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S E N T E N Ç A1
RELATÓRIO
1
Sentença tipo A, cf. Resolução nº 535/2006 do Conselho da Justiça Federal.
ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU
Juiz Federal
PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
SEÇÃO JUDICIÁRIA DA PARAÍBA
SEGUNDA VARA FEDERAL Página 2 de 59
Miriri S/A e Rivaldo Neves Bastos, pretendendo a declaração da nulidade das titulações
dominiais em nome dos réus e seus cônjuges, se casados forem, com o cancelamento
dos respectivos registros imobiliários, bem como a reintegração na posse das áreas
pertencentes à União e de usufruto dos índios da tribo Potiguara de Jacaré de São
Domingos, além de reparação por perdas e danos.
ao seu usufruto e não poderiam ser alienadas, ao passo que as Constituições Federais de
1934, 1937, 1946, 1967 e 1969 asseguravam aos indígenas o usufruto das terras e seu
domínio pela União.
11) O artigo 231, § 6º, da CF/1988 estabelece que são nulos quaisquer atos
que tenham por objeto o domínio, a posse ou a ocupação de terras indígenas e, desse
modo, relativamente às áreas de terras dos índios Potiguara, os títulos dominiais em nome
dos Réus são nulos, não produzindo efeitos jurídicos.
12) Não há direito adquirido em favor daqueles que, possuindo título dominial,
intitulem-se proprietários de terras que eram ocupadas pelos índios, os quais sofreram
esbulho em sua posse e, da mesma forma, inexiste direito adquirido contra a posse
indígena, uma vez que a posse está prevista na Constituição Federal, em relação a qual não
há direito adquirido.
13) Mesmo com a expulsão dos índios de parte de suas terras e dos ilícitos e
sucessivos atos de transmissão de propriedade envolvendo as terras de posse
tradicionalmente indígena, subsiste aos indígenas o direito originário as suas terras e, em
conseqüência, é de se reintegrar os índios Potiguara de Jacaré de São Domingo na posse
da área esbulhada.
Citados Luís Franco da Rocha e cônjuge (f. 327, vº), Francisco Xavier de
Andrade e cônjuge (f. 327, 327v.), União (para, querendo, integrar o pólo ativo, f. 327v.),
Emílio Celso Acioli de Morais e cônjuge (f. 332/337), Fernando Régis de Albuquerque Filho
(f. 340/346), João Rosendo de Menezes Filho e cônjuge (f. 352/356), Destilaria Miriri S/A (f.
358/362), Rio Vermelho Agro Pastoril Mercantil S/A (f. 365/401), Aniano Vijuela Di La Cal e
cônjuge (f. 406/446), Geraldo Antônio Cavalcanti de Morais Sobrinho (f. 521/564) e cônjuge
(f. 954, 954v.).
Arguiu, ainda:
2) Não há que se falar em nulidade dos títulos, uma vez que eles são
anteriores não só à CF/1988, como também à CF/1934 – primeira Carta Magna a conter
dispositivo relativo à posse indígena. A própria FUNAI, na petição inicial, reconhece que,
desde 1932, pelo menos, a posse era dos réus (por seus antecessores) e os índios a
haviam perdido quando da demarcação feita por Justa Araújo, de modo que a pretensão
tem o seu fundamento em direito anterior e na ausência de posse dos silvícolas sobre as
terras utilizadas pelos réus.
a Sesmaria da Baía da Traição foi a única na Paraíba que ficou como propriedade coletiva
da comunidade indígena.
16) Não são devidos quaisquer valores à FUNAI a título de perdas e danos;
ao contrário, é a Ré quem tem direito a ser ressarcida pelos prejuízos que vem suportando
com o fato de a FUNAI patrocinar a invasão de suas terras por caboclos (não índios) de
Jacaré de São domingos na tentativa de ocupá-la.
Edital de citação de Rivaldo Neves Bastos e cônjuge, se casado for (f. 971).
descrição das terras devolutas, separando-as das particulares, após revalidar as sesmarias
e demais concessões do Governo Geral ou Provincial. Determinava que, das terras
devolutas, fossem reservadas as que se julgassem necessárias à colonização indígena.
Previa, ainda, que seriam legitimadas as posses mansas e pacíficas adquiridas por
ocupação primária ou havidas do primeiro ocupante, que se achassem cultivadas ou com
princípio de cultura e moradia habitual do respectivo posseiro ou de quem o representasse.
13) O Estatuto do Índio prevê que a União poderá destinar áreas à posse e
ocupação pelos índios, onde possam viver e obter meios de subsistência, sem afrontar,
contudo, o direito de propriedade. Assim, a União terá que desapropriar a área e organizá-la
como uma reserva, parque, colônia agrícola ou território federal indígena, jamais poderá
confundi-la com área de posse indígena permanente, haja vista se tratar de propriedade
particular sem a presença de silvícolas.
14) Não há que se falar que as terras pertencentes às autoras são devolutas
e de domínio da União, posto que à época das medições feitas por Antônio da Justa Araújo
e dos aforamentos, as terras devolutas eram de domínio das Províncias ou Governos
Municipais e, posteriormente, passaram aos Estados-Membros. A prova de serem devolutas
as terras disputadas entre particular e Estado, compete sempre a este, vez que não se
presumem e nem se apuram por exclusão.
terras que cultivam feijão, cana-de-açúcar, abacaxi, etc, cuja posse detêm há mais de 100
(cem) anos, em cadeia sucessória, à luz da Lei n. 601/1850.
26) Em 1867, após a medição das terras por Justa Araújo, os indígenas
remanescentes receberam um título de terra particular e várias posses de não índios e
aforamentos foram medidos e consolidados, entre eles três engenhos de cana-de-açúcar,
denominados Gameleira, Preguiça e Três Rios. As demais terras foram consideradas
devolutas partir do relatório de Justa Araújo. Na parte das terras a oeste da antiga Sesmaria
de Montemor mencionadas no relatório e consideradas como devolutas, já havia plantação
de cana-de-açúcar, da mesma forma em outras áreas, em virtude da existência dos três
supracitados engenhos encravados na Sesmaria.
27) Tais terras foram adquiridas: a) por meio de compra e venda direta com o
proprietário ou seus herdeiros, após inventariadas e homologada a partilha; b) em hasta
pública; c) e ao Governo da Paraíba. Dessa forma, as transações foram sendo realizadas ao
longo dos anos, formando uma cadeia sucessória de mais de 100 (cem) anos, todas elas
ocorridas anteriormente à vigência da Constituição Federal de 1934, primeira Carta Magna a
conter dispositivo referente à posse indígena.
32) Propriedade Rio Vermelho: área total (5.175,72 ha), área atingida pela
Portaria (2.543,42 ha); localizada a oeste da antiga Sesmaria de Montemor, originou-se de
terras devolutas aforadas perpetuamente a D. Augusto Carlos D‟Almeida e Albuquerque, em
23.01.1868; em 01.10.1917, foi alienada ao comerciante Luiz Moura, por meio de escritura
pública de venda, lavrada no Cartório Monteiro da Franca, e com a concessão de Alvará
pelo juízo da 2ª Vara de Órfãos da Comarca do Estado da Parahyba do Norte, haja vista a
existência de filhos menores dos alienantes; em 11.01.1918, foi vendido o domínio útil a
Frederico João Lundgren, Artur Herman Lundgren, Guilherme Alberto Lundgren e Annita
Lundgren Groschie, conforme escritura pública de compra e venda lavrada em notas do 2º
Cartório da Comarca de Mamanguape/PB; em 24.04.1920, o Governo do Estado da
Parahyba vendeu o domínio direto a Frederico João Lundgren, Artur Herman Lundgren,
Guilherme Alberto Lundgren e Annita Lundgren Groschie, consoante escritura pública
registrada no Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Mamanguape/PB; em
30.09.1977, foi processada na Comarca de Mamanguape/PB retificação de área, por se
confrontar com a linha divisória das terras da Reserva Potiguara; apesar de citada a FUNAI
não contestou a ação; em 1980, a propriedade passou a integrar o capital social da Rio
Vermelho Agropastoril Mercantil S/A; em 29.03.1984, as ações da Rio Vermelho
Agropastoril Mercantil S/A foram adquiridas e transmitidas por cessão de direitos de compra
e venda à Destilaria Jacuípe S/A e Usina N.S. de Lourdes.
33) Propriedade Arrepia: área total (612 ha), área atingida pela Portaria
(310,62 ha); em 12.08.1918, parte da propriedade foi adquirida pelos Lundgren, conforme
escritura pública no Cartório da Comarca de Mamanguape/PB, referente a 04 (quatro) títulos
de terras da Sesmaria do extinto aldeamento da Vila Montemor concedidos pelo Governo do
Império a João Martins de Almeida, à índia Inocência Maria da Conceição, ao índio José
Félix e à índia Julia Anna Flora, todos em 1862; em 09.02.1918, os Lundgren compraram
outra parte da propriedade Arrepia ao sr. Cassiano José da Silva que por sua vez comprou
de um indíviduo que adquirira de um indígena; em 15.02.1918, outra parte da propriedade
Arrepia foi comprada pelos Lundgren, em decorrência do falecimento do Capitão Francisco
Purquerio Gonçalves de Andrade, o qual a comprou do índio Manoel José do Nascimento,
que a possuía desde 1862; posteriormente, as citadas terras foram incorporadas ao capital
social da Rio Vermelho Agropastoril Mercantil S/A, cujas ações passaram a integrar o capital
da Destilaria Jacuípe e Usina N.S. de Lourdes.
34) Propriedade Grupiuna de Cima: área total (137 ha), área atingida pela
Portaria (137 ha); parte da propriedade foi adquirida pela Rio Vermelho Agropastoril
Mercantil S/A mediante negócio realizado com as índias Tibúrcia e Tereza, as quais
receberam de seu pai Paulo José dos Santos, que as possuía desde 1862; a outra parcela
da propriedade foi adquirida dos herdeiros de Pedro Lourenço Martins, conforme planilha
feita nos autos do inventário da Comarca de Rio Tinto/PB; posteriormente, as citadas terras
foram incorporadas ao capital social da Rio Vermelho Agropastoril Mercantil S/A, cujas
ações passaram a integrar o capital da Destilaria Jacuípe e Usina N.S. de Lourdes.
35) Propriedade Jacaré do Meio: área total (158,75 ha), área atingida pela
Portaria (158,75 ha); em 09.01.1918, adquirida pelos Lundgren por compra feita a Cassiano
José da Silva que, por sua vez, adquiriu, em 26.11.1917, de Targino Soares de Avelar e
Arcanja Maria da Conceição, cujo titulo foi a estes concedido em 1862; em 19.12.1934,
outra parte da propriedade foi adquirida pelos Lundgren.
36) Propriedade Gameleira: área total (1.432,08 ha), área atingida pela
Portaria (22,19 ha); sede do engenho Gameleira, um dos primeiros engenhos de fabricação
de açúcar existente na Sesmaria desde 1860; em 14.11.1917, foi vendida por Felizardo
Vicente do Rego e sua mulher Izabel Maria da Conceição a Tertuliano Alves de Lima, que,
por seu turno, comprou a propriedade em 02.06.1913; em 1920, a propriedade foi adquirida
pelos Lundgren; em 1980, passou a integrar o capital social da Rio Vermelho Agropastoril
Mercantil S/A.
37) Propriedade Jacaré de Cima: área total (165 ha), área atingida pela
Portaria (165 ha); propriedade adquirida pela Destilaria Miriri S/A a Manoel Dantas, que por
sua vez, comprou-a de Ana Mororó que a possuía desde 1962.
38) Propriedade Montemor: área total (518,24 ha), área atingida pela Portaria
(37,19 ha); em 13.08.1928, adquirida pela Cia. de Tecidos Paulista; em 27.01.1951,
transferida para a Cia. de Tecidos Rio Tinto, conforme escritura pública lavrada no Cartório
Luiz Cavalcanti de Albuquerque.
39) Propriedade Três Rios: área total (1,021,39 ha); adquirido o domínio
direto do Governo do Estado da Paraíba; domínio útil a diversos particulares.
Paraíba, por seu Arcebispo Dom Adauto Aurélio de Miranda Henriques, conforme escritura
pública lavrada no Cartório da Comarca de Mamanguape/PB.
45) A área hoje reservada pela Portaria Ministerial havia sido reivindicada
anteriormente quando do estudo feito pela FUNAI para demarcação da Reserva; porém,
após contestação dos Lundgren, assim como apreciação do processo pelo grupo de
Trabalho, a área foi excluída por se tratar de terras particulares (“Projeto Agropecuário Rio
Vermelho”), de modo que não há que se confundir a área já demarcada e ocupada pelos
remanescentes potiguaras e a área das autoras vizinha à Reserva Potiguara, reconhecida
nesta mesma demarcação como de posse e propriedade particulares.
domínio das autoras, até mesmo extrapolando o limite fixado na Portaria, que era de 4.500
há, e agora a FUNAI pretende demarcar 7.000 ha.
Citadas a União (f. 531v.) e FUNAI (f. 541/648). Intimado o MPF (f. 1090v.).
No mérito, sustentou:
4) São nulos os títulos dominiais das autoras, não servindo como fundamento
para sua pretensão.
10) O direito dos índios à posse permanente das terras que tradicionalmente
habitam leva em consideração o consenso histórico de antiguidade da ocupação, conforme
o artigo 231 e parágrafos da CF/1988 e artigos 22, 23 e 25, da Lei n. 6.001/1973.
11) Não é hodierna tal proteção, pois a Lei Imperial n. 601/850, em seus
artigos 12, 72, 73 e 75, e o Decreto n. 1.318/1854, estabeleciam que as terras reservadas
para a colonização indígena seriam destinadas ao seu usufruto e não poderiam ser
alienadas. As Constituições Federais de 1934, 1937, 1946, 1967 e 1969 asseguravam aos
indígenas o usufruto das terras e o seu domínio pela União.
12) O artigo 231, § 6º, da CF/88 estabelece que são nulos quaisquer atos que
tenham por objeto o domínio, a posse ou a ocupação de terras indígenas e, no caso das
áreas de terras dos índios Potiguara, os títulos dominiais em nome das autoras são nulos,
não produzindo efeitos jurídicos.
13) Não há direito adquirido em prol daqueles que, possuindo título dominial,
intitulem-se proprietários de terras que eram ocupadas pelos índios os quais sofreram
esbulho em sua posse, e inexiste direito adquirido contra a posse indígena, uma vez que a
posse está prevista na Constituição Federal, em relação a qual não há direito adquirido.
15) Mesmo com a expulsão dos índios de parte de suas terras e dos ilícitos e
sucessivos atos de transmissão de propriedade envolvendo as terras de posse
tradicionalmente indígena, subsiste aos índios o direito originário às suas terras. Apesar de
afastados de parte de suas terras, os índios Potiguara de Jacaré de São Domingos, em
momento algum, perderam a sua identidade.
entanto, o Relatório elaborado pelo Grupo de Trabalho criado pela Portaria n. 1503/1983
deixou claro que Jacaré de São Domingos integrava a terra de ocupação tradicional dos
índios Potiguara, mas não fora feito o seu levantamento por requerer um trabalho de maior
detalhamento.
12) Mesmo que se considere que não houve vício de consentimento dos
índios, ainda sim os títulos apresentados pelas autoras continuariam “inservíveis”, visto que
a área constante do título aquisitivo é muito inferior à constante do registro atualmente
atribuído a ela.
Intimada, a FUNAI alegou que a liminar concedida pelo STF não atingiu e
tampouco anulou o processo de demarcação, mantendo-se válidos a identificação,
delimitação, demarcação, homologação e registro imobiliário. A liminar foi concedida de
forma limitada, vedando, a partir da data de sua concessão, a prática de atos alicerçados no
Decreto homologatório do Presidente da República que implicou a homologação da
demarcação administrativa da área indígena de Jacaré de São Domingos (f. 1190/1191).
7) A utilização agrícola das terras pelas autoras, além de ser ilegal, está
restrita ao interesse puramente patrimonial, de caráter privado, uma visão individualista em
detrimento de toda uma comunidade indígena.
Fis. 1250 - relatório, voto e acórdão de AGTR proposto por Rivaldo Neves Bastos —
parcialmente provido para revogar a liminar de reintegração de posse e observação
do rito ordinário;
F. 1298 — decisão declinando a competência;
F. 1318 — petição de Fernando Regis para proceder a colheita da cana;
F. 1328 — deferimento do pedido de fis. 1318;
F. 1353 — pedido de força policial;
F. 1355 — deferimento do pedido de fis. 1353;
F. 1358 — pedido de força policial;
F. 1375 — requisitada cópia de agravo de instrumento;
F. 1376 — Auto de Constatação;
F. 1384 — pedido de colheita de 405 hectares;
F. 1399 — deferimento do pedido de fis. 1384;
F. 1406 - cópia do Despacho do AGIR proposto pela Destilaria Miriri — suspende a
liminar de reintegração até o pronunciamento da Turma;
F. 1407 - cópia de agravo de instrumento
proposto pela FUNAI contra a decisão que permitiu a colheita;
F. 1422 — pedido de proteção policial deferido no rosto da petição;
F. 1435 — pedido de abertura de inquérito para apuração de crime de desobediência
e assegurar a colheita;
F. 1444 — ofício requisitando informações para instrução do AGIR interposto pela
FUNAI;
F. 1448 — informações prestadas.
É o relatório, decido.
1- COMPARAÇÃO DE PEDIDOS
Em apenso a presente ação encontra-se a ação ordinária n° 90.366-0. Necessária a
comparação dos pedidos:
QUADRO N. 01
AÇÃO ORDINÁRIA N° 90.366-O AÇÃO DVERSA N. 94.1346-6
“Art. 301
§ 1° Verifica-se a litispendência ou a coisa julgada, quando se reproduz ação
anteriormente ajuizada.
2° Uma ação é idêntica à outra quando tem as mesmas partes, a mesma causa de
pedir e o niesmo pedido.
§ 3° Há litispendência, quando se repete ação, que está em curso; há coisa julgada,
quando se repete ação que já foi decidida por sentença, de que não caiba recurso.”
Cumpre, todavia, assinalar que a litispendência, como pressuposto processual
negativo, podendo ser examinada de ofício pelo juiz ou a requerimento da parte, a
qualquer tempo e grau de jurisdição. É matéria de ordem pública e constitui a própria
essência da relação processual, cuja sobrevivência dela depende.
A partir da análise do Quadro N° 01, vê-se que o pedido constante na presente ação
(Ação Diversa n 94.11346-3) está claramente abrangido pelo pedido disposto na
Ação Ordinária n°
90.366-O.
A causa de pedir também coincide uma vez que
centra-se na ocupação ou não de terras indígenas.
Em relação às partes, passo ao seguinte exame:
a) quanto aos réus EMILIO CELSO ACIOLI DE MORAIS, DESTILARIA MIRIRI,
RIVALDO NEVES BASTOS e FERNANDO REGIS DE ALBUQUERQUE F., a
repetição em relação à Ação Ordinária 90.366-O é cristalina, conforme demonstra o
Quadro 02, restando ABEL, HUGO, CHICO FÉLIX, GIL, JOSÉ TAVARES, JULIO e
RODRIGUES, indicados na inicial sem qualificação;
b) na Audiência de Justificação foi noticiado o falecimento de CHICO FÉLIX E DE
JOSÉ TAVARES, dada oportunidade de manifestação,
o Ministério Público Federal pediu o desmembramento do feito (f. 300/313, 1.212 e
1.235);
c) vieram aos autos apresentando Contestação -
GILVAN CELSO DE C. M. SOBRINHO
requerendo exclusão da lide por não ser possuidor e sim Superintendente da
Destilaria Miriri S/A (f. 424); JOSÉ LUCENA DE FARIAS e AURICÉLIA RICARDO
TAVARES (fis. 863); ESPÓLIO DE ROMILDO HIBERNON DE MELO CAVALCANTI
representado por RODRIGO FERREIRA LIMA CAVALCANTI;
d) não há nos autos manifestação de ABEL e
HUGO.
Acolho as razões relatadas as fis. 424 para excluir da lide GILVAN CELSO DE C. M.
SOBRINHO.
Quanto aos demais, em virtude da simultaneidade de ações a incidir sobre o mesmo
objeto “área indígena denominada Jacaré de São Domingos”, a fim de evitar a
colidência de decisões, excluo da lide JOSÉ LUCENA DE FAMAS, AURICÉLIA
RICARDO TAVARES e ESPÓLIO DE ROMILDO HIBERNON DE MELO
CAVALCANTI representado por RODRIGO FERREIRA LIMA CAVALCANTI já que
Isto posto, julgo extuinto o processo sem exame do mérito, nos termos do art. 267, V,
do C.P.C.
Custas ex lege e verba honorária de 10 % (dez por cento) sobre o valor da causa.
P.R.I.
Oficie-se aos Exmos. Juízes Relatores dos Agravos de Instrumentos n.s 7143-PB (f.
348), 7152 (f. 380), 7153-PB (f. 402) 7105-PB (f. 712).
Desapense-se e traslade-se para a Ação Ordinária n. 90.366-0 a presente Sentença.
João Pessoa, 05.04.2000.”
FUNDAMENTAÇÃO
A questão relativa à prova insere-se, por sua vez, nos ônus processuais das
partes, na forma do artigo 333 do Código de Processo Civil e nos dispositivos concernentes
às ações possessórias.
- Litispendência:
- Defeito de representação:
Paralisação do feito:
NO MÉRITO:
Nas três demandas conexas que ora decido, podemos observar um mesmo
núcleo de argumentos de parte a parte: a titularidade do direito de propriedade, o exercício
legítimo do direito de posse, a existência de elementos invasores e a ilegitimidade da
ocupação da contraparte. Em cada um dos feitos, o núcleo de cognição é rigorosamente
esse, oscilando quanto aos fundamentos da legitimidade da posse própria e ilegitimidade da
ocupação alheia, bem como as providências perseguidas através da provocação ao Poder
Judiciário.
Nem se pode afirmar, por outro lado, que haja dúvida sobre as características
do imóvel objeto das lides. Encontramos nos autos alegações ora no sentido de que os
índios ocupariam 1500 hectares, ora dizendo que pleiteiam 4500 hectares, ora afirmando
que ultrapassariam os cinco mil hectares. A verdade é que os croquis e mapas constantes
dos autos tornam absolutamente certo e indiscutível o espaço de terra sobre que
controvertem autores e réus, não havendo realmente uma resistência séria baseada numa
alegada imprecisão quanto ao objeto da lide. Isso ficou bem esclarecido no julgamento do
MS 21.896-7/PB, pelo Supremo Tribunal Federal, constando por cópia em todos os autos.
De acordo com os estudos históricos sobre o tema, trazidos aos autos por
ambas as partes, as terras em que habitavam os índios da tribo Potiguara na localidade
conhecida como Sesmaria de Montemor foram demarcadas e loteadas, sendo entregues os
respectivos lotes às respectivas famílias indígenas. Essas terras teriam sido, nos anos
seguintes, alienadas a terceiros, desaparecendo completamente a aldeia indígena de Jacaré
de São Domingos.
Eis que aqui surge um dos pontos centrais de discussão entre as partes: qual
a natureza jurídica do ato de atribuição de terras às famílias indígenas pelo governo
imperial? Teriam as terras sido transferidas como propriedade imóvel particular em termos
rigorosamente similares ao regime jurídico da propriedade particular de então? Ou, por outro
lado, a disciplina normativa dessa outorga de terras previa disposições derrogatórias do
direito comum, levando em conta aspectos específicos pertinentes aos trabalhos de
loteamento (determinação do governo imperial, posse indígena, natureza indígena dos
destinatários etc.)?
precisamente seu artigo 75, do seguinte teor (exatamente como escrito às f. 22 – processo
n. 90.366-0):
2
As referências a folhas de autos que faço a seguir referem-se ao processo n. 90.366-0.
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Além disso, mas em perfeita conexão e sintonia, aos índios não civilizados se
impunha uma condição jurídica similar à imposta aos órfãos, o que ensejava plena e
necessária (diria eu, indispensável) intervenção ou tutela do órgão oficial de proteção ao
índio, ou seja, do Serviço de Proteção ao Índio.
3
Ele aparece como antigo proprietário em alguns dos “títulos dominiais” de terras dos particulares.
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A obra em questão, de notável raridade, foi gentilmente cedida para consulta pelo eminente Juiz
Federal Alexandre Costa de Luna Freire, titular da 2ª Vara Federal na Paraíba.
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Segundo aquele mesmo Código Civil de 1916, sob cuja égide fora redigida a
peça em que consta o argumento, “Não induzem posse os atos de mera permissão ou
tolerância, assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos,
senão depois de cessar a violência, ou a clandestinidade” (artigo 497). Disso resulta que,
quer tenham os originários adquirentes particulares se servido da violência e da grave
ameaça, quer tenham se valido de pura astúcia, em momento algum lograram obter a posse
do imóvel, seja porque os índios não a podiam validamente transferir, seja porque a própria
legislação civil negava a eficácia translativa da posse aos atos violentos, clandestinos ou
precários. Sendo assim, em momento algum se pode afirmar que houve aquisição da posse
e, portanto, faltaria o requisito principal para a aquisição da propriedade por usucapião: a
própria posse.
“(...) tudo segundo seus usos, costumes e tradições, de sorte que não se vai
tentar definir o que é habitação permanente, modo de utilização, atividade
produtiva, ou qualquer das condições ou termos que as compõem, segundo a
visão civilizada, a visão do modo de produção capitalista ou socialista, a visão
do bem-estar do nosso gosto, mas segundo o modo de ser deles, da cultura
deles.”
O mesmo autor diz que “terras tradicionalmente ocupadas não revela aí uma
relação temporal” e, mencionando o Alvará de 1º de abril de 1680, esclarece sobre o
conceito que “não quer dizer, pois, terras imemorialmente ocupadas, ou seja, terras que eles
estariam ocupando desde épocas remotas que já se perderam na memória e, assim,
somente estas seriam as terras deles”.
Por fim, com clareza exemplar, diz o professor José Afonso da Silva:
Diante disso tudo, torna-se muito fácil observar que a insistente menção dos
litigantes particulares à necessidade de ocupação “imemorial” das terras em questão como
condição para o reconhecimento de sua natureza indígena desvia completamente o foco da
discussão para assunto absolutamente irrelevante. A ocupação imemorial, critério
notadamente temporal, não é o elemento essencial a se buscar. O requisito realmente
indispensável é de modo, não de tempo.
(e) A alegação de que nas terras demarcadas não existiriam índios, mas
meros “caboclos” já incorporados à civilização, traz em si um argumento que peca por tomar
a parte pelo todo, tentando fazer crer que as terras não seriam “tradicionalmente ocupadas
pelos índios” em razão de ali não haver índios, alegando apenas que há, na terra, elementos
não indígenas.
permanente. Da mesma forma, não é estritamente necessário que os índios ali existentes
sejam verdadeiros fósseis humanos, integrantes de uma comunidade absolutamente
incólume em face das influências da “nossa civilização”. Não se exige, em outras palavras,
que os índios jamais tenham tido qualquer contato com o “homem branco”, nem que tenham
permanecido herméticos a qualquer influência de nossa cultura. Basta que estejam
preenchidos os requisitos para a ocupação da terra em moldes tradicionais, ocupação
funcional e instrumental diante do claro objetivo constitucional: a proteção do direito difuso,
de natureza histórico-cultural, titularizado por toda a humanidade, para garantia, quanto
possível, da sobrevivência da cultura, dos usos e tradições indígenas em seu modo
autêntico e originário de vida.
Desse modo, pode-se acrescentar a tudo que foi dito o aspecto de que esse
procedimento – o qual resultou na demarcação administrativa da área objeto da lide – levou
em conta estudos históricos, entrevistas, vistorias “in loco”, exames técnicos, tudo
devidamente exposto nos relatórios apresentados pela FUNAI. A partir desses estudos foi
que se chegou à conclusão quanto à natureza indígena daquela área, resultando no decreto
homologatório emitido pelo Presidente da República que, submetido ao crivo do STF,
recebeu a chancela de sua validade, ficando ainda reafirmada a presunção de legitimidade
que pesa em favor dos atos administrativos.
DISPOSITIVO
ICMF/CLS