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Regina Novaes2
Infância, adolescência, juventude, maturidade e velhice: cada uma destas palavras designa
um período diferente da vida. São palavras que nasceram no campo das ciências –
sobretudo da biologia, medicina e psicologia – que na atualidade habitam o vocabulário da
vida cotidiana. Hoje a distinção entre cada uma destas fases passou a ser vista como
natural, como se houvesse uma cronologia geral, oficial, definidora da “natureza humana”.
Entendida como fase natural da vida, a “juventude” é tratada como um segmento
populacional bem definido, suposto como universal. No entanto, os limites etários e as
características de cada uma das “idades da vida” são produtos históricos, resultados de
dinâmicas sociais mutantes e de constantes (re) invenções culturais. Em cada tempo e lugar,
diferentes grupos e sociedades definem o que é “ser jovem” e o que esperar de suas
juventudes.
Na concepção das sociedades clássicas greco-romanas, por exemplo, a juventude se referia
a uma idade entre os 22 e os 40 anos. Juvenis vem de aeoum, cujo significado etimológico
é “aquele que está em plena força da idade”. Naquela cultura, a deusa grega Juventa era
evocada justamente nas cerimônias do dia em que os mancebos (adolescentes) trocavam a
roupa simples pela toga, tornando-se cidadãos de pleno direito. Na sociedade moderna, não
há consenso em torno dos exatos limites de idade que devem vigorar para definir quem é
jovem3, mas a juventude é compreendida como um tempo de construção de identidades e de
definição de projetos de futuro. É vista como tempo de “moratória social”, “etapa de
transição”, em que os indivíduos processam sua inserção nas diversas dimensões da vida
social: responsabilidade com família própria, inserção no mundo do trabalho, exercício de
direitos e deveres de cidadania.
Estudos históricos demonstram que em cada tempo e lugar são muitas as juventudes e
que entre elas sempre existem adesões ao estabelecido e territórios de resistências e de
criatividade. Ainda assim, no cotidiano a tendência que prevalece é buscar generalizações
fazendo desaparecer diferenciações internas na juventude. Tais generalizações revelam
projeções pessimistas ou otimistas em relação o futuro da sociedade. A partir daí,
constroem-se os estereótipos. Nos anos de 1980, Cecília Braslavsky – estudiosa sobre as
1
Texto extraído do material “Textos complementares para formação de gestores”, Brasília: Programa
Nacional de Inclusão de Jovens – ProJovem Urbano, 2008.
2
Antropóloga, pesquisadora do CNPq, consultora PNUD/Nações Unidas para o informe sobre Juventude e
Desenvolvimento Humano nos países do Mercosul.
3
O parâmetro mais usado é a faixa de 15 a 24 anos, definição da Organização Internacional da Juventude,
mas no conjunto há países que antecipam ou prolongam esta faixa etária. No Brasil a Lei Nº 11.129 de
30/06/2005 – que cria a Secretaria Nacional de Juventude, o Conselho Nacional de Juventude e o ProJovem –,
estabelece a faixa etária de 15 a 29 anos. No Brasil, atualmente, há pesquisas que consideram de 15 a 24 anos
e outras de 15 até 29 anos.
questões juvenis na Argentina – identificou os três mitos 4 mais comuns que são acionados
para definir a juventude.
Atualizando esta contribuição, podemos dizer que nos dias de hoje convivem:
“o mito da juventude dourada” – Este mito identifica todos os jovens de hoje com a
parcela dos jovens socialmente privilegiados. “Ser jovem” é ter tempo livre para lazer,
gozar o ócio, cultivar o corpo, ser beneficiário de um período de “moratória social” sem
angústia ou responsabilidades. Esta visão é alimentada pelos meios de comunicação que
inculcam padrões estéticos e comercializam a “juvenização”. Mas, o mito também é
acionado para lamentar criticamente o fato de que todos os jovens seriam despreocupados
com questões sociais, alienados ou só se mobilizariam em defesa de seus próprios
privilégios.
“o mito da juventude branca” – Este mito é otimista em relação à juventude atual e,
certamente, é bem menos acionado do que os outros dois. Nele, os jovens aparecem como
personagens maravilhosos e puros que podem salvar a humanidade superando visões
limitadas de outras gerações. Observados deste prisma, os jovens farão o que seus pais não
quiseram ou não puderam fazer. Pertencendo a uma geração menos iluminista/racionalista,
demonstram maior capacidade de articular a indignação frente às injustiças sociais e a
valorização a diversidade cultural. Assim como – em contraposição com os vícios políticos
das gerações anteriores – teriam a chance histórica de aliar ética com estética. Menos
antropocêntricos, compreenderiam a importância de buscar a sustentabilidade sócio-
ambiental não só para seu país, mas para todo o planeta. Outra versão do mesmo mito,
bastante acionada por alguns estudiosos do tema, focaliza a juventude que se reúne em
grupos culturais onde estaria toda a criatividade, inventividade e energia da sociedade.
“o mito da juventude cinza” – Neste prisma prevalece o pessimismo. Os jovens
aparecem como “a desgraça e a ressaca da sociedade”. São desocupados, delinqüentes,
apáticos. Depositários de todos os males da sociedade. No conjunto, seriam a mais perfeita
expressão das leis da competitividade, da lógica do lucro, do cinismo que caracteriza a
sociedade do espetáculo. Apáticos, seriam o mais evidente reflexo da crise da representação
política. Conectados, seriam “virtuais” e, cada vez mais, descolados do mundo real, alheios
a seus problemas e injustiças. Carentes de valores morais, seriam sexualmente promíscuos.
Vindos das classes populares, de “famílias estruturadas”, seriam responsáveis pelo
fenômeno social denominado “gravidez na adolescência”. Sempre “suspeitos”. Pobres e
moradores de periferias violentas, são vistos como criminosos em potencial. Esta última
versão pesa, muitas vezes, sobre os jovens de 18 a 29 anos que não terminaram o ensino
fundamental. A rigor, estas representações e estereótipos estão disponíveis na sociedade e
em nosso repertório cultural. O tema da juventude mobiliza emoções e desafia a razão.
Sempre, ou circunstancialmente, qualquer um de nós pode surpreender a si mesmo
acionando um ou outro destes mitos para falar da juventude em geral ou dos jovens com
quem convivemos.
Até mesmo porque na descrição de cada um destes mitos aparecem aspectos que encontram
eco nas experiências de vida dos jovens de hoje. Na verdade, imagens contraditórias de
juventude convivem na sociedade atual. Sobretudo porque na qual também convivem
4
Na perspectiva antropológica, mito não quer dizer mentira. No mito estão representações sociais que
informam e são informadas por práticas socialmente produzidas. Em nosso caso, o que faz um mito é uma
determinada reunião seletiva e “lógica” que desconsidera outras representações e práticas também
socialmente disponíveis.
juventudes douradas, cinzas, brancas e de outras tantas cores. Nos meios de comunicação,
como sabemos, estão principalmente as juventudes dourada e cinza. Via de regra, em
lugares diferentes da grade de programação. Na publicidade e nas novelas estão os belos e
saudáveis, os alegres e despreocupados que oferecem um modelo de vida ao qual, na
realidade, poucos têm acesso. Nos noticiários os jovens (principalmente das classes
populares) aparecem sempre como desordeiros e violentos, envolvidos com
comportamentos de riscos.
De fato, a palavra “juventude” é propícia para a explicitação de contradições e
ambigüidades da sociedade. Por um lado, não é exagero afirmar que a sociedade
contemporânea é “juventudocêntrica”. O valor simbólico positivo da juventude se expressa
por meio da valorização da beleza e da saúde. Todos querem permanecer jovens.
Fisicamente, procurasse adiar o envelhecimento. Mentalmente, busca-se permanecer
“jovem de espírito”. Mas, por outro lado, a “juventude” também é vista como o lugar
privilegiado para a expressão de todo mal estar social. Provoca inquietações e evoca
“problemas sociais” tais como violência, ócio, desperdício e irresponsabilidade.
Assim sendo, conceitos e preconceitos são sempre acionados – consciente ou
inconscientemente – para se falar sobre a juventude. Quando se fala em “juventude” todos
se sentem na obrigação de emitir opiniões, tomar posições, generalizar, oferecer veredictos.
Porém, se nosso objetivo é compreender a juventude em sua diversidade é preciso
ultrapassar tanto o entendimento de compreende-la como uma faixa-etária problemática
(onde só se destacam aos “problemas da juventude de hoje”, enunciados em termos de
gravidez precoce, as drogas e a violência) quanto, também, evitar a sua idealização como a
única protagonista de mudanças sociais, em uma nova interpretação heróica de seu papel
mítico. No que diz respeito ao ProJovem Urbano, trata-se subverter estereótipos e não
aceitar a lógica que preside o mito da “juventude cinza”, que “sequer completou o ensino
fundamental”.
De maneira geral, ser jovem é residir em um incômodo estado de devir. Mas, com todas as
diferenciações internas, o que haveria de comum entre os jovens de um mesmo tempo
histórico? A metáfora do jogo de espelhos já foi utilizada por Foracchi (1972) em um livro
que trata especificamente do movimento estudantil. Podemos retomá-la hoje para
compreender o jogo dinâmico entre um espelho agigantador (que evidencia as marcas
geracionais que incidem sobre as trajetórias de vida dos jovens do Século XXI) e um
espelho retrovisor (no qual diferentes segmentos juvenis espelham a sociedade brasileira
com todas suas características).
5
Segundo o DENATRAN, em 2006, os jovens entre 18 e 29 anos representaram 26,5% das vítimas fatais no
transito (contra 40,9% para o grupo de 30 a 59 anos).
prematura de pares (irmãos, primos, vizinhos e amigos). Entre eles se espalha o “medo de
morrer” prematuramente e de forma violenta.
6
Ver http://www.oit.org.pe/prejal
das jovens ocupadas entre 15 e 24 anos, 14,8% eram trabalhadoras domésticas sem carteira
assinada. Mas isto ainda não é tudo. Os jovens de hoje também se diferenciam em termos
de orientação sexual, gosto musical, pertencimentos associativos, religiosos, políticos, de
galeras, de turmas, de grupos e de torcidas organizadas. Estes últimos demarcadores de
identidades podem aproximar jovens socialmente separados ou separar jovens socialmente
próximos. Mas há ainda outras desigualdades que se expressam particularmente na vida
urbana. No Brasil, e pelo mundo afora, existem hoje jovens que são vistos com preconceito
por morarem em áreas pobres classificadas como violentas. Com diversos nomes,
topografias e histórias, as periferias são – via de regra – marcadas pela presença das armas
de fogo.
São elas que sustentam tanto a tirania do narcotráfico quanto a truculência policial. A
resposta à pergunta “onde você mora?” pode ser decisiva na trajetória de vida de um jovem.
A “discriminação por endereço” restringe o acesso à educação, ao trabalho e ao lazer dos
jovens que vivem nas favelas e comunidades caracterizadas pela precária presença (ou
ausência) do poder público. Em resumo, podemos dizer que diferentes segmentos juvenis
formam um complexo caleidoscópio no qual se entrelaçam indicadores sociais reveladores.
Desigualdades sociais, retro alimentadas por determinados preconceitos e discriminações,
produzem distintos graus de vulnerabilidade juvenil.
Portanto, ser jovem hoje no Brasil é estar imerso em uma multiplicidade de desvantagens,
discriminações e vivências. Neste cenário, para além das desigualdades e diferenças
presentes entre os/as jovens, que nos obrigam a reconhecer contradições entre as juventudes
brasileiras, no plural (espelho retrovisor), não podemos abrir mão de reconhecer
sentimentos geracionais comuns e, assim, buscar a singularidade nesta geração no presente
momento histórico (espelho agigantador). É neste jogo de espelhos que se revelam não só
as vulnerabilidades, mas também o que há de promissor entre os jovens de hoje.
Um lado da medalha. De maneira geral podemos dizer que os jovens de hoje enfrentam
enormes dificuldades de ingresso e permanência no mercado de trabalho; representam
o contingente populacional mais atingido pelas distintas formas de violência; têm acesso
restrito aos bens culturais; não têm assegurado o direito a uma educação de qualidade e não
recebem tratamento adequado no tocante às políticas públicas de saúde e lazer.
Outro lado da medalha. Há um processo de criação de coletivos juvenis que não pode
ser ignorado por quem pesquisa ou trabalha diretamente com a juventude. Com efeito,
como lembra Helena Abramo (1997), é muito mais diversificada a face social dos jovens
que se mobilizam. Se até os anos de 1970 os atores juvenis estavam restritos aos jovens
estudantes de classes médias, hoje, várias dessas formas de movimentação que vemos
surgir se fazem entre jovens dos mais distintos setores sociais.
A pesquisa do IBASE em parceria com o Instituto Pólis (Juventude Brasileira e
Democracia, 2005) mostra que a participação em grupos é uma experiência vivida por
28,1% dos jovens entrevistados. Ainda segundo a pesquisa, os jovens de maior poder
aquisitivo (classes A/B) participam mais de grupos (33,5%), seguidos pelos jovens da
classe C (28,2%) e D/E (24,0%) das quais, via de regra, vem público potencial do
ProJovem Urbano. Vejamos quais são os temas mobilizadores e as formas de organizações
juvenis.
Nos setores populares urbanos e rurais, proliferam hoje grupos ecológicos6. Neste cenário,
antigas questões relacionadas ao lixo urbano ganham outra conotação por meio da chave de
leitura ecológica que introduz a “reciclagem” no vocabulário político. Assim como,
clássicas questões sobre os impasses da pequena produção agrícola frente a processos de
concentração de terras ganham novas conotações frente a grupos de jovens em defesa da
“sustentabilidade sócio-ambiental”.
Nos grupos religiosos também há novidades. As igrejas cristãs, principalmente a Igreja
Católica e as evangélicas classificadas como progressistas, sempre foram no Brasil e em
alguns outros países da América do Sul, um celeiro de quadros políticos. Ao lado deste
fenômeno, registram-se hoje outras possibilidades. No Brasil do Século XXI encontramse
jovens de diferentes pertencimentos religiosos (cristãos, espíritas, das religiões
afrobrasileiras e orientais) e “jovens religiosos sem religião”, isto é que tem afirmam
crenças e valores religiosos, mesmo sem ter pertencimento institucional. A própria causa
ecológica é produtora de uma peculiar espiritualidade que motiva a militância social entre
jovens. Cabe ainda destacar o crescimento pentecostal entre jovens das classes populares
jovens, moradores de áreas pobres e violentas. Este crescimento precisa ser compreendido
tanto como escolha individual, quanto no quadro da busca de pertencimento em situações
exclusão social e violência. No contexto de um campo religioso cada vez mais plural e
competitivo, são cada vez mais comuns as famílias e as salas de aula plurirreligiosas. No
entanto, temos pouca reflexão sobre o peso da cultura brasileira católica nos espaços de
ensino público e o quanto este peso dificulta o diálogo inter-religioso e embota iniciativas
de comunicação e ação conjunta entre os jovens e entre jovens e adultos.
Também vale a pena falar dos grupos de afirmação de identidades. Devedores de lutas
sociais de outras gerações, grupos de jovens mulheres; de jovens indígenas; de jovens
negros;de jovens com deficiência, de jovens que se reúnem e torno da livre orientação
sexual trazem suas demandas geracionais para dentro de seus próprios movimentos e para a
sociedade. Jovens mulheres, por exemplo, falam em tripla jornada (trabalho fora/trabalho
doméstico e estudo). Jovens indígenas demandam novas tecnologias de informação. Jovens
de distintas orientações sexuais denunciam tratamento desigual no sistema preventivo de
saúde.
Em uma outra vertente, podemos destacar os grupos culturais. São grupos que, por meio
de ritmos, gestos, rituais e palavras, instituem sentidos, negociam significados, buscam
visibilidade pública, disputam adesões de jovens. No Brasil, a literatura tem registrado
grupos de jovens voltados para esportes, para rádios comunitárias, para o teatro, a dança e
variados estilos musicais (rock, punk, heavy metal, reggae, hip hop, funk, entre outros). As
práticas de lazer e de ocupação do tempo livre vêm ocupando um lugar cada vez maior
entre jovens.
Atitudes e escolhas em termos de gênero de música que preferem ouvir, do tipo de
programa televisivo que preferem assistir, dos locais em que costumam ser reunir com os
amigos também definem maneiras de ser jovem. Tais escolhas e atividades tornam-se
agencias de socialização convivendo com instituições sociais clássicas, como a família e a
escola, no processo de formação das identidades juvenis (com suas aspirações, angustias e
dilemas). A propagação veloz de símbolos e valores – via novas tecnologias – permite que
jovens, de diferentes locais do mundo, tenham um mesmo universo de referência.
Diversidades e identidades se manifestam em um mesmo país, entre países, regiões e
continentes. Não há hoje participação social que não tenha algum grau de dependência das
novas tecnologias de informação e comunicação. Em tempos de Internet, as “redes juvenis”
são meios para dinamizar o que já está constituído e, também, têm funcionado como ponto
de partida para a construção de novos espaços de comunicação, identificação e ação. Um
bom exemplo são os sites de hip hop que atravessam o mundo. Além de divulgar seus
respectivos trabalhos artísticos (de rap, break e grafite), este expediente é visto como uma
forma de afirmar a “cultura hip hop”, com seus símbolos, convicções e causas. Existem
portais mais abrangentes nos quais a mensagem da primeira página sempre relacionada à
origem urbana e periférica do hip hop e seu poder de transformação social. Outros sites
votados para grupos específicos que destacam sua origem e idéias “combativas”, com
“atitude”, em geral, críticas à sociedade branca e excludente. Encontramos também sites de
projetos sociais voltados para jovens que utilizam o hip hop como metodologia de trabalho
para intervir na sociedade. Em todos os casos, o meio digital é fundamental para a relação
entre a experiência local e a identidade que a ultrapassa.
Enfim, novas combinações temáticas e de formas organizacionais têm se traduzido em
disposições éticas e ações concretas em diferentes espaços dos quais participam jovens.
Lançando mão de recursos materiais e simbólicos próprios ou incentivados por mediadores
(das igrejas, agências internacionais ou organizações não governamentais e fundações
locais) muitas vezes, as ações imediatas dos chamados “grupos culturais” visam
transformar as chamadas “comunidades locais”. Se é verdade que na década de 1960 uma
espécie de “arte engajada” se colocava à disposição das causas do movimento estudantil,
das lutas sindicais e políticas, hoje “grupos culturais” levam suas expressões artísticas
diretamente ao espaço público provocando repercussões políticas.
Movimentam-se no espaço público, lugar onde se explicitam disputas e negociações
de pontos de vista e posicionamentos políticos, buscando incidir sobre a sociedade e
os governos. No espaço público compartem (ou disputam)787 reconhecimento social com
movimento estudantil, com juventudes partidárias e com os departamentos juvenis das
organizações sindicais desafiando os estudiosos a compreender a atual configuração de
atores juvenis. No atual momento histórico – em que não há mais monopólio da
representação juvenil – jovens estudantes, sindicalistas e de partidos políticos se engajam
em campanhas temáticas, na formação de conselhos de juventude e em outros espaços de
expressão de interesses de jovens convivendo com grupos culturais, religiosos, esportivos,
ambientalistas, de direitos humanos, de voluntariado etc.
Mesmo sabendo que os jovens que fazem parte deste conjunto diversificado de coletivos
são minorias (em torno de 30%), isto é, são numericamente bem inferiores aos jovens
segmentos que afirmam deles não participar (em torno de 70%), é preciso contribuir para
dar visibilidade para estes grupos e para suas experiências. Trata-se de reconhecer que está
em curso um processo que vem provocando questionamentos e modulações nas imagens
dominantes que a sociedade constrói sobre os sujeitos jovens. E como a linguagem não é
apenas um veículo, mas é também construtora da realidade social, podemos apostar no
nascimento de novas percepções e experimentações sociais que jogarão um papel ativo na
escolha de caminhos que respondam às necessidades e anseios dos jovens de hoje.
7
Como se sabe, a juventude é a fase da vida mais marcada por ambivalências provocadas
pela convivência contraditória entre a subordinação à família e à sociedade e as
expectativas de emancipação, sempre em choque e negociação. Assim, a questão da
juventude não pode ser resolvida apenas pela juventude.
Frente a esta definição, podemos nos indagar hoje se o recorte “juventude” pode vir a
produzir um espaço específico de demandas e políticas públicas específicas como
aconteceu com os recortes de gênero e etnia/raça? Mesmo não sendo possível profetizar
hoje se ocorrerá com a questão da juventude algo similar com o que aconteceu com a
questão da equidade racial e gênero, em décadas precedentes, podemos falar na busca de
uma “perspectiva geracional”. Neste âmbito, assim como a questão feminista tem que ser
pensada a partir da perspectiva de gênero – que envolve homens e mulheres – a questão da
juventude deve ser pensada a partir da perspectiva geracional. Ou seja, deve envolver
jovens e adultos, pressupondo escutas e aprendizados mútuos. O que torna imprescindíveis
duas frentes de diálogo: um diálogo intrageracional e um diálogo intergeracional.
O diálogo intrageracional implica tanto em valorização da diversidade juvenil quanto na
busca de adesão de diferentes segmentos a valores democráticos e universais. Se é verdade
que os jovens de hoje encontram diferentes caminhos para construir passagens para a vida
adulta e, também, para instituir espaços coletivos (bastante mais diversificados do que na
geração anterior), é importante que possam negociar entre si para fazer face à sociedade do
espetáculo, consumista e injusta. Trata-se de um diálogo no interior de uma faixa etária sem
pretender construir uma identidade “jovem” essencialista, única.
Neste sentido, é fundamental que os jovens de 18 a 29 anos, que não completaram o
ensino fundamental, sejam vistos a partir da ótica da geração a que pertencem.
Concretamente, no caso dos jovens que são (e/ou serão) o público potencial do ProJovem
Urbano, trata-se de não ratificar ou promover seu isolamento de outros jovens de sua
geração.
Olhando-os somente como “público-alvo”, como “aqueles que necessitam ser incluídos”,
muitas vezes opta-se por mantê-los longe da “turbulência” dos jovens organizados. Mas é
necessário aproximá-los do diálogo intrageracional. Isto se faz ampliando suas
possibilidades de se aproximar de coletivos juvenis e de participar de embates que levam os
jovens de hoje ao espaço público. Isto é, é preciso vê-los como parte integrante de uma
geração que está sendo desafiada a reinventar as formas e os sentidos de “estar no mundo”.
Neste desafio também devem estar os adultos. Portanto, a dimensão intergeracional é
fundamental. O diálogo intergeracional pressupõe que os jovens escutem os adultos com
objetivo de obter conhecimento, revalidar valores e retomar os fios históricos das
conquistas sociais. Pressupõe também que os adultos escutem os jovens porque,
considerando que toda a experiência geracional é inédita, só sabe o que é ser jovem hoje,
quem é jovem hoje. No âmbito do ProJovem Urbano, é preciso pensar em um processo de
formação de adultos que trabalham com jovens que também pressuponha experimentação,
escutas e aprendizados mútuos. Nos dois diálogos há que se combinar a dimensão
emergencial com uma dimensão experimental.
Esta constatação coloca novas exigências para as políticas públicas voltadas para esta
juventude. Mesmo reconhecendo o caráter emergencial dos Programas que se dirigem
ao segmento mais vulnerável da juventude atual, é preciso que eles sejam “de ponta”,
experimentais em termos de forma e de conteúdo. Afinal, nos dias de hoje não se pode
pensar em “inclusão social” de jovens como se houvesse apenas um tipo de família; como
se houvesse um sistema de ensino apropriado aos tempos atuais; como se falássemos de
estratégias frente a um mercado de trabalho estável e previsível. Como se houvessem
espaços e instituições adequadas onde este segmento juvenil vulnerável devesse ser
incluído... De fato, o desafio atual é encontrar caminhos que resultem tanto em
modificações urgentes em trajetórias de vida deste segmento juvenil, quanto resultem em
novos experimentos sociais geradores de transformações mais profundas na relação
escolaridade/mundo do trabalho, nas instituições e na sociedade onde vivem todos os
jovens desta geração.
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