.11346-3.

- Defeito de representação:

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Os documentos que instruem a petição inicial dos autos do processo n.


93.8204-3 permitem aferir que houve cessão de ações ordinárias da Rio Vermelho
Agropastoril Mercantil S/A para a Destilaria Jacuípe S/A, sucedida ou incorporada, ao que
parece, pela Destilaria Miriri S/A, e para a Usina Central Nossa Senhora de Lourdes S/A,
abrangendo bens imóveis, naquilo que interessa à matéria em discussão, estando a parte
representada legalmente por advogados habilitados, não me parecendo, assim, que haja
defeito de representação.

Paralisação do feito:

O processo n. 90.366-0 teve tramitação regular, não ficando paralisado por


negligência da parte por mais de um ano, porquanto as diligências determinadas à autora
foram devidamente cumpridas a tempo e modo.

Da prejudicial de mérito – prescrição:

Esta prejudicial confunde-se igualmente com o mérito do direito em


discussão, conforme se verá adiante, valendo salientar que se trata, de certa forma, de
alegação disfarçada de usucapião sobre terras cuja posse e domínio são questionados.

NO MÉRITO:

A dispensa de prova testemunhal e pericial – o conteúdo


histórico dos fatos controvertidos – os estudos históricos que
fundamentam cada tese – a sincronia de teses até o relatório
Justa Araújo e a dissonância a partir disso

Em primeiro lugar, devo justificar minha decisão quanto à completa


desnecessidade de produção de prova oral em audiência e mesmo pericial.

Nas três demandas conexas que ora decido, podemos observar um mesmo
núcleo de argumentos de parte a parte: a titularidade do direito de propriedade, o exercício
legítimo do direito de posse, a existência de elementos invasores e a ilegitimidade da
ocupação da contraparte. Em cada um dos feitos, o núcleo de cognição é rigorosamente
esse, oscilando quanto aos fundamentos da legitimidade da posse própria e ilegitimidade da
ocupação alheia, bem como as providências perseguidas através da provocação ao Poder
Judiciário.

Examinando todas as alegações de fato (e que seriam as únicas a demandar


a produção de prova oral), observo que pretensão e resistência, em cada um dos feitos,

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corroboram-se reciprocamente ao alegar seu exercício de posse e a ocupação ilegítima da


contraparte. Em outros termos, todos alegam e, por isso mesmo, reconhecem sua mútua
coexistência conflitiva na área de terra sobre que litigam. Não há contradição e, portanto,
dúvida alguma existe de que autores e réus vivem sobre a área de terra questionada. Não é
preciso, portanto, produzir prova de que houve “esbulho” ou “turbação”, pois a presença de
ambos no espaço disputado é reconhecida e proclamada por uns em relação aos outros.

Quanto a isso, o ponto controvertido não está no fato de uns e outros


estarem ou não a ocupar aquele espaço de terra, mas na legitimidade dessa ocupação,
alegando cada um que sua ocupação é a legítima, sendo, portanto, ilícita a presença da
contraparte naquele mesmo espaço de terra.

A legitimidade ou ilegitimidade da ocupação de cada parte está sendo


fundamentada por cada um dos litigantes em fatos de indiscutível natureza histórica. Basta
observar que a narração contida na pretensão e na resistência é perfeitamente convergente
na reconstituição dos fatos históricos, pelo menos até o momento em que teve lugar o
trabalho desenvolvido pelo engenheiro Antônio da Justa Araújo e, mais particularmente, com
relação aos efeitos jurídicos da conclusão desse trabalho no que respeita às terras
disputadas pelas partes nestes feitos.

O grande ponto de divergência, pois, está não apenas em saber o que


aconteceu faticamente em relação aos trabalhos de loteamento desenvolvidos por Antônio
da Justa Araújo, mas precisamente em identificar as conseqüências jurídicas desse
trabalho, seja diretamente com relação aos imóveis que sofreram a incidência desse
trabalho, seja ainda para as populações que lá existiam.

Disso resulta que, se houve alguma divergência em termos de fato, essa


divergência remonta e se limita à época dos trabalhos de Antônio da Justa Araújo e aos
ocorridos, no máximo, nos trinta a cinqüenta anos posteriores, o que nos leva à década de
vinte ou trinta do século passado. Isso, como me parece claro, leva por terra qualquer
pretensão em esclarecer as questões de fato com base em depoimentos testemunhais
prestados em Juízo, a menos que se queira investigar a memória dos mais antigos
habitantes da terra, se fosse possível encontrá-los.

A solução, portanto, está em investigar fatos históricos através de estudos


históricos confiáveis e respeitáveis. E fora exatamente por isso que cada parte, em sua
pretensão e resistência, trouxe aos autos inúmeras referências a estudos e pesquisas de
diversos profissionais para a reconstrução da história das terras daquela localidade. Esses
estudos, assim, haveriam de servir – e efetivamente serviram – de base para o
esclarecimento de eventuais pontos controvertidos na narração empreendida por cada um
dos litigantes.

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O grande ponto controvertido, entretanto, centra-se nas conseqüências


jurídicas em relação às terras loteadas e seus então ocupantes, segundo a disciplina jurídica
aplicável na época. A solução integral da lide está em resolver sobre a natureza jurídica
das terras após os trabalhos de Antônio da Justa Araújo, sobre as restrições ao
exercício dos poderes inerentes ao domínio, sobre os limites da alienabilidade da
propriedade imóvel e tudo o mais que diga respeito ao regime jurídico específico
daquelas terras, levando-se em conta sua função.

Nem se pode afirmar, por outro lado, que haja dúvida sobre as características
do imóvel objeto das lides. Encontramos nos autos alegações ora no sentido de que os
índios ocupariam 1500 hectares, ora dizendo que pleiteiam 4500 hectares, ora afirmando
que ultrapassariam os cinco mil hectares. A verdade é que os croquis e mapas constantes
dos autos tornam absolutamente certo e indiscutível o espaço de terra sobre que
controvertem autores e réus, não havendo realmente uma resistência séria baseada numa
alegada imprecisão quanto ao objeto da lide. Isso ficou bem esclarecido no julgamento do
MS 21.896-7/PB, pelo Supremo Tribunal Federal, constando por cópia em todos os autos.

A controvérsia, portanto, é determinantemente jurídica, o que prescinde


completamente de dilação probatória, ensejando o julgamento antecipado da lide de acordo
com o artigo 330, inciso I, do Código de Processo Civil brasileiro.

A atribuição das terras aos índios pelo trabalho de loteamento


de Justa Araújo – natureza dessa atribuição – capacidade dos
índios para alienarem as terras a terceiros – procedimento
necessário para alienação e a intervenção do Judiciário –
condição de incapazes e a intervenção do Serviço de Proteção
ao Índio

Conforme ficou assentado acima e se encontra devidamente demonstrado


nos autos dos feitos conexos, tendo sido afirmado e admitido de parte a parte, as terras
sobre as quais litigam as partes foram demarcadas e loteadas por determinação do governo
imperial, precisamente pelos trabalhos desenvolvidos no ano de 1864 pelo engenheiro
Antônio Gonçalves da Justa Araújo.

De acordo com os estudos históricos sobre o tema, trazidos aos autos por
ambas as partes, as terras em que habitavam os índios da tribo Potiguara na localidade
conhecida como Sesmaria de Montemor foram demarcadas e loteadas, sendo entregues os
respectivos lotes às respectivas famílias indígenas. Essas terras teriam sido, nos anos
seguintes, alienadas a terceiros, desaparecendo completamente a aldeia indígena de Jacaré
de São Domingos.

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Eis que aqui surge um dos pontos centrais de discussão entre as partes: qual
a natureza jurídica do ato de atribuição de terras às famílias indígenas pelo governo
imperial? Teriam as terras sido transferidas como propriedade imóvel particular em termos
rigorosamente similares ao regime jurídico da propriedade particular de então? Ou, por outro
lado, a disciplina normativa dessa outorga de terras previa disposições derrogatórias do
direito comum, levando em conta aspectos específicos pertinentes aos trabalhos de
loteamento (determinação do governo imperial, posse indígena, natureza indígena dos
destinatários etc.)?

A discordância começa, dizendo um dos lados que essas terras foram


atribuídas aos índios com as qualidades inerentes à propriedade privada, sendo
posteriormente alienadas a título oneroso, iniciando-se a cadeia sucessória que teria
resultado nos títulos dominiais apresentados, os quais demonstrariam a atual titularidade
dessas terras.

Já o outro lado (MPF e FUNAI) sustenta que em momento algum a área


loteada perdeu sua condição de terra indígena protegida, de posse e usufruto exclusivo
pelas populações indígenas ali presentes e de propriedade da União, com as características
inerentes à propriedade pública de uso especial.

Consta do Parecer n. 219/1989 – GTI DECRETO N. 94.945/1987 (f. 38-41 –


processo n. 90.366-0) que, em 1923, o Serviço de Proteção ao Índio (SPI) começou a
executar trabalhos e levantamentos na área de Montemor, mesma época em que as terras
dos índios começaram a passar a outras mãos: a família Lundgren. Citando relatório
antropológico de identificação, afirma que “A história oral do grupo conta que em 1932 a Vila
Montemor foi invadida por Frederico Lundgren, que fez uma reunião com os caboclos,
„colocando para correr‟ aqueles que afirmassem ser aquela área terra de índio”. O referido
parecer concluiu pela natureza indígena da área demarcanda.

O Laudo Técnico de Vistoria Fundiária constante das f. 53-67 (processo n.


90.366-0) traz uma importante informação em sua página 07: a área de terra até então
ocupada pela população indígena era de 1500 ha, dos 4500 ha sugeridos para
homologação. Desse último número, 1035 ha estariam sendo ocupados por terceiros
plantadores de cana e abacaxi, o que indica que, já nesse tempo, as ocupações de parte a
parte coexistiam, lutando cada uma delas por fazer prevalecer a própria em oposição à
exercida pela contraparte.

A FUNAI alega que todas as Constituições brasileiras teriam assegurado o


direito dos índios à posse das terras por si tradicionalmente ocupadas, inclusive a
Constituição de 1891, que teria estabelecido o respeito às regras da Lei Imperial n. 601, de
18 de setembro de 1850, em seu artigo 83. Cita ainda o regulamento da Lei Imperial n. 601,

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precisamente seu artigo 75, do seguinte teor (exatamente como escrito às f. 22 – processo
n. 90.366-0):

“Art. 75 – As terras reservadas para colonização de indígenas, e para eles


distribuídas, são destinadas ao seu usufruto, e não poderão ser alienadas,
enquanto o Governo Imperial, não lhes conceder pleno gozo delas, por
assim permitir o seu estado de civilização.” (grifei).

Acrescenta que, pela via das Constituições seguintes, ficou categoricamente


assegurado o direito dos índios ao usufruto das terras ocupadas, bem como a respectiva
propriedade pela União. Suas contrapartes, contudo, argumentam que apenas a
Constituição Federal de 1934 previu o direito dos índios às terras tradicionalmente
ocupadas, de modo que não havia óbice constitucional à alienação dessas terras.

A verdade, contudo, é que havendo ou não expressa proteção constitucional


às terras indígenas antes de 1934, parece-me fulminante o argumento segundo o qual a
Constituição de 1891 determinou que se respeitassem as disposições previstas na Lei
Imperial n. 601 de 1850, o que acarreta a adoção de sua sistemática jurídica e a correlata
aplicação de sua legislação regulamentadora.

Considerando, assim, o sistema normativo de regência integrado pela


Constituição de 1891 (que fez a remissão), a Lei Imperial n. 601 (que estabeleceu as linhas
mestras do regime de terras) e seu regulamento (que disciplinou em minúcias o regime
jurídico da Lei Imperial regulamentada), temos que as terras loteadas foram concedidas
às famílias indígenas com o caráter geral da inalienabilidade, somente perdendo-o se
e quando o poder público o determinasse, e mesmo assim em conta de um critério
eminentemente pessoal: quando assim o permitisse o estado de civilização dos
beneficiários indígenas.

Consta do relatório de identificação e delimitação da aldeia indígena Jacaré


de São Domingos (f. 162 e ss. – processo n. 90.366-0)2:

“Objetivando a aquisição de todas as possíveis informações sobre posses e


sesmarias sujeitas a revalidações, existiam os Relatórios da Repartição Geral
das Terras Públicas, dos quais, o datado de 1856, contém dados enviados
por várias Províncias e, inclusive, um Mapa Geral das Aldeias, onde, em
Mamanguape, está assinalado um Patrimônio Indígena de 12 léguas. Por
esta época, faziam parte desta freguesia como vimos pelo decreto anterior, as
aldeias de Baía da Traição e Montemor (anexo n. 10)” (f. 171)

2
As referências a folhas de autos que faço a seguir referem-se ao processo n. 90.366-0.
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Na página 175, após descrever como o Engenheiro Antônio Gonçalves da


Justa Araújo fez os trabalhos de medição das terras, constatação e distribuição de suas
posses:

“Já naquela época, os terrenos doados em lotes aos indígenas de


Montemor não podiam ser vendidos, por inalienáveis, já que a condição
de órfãos considerada pela Lei para os índios, na mesma proporção que
os impedia de, ‘sem assistência judicial, alienar suas terras’, impugnava
qualquer possibilidade de serem desapossados: (ainda segundo João
Mendes Jr.) „...É verdade que, entre nós, subordinados os índios as
consequências da posição de orphams, em que os collocou a Lei de 27
de outubro de 1831 (reiterada em 1833), parece que eles não podem sem
assistência judicial, alienar as suas terras, ex vi do disposto na Ord. LI
título 88 § 26”. (grifei)

Citando relatório do “ajudante adido do Serviço de Proteção dos Índios”, Sr.


Dagoberto de Castro e Silva, que em 1923 fora encarregado de apresentar ao Diretor desse
órgão um relatório sobre a situação dos índios Potiguara, diz o mesmo relatório:

...Em summa os terrenos demarcados e divididos em lotes distribuídos aos


índios de Montemor estão atualmente ocupados pelos grandes industriais
Lundgren e os terrenos que figuram como devolutos no referido anexo,
também foram pelos mesmos açambarcados, com ou sem justos títulos de
que possam oportunamente se valer. Pelo exposto é lícito concluir que os
índios, pretensos Potiguara foram desalojados de suas terras, por sua livre
vontade ou a contra gosto, visto como, não tinham capacidade jurídica
para aliená-las” “BAUMANN; 1971: 74 e 75) (grifei)

A julgar pela surpresa manifestada no relatório, parece-me claro que, embora


os índios fossem submetidos a um estado de proteção, o Serviço de Proteção aos Índios
não tivera tido, em tempo oportuno, conhecimento do que motivara o desalojamento dos
elementos indígenas daquelas terras. Se tivesse que ter ocorrido alguma transferência legal
das terras aos não-indígenas, a necessidade de intervenção judicial teria tornado
indispensável a atuação daquele órgão de proteção indígena, ancestral da FUNAI. Se esse
órgão não teve conhecimento do fato, não se pode falar em alienação lícita de terras pelos
índios, pois, como se viu e como se vê da parte final dessa transcrição, eles “não tinham
capacidade jurídica para aliená-las”.

Em seguida, citando Amorim (1970:41):

“Um certo comendador Campêlo, homem de grande prestígio político,


residente em Mamanguape, pressionava os índios providenciando sua prisão,

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negociando em seguida a liberdade em troca do título da terra. Teria dessa


forma se „apropriado‟ de 30 (trinta) títulos, que mais tarde vendera aos
Lundgren. A própria Companhia de Tecidos também se vale dessa arma,
assim, segundo o inspetor do SPI Vicente Ferreira Viana, em 1939, o índio
Pedro Lourenço3 teria sido detido pela Polícia de Rio Tinto, encontrando-se
presente na ocasião o advogado da CTRT, que o pressionou a fim de que
assinasse um documento transferindo seu lote à mencionada empresa, no
prazo de trinta dias (Relat. Lucy Paixão Linhares – Doc.
FUNAI/BSB/3669/80)”.

O relatório traz uma bem elaborada descrição das características das


populações ali existentes, seus caracteres familiares (monogamia ou exogamia, grandes
famílias), suas atividades econômicas (agricultura), seus aspectos culturais (idioma,
utensílios de cozinha, roupas, convívio). Conclui essa parte (f. 193) dizendo que, “apesar de
todas as forças contrárias à manutenção da identidade do grupo, esta sobrevive a todas as
dificuldades, motivada, principalmente pela luta em reaver o território tradicionalmente
ocupado pelo seu povo”.

Quanto à questão da identidade étnica, consta do relatório (f. 198):

“Não temos dúvida que a Comunidade Jacaré de São Domingos é indígena;


ela é apenas vítima de todo esse processo de máxima agressão e violência,
que caracteriza a história dos grupos indígenas brasileiros. A consciência da
identidade étnica persiste, resistindo a todas as mudanças ocorridas.”

Chegando a esse ponto, examinados os subsídios acima, chega-se à


conclusão de que as terras loteadas por Antônio Gonçalves da Justa Araújo foram
concedidas às famílias indígenas da antiga Sesmaria de Montemor segundo a específica
disciplina da concessão de terras a elementos indígenas, ou seja, com absoluta vinculação
a essa condição pessoal.

Em razão disso, parece-me impossível fugir à conclusão de que as terras


loteadas e entregues aos índios, exatamente por conta dessa condição de índios, tinham a
característica da inalienabilidade absoluta, vinculada à condição de não civilizado, condição
essa que somente seria afastada por ato oficial específico e mediante prévia comprovação
de órgão oficial.

Além disso, mas em perfeita conexão e sintonia, aos índios não civilizados se
impunha uma condição jurídica similar à imposta aos órfãos, o que ensejava plena e
necessária (diria eu, indispensável) intervenção ou tutela do órgão oficial de proteção ao
índio, ou seja, do Serviço de Proteção ao Índio.

3
Ele aparece como antigo proprietário em alguns dos “títulos dominiais” de terras dos particulares.
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Tratando da evolução legislativa sobre a disciplina do chamado “problema


indígena” e no que diz respeito diretamente a essa condição de órfão dos indígenas, afirma
o professor Rodrigo Otávio (Os selvagens americanos perante o direito. São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 1946. p. 150. Série 5ª, Brasiliana, v. 254, Biblioteca
Pedagógica Brasileira)4:

“Entretanto, foi só sob o govêrno da Regência, durante a menoridade do


segundo imperador, que os poderes públicos procuraram regulamentar a
liberdade de todos os índios e submetendo-os, a título de incapazes, à
proteção legal concedida aos órfãos, revogou os atos anteriores de 1808 e
de 1809, que haviam declarado guerra a determinadas tribos e permitindo
que se reduzisse os prisioneiros à escravidão pelo tempo de quinze anos.”
(grifado)

Da mesma forma, a alienação do patrimônio imóvel cedido aos indígenas


sob esse regime jurídico dependia inexoravelmente de um procedimento judicial. Ora,
se os índios não tinham capacidade para a alienação de terras e se eram submissos à
condição de órfãos, não poderiam fazer-se representar sozinhos em juízo. A conseqüência
disso é que dependiam da atuação de seu órgão curador para supressão dessa
incapacidade, o que demandava obrigatória e irrenunciável intervenção do Serviço de
Proteção ao Índio, seja para o reconhecimento oficial do grau de civilização, seja ainda e
principalmente para sua assistência ou representação em Juízo, para qualquer feito e, com
muito maior razão, para o procedimento judicial de autorização de alienação de seu
patrimônio imóvel.

O Serviço de Proteção ao Índio, contudo, em vez de corroborar a existência


desses processos e de sua atuação, que fizera? Determinara a realização de estudos e
pesquisas para apurar a progressiva desapropriação dos elementos indígenas de suas
terras, à completa revelia dos poderes públicos e, especialmente, do Serviço de Proteção
aos Índios. Isso demonstra, de forma mais que suficiente, que nenhum dos títulos de
propriedade apresentados foram nascidos de uma alienação onerosa de índios
mediante esse procedimento judicial indispensável.

E por que seria indispensável o procedimento se, como dizem os particulares


ocupantes da terra, apenas a Constituição de 1934 previu a proteção expressa às terras
tradicionalmente ocupadas pelos índios? Simples: porque, como já registrei acima, a
Constituição Federal de 1891 acolheu toda a disciplina jurídica sistematizada pela Lei
Imperial n. 601 e seu regulamento, e essa disciplina jurídica estava plenamente em vigor
nas décadas seguintes.

4
A obra em questão, de notável raridade, foi gentilmente cedida para consulta pelo eminente Juiz
Federal Alexandre Costa de Luna Freire, titular da 2ª Vara Federal na Paraíba.
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Em outras palavras, com ou sem disciplina constitucional expressa sobre


terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, a verdade é que o sistema normativo da Lei
Imperial n. 601/1850 conferia plena proteção aos índios habitantes da Sesmaria de
Montemor e estava plenamente em vigor, não tendo sido revogada expressamente nem se
revelando incompatível com os sistemas normativos constitucional e infraconstitucional
posteriores. Plenamente vigente e eficaz, conclui-se que o desapossamento dos índios
daquelas terras se fez em completa afronta e violação ao ordenamento jurídico da
época.

A invalidade das transferências de terras – obtenção da


apreensão decorrente de violência não gera posse legítima –
transferências seguintes não expurgam o vício inicial da posse
– impossibilidade de alegar usucapião por falta de posse –
nulidade “ex radice” da titulação de domínio apresentada

Uma vez fixado o regime jurídico de terras vigente ao tempo da conclusão


dos trabalhos de loteamento das terras entregues aos índios da antiga Sesmaria de
Montemor e das décadas seguintes, chegamos a importantes conclusões quanto à disciplina
normativa da referida concessão, especialmente quanto: a) à natureza inalienável dessa
propriedade imóvel em função da condição de índio não civilizado; b) à submissão dos
índios à condição jurídica de órfãos; c) à necessidade de um procedimento judicial para
alienação dessas terras; d) à necessidade de intervenção do Serviço de Proteção ao Índio
no referido procedimento judicial; e) à necessidade de comprovação oficial do grau de
civilização como condição para a alienação das terras.

Embora os particulares litigantes tenham apresentado títulos de propriedade


das terras que reconstituem a suposta cadeia de transferências imobiliárias até data próxima
do loteamento – procurando fazer crer que as transferências tenham sido todas legítimas, a
começar da primeira, supostamente realizada pelas famílias índias que originariamente as
receberam –, observo que não há comprovação alguma de que, ao tempo dessa alegada
alienação pelos índios, tenham sido observados os procedimentos e cumpridas todas as
exigências previstas pelo regime jurídico aplicável na época.

E o problema não é apenas a ausência dessa prova. O que acontece é que


os estudos históricos constantes dos autos apontam em sentido diverso, para uma
transferência da propriedade imóvel em moldes absolutamente infringentes daquela
disciplina jurídica, em total violação ao sistema fundado na Lei Imperial n. 601 e seu
regulamento, expressamente acolhido pela Constituição de 1891 e implicitamente
recepcionado pelas seguintes.

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Basta dizer que os mais antigos títulos de propriedade apresentados pelos


litigantes particulares em momento algum fazem menção ao fato de que a translação da
propriedade imóvel esteja se fazendo mediante determinação ou autorização judicial. Em
momento algum esses títulos registram o fato de ter havido intervenção do Serviço de
Proteção ao Índio, absolutamente necessária dadas as limitações jurídicas decorrentes da
condição dos índios de assemelhados a órfãos. Esses títulos simplesmente dizem que
houve a transferência de um sujeito para outro, exatamente como todos os demais,
indiscutivelmente celebrados entre particulares (que “deveriam” ser maiores e civilmente
capazes).

Mas as translações originárias não foram feitas entre particulares maiores e


civilmente capazes. A presença de elementos indígenas exigia a aplicação do regime
jurídico acima demonstrado, dependendo, para sua validade e eficácia, da comprovação
oficial (oficial porque, segundo o regulamento, era feito por ato do governo imperial) do grau
de civilização do índio alienante, da obediência ao procedimento judicial e da participação
do Serviço de Proteção ao Índio.

De fato, a ausência de uma simples referência a esses aspectos nesses


títulos translativos corrobora de forma integral a tese sustentada pela FUNAI e pelo MPF, no
sentido de que as famílias índias jamais transferiram suas terras a terceiros de forma válida,
de modo que mantiveram essas terras sua natureza jurídica de terras indígenas e, portanto,
patrimônio da União para usufruto dos índios.

Como se viu do Relatório Lucy Paixão Linhares – Doc. FUNAI/BSB/3669/80,


acima transcrito, há estudos que apontam para o fato de diversas transferências da
propriedade dessas terras pelos índios se teriam feito mediante atos de pura violência ou
mesmo de grave ameaça. Tenha ou não ocorrido dessa forma (e, ao que parece, algumas
das transferências decorreram de atos de violência ou ameaça), a verdade é que os atos de
primeira transferência tinham sua validade condicionada ao procedimento judicial referido e
sua ausência corrobora as afirmações da FUNAI e do MPF no sentido de que não houve
transferência válida pelos índios.

Os litigantes particulares ainda alegam que sua posse já contaria mais de


cem anos, como comprovado pelos títulos de propriedade que apresentam. Superando em
muito os vinte anos necessários para a prescrição aquisitiva (Código Civil da época), fariam
jus à propriedade imóvel, como tese alternativa, em razão do preenchimento de todos os
requisitos ensejadores da usucapião.

Essa tese, contudo, não me convence.

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Segundo aquele mesmo Código Civil de 1916, sob cuja égide fora redigida a
peça em que consta o argumento, “Não induzem posse os atos de mera permissão ou
tolerância, assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos,
senão depois de cessar a violência, ou a clandestinidade” (artigo 497). Disso resulta que,
quer tenham os originários adquirentes particulares se servido da violência e da grave
ameaça, quer tenham se valido de pura astúcia, em momento algum lograram obter a posse
do imóvel, seja porque os índios não a podiam validamente transferir, seja porque a própria
legislação civil negava a eficácia translativa da posse aos atos violentos, clandestinos ou
precários. Sendo assim, em momento algum se pode afirmar que houve aquisição da posse
e, portanto, faltaria o requisito principal para a aquisição da propriedade por usucapião: a
própria posse.

Da mesma forma, a posse se transfere com os mesmos vícios e


características com que seria adquirida, sendo que ninguém pode transferir mais direitos do
que tem. Tendo sido adquirido o “corpus” de forma violenta, clandestina ou precária, embora
isso não traduza posse jurídica, pode-se mesmo afirmar que as posteriores “transferências”
(as quais resultaram nos títulos atuais apresentados pelos litigantes particulares) também
não lograram transferir posse passível de usucapião: seja porque quem não tem a posse
não a pode transferir, seja porque a pseudoposse adquirida se transferiria com o mesmo
vício de violência, clandestinidade ou precariedade a todos os seguintes. Por esse motivo,
também os adquirentes seguintes não podem alegar usucapião, até porque as terras são
patrimônio da União e sua propriedade não é passível de usucapião.

A violação aos requisitos e procedimentos necessários para a alienação das


terras outorgadas aos índios da sesmaria de Montemor teve, ao fim e ao cabo, como
conseqüência a nulidade “ex radice” da alegada transferência da propriedade imóvel,
permanecendo aquelas terras com a mesma natureza inalienável com que foram
transferidas e, considerando as disposições constitucionais seguintes (no sentido de que
terras objeto de ocupação em moldes tradicionais indígenas), terras de propriedade da
União, com a qualidade de bens de uso especial.

Terras tradicionalmente ocupadas pelos índios – ocupação


tradicional indígena: aquela que viabiliza a manutenção da
cultura e da tradição indígena tal como encontrada “ab origine”
– terra indígena como instrumento ou meio de garantia e
proteção a um direito difuso da humanidade

Nesse ponto, parece-me adequado tecer brevíssimas considerações sobre o


conceito de terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, base para a atuação estatal em
matéria de terras indígenas.

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Tratando do conceito de terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, diz


José Afonso da Silva (Terras tradicionalmente ocupadas pelos índios in: Os direitos
indígenas e a Constituição. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1993, p. 47) que:

“A base do conceito acha-se no art. 231, §1º, fundado em quatro condições,


todas necessárias e nenhuma suficiente sozinha, a saber: 1ª) serem por eles
habitadas em caráter permanente; 2ª) serem por eles utilizadas para suas
atividades produtivas; 3ª) serem imprescindíveis à preservação dos recursos
ambientais necessários a seu bem-estar; 4ª) serem necessárias à sua
reprodução física e cultural (...)”

Arrematando no mesmo parágrafo, com grande precisão:

“(...) tudo segundo seus usos, costumes e tradições, de sorte que não se vai
tentar definir o que é habitação permanente, modo de utilização, atividade
produtiva, ou qualquer das condições ou termos que as compõem, segundo a
visão civilizada, a visão do modo de produção capitalista ou socialista, a visão
do bem-estar do nosso gosto, mas segundo o modo de ser deles, da cultura
deles.”

O mesmo autor diz que “terras tradicionalmente ocupadas não revela aí uma
relação temporal” e, mencionando o Alvará de 1º de abril de 1680, esclarece sobre o
conceito que “não quer dizer, pois, terras imemorialmente ocupadas, ou seja, terras que eles
estariam ocupando desde épocas remotas que já se perderam na memória e, assim,
somente estas seriam as terras deles”.

Por fim, com clareza exemplar, diz o professor José Afonso da Silva:

“O tradicionalmente refere-se não a uma circunstância temporal, mas ao


modo tradicional de os índios ocuparem e utilizarem as terras e ao modo
tradicional de produção, enfim, ao modo tradicional de como eles se
relacionam com a terra, já que há comunidades mais estáveis, outras menos
estáveis, e as que têm espaços mais amplos em que se deslocam etc. Daí
dizer-se que tudo se realiza segundo seus usos, costumes e tradições.”

Diante disso tudo, torna-se muito fácil observar que a insistente menção dos
litigantes particulares à necessidade de ocupação “imemorial” das terras em questão como
condição para o reconhecimento de sua natureza indígena desvia completamente o foco da
discussão para assunto absolutamente irrelevante. A ocupação imemorial, critério
notadamente temporal, não é o elemento essencial a se buscar. O requisito realmente
indispensável é de modo, não de tempo.

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As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios recebem essa designação


em razão da forma de sua utilização pelos povos indígenas que as habitem. Trata-se do uso
característico de sua cultura, de seus usos e tradições ancestrais, pelo que se converte a
terra em simples instrumento para a preservação daquela civilização nuclear, representação
quanto possível perfeita de um bem jurídico difuso histórico-cultural de valor inestimável: a
história viva dos primeiros habitantes de nossa terra ou daqueles que aqui estavam antes da
chegadas dos europeus.

Essa natureza difusa do bem jurídico (cuja objetiva proteção a FUNAI e o


MPF procuram assegurar) justifica não apenas sua legitimidade e interesse processuais em
cada um dos feitos em questão, como também a mais completa desnecessidade de se
chamar a juízo qualquer dos elementos indígenas em caráter individual. Não se está, na
verdade, a tratar do exercício de posse ou da titularidade de propriedade de um ou mais
índios individualmente considerados, mas de um direito difuso por excelência: a terra como
instrumento a serviço da garantia (hoje) constitucional de preservação da cultura e da
civilização existente no Brasil antes da colonização portuguesa, o que corresponde a um
inestimável bem de valor histórico e cultural – de natureza difusa, pois.

Procedimento de demarcação administrativa da terra – estudos


históricos e antropológicos que devem ser aceitos pelo Poder
Judiciário – aceitação da condição indígena da população cujos
interesses diretos estão sendo patrocinados pela FUNAI e MPF
– a “rotulação” de caboclos decorre de uma necessária
acomodação do estilo de vida indígena à contingência de viver
em faixa de terra manifestamente insuficiente para a
reprodução integral da vida indígena, ou seja, da ocupação
conceitualmente “tradicional” – defesa administrativa permitida
a partir de 1996, sendo o decreto homologatório da
demarcação de 1993 – ausência de violação ao devido
processo legal e ao direito de defesa

A par da fundamentação acima, no sentido de que em momento algum houve


transferência válida das terras indígenas loteadas pelos trabalhos do engenheiro Antônio
Gonçalves da Justa Araújo – seja em razão de sua natureza inalienável, seja pela
necessidade do preenchimento do requisito da civilização a ser atestada por órgão oficial,
seja pela necessidade da adoção de um procedimento judicial que inexistiu, seja pela
condição de órfãos incapazes dos índios e pela necessidade de intervenção do SPI –, é
preciso levar em conta que, sobre as mesmas terras, tramitou um procedimento de

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demarcação administrativa de terras indígenas que resultou em homologação definitiva pelo


Presidente da República do Brasil.

Como se bem sabe, o decreto presidencial de 1993 que homologou todo o


procedimento e, consequentemente, a demarcação realizada, foi objeto de um Mandado de
Segurança impetrado junto ao Supremo Tribunal Federal (MS n. 21.896-7/PB) – cujo
julgamento, até então pendente, era prejudicial à tramitação dos feitos conexos –, decidindo
a Corte por denegar a segurança, mantendo o decreto. Pode-se facilmente apreender do
conteúdo daquela decisão que o STF entendeu pela “INOCORRÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO
PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL” (cf. ementa do julgado), chancelando, desse
modo, a validade formal e material do ato final do respectivo procedimento, da competência
do Presidente da República.

Ao argumentar contra a validade do procedimento de demarcação, o


respectivo autor da demanda (RIO VERMELHO AGROPASTORIL) não aponta qualquer
defeito substancial em seus elementos constitutivos ou em seu procedimento formativo
(como bem observado na defesa da FUNAI), limitando sua fundamentação aos seguintes
pontos-chaves: (a) a existência de títulos de propriedade; (b) a decisão do STJ no MS n.
1835-5, que teria anulado um dos itens da portaria ministerial e reconhecido, na
fundamentação dos votos, a cadeia sucessória de propriedade; (c) a realização dos estudos
necessários ao processo de demarcação em apenas cinco dias; (d) a participação de um
“não-índio” de nome Domingos Barbosa dos Santos para a indicação das terras; (e) a
inexistência de autênticos índios na localidade; (f) a pesquisa dos títulos dominiais feita pela
FUNAI se teria limitado aos cartórios de Rio Tinto/PB, não abrangendo os de
Mamanguape/PB.

Embora extensas as alegações de parte a parte, observo que pouco se


abordou o que realmente interessaria ao desfecho de uma lide sobre a validade de um
procedimento administrativo. Como afirmou (e repito) a FUNAI, a pretensão não trouxe
fundamentos diretamente pertinentes aos elementos estruturais do procedimento, não
apontando falhas em seus atos principais.

As duas partes, ao contrário, preferiram discutir sobre aquilo que seria o


mérito do procedimento administrativo em si, ou seja, a natureza indígena das terras
demarcandas e, desse modo, observa-se da pretensão uma argumentação orientada a
enfatizar os títulos de propriedade e seus respectivos titulares; da resistência à pretensão,
observa-se uma argumentação que enfatiza o elemento histórico para embasar a tese de
que as terras demarcandas seriam efetivamente “terras tradicionalmente ocupadas pelos
índios”.

Tratando especificamente dos argumentos contidos na pretensão, observo


que:

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(a) e (f) A existência dos títulos de propriedade que remontariam há mais de


setenta anos não é fundamento para alegar a nulidade do procedimento administrativo em
questão. Outrossim, os próprios títulos de propriedade têm sua validade questionada,
considerando-se que a natureza indígena da terra não teria permitido, ainda que na origem,
a transferência da terra a particulares, como já fundamentado alguns parágrafos acima.

(b) A respeitável decisão do Superior Tribunal de Justiça decidiu


precisamente sobre o item da portaria ministerial que vedava o ingresso de elementos não-
índios na área demarcanda. Sobre o mais, os eventuais registros contidos nos respeitosos
votos não compuseram as razões de decidir (ratio decidendi), permanecendo como doutas
opiniões (obiter dicta) sem efeito vinculativo aos processos em tramitação no primeiro grau
de jurisdição.

(c) Os estudos e pesquisas a que se refere a RIO VERMELHO como tendo


sido realizados em cinco dias foram juntados aos autos e integram o acervo de elementos
de prova. Analisando-se atentamente os respectivos relatórios (oriundos desses estudos),
pode-se facilmente constatar que foram examinados os aspectos mais relevantes para o
objetivo a ser cumprido pelo grupo então designado. Constatam-se referências minuciosas à
geografia do lugar, às culturas e às formas de utilização do solo, às vias de acesso. Sobre
os povos habitantes da localidade de Jacaré de São Domingos, constatam-se referências a
seus aspectos nitidamente indígenas, suas condições de morada, sua cultura familiar
(monogamia, exogamia), sua alimentação, suas atividades econômicas (agricultura), além
de vários outros elementos.

A minudência com a qual todos esses aspectos são relatados e descritos e a


precisão das conclusões daí advindas, todas bem caracterizadas nos relatórios
apresentados, não se compatibiliza com o argumento de que tenham sido feitos estudos em
meros cinco dias – argumento esse com o único objetivo de infirmar a autoridade dos
estudos e de seu relatório. Além disso, as conclusões apontadas pelos estudos
antropológicos realizados pela FUNAI se mostram em perfeita sintonia com estudos
históricos outros trazidos aos autos por ambas as partes.

No que se refere à autoridade desses relatórios, trago aqui à colação trecho


do acórdão referente à decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no emblemático
caso da demarcação da terra indígena RAPOSA SERRA DO SOL:

“3. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS NO PROCESSO ADMINISTRATIVO


DEMARCATÓRIO. 3.1. Processo que observou as regras do Decreto n.
1.775/96, já declaradas constitucionais pelo Supremo Tribunal Federal no
Mandado de Segurança n. 24.045, da relatoria do ministro Joaquim Barbosa.
Os interessados tiveram a oportunidade de se habilitar no processo

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administrativo de demarcação das terras indígenas, como de fato assim


procederam o Estado de Roraima, o Município de Normandia, os pretensos
posseiros e comunidades indígenas, estas por meio de petições, cartas e
prestação de informações. Observância das garantias constitucionais do
contraditório e da ampla defesa. 3.2. Os dados e peças de caráter
antropológico foram revelados e subscritos por profissionais de
reconhecida qualificação científica e se dotaram de todos os elementos
exigidos pela Constituição e pelo Direito infraconstitucional para a
demarcação de terras indígenas, não sendo obrigatória a subscrição do
laudo por todos os integrantes do grupo técnico (Decretos nos 22/91 e
1.775/96). 3.3. A demarcação administrativa, homologada pelo
Presidente da República, é "ato estatal que se reveste da presunção
juris tantum de legitimidade e de veracidade" (RE 183.188, da relatoria
do ministro Celso de Mello), além de se revestir de natureza declaratória
e força auto-executória. Não comprovação das fraudes alegadas pelo autor
popular e seu originário assistente.” (Pet 3388, Relator(a): Min. CARLOS
BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 19/03/2009, DJe-181 DIVULG 24-09-
2009 PUBLIC 25-09-2009 EMENT VOL-02375-01 PP-00071).

(d) Sobre a participação de um suposto “não-índio” (refere-se o autor da ação


a ele como “caboclo”) em colaboração com os técnicos da FUNAI na realização dos estudos
que culminaram na demarcação homologada pelo Presidente da República, penso que
esses aspecto – ainda se verdadeiro – não tem qualquer relevância para a específica
pretensão de demonstrar a invalidade de um procedimento de demarcação administrativa de
terras indígenas.

Contudo, a par desse aspecto, é indiscutível que há nos autos relatórios


referentes a estudos técnicos empreendidos por profissionais da FUNAI, devidamente
instruídos com fotografias, não se podendo afirmar que a definição da área a ser demarcada
tenha partido simplesmente de um “croqui” elaborado por um “caboclo” acompanhado de
técnicos da FUNAI, no interior de um escritório. A meu ver, seria o mesmo que
desconsiderar completamente todos os relatórios e estudos técnicos juntados aos autos.

(e) A alegação de que nas terras demarcadas não existiriam índios, mas
meros “caboclos” já incorporados à civilização, traz em si um argumento que peca por tomar
a parte pelo todo, tentando fazer crer que as terras não seriam “tradicionalmente ocupadas
pelos índios” em razão de ali não haver índios, alegando apenas que há, na terra, elementos
não indígenas.

Ora, a possível existência de elementos não indígenas – o que ficou,


inclusive, atestado nos relatórios da FUNAI – habitando a terra não exclui per se a
constatação da presença, também, de uma comunidade indígena em ocupação tradicional e

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permanente. Da mesma forma, não é estritamente necessário que os índios ali existentes
sejam verdadeiros fósseis humanos, integrantes de uma comunidade absolutamente
incólume em face das influências da “nossa civilização”. Não se exige, em outras palavras,
que os índios jamais tenham tido qualquer contato com o “homem branco”, nem que tenham
permanecido herméticos a qualquer influência de nossa cultura. Basta que estejam
preenchidos os requisitos para a ocupação da terra em moldes tradicionais, ocupação
funcional e instrumental diante do claro objetivo constitucional: a proteção do direito difuso,
de natureza histórico-cultural, titularizado por toda a humanidade, para garantia, quanto
possível, da sobrevivência da cultura, dos usos e tradições indígenas em seu modo
autêntico e originário de vida.

Desse modo, pode-se acrescentar a tudo que foi dito o aspecto de que esse
procedimento – o qual resultou na demarcação administrativa da área objeto da lide – levou
em conta estudos históricos, entrevistas, vistorias “in loco”, exames técnicos, tudo
devidamente exposto nos relatórios apresentados pela FUNAI. A partir desses estudos foi
que se chegou à conclusão quanto à natureza indígena daquela área, resultando no decreto
homologatório emitido pelo Presidente da República que, submetido ao crivo do STF,
recebeu a chancela de sua validade, ficando ainda reafirmada a presunção de legitimidade
que pesa em favor dos atos administrativos.

O entendimento sobre a plena validade do procedimento administrativo não


chega sequer a ser manchado pelo argumento de que se teria infringido o direito ao
contraditório e à ampla defesa em razão de uma suposta negativa à prerrogativa de
apresentar defesa escrita. O entendimento do STF em considerar válido o procedimento e
seu ato final confere ainda mais autoridade ao argumento de que, tendo sido o decreto
presidencial editado em 1993, não poderia ter havido violação ao direito de defesa, já que o
advento da prerrogativa a que se refere RIO VERMELHO ocorreu apenas no ano de 1996 –
três anos após a edição do decreto homologatório.

A ementa do acórdão proferido no mandado de segurança (MS n. 21896-


7/PB), impetrado perante o STF por RIO VERMELHO AGROPASTORIL MERCANTIL S/A E
OUTROS contra o decreto do Presidente da República, ficou assim redigida:

“EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. DECRETO HOMOLOGATÓRIO


DE DEMARCAÇÃO ADMINISTRATIVA. ÁREA INDÍGENA DENOMINADA
JACARÉ DE SÃO DOMINGOS. ALEGAÇÃO DE DIVERGÊNCIA ENTRE A
ÁREA REFERIDA NA PORTARIA DO MINISTRO DA JUSTIÇA E AQUELA
CONSTANTE DO DECRETO HOMOLOGATÓRIO DA DEMARCAÇÃO.
POSSIBILIDADE. INOCORRÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO
DEVIDO PROCESSO LEGAL. OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA
PRESUNÇÃO DE LEGITIMIDADE E AUTO-EXECUTORIEDADE DOS ATOS
ADMINISTRATIVOS.

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1. No que tange à declaração dos limites e superfície da terra indígena a ser


demarcada, é possível haver diferença entre área e perímetro estabelecidos
pela Portaria do Ministério da Justiça e aqueles constantes do decreto
presidencial.

2. Afastada a alegação de ofensa ao princípio do devido processo legal,


fundada na assertiva de que edição do decreto presidencial não se afigurava
possível, porquanto já em trâmite a ação de nulidade de demarcatória
cumulada com ação reivindicatória. Ausente provimento jurisdicional definitivo
ou cautelar que impedisse o prosseguimento do processo administrativo de
demarcação de terras indígenas, cujo início se deu em momento anterior à
propositura da demanda na primeira instância. Observância do princípio da
presunção de legitimidade e auto-executoriedade dos atos administrativos.

Mandado de segurança denegado.”

Por fim, embora tenha examinado os fundamentos eleitos pela promovente


RIO VERMELHO AGROPASTORIL como base para seu pedido de invalidação do
procedimento de demarcação administrativa, insisto naquele que é, para mim, o principal
ponto de sustentação da conclusão que rejeita a pretensão de ver declarada essa nulidade:
não foram alegados defeitos de fundo e forma no processo administrativo de demarcação
que acarretassem sua invalidação. Examinada a postulação com o necessário cuidado,
conclui-se que foram feitos apenas questionamentos atinentes ao mérito a ser apurado no
processo administrativo: a natureza indígena dos habitantes e a ocupação da terra
disputada em moldes tradicionalmente indígenas.

Em suma, nenhum dos argumentos trazidos com a petição inicial sustenta de


forma eficaz a pretensão de invalidade do procedimento de demarcação administrativa das
terras indígenas de Jacaré de São Domingos, seja porque não atacam a regularidade da
relação jurídica instaurada, a integridade dos atos administrativos da cadeia coordenada, o
preenchimento dos requisitos de validade do ato administrativo e do procedimento
administrativo, seja tampouco porque suas alegações sobre o mérito do procedimento, além
de não lhe infirmarem a validade, conduzem à mesma discussão, já travada e resolvida,
sobre a natureza indígena das terras.

Exame pormenorizado das pretensões – a natureza indígena


das terras objeto das demandas – a invalidade dos títulos de
propriedade apresentados pelos particulares litigantes – a
validade do procedimento administrativo demarcatório – a
reintegração da posse – perdas e danos

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Examinados todos os fundamentos de fato e de direito alegados pelas partes,


resolvidas as questões pertinentes às controvérsias instauradas, cabe-me agora resolver,
em definitivo, sobre a justiça de cada uma das pretensões apresentadas e das respectivas
resistências opostas.

A natureza indígena das populações que habitam a aldeia de Jacaré de São


Domingos restou devidamente atestada pelos estudos técnicos antropológicos realizados
pela FUNAI, tanto quanto a ocupação em moldes tradicionalmente indígenas das áreas de
terra ora em discussão. Da mesma forma, desses estudos resultou a fixação da área de
terra em que se constatou a ocupação tradicional originária, tendo sido devidamente
demarcada e a demarcação devidamente homologada por decreto do Presidente da
República em procedimento administrativo válido, perfeito, acabado, inclusive com o placet
do STF.

Da mesma forma, considerando a natureza inalienável das terras atribuídas


aos índios e a incapacidade desses para tal alienação (sem constatação oficial de
civilização, sem procedimento judicial etc.), ficou demonstrado que as alienações dessas
propriedades não produziram quaisquer efeitos jurídicos. Outrossim, considerando os
relatos sobre a transferência violenta da ocupação das terras, chegou-se à conclusão de
que jamais houve posse verdadeira que fundamentasse qualquer pleito de prescrição
aquisitiva. Sendo assim, todos os títulos de propriedade imobiliária sobre as terras
demarcadas, apresentados pelos particulares litigantes, são nulos ou inexistentes (conforme
a posição que se acolha).

A validade do procedimento administrativo de demarcação de terras


indígenas – ultimado pelo decreto de homologação do Presidente da República, objeto de
um mandado de segurança, cuja ordem fora denegada pelo Supremo Tribunal Federal –
também ficou assentado de acordo com a fundamentação acima, seja porque os pontos
alegados não atacavam efetivamente a validade do procedimento, seja porque não
justificavam conclusão diversa daquela a que se chegou por seu intermédio.

Levando em conta esses três pilares, devidamente fundamentados nos


tópicos precedentes, chego à conclusão de que o pedido de invalidação do procedimento
administrativo de autoria de RIO VERMELHO AGROPASTORIL e outros não tem razão de
ser e deve ser julgado improcedente, mantendo-se a validade sobretudo de suas
conclusões e de seus efeitos práticos (a demarcação da terra e a necessidade de exclusão
de elementos não índios). De forma recíproca – malgrado a natureza dúplice das ações
possessórias –, as partes pediram um provimento judicial que lhes reconhecesse a
legitimidade da posse e a ilegitimidade da ocupação da contraparte. Mediante o
reconhecimento do esbulho alheio, pleitearam cada qual a reintegração da posse para si.

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Pois bem. Fixada em definitivo a natureza indígena das terras disputadas e


reconhecendo-se a plena validade do processo de demarcação administrativa já
homologado pelo Presidente da República, a única conclusão possível é de que a posse
realmente legítima é aquela exercida pelos habitantes indígenas da região, embora seja da
União a respectiva propriedade imobiliária. Sendo dos índios o exercício legítimo da posse,
o esbulho tem sido praticado pelos demais litigantes particulares, a saber: RIO VERMELHO
AGROPASTORIL MERCANTIL S/A, DESTILARIA MIRIRI S/A, USINA CENTRAL NOSSA
SENHORA DE LOURDES S/A, EMÍLIO CELSO ACIOLI DE MORAIS, FERNANDO RÉGIS
DE ALBUQUERQUE FILHO, LUÍS FRANCO DA ROCHA, FRANCISCO XAVIER DE
ANDRADE, JOÃO ROSENDO DE MENEZES FILHO, ANIANO VIJUELA DI LA CAL,
GERALDO ANTÔNIO CAVALCANTI DE MORAIS SOBRINHO, RIVALDO NEVES
BASTOS, “ABEL”, “HUGO”, “GIL”, “JÚLIO” E “RODRIGUES”.

Como conclusão a esse ponto, é de se julgar procedentes os pedidos de


reintegração de posse deduzidos em juízo pela FUNAI e pelo Ministério Público Federal em
benefício dos índios da aldeia indígena Jacaré de São Domingos, julgando-se
improcedentes todos os pedidos em sentido contrário formulados pelos litigantes
particulares, a quem se reconheceu, no parágrafo precedente, a prática do esbulho
possessório.

Finalmente, no que concerne à pretensão de indenização por perdas e danos


em favor dos índios contra os particulares esbulhadores, observo que os nulos ou
inexistentes títulos dominiais imobiliários, mediante os quais pretendiam demonstrar uma
cadeia sucessória legítima, têm o condão de evidenciar ausência de má-fé em relação a
essa ocupação.

O principal fundamento para minha decisão sobre a completa


desnecessidade de oitiva de testemunhas foi a inegável historicidade dos fatos alegados
pelas partes, fatos efetivamente relevantes para a solução do mérito de cada uma das
demandas apresentadas a este Juízo. Essa historicidade caracteriza o longo tempo que
medeia os fatos causadores de toda a situação conflituosa e a judicialização desses
conflitos, que se pretende resolvidos a partir do presente julgamento. Os atuais litigantes
não figuram como adquirentes nos primeiros e mais antigos “títulos de propriedade”, de
modo que não se lhes pode atribuir a origem (no sentido exato da palavra) de toda a caótica
situação desenvolvida ao longo de quase um século. Tampouco se pode afirmar que a
obrigação de indenizar, nesse caso, poderia assumir uma natureza “propter rem”. Por esses
fundamentos, e por considerar não ter havido culpa ou dolo no que concerne ao esbulho,
não me parece seja devida qualquer indenização.

DISPOSITIVO

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Diante do exposto, com fundamento no artigo 269, inciso I, do Código de


Processo Civil:

I. Julgo PROCEDENTE EM PARTE o pedido na AÇÃO ORDINÁRIA


DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE TITULAÇÃO DOMINIAL, CUMULADA COM REINTEGRAÇÃO DE
POSSE E PERDAS E DANOS apenas para reconhecer a nulidade dos títulos dominiais e
conceder a reintegração de posse requerida, ficando indeferido o pedido de perdas e danos
(processo n. 90.366-0).

Sucumbência recíproca (artigo 21 do CPC). Custas ex lege.

II. Julgo IMPROCEDENTE o pedido na AÇÃO DE NULIDADE DE DEMARCATÓRIA


C/C AÇÃO REIVINDICATÓRIA (processo n. 93.8204-3).

Condeno as autoras ao pagamento da verba honorária à base de 10% (dez


por cento) sobre o valor atribuído à causa em favor das rés (artigo 20 do CPC). Custas ex
lege.

III. Julgo PROCEDENTE EM PARTE o pedido na AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE


POSSE C/C PERDAS E DANOS E COMINAÇÃO DE PENA, apenas para deferir o pedido de
reintegração na posse, sem condenação em perdas e danos (processo n. 94.11346-3).

Mantenho a exclusão do pólo passivo de Gilvan Celso de C. M. Sobrinho,


José Lucena de Farias, Auricélia Ricardo Tavares e Espólio de Romildo Hibernon de Melo
Cavalcanti.

Sucumbência recíproca (artigo 21 do CPC). Custas ex lege.

Em razão disso, DETERMINO a todos os litigantes particulares - RIO


VERMELHO AGROPASTORIL MERCANTIL S/A, DESTILARIA MIRIRI S/A, USINA
CENTRAL NOSSA SENHORA DE LOURDES S/A, EMÍLIO CELSO ACIOLI DE MORAIS,
FERNANDO RÉGIS DE ALBUQUERQUE FILHO, LUÍS FRANCO DA ROCHA, FRANCISCO
XAVIER DE ANDRADE, JOÃO ROSENDO DE MENEZES FILHO, ANIANO VIJUELA DI LA
CAL, GERALDO ANTÔNIO CAVALCANTI DE MORAIS SOBRINHO, RIVALDO NEVES
BASTOS, “ABEL”, “HUGO”, “GIL”, “JÚLIO” E “RODRIGUES” - proceder à desocupação das
terras objeto da lide e já devidamente demarcadas pela FUNAI e homologadas por decreto
presidencial, concedendo-lhes para isso o prazo de 60 (sessenta) dias, contado da ciência
do trânsito em julgado, prorrogável apenas por extrema e comprovada necessidade.

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A superação do referido prazo, sem prorrogação, importará na aplicação de


multa diária ao infrator, fixada em R$ 1.000,00 (mil reais) para as pessoas jurídicas
litigantes, e em R$ 100,00 (cem reais) para as pessoas físicas litigantes.

Registre-se no sistema informatizado, nos termos do Provimento n.


01/2009, da Corregedoria-Geral do Tribunal Regional Federal da 5ª Região.

Traslade-se cópia desta sentença para os feitos cautelares (processos n.


2000.82.10312-1 e n. 2000.82.12048-9) e possessório (processo n. 2003.82.6837-7),
desapensando-se. Comunique-se ao(s) Relator(es) de recurso(s) eventualmente
pendente(s) de julgamento de mérito. Intimem-se as partes.

Após o trânsito em julgado, comunique(m)-se ao(s) registro(s) imobiliário(s)


para averbação desta sentença nas respectivas matrículas dos imóveis sob a titularidade
formal dos litigantes particulares que integrem a área demarcada e homologada pelo
decreto presidencial s/n de 01.10.1993 (DOU de 04.10.1993), e proceda-se ao
cancelamento do(s) título(s).

João Pessoa, 04 de junho de 2010.

Juiz Federal ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU


Substituto da segunda vara federal

ICMF/CLS

ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU


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