Para os católicos e para a sua Igreja esta é uma hora
marcada pela exaustão e pelo sofrimento. Se nos anos do pós-concílio parecia que entre a Igreja e o mundo não cristão - na sua pluralidade de expressões religiosas, filosóficas, ideológicas e éticas - se havia, enfim, encetado o diálogo e fosse possível uma escuta recíproca no respeito e na aceitação, agora, pelo contrário, somos forçados a constatar a oposição e, não raro, a surdez e, por vezes, a inimizade. Muitos não-crentes, que pareciam ter aceite um diálogo franco com os católicos, agora deslegitimam a Igreja não lhe reconhecendo sequer a capacidade para estar no espaço democrático da nossa sociedade. Não é difícil encontrar, hoje em dia, nas livrarias uma secção dedicada a livros anti-clericais e mais frequentemente aos anti-cristãos: textos em que aparece negada e até ridicularizada a realidade histórica de Jesus de Nazaré, em que o cristianismo é lido historicamente como uma presença intolerante e agressiva no Ocidente e conquistadora noutros lugares. É neste clima de "ataque" e de "polémica" que o caso dos escândalos de pedofilia acaba por agravar a situação, levando a uma "humilhação da Igreja." Bastaria a imagem da polícia a vigiar a sede da diocese da arquidiocese de Malines-Bruxelas, mantendo toda a conferência episcopal belga, durante um dia, em situação de prisão domiciliária para nos interrogarmos sobre como foi possível isto em um país como a Bélgica. Sim, como foi possível que, na Bélgica - um país que até há quarenta anos atrás deu à Igreja universal o maior número de missionários, monges e religiosas; um país onde a Igreja tem uma forte ligação com a Coroa real e que acompanhou toda a sua história colonial -- se acabe por ignorar a função educativa, caritativa e cultural desenvolvida pela Igreja e que esta seja tratada como uma qualquer associação, sem que isto suscite reacções na opinião pública? Uma Igreja, como a belga, que foi protagonista da atitude de diálogo e de abertura conciliar e que agora vê os túmulos dos seus arcebispos revolvidos como se fossem esconderijos de corpo de delito... É preciso reconhecer que no Ocidente a Igreja se tornou uma minoria, deveras exígua em alguns países: a Igreja tornou-se débil porque perdeu - por vezes, até abdicou expressamente - a posição que ocupava na época da Cristandade. Pior do que isso, a Igreja revelou ainda não ser irrepreensível, como muitos ilusoriamente julgavam ser, revelou que o pecado a habita como habita o mundo. E, no entanto, é preciso reconhecer que há alguma malícia na forma como as notícias são apresentadas, quase como uma vingança alimentada por acusações enfatizadas e que chega à deslegitimação da Igreja enquanto tal. De resto as acusações foram estimuladas por todos os que sem o exercício da mínima prudência, exorbitaram as acusações ou intervieram como pouco bom senso, obtendo o efeito de lançarem outras polémicas. Também não nos devemos admirar de que aqueles que costumavam cantar hossanas a João Paulo II agora o contraponham a Bento XVI, ao ponto de o denegrirem: um espectáculo na verdade pouco cristão e pouco humano! Mas que atitude podem tomar os cristãos nesta situação? Todos os que tentam seriamente ser cristãos não deveriam ficar surpreendidos com este «incêndio» que deflagrou no seu seio e entre eles e o mundo. É o apóstolo S. Pedro que assim escreve aos primeiros cristãos na diáspora: "Não vos admireis da hostilidade, das perseguições ... ainda não sofrestes perseguições até ao derramamento do sangue!" O cristão sabe, deve saber, que a sua missão e a sua mensagem não são facilmente reconhecíveis: em um mundo «injusto», qualquer mensagem sobre a «justiça», qualquer iniciativa de justiça suscita até reacções violentas. É um imperativo humano, histórico, que o evangelho tenta contar na história de Jesus de Nazaré: uma história antes de mais humana. Por isso, o cristão deve aceitar este momento de humilhação, sabendo que só quando se é humilhado se começa a compreender a verdadeira humildade. De outro modo permaneceria uma virtude demasiado exposta à abstracção e à hipocrisia. Esta é uma hora de purificação para a Igreja: não só de purificação da memória como o quis profeticamente João Paulo II com a confissão dos pecados dos cristãos por ocasião do Jubileu, mas também de purificação no presente, no aqui e agora da história. Desta contrição, deste sofrimento pode brotar uma «reforma» da Igreja, porque esta é semper reformanda e não é, pelo contrário, o reino dos céus estabelecido sobre a terra, mas apenas o seu sinal e começo. Convém além disso reagir a este «incêndio» renunciando a posições de fechamento em uma fortaleza que censura e responde com ataques à angústia e ao medo que impendem sobre si. As hostilidades que vêm do exterior são apenas uma oportunidade para que os cristãos se tornem mais obedientes ao Evangelho, oportunidades para levarem à prática, a um preço mais alto, o ensinamento de Jesus. O que devemos temer como cristãos não vem de eventuais inimigos externos: o ataque mais forte ao Evangelho pode vir, pelo contrário, de nós cristãos, do interior da nossa comunidade de crentes. Bento XVI tem-no repetido com frequência, indicando assim a leitura mais incisiva para a a vida eclesial de hoje. Enfim, é necessário reconhecer que talvez devamos procurar novos modos de ser Igreja e de fazer Igreja: menos conflituosos no interior, mais sinodais no discernir os caminhos percorridos e os caminhos a tomar, mais sábios e dotados de bom senso humano e evangélico no dirimir as questões e os problemas. Actualmente há pessoas tentadas a deixar a Igreja, a seguirem o seu próprio caminho. Todavia este não é um caminho praticável para quem é verdadeiramente discípulo de Jesus e sabe que vive em uma comunidade de pecadores chamada à conversão e a tornar-se uma autêntica comunhão. Sim, esta é a hora de escolher o silêncio para discernir a palavra, é a hora de recomeçar com a gramática da paciência, a hora de aceitar ofensas e traições sem deixar de acreditar nos homens; é a hora de temer sem ter medo... Texto publicado no quotidiano La Stampa, 4 de Julho de 2010. Ano 144, n. 182. Publicado originalmente em italiano: <http://www.lastampa.it/_web/cmstp/tmplRubriche/editorial i/gEditoriali.asp? ID_blog=25&ID_articolo=7556&ID_sezione=&sezione=>