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Colecdo Primeiros Passos Uma Enciclopédia Critica Das placas de argila dos povos assirios e babilénios a tecnologia dos computadores, de museu de livros a arma ideolégica de Estado, muitas foram as caracteristicas e fungdes da biblioteca. Aqui, Luiz Milanesi expde tudo isso e vai mais longe: propée que, além de preservar a memoria e organizar as informagées, a biblioteca dé ao usuario a possibilidade de também ele produzir bens culturais brasiliense I edigiie, 1983 Mor edigio, 1995 I reimpressdo, 1998 Revisdo: Rosingela M. Dolis-¢ José E. Andrade Capa e itustragées: Jodo Baptista da Costa Aguiar Dados Internacionais de Catalogaclo na Publicaslo (cir) (Camara Brasileira do Livro, so», Brasil) Milanesi, Luis. ue biblioteca / Luts Milanesi, — 1. ed. — Sto Paulo = Brasiliense, 1983. — (Coleptio primeiros pasos ; 94) ISBN 85-11-01084-7 1. Bibliotecas 1. Titulo. Il. Série. eat cDp-021 Tdices para catdlogo sistemitico: 1. Bibbotecas : Fungo O21 editora brasiliense s.a. MATRIZ: Rida Atwcuri, 218 ~ Tatuapé ~ Sho Paulo - SP ‘ee, 02411-000 ~ FoneyFax: (011) 6942-0545 VENDASIDEPOSITO: Rua Marlano de Souza, 664 ~ Tatuapé - Sio Paulo ~ SP cep: 13411-4190 ~ Fones: (011) 293-5858 - 203-0957 ~ 6942-6170 - 6191-2585 Fax, (011 234-0765 {NDICE — Bibliotecas para qué? ......- — Olhar para trés . — No Brasil ..... — Aescola ....---- — Abiblioteca publica — A biblioteca universitaria .. . — Abiblioteca especializada . . : — Biblioteca e centro de documentacao . — Informag&o e desenvolvimento ....-- — Uma politica para as bibliotecas ....- — Projeto ...--++++-+ 4 — IndicagSes para leitura . BIBLIOTECAS PARA QUE? Villa-Lobos é a preocupag3o. Tarefa: é preciso encontrar informagées sobre o mais importante miisico brasileiro do século XX. Eis ai dois dados: © compositor nasceu no Rio de Janeiro em 1887 @ morreu na mesma cidade 72 anos depois, dei- xando um conjunte de obras que marcou uma nova tendéncia musical: 0 nacionalismo. Esses dados sobre 0 compositor foram extrafdos de alguma enciclopédia. E pouco, Villa-Lobos exige mais, 6 inesgotave!. Onde obter novos dados? Um estudante de Nova York, Paris, Téquio, Moscou, por certo ndo encontraria obstdculos para ter acesso a tudo que 6 possivel conhecer sobre o compositor carioca. Pesquisando, descobriria varios livros, artigos de revistas, discos, partituras, filmes, documentos, que permitiriam avancar o conheci- mento sobre Heitor Villa-Lobos. As informagdes Luis Milanest véo tracando a figura do misico, umas reforcando, outras perturbando o conjunto. Se existem docu- mentos fundamentais, outras podem ser descartados como indteis. Tai, esse era o apelido do mestre, escreveu centenas de pecas, de piano solo a grande orquestra e coro, Antes de chegar as obras, talvez fosse importante ler alguma biografia. Qual delas? Depois, ouvir. O qué? Para orquestra e instrumento solo o catélogo de composicdes relaciona dezenas de obras. Momo precoce, para piano e orquestra, e Martirio dos insetos, para violino e orquestra, 330 pecas relativamente conhecidas. E possivel ter acesso 4s gravagdes de algumas obras. Parte consi- derével permanece sem registro. E partituras? Centenas delas foram editadas. Mas existem os inéditos, manuseritos. E ainda: estudos variados sobre a miisica de Villa-Lobos, textos que dissecam uma Ciranda ou analisam uma fase, ou .. . O estudante entra na biblioteca e dirige-se ao balefo de informacGes. Ele expde a problema: quer saber © que existe ali sobre Villa-Lobos. Quem o atende aciona alguns botées, faz perguntas, manipula um teclado, fazendo surgir num visor uma série de indicagSes. Biogratias do misico? Existem cinco no acervo. Quer consulté-las? Vai levar alguma para casa? N&o vai precisar do cata- logo de obras do compositor? S6 para consulta, ngo pode ser levado para casa. Quer uma cépia? E.discos? Obra pianistica? Especifique. Consulte antes © catélogo de obras. Ha, também, um docu- O que é Biblioteca mentario em video, além das partituras, claro. O consulente solicitou trés livros — vai retirar dois deles. Em fita cassete vai tomar emprestado as Bachianas brasileiras n9 5 e os Choras n? 10, talvez as obras mais conhecidas do compositor. E, ainda, vai ver na TV o bailado Mandugararé. Villa-Lobos esté cercado, pelo menos por ora. Na medida em que surgem os dados, novos sio exigidos, levando a novas buseas. Um artigo de revista traz uma informa¢do que pode reforcar uma suspeita ou estabelecer um conflito. Isso, por certo, acaba criando um emaranhado de dados, complexo em suas relaces. Villa-Lobos é 0 alvo @, enquanto objeto de estudos, pode ser lido e relido de varias maneiras. Antes esgota-se o pesqui- sador do que o assunto pesquisado, pois, se uma andlise esclarece um aspecto, pode trazer novos problemas, antes insuspeitos. Quanto mais uma bi- blioteca propicia esse jogo de dados, a multipli- cidade das informagdes que se reforcam ou que se anulam, mais estard ela chegando ao seu objetivo — que, por sinal, estd sempre um pouco mais a frente. Como no existe no campo das investigardes 9 dado definitivo, também néo existem bibliotecas definitivas. Ela prépria traz em seu bojo as contra- dicSes que vo exigir novos desdobramentos. A biblioteca acima — uma ficgdo —, permanen- temente, devera aprimorar o seu acervo e facilitar o acesso as informagdes. Em relago a Villa-Lobos ela devera estar atualizada, trazendo ao piblico todas 10 Luis Milanesi as novidades ou preenchenda as lacunas do acervo. ‘im, estaré organizando o acumulo de dades, abrindo 9 campo para novos estudos, permitindo que © pesquisador — um aluno do primeiro grau ou um investigador universitario — encontre subsidios para as suas pesquisas, Villa-Lobos nfo seré sempre ‘© mesmo, preso na imutabilidade de alguns livros, mas seré varios. Isso ou aquilo? Ou nenhum dos dois? A conseqiiéncia final de uma pesquisa poderé ser essa Ultima possibilidade. E uma nova visio surgiré. Talvez o estudante em busca de Villa- Lobos esteja dando os seus primeiros Passos nesse sentido. © quadro tragado acima mostra, de propdsito, uma biblioteca que nao existe no Brasil e as possi- bilidades de embasamento documental de uma investiga¢So. Um item amplo — Villa-Lobos — leva ‘© estudante a entrar numa biblioteca, o que jd é um Passo extremamente positivo. E raro, pois nem sempre o desejo de consultar livros coincide com a existéncia de bibliotecas. Entéo, 6 necessirio alterar o quadro, deixando de lado uma concepeao ideal que, mesmo no sendo ficgdo cient/fica, Parece que nenhuma ligagdo tem com o real do dia-a-dia da inteligéncia brasileira. O professor dé como tarefa escolar um trabalho sobre Villa-Lobos. Cabe ao aluno procurar infor- mages sobre o misico. Ele deveré tomar as devidas providéncias. Onde? A escola no tem biblioteca. Talvez tenha, mas esté trancada, E O que ¢ Biblioteca Preciso visitar a biblioteca p&blica. Felizmente, o municipio tem uma, funcionando no antigo prédio da cadeia ptiblica. So abre as 9 horas e fecha as 17. Hordrio de funcionério pablico e nfo de leitor. A noite, no funciona. No balcdo de atendi- mento, atrés do qual uma senhora tricota e cujo olhar atrés do tric parece pedir ao consulente que, por precaugdo, ndo se aproxime, o estudante faz o Pedido: Villa-Lobos. Nao, nao é aquele pacificador de indios brasileiras. & um misico, Veja ali no catdlogo. (Apesar de ser feita a indicagSo com o queixo, ha um catdlogo e isso ajuda.) O estudante vai procurar nas velhas fichas puidas ¢ sujas 0 nome do misico, Parece que nJo esti em ordem alfabé- tica. Como & que acha? Um catdlogo por mais rudimentar que seja é dificil para quem nfo tenha facifidade de consultar uma lista telefénica. Por Heitor niio existe nada. E nem por Lobos, S6 pode ser por Villa. Hd uma ficha com esse nome. O consulente retira a ficha do. catélogo e leva-a ao balcSo. A atendente grita que nao pode tirar a ficha do catdlogo. Que é preciso fazer? Por a ficha de nove no lugar e anotar os ndimeros que esto no alto dela, 4 esquerda. Nimeros e letras. Anotado o eédigo, resta encontrar o livro. O acesso ao acevo é interditado. Um funciondrio. desaparece entre as estantes e depois de alguns minutos anuncia que no encontrou o volume. A atendente consulta alguns papéis e murmura algo. Nova busca, Ninguém encontra o livro, O estudante sai de m&os vazias. ee es Sl ee ee, er 12 Luis Milanesi O professor pedira para a classe pesquisar sobre Villa-Lobos. Ele fez a obrigagdo. Aquilo lembrava uma gincana. Na safda da biblioteca encontra alguns colegas de classe e eles dio a informacio precisa: “Tem um livro que tem tudo o que o professor quer’. E o estudante volta & biblioteca, A enciclopédia esta sobre a mesa, justamente aberta na pagina onde se destaca o verbete ‘’Villa- Lobos, Heitor, Entdo, m3os 4 obra, copiar e passar de ano. O estudante transcreve o texto enciclopédice. Ao terminar, observa alguns colegas que, em fila, esperam a vez de cumprir a dever escolar. Este segundo modelo de biblioteca é o mais freqiiente no Brasil. E até pode ser considerado positivo — pelo simples fato de existir. Em muitos municipios brasileiros no hé nada que possa ser identificado com biblioteca. Quantificar o seu namero 6 impossivel ou, pelo menos, 6 uma tentativa precdria e isso por dois fatos: primeiro, no se sabe com exatid&io o que possa ser conside- derado biblioteca pdblica. Hd muita generosidade na aplicacdo do termo. Por vezes, ela é um armario com alguns livros escondido em alguma sala da pre- feitura. S6 funciona para efeito de estatistica. Se- gundo, como alguns rios nordestinos, as bibliotecas podem ser intermitentes: funcionam em alguns perfodos. Outras, obedecendo ao ciclo da vida, nas- cem, crescem e morrem. Uma justificativa para a precariedade da situacio O que é Biblioteca r buida, com freqién mento, palavra que até justifica as defi seculares do pais. No entanto, torna-se diffcil entender o desenvolvimente econémico-social sem que sejam afiados as instrumentos educativos. No seré uma nacSo desenvolvida que aprimoraré o seu sistema educacional, mas a prioridade ao ensino, a circulagdo de informagées, a pesquisa é que propi- ciard alcangar novos estégios de desenvolvimento. Nesse investimenta no ensino e na pesquisa, as bibliotecas deverdo ter o incremento compativel ao seu papel. Qualquer projeto na drea s6 chegard 20 seu objetivo se tiver uma politica de informacdo que permita o acesso a ela sem restrigdes. Nas dreas mais desenvolvidas do pais existem exemplos de bibliotecas que cumprem a sua funcdo, mantendo acervos atualizados e servigos eficientes. Entretanto, a disparidade econdmica mostra néo apenas a mi- séria concretizada nas habitag&es, nas roupas, nos corpos, mas revela também a indigéncia cultural. Ao lado de aglomeracées urbanas industrializadas, como a cidade de S80 Paulo, que — apesar de suas mazelas — ostenta escolas e universidades, além de programas culturais, existem vastas dreas de absoluta caréncia, E como se o Brasil vivesse varios tempos histéricos: 0 século XX predominando nos bolsbes industriais espalhados pela vastid’o do territério com feicSes coloniais. Existem bibliotecas e centros de documentagéo que acompanham e pulsionam o desenvolvimento social nas dreas | nn ee 14 Luis Mitanest onde ele é mais florescente. Em contrapartida, as bibliotecas das dreas mais subdesenvolvidas so um reflexo delas. Alegam os administradores: se nfo hd escolas, nfo hd motivo para construir bibliotecas; se a populac#o nfo come, por que ler? O analfa- beto morre em siléncio. Talvez, para os setores mais iluminados da admi- nistragdo brasileira, seja tacito que a educagdo, a pesquisa, 0 controle informative, sdo pecas funda- mentais no processo de desenvolvimento, uma espécie de sine qua non dele. Isso ¢ percebida com mais clareza onde a renda per capita é maior. Nas regides onde o subdesenvolvimento é mais dbvio, escola, leitura @ bibliotecas sdo reflexos piorados da situaclo. Em caso de miséria, a escola é mais miserével. Villa-Lobos como assunto de pesquisa foi o gancho para apresentar a biblioteca brasileira, apesar de, ao que tudo indica, nfo ser dos assuntos mais freqientes. O tema poderia ser a aplicagdo da energia nuclear na agricultura, a esquistossomose ou o sal monossédico do acido-ciclo-3-hexenil- hidroximetil hipofosforoso. Cada biblioteca serve a um determinado piblico. Quanto mais heterogéneo for esse publica, mais diversificado deverd ser o acervo — camo é o caso da biblioteca publica. © usudrio poderd ser o adulto que se alfabetiza ou © geneticista que tem interesse profissional em acompanhar passo a passo os avangos cient ificos de seu setor. Quanto mais direcionado for o interesse, O que é Biblioteca 1s en mais circunscrito serd o acervo e maiores serio as possibilidades de controle informative. Uma biblioteca que serve a um grupo de médicos que se dedica a pesquisa da doenca de Chagas deve cobrir a drea da forma mais ampla possivel, ndo 6 tendo um acervo, mas fazendo indicagdes precisas para que os pesquisadores tenham completo controle sobre a sua especialidade, acompanhando as novas descobertas e permanecendo na fronteira do conhe- t cimento. As pesquisas, progressivamente, entram I pelos detalhes, os cientistas produzem trabalhos hs especificos, cada vez mais intrincados, @ esses trabalhos vo sendo incorporados aos acervos para | | servir de base a outros pesquisadores, numa rede de informacdo que evita, em ultima instancia, que um cientista percorra caminhos j4 andados, repetindo um trabalho, e propicia a uma determinada comu- nidade cientifica a construgfa harmOnica da imensa estrutura do conhecimento humano que s€ projeta infinitamente. A Ciéncia é cumulativa e a biblioteca tem a funcdo de preservar a meméria — como se ela fosse 0 cérebro da humanidade —, organizando a informagso para que todo ser i humano possa usufrui-la. Isso vai da biblioteca que } se constréi para aqueles que se alfabetizam, atéa | biblioteca especializada para o homem de ciéncia. | A distancia é grande — a mesma que existe entre o subdesenvolvimento e a desenvolvimento. “Sq » OLHAR PARA TRAS A historia da biblioteca é a histéria do registro da informacSo, sendo impossivel destacé-la de um conjunto amplo: a prépria historia do homem. Na medida da producdo do registra infarmativo, 0 homem engendrou sistemas — téo rudimentares quanto a informagdo registrada — para nao disper- sd-la. Era preciso reter a informagao sobre algum suporte concreto; conseqlentemente, tornou-se imprescindivel a preservacdo desses suportes — os documentos — bem como a organizagio deles. Quanto mais documentos produzidos, maior a exigancia de controle. A resposta a explosdo informativa do século XX foi a utilizagio do computador para ordenar a informagdo registrada. Ou seja, quanto mais o homem gera documentos, mais os profissionais especializados no controle da informag3o buscam instrumentos e técnicas que O que é Biblioteca 17 a een permitem a cada homem encontrar o dado que procura. Os reis assirios tinham os seus arquivos, bem como os sumérios e babilénios. Nessa fase da historia, esses povos usavam placas de argila para registrar 0 conhecimento, gravando nelas as inscri- gdes cuneiformes — uma das primeiras formas de escrita. O conjunto dessas placas de argila pode ser entendido como uma biblioteca. Em Ninive, os arquedlogos encontraram por volta de 22 mil placas, que estavam ali desde o século VII a.C. Certamente havia algum sistema para viabilizar a utilizagio do material — por sinal, mais complexo de ser manuseado. Um avango significativo foi a izacio do papiro como suporte da escrita, Era um material mais leve, mais flexivel, ainda que fragil. O papiro é uma planta das margens do rio Nilo e foi utilizada pelos egipcios j4 antes do terceiro milénio ac. através de uma técnica de entrelacar as suas fibras formando uma superficie apta a receber inscrig6es a tinta. Passou a constituir-se no produto mais divulgado do Egito e, por séculos, foi a forma mais pratica para produzir documentos escritos. Os egipcios forneceram ao mundo grego @ ao Império Romano o papiro em grande quantidade. Fabrica- vam faixas com a largura aproximada de um palmo por & metros, em meédia. Esse material formava rolos dos quais podia pender uma et! queta com o titulo. O rolo de papiro chamava-se ee LL ee ee ee ee ee Luis Milanesi volumen, Existiam bibliotecas de volumes. Posteriormente, o papiro importado foi substi- tuido pelo pergaminho, pele de carneiro ou de outros mamiferos tratada de forma a servir como suporte de inscrigdes a tinta. As peles, que podiam Ser enroladas como o papiro, passaram a ser recor- tadas e unidas numa margem, formando um objeto mais proximo da forma do livro atual. Apesar da importacZo onerosa do papiro e da fabricagSo do pergaminho, também cara, havia uma producfo literdria que permitia formar acervos, ou seja, bibliotecas. E sempre lembrado o Museion de Alexandria, uma espécie de centro de cultura, uma casa de sdbios, que chegou a reunir, sup de 500 mil volumes. Essa biblioteca prim: destruida em 47 a.C. Mas a idéia da formagdo desses acervos que aglutinavam os sébios persistiu, inclusive em Roma, onde no ano de 370 existiam 28 bibliotecas publicas, um indice considerdvel se forem feitas comparacSes com fases mais recentes. Dessas grandes cole¢Ses do passado quase tudo foi perdido. Os manuscritos que se conservam hoje fo cOpias feitas séculos depois da morte de seus autores, Nas poucas obras que subsistiram dessa Antigiiidade que fez pirdmides eternas e papiros precdrios, ou templos e palacios sdélidos, mas pergaminhos frageis, ha referéncia a muitos outros textos que se perderam definitivamente. Por exemplo; Esquilo escreveu setenta tragédias e com milhares O que ¢ Biblioteca Séfocles, 123; de cada um restaram sete obras. Nao sobreviveram, também, 75 tragédias de Euripedes @ 29 comédias de Aristéfanes, além de obras de Tacito e Tito Livio. Com certeza, a produg&o literaria foi varias vezes superior ao que o homem conseguiu reter durante mais de vinte séculos. As cOpias manuscritas eram raras e caras (faziam-se poucos exemplares de cada obra) e a precariedade fisica do suporte fez com que a m parte do registro do pensamento humano que precedeu a imprensa se perdesse. Foram os crist&ios os que mais contribuiram para @ preservacSo das obras literdrias (a partir da queda do Império Romano, apesar de eventuais ataques a livros e bibliotecas). Em seus redutos eles forma- vam acervas com o objetivo de conservar os livros litdrgicos, textos das Escrituras e escritos dos padres. Nos conventos juntavam essas obras e os religiosos, habilitados, em trabalho paciente, ocupavam parte de seu tempo na tarefa de passat Para os pergaminhos os textos que Ihes pareciam mais Uteis, quase sempre os religiosos. Também textos profanos foram copiados dentro dos mos- teiros — 0 que propiciou a conservacSo de obras que, provavelmente, estariam perdidas se nfo fosse 9 lavor minucioso dos religiosos. Eles, notadamente os beneditinos, cuja Regra mondstica prescrevia a leitura, no scriptorium desenhavam com penas e tinta as letras e as iluminuras. Na Regra beneditina, os empréstimos de livros aos monges eram feitos no 19 Luis Milanesi comeco da Quaresma e o prazo de leitura estendia- se até o final do ano. Na Idade Mé as abadias foram o repositério literdrio que servia a uma parte do segmento letrado. Mas néo 86 os religiosos retinham e preser- vavam os manuscritos; os reis e outras personali- dades de destaque comecavam progressivamente 2 formar as suas colecdes particulares. A obra literéria era cara e 86 os mosteiros (que a produziam) e os homens que detinham o poder davam-se ao luxo de possuir um livro. Nesse periodo, uma colecio média de manuscritos tinha em torno de duzentos, ‘trezentos volumes. O surgimento da universidade acelerou a produ- go de manuscritos. Nos espacos onde as obras podiam ser consultadas, os volumes mais usados permaneciam acorrentados nos locais de leitura. A difusio do papel no Ocidente (século XIV) barateou as cépias manuscri ais significativo nesse sentido foi a inven¢do do tipo movel, feito conseguido por Gutenberg, na cidade renana de Moguncia, em meados do século XV. A impressdo, a partir dessa época, permitiu que o pensamento humano registrado pela escrita chegasse a um nimero progressivamente maior de pessoas. © livro deixou de ser produzido pelo trabalho caligrafico dos religiosos, volume por volume, e passou a sair das oficinas, barateando e acelerando ‘0 processo. Do artesanato passou-se & fabricacdo em série. Tal fato determinou profundas transfor- O que é Biblioteca mages que marcaram a histéria do pensamento humano: a circulagio de idéias expandiu-se, saltou, definitivamente, 0 muro dos conventos, chegando 8 um numero de pessoas cada vez maior. As bibliotecas deixaram de ser tesouros para se tornarem servigos e as livros perderam o seu valor material para se tornarem material de consumo, tornando-se domésticas. Os cidad&os passaram a formar bibliotecas em suas casas, como formavam ‘os reis pré-Gutenberg. As grandes colecSes, pertencentes ao Estado e 4 Igreja, eram um repositorio quase sempre preciosa do conhecimento humano, onde conservavam-se obras raras, tesouros que mais davam a essas grandes bibliotecas a funcZo de museu, entendido aqui como um mostrudrio histdrico. O acesso a esses conservatérios literdrios era restrito. Isso perdurou até o século XX. Houve transformagées historicas que alteraram essa situago, mas sem transformd-la substancialmente. A Revolugdo Fran- cesa tirou os livros das maos dos nobres e colocou- 0s @ disposigfo da maioria. A propria Biblioteca do Rei, a Mazarine, teve esse destino. J4 no século XX, a Revolugo Russa, mudando as estruturas econdmicas daquela sociedade, estabeleceu uma nova pratica para o ensino e 0 acesso a informagao. Lenin estabeleceu uma politica para as bibliotecas, permitindo um rapido desenvolvimento no setor. A tendéncia que se clarificou a partir do século XIX veio no bojo da Revolucdo Industrial. A a 22 Luis Milanest biblioteca/museu deixou de ser a Gnica possibili- dade enquanto colecdo piblica, passando a existir a bibliateca/servigo, oferecida ao publico. Essa tendéncia foi se espalhando no rastro da expans3o do operariado: a nova biblioteca tinha uma deter- minada funcdo educativa, caracterizando-se como um presente filantrépico que se dava aos segmentos populares, os mais necessitados de ilustracSo. Posteriormente, j4 no limiar do século XX, sobrepondo-se a idéia de biblioteca como uma forma de organiza¢do do saber, delineou-se para ela uma nova funcSo: sistematizar o ‘as infor- mag&es. Ter dados a disposiedo, funcionalmente, passou @ ser uma nova necessidade. A informacto tornou-se um bem acumuldvel e valordvel. “Um homem informado vale por dois.” Saber ¢ poder passaram a ter uma trajetéria claramente paralela. Do profissional especializado ao cidad3o comum, a necessidade de informar-se caracterizou-se como algo prioritdrio. A biblioteca passou a ser o terri- tério mais adequado a esse exercicio determinado pelas transformages sociais: o desenvalvimento industrial, a competi¢o acirrada em todos os setores, notadamente no cientifico-tecnolégico (em particular durante as guerras). A partir disso, a informacSo foi vista como um elemento estratégico para a seguranca eo desenvolvimento. Essa necessidade foi sentida inicialmente nos paises mais desenvolvidos nas ciéncias e nas téc- nicas, e que chegaram a esse estagio sobre o emba- O que é Biblioteca samento sdlido de um sistema escolar. Nenhum empreendimento cientifico poderd se sustentar sobre uma escola fragil. Sem reforcar as bases, através de macigo investimento na educacio, do primeiro grau a universidade, nao seré possivel gerar sequer os usudrios para a utilizac3o dos complexos sistemas oferecidos. O mais completo sistema informative na drea de energia nuclear, Por exemplo, ndo podera produzir os beneficios se néo existirem pesquisadores para utiliza-lo. Mesmo @ subutilizacio é contraproducente, pois 08 beneficios nfo corresponderdo ao investimenta. Os sistemas de informaggo devem apoiar-se no sistema integral de ensino, permitinde um fluxo ascendente daqueles que se interessam pela investi- gacdo. Assim, a instituicao criada para controlar a informag¢go num determinado setor do conheci- mento humano nao seré um presente pouco prético e sem uso integral, mas respondera a uma exigéncia do meio social de onde emerge e pelo qual é finan- ciada. Os paises subdesenvalvidos correm o risco de estabelecerem sofisticados programas de informacdo cientifica sem o respaldo de uma educacJo integral eficiente. A escola brasileira, por vezes, tem a aparéncia de uma pirémide invertida: falta a base de formagdo escolar mais eficiente, essa que desenvolve nos individuos o interesse pelas infor- magdes. E a0 mesmo tempo propicia o acesso a centros organizados, onde os dados estejam ao alcance e tenham fungao. NO BRASIL A formagao intelectual do Brasil, com o seu analfabetismo endémico, mostra algumas caracte- risticas peculiares. Os jesuitas, como instrumento apostélico, trouxeram os livros para evangelizar e colonizar.— ages que se confundem. Fora do fardo dos filhos de Santo Inacio, os livros enfren- tavam no Brasil algumas barreiras alfandegérias. Os portugueses foram sempre rigorosos com a publicaggo e circulagSo de impressos. Desde 1536, qualquer impresséo de livro passava por trés censuras: Santo Oficio e Ordinério (da Igreja Catélica) ¢ o Desembargo do Paco (poder c As censuras eram independentes. A primeira lista de obras proibidas surgiu em 1551 sob a responsa- bilidade do Cardea| Inquisidor Geral, o Infante D. Henrique. Em 1768, o Marqués de Pombal aperfeicoou a censura, unificando as trés existentes O que ¢ Biblioteca sob a denominagdo de Real Mesa Censéria. S6 em 1821 foi abrandada a censura, isso quando o Brasil rompia com Portugal. Essa pratica estendeu-se 4 Colénia de forma rigorosa, ainda que a repress%o as obras “/mpias” nem sempre pudesse ser exercida em sua plenitude. Muitas obras passavam pela alféndega e isso é atribuido aa desconhecimento das ordens da censura ou a pura ignordncia dos funciondérios, incapazes de avaliar a obra. Tal fato nio ¢ de se estranhar, pois as instrugdes da Biblioteca PGblica da Bahia, a primeira do Brasil (1811), em relacSo ao bibliotecdrio, prescreviam: “Devers ser um sujeito de muito boa conduta que saiba bem ler, escrever e contar”. A ignorancia generalizada e a desorganizacdo levaram a vulnerabilidade e a pene- tragdo de obras explicitamente proibidas. Rubens Borba de Moraes, biblidéfilo e bibliotecdrio, lacali- zando na Bahia a Encyclopédie de Diderot d’Alambert, obra proibidissima, observa que a mesma para chegar ao seu destino passou pelas policias da Franca, Portugal e Brasil. De qualquer forma, os livros importados da Europa aglutinavam-se nas méos de particulares ‘ou, mais comumente, nos conventos. Estes foram 0s repositérios mai: stecidos do periodo colo- nial. As ordens religiosas nfo monopolizavam a geragSo e circulagSo do pensamento, mas cobriam um vasto espaco dessa reduzida pratica nos trés primeiros séculos. Os jesuitas, principalmente 25 I 26 Luis Milanest eles, formavam bibliotecas em seus conventes para ensinar e aprender, utilizando as livros sobretudo Para a propagagdo da fé. A obra jesultica fai fundamentalmente catequética, buscando implantar na selva o reino de Deus, tarefa memordvel que exigiu daqueles missiondrios tenacidade acima de tudo. Essas pequenas bibliotecas conventuais alimentavam a fé, convertiam, fortaleciam a crenga e também implantavam nas selvas @ nas tabas 0 espirito apologético — a verdade da fé do colonizadar. Avaliar até que ponto esses ndcleos letrados podem ter contribuide para o desenvolvimento do Pensamento € tarefa dificil e controvertida. E Certo que as duas censuras da Igreja em Portugal ‘Cerceavam a circulacio de livros e no seriam os Jesuitas os que romperiam com essa imposicio. A selec&o dos livros para as bibliotecas dos con- ventos era rigorosa, sendo suprimidas radicalmente as obras consideradas obscenas; as heréticas eram admitidas com as devidas cautelas, inclusive para Que fosse possivel rebater as heresias nelas contidas. Também os livros poéticos sofriam restri¢des dentro da pedagogia jesu/tica. A ori ntagéa maior Provinha do index librorum prohibitorum, ao qual se recorria para saber se uma determinada leitura era pecaminosa, indo contra a fé ou contra os ‘castumes. Os dogmas, os mandamentos, as ordena- Ges @ os decretos conformavam o pensamento de tal forma, que sair dele levava 4 punigdo. A liber- 0 que ¢ Biblioteca dade de investigac3o no foi uma pratica nos trés Primeiros séculos de colonizagdo. Alids, ela nia é uma caracteristica da Companhia de Jesus. Quando Pombal, em 1759, expulsou os jesuftas, substituindo-os por outros religiosos, os padres partiram, deixando aqui as suas bibliotecas, Prati- camente abandonados, esses primitivos acervos foram levados a hasta piblica, Algumas coleces perderam-se pela falta de conservacSo. Outras, sem compradores, foram utilizadas para outres fins que no os da leitura. E significativo constatar que 98 livros ndo encontraram compradores. Se para os jesuitas nfo era possivel vislumbrar Para o livro uma outra funcdo send a catequetica, para © rei era uma possibilidade de contestagdo ao estabelecido. Quaiquer forma de impressdo era proibida na Colénia. Em fevereiro de 1747 foi instalada no Rio de Janeiro uma tipografia. Em julho, por ordem de Lisboa, foi fechada. © funda- mento mais claro para a medida seria a eventual concorréncia que uma industria brasileira pudesse fazer & da metrépole. A Carta Régia 6 taxativa: cadeia para quem ousasse imprimir papéis, Os livros deveriam vir de Portugal, através de impor- taco regularizada. Tais medidas no impediram que muitos particu: lares tivessem boas colegGes ou até mesmo que bibliotecas fossem formadas com certa prodigali- dade para o meio. A da Bahia, ja. citada, tinha milhares de livros, muitos deles proibidos. Devassas, 2 28 Luis Milanesi O que é Biblioteca sequestros, espdlios, atestam @ existéncia na Colénia de muites obras que refletiam a evolucéo do pensamento europeu na época. E o caso dos incontidentes de Vila Rica, Alguns tinham notéveis colegdes, como atestam os Autos da Devassa da Inconfidéncia Mineira. No se sabe se as bibliotecas desses homens ilustrados eram clandestinas. Sabe-se claramente que eles foram incriminados também em razSo de determinadas obras que possulam. E 0 caso de Tiradentes, que foi flagrado com a Coleco das Leis Constitucionais dos Estados Unides da América. Cléudio Manuel da Costa juntou em vida 388 volumes eo Padre Luis Vieira, com aitocentos volumes arralados na devassa, era proprietério de uma das mais amplas e completas colegdes do Brasil de entdo. Esse acervo equipa- rava-se a uma selecionada colecSo eurapéia. Depois da invasio jesui do século XVI, a maior transformaco que a Colénia sofreu em sua vida intelectual foi a vinda de D. Joao Vi em 1808. Espantada pelas tropas napolednicas, a Corte portuguesa chegou ao Brasil trazendo parte da civilizagao lusitana. Nessa época, Portugal nao ostentava o poderio e brilho do século XVI. Portanto, o que aqui chegou nfo refletia, exata- mente, as canquistas de alguns paises europeus, notadamente no campo intelectual. Portugal nessa @poca era um pais de economia periférica e com uma produ¢gao material e simbélica equivalentes. 0 Brasil, portanto, sofria uma colonizac%o dupla. Apesar disso, a chegada de D. Jodo Vi ao Rio de Janeiro provecou profundas mudaneas no pais. Com os tesouras da Corte, o rei incluiu em sua frota um precioso carregamento: a Biblioteca Real. Era formada por milhares de livros. Foi instalada, inicialmente, no Hospital da Ordem Terceira do Carmo e inaugurada em 1811. Trés anos depois, com 60 mil volumes, foi aberta aa pablico. Apos a Independéncia, foi anexada ao patrimonio publico, constituindo-se no acervo bdsico da Biblioteca (Nacional. Também chegou ao Brasil, nos pories dos navios, a tipografia para a constitui¢zo da Imprensa Régia. Até aquela data as oficinas tipograficas estavam totalmente vetadas por Lisboa. Depois, sob a tutela da Corte, s6 em 1808 foram editados 37 titulos e até 1822, 1154. Todo esse trabalho editorial foi realizado sob a censura, conforme a legislag3o portuguesa. Quando a imprensa chegou ao Brasil, o corpo censério estava firmemente estabelecido. Ou seja, a imprensa nasceu no Brasil depois da censura Essa grande Biblioteca Real e a Imprensa Régia por certo ndo tiveram a mesma significacio das colecdes particulares quanto a difusdo e circulagdo de novas idéias. Em Vila Rica nao existia uma biblioteca publica e foi 14 que a devassa apontou obras interditadas que traziam pensamentos revolu- ciondrios para a Colénia. E provdvel que essas obras subversivas circulassem entre os inconfidentes, 29 Te eS Luts Milanest permitindo a eles uma ilustrag§o que os colocava no apenas acima do nivel geral de reflexfo, mas também particularmente contra a situacfo de dependéncia do Brasil. Em que medida os livros propiciaram a circulagHo de idéias? A difusio oral nao foi mais significativa? E diffeil indicar uma resposta. As conjeturas apontam uma elevada Porcentagem de analfabetos como o elemento que cercearia a circulagdo de livros, mas ndo es idéias neles contidas. Ento, poucos livres seriam repro- duzidos oralmente em progressio que poderia significar também distor¢do. Apés a Independéncia, um dnimo novo leva a projetos de construcSo do pais. Fundam-se jornais e@ com eles implantam-se as tipografias. Novas idéias devem ser divulgadas, defendidas, e a im- Prensa torna-se o veiculo fundamental nesse pro- cesso. E com os jornais surgem os folhetes, os livros. E um novo tempo para o pensamento no Brasil. Abrem-se escolas, criam-se jornais, circulam idéias. O livro tem o campo de penetracdo ampliado. O cerceamento & menor & literatura, a populagdo Passou a ter o acesso a ela facilitado. Além da Biblioteca Pdblica da Bahia (1811) e da Biblioteca Imperial e Piblica do Rie de Janeiro (Biblioteca Nacional), incorporada ao patriménio do Estado em 1825, novas foram criadas: Biblioteca da Faculdade de Direito de S80 Paulo, uma jungio das bibliotecas da Curia e do Mosteiro de Sio Francisco, compradas com o objetivo de servir a es O que ¢ Biblioteca uma futura Universidade paulista. Esse objetivo nfo foi totalmente legrado pois, quando da fundagdo do Curso Juridica, a biblioteca Passou 2 servir a ele, oferecendo aos leitores mais de 4 mil livros (1828). Em 1829, foi criada a Biblioteca Publica do Estado do Maranhio e, no ano sequinte, a Biblio teca da Faculdade de Direito de Pernambuco. Em 1837, fundou-se uma outra biblioteca publica no Rio de Janeiro: a do Real Gabinete Portugués de Leitura. Progressivamente, outras foram criadas, ampliando as possibilidades de acesso ao livro. Esse entusiasmo pés-Independéncia s6 ressalta a situag3o precdria que predominava anteriormente. Um confronto com outros paises latino-ameri- canos revela com clareza a dificil situaco brasileira. Na época da Independéncia havia mais de 80% de analfabetos, certamente excluidos desse calculo 0s indios e os escravos. Os sistemas de ensino entéo criados nao foram capazes de superar em Pouco tempo as deficiéncias acumuladas. A popu- lag#io era majoritariamente analfabeta. O Segundo Reinado ofereceu um imperador biblidtilo, mas isso no alterau nada. No comego do século XX, Indice de alfabetizados n3o chegava a 30%. A Repdblica no mudou substancialmente a paisagem. Quem lia no Brasil no comeca deste século? Talvez os padres, os bacharéis, alguns profissionais liberais e estudantes. E, curiosamente, a producdo literdria era intensa, fazendo supor que uma porcentagem relativamente alta dos leitores era kines a aL i el Luis Milanesi também de criadores. Na Repdblica das Letras, 0 ato de escrever, principalmente poesias — 08 inde- fectiveis sometos —, ere ag&o gratificante, prova- welmente conferidora de status. & imprensa brasi- leira do comeco do século revela em suas paginas essa proliferagao literdria. O leitor era umplumitivo e os seus idolos eram Coelho Neto, Bilac e outros situados numa pasicso semelhante & que ocupam hoje os herdis de inddstria cultural. Essa reduzida parcela letrada da populacdo perdiase na vastidiio do pais, incapaz de estender ‘a todos os beneficios da escola. Ainda em 1890, um. intelectual encarregado pela Repiblica de organizar a educacfo no pais, Benjamin Constant, estava & frente de um org5o que oferecia os instru- mentos para agir: ‘o Ministério da Instruco, Correia e Telégrafos, 0 que indica a importancia que era atribuida 20 ensino, Nessa paca, apenas trés editoras sobreviviam: Laemmert, Garnier Fran- cisco Alves. Os escritores da época, mesmo aqueles que eram idolos nacionais, n3o conseguiam viver da literatura. 0 maximo que alcangavam era o trabalho em jornais, o que permitia a eles, de certa forma, escre- ver. Por isso, em suas obras, demonstravam um certo ceticismo em relacéo ‘as possibilidades de producfo e consumo de ‘obras literdrias no Brasil. Coelho Neto, desencantado com as perspectivas editoriais em seu tempo, ‘criou em seu livro A conquista 0 seguinte didlago: O que é Biblioteca #8 “— Dizem que a populagia do Brasil ¢ de treze milhoes mais ou menos. = Pois bem: doze milhBes e citocentos mil no sabem ler, Dos duzentos mil restantes, canto ¢ cingdents Iéem livros franceses, trinta léem traducdo, quinze mil Vern a cartilha e livros espfritas, dois mil estudam Augusto Comte e mil procuram livros brasileiros. = Eos estrangeiros? = No léem livros nacionais. — Ora, no tdem.. — No Idem! Isto é um pais perdido,” Quando o Brasil chegou aos 20 milhdes de habitantes — comego do século —, uma edi¢So rara- mente chegava a ter 2 mil exemplares. Monteiro Lobato, inquieto com a situacio, sem deixar abater-se enquanto editor, reclamava numa carta a Godofredo Rangel do desinteresse pelos escritores e pelos livros. Referindo-se a casa editora Francisco ‘Alves dizia que era melhor tirar as obras de Machado de Assis das estantes e colocar legumes, mais lucrativos, concluindo: ‘“O Brasil 6 uma horta Rangel”. : Depois de 1920, Lobato, a partir de bases modernas, transforma o panorama editorial com Be série de langamentos bem-sucedidos comer- cialmente @ sustentados por ici- See por campanhas publici- No entanto, esse esforco editorial, apesar de sua pujanca, desenvolvia-se sobre terreno no confidvel. Luis Milanesi N&o se passa impunemente por quatrocentos anos de analfabetismo e no seriam alguns éxitos edito- riais que alterariam o panorama. A partir da década de 20 Surge o rddio, criando uma nova situagdo, J4 antes disso existia o cinema, mas ele no tinha o alcance da radiofonia, que, Progressivamente, se popularizava, Na década de 50, surge a televisio e reforca a caracteristica bésica do radio: a simultaneidade da recepodo coletiva. Notadamente depois da década de 40, 0 rédio tornou-se popular, difundindo as suas men- Sagens sobre uma populagdo com alto indice de analfabetismo. E logo depois a TV continuou o mesmo caminho, ampliando-o. Q que isso quer dizer? Sem maiores desdobramentos, que a popu- lacdo brasileira passou direto da oralidade aos meios de comunicagdo que a reforcaram, sem que existisse a possibilidade da cultura letrada — como ocorreu em quatrocentos anos pés-Gutenberg na Europa. Sem pretender entrar no mérito do pro- blema e fazer conjeturas de valor, apenas o fato & ressaltado: em quatro séculos, a populacio total do Brasil teve uma precdria experiéncia com a cultura letrada. A telerradiodifusio do pais orga- nizou o seu contetido a partir dessa cultura. Pergunta: o brasileiro 1é pouco?, podertio surgir varias respostas, inclusive sim e ndo. Lé menos que © francés ou o argentino, mas isso ndo quer dizer muito. Quando se afirma que o brasi- Ieiro. 1é pouco, pensa-se, basicamente, no fato de O que é Biblioteca 35 existirem uma baixa produgSo de livros, um alto indice de analfabetismo €, coma conseqiléncia, uma rede deficiente de distribuicgo. Estatistica- mente a situaco pode ser calculada; 6, entretanto, mais complexo o significado da leitura para o brasileiro, Quando se constata que a porcentagem maior de venda de impressos concentra-se em Publicages banais, a leitura pode ser tomada como. acdo que beneficia o leitor? Dai a Preocupacdo com as estatisticas, pois os nimeros nem sempre revelam a esséncia, A década de 60 marcou a expansio da TV, 0 meio de comunicagdo ao qual se atribui com alguma freqiiéncia o Poder de desviar 0 piblico do livro. E outro ponto de davida e cuja resposta nao serd encontrada em relatorios estatisticos. Tanto o 10 como a televiséo s80 meios que dispensam a habilidade da leitura. Para ter acesso a eles 6 Preciso apenas conhecer a lingua (e, por momentos, nem isso é necessério). Isso quer dizer que uma Parte do piiblico pade ter acesso a informagdes que nunca teria se ndo existissem esses _meios. Para o piblico letrado houve a Possibilidade, entre Outras, de ler e ver tel io. Parece que, af, a TV realmente absorveu uma faixa do tempo disponivel das pessoas. O radio quando surgiu passou a ser uma diversdo alternativa que, por certo, ocupou um espaco anteriormente reservado a outras formas de lazer, a leitura, por exemplo (mesmo que fosse dos romances da divulgada “colecdo das Leis Milanesi O que ¢ Biblioteca mocas”). A radiofonia substituiu uma parte da leitura/lazer. A radionovela e a telenovela tornaram Pouco atrativa a leitura digestiva. Posteriormente, firmou-se a2fotonovela, mas como um tipo de leitura mais propicio aos curtos momentos de locomogao (Gnibus), a espacos entre duas ativi- dades ou em locais de espera. Certamente no serd necessaria uma comprovacdo estatistica para verificar que o numero total de horas que o brasi- leiro alfabetizado dedica aos programas de televisio @ superior ao tempo gasto com leituras, sejam elas quais forem. E preciso ressaltar que os individuos que procuram na literatura a fruic¢go da obra de arte ndo encontram na radiofonia uma alternativa satisfatéria, pois o rddio, chegando a uma faixa mais ampla da populagdo, torna o seu conteddo mais facil para que ele possa ser aceito. Aos leitores habituais de Machado de Assis, Euclides da Cunha, Eca de Queirds, Emile Zola (freqientes no comeco do século), o radio comercial nao poderia satisfazer. No 6 por causa de Flavio Cavalcanti que as pessoas deixardo de ler Guimardes Rosa. Nas primeiras décadas do século XX houve proli- feragéo de pequenas bibli um = reflexo atenuado da tendéncia euro: anterior de se organizar bibliotecas populares. Aparecem as bibliotecas como um beneficio social, organizadas por associagdes e tendo sempre um patrono como a coluna-mestra do empreendi- mento. A acdo governamental em relacdo a essas bibliotecas é fraca. Os governos sempre tomaram a iniciativa de doar livros como se isso pudesse ser um estimulo ao fortalecimento delas. O esforco Partia de individuos ou de grupos que se organiza- vam. Em alguns casos, fundava-se uma entidade Para dar respaldo a uma biblioteca; outras Vezes, Ocorria © oposto: criava-se uma biblioteca dentro de uma entidade cujo fim precipuo ngo era orga: nizé-la, Talvez dessa insisténcia em relac3o as bibliotecas tenha surgido, quase tradicionalmente, Nos estatutos de associagdes civis, um cargo, o de bibliotecdrio, que, pela inutilidade, desapareceu desses documentos, De qualquer forma, esta Fegistrado que houve um tempo em que as associa- g6es recreativas tinham, estatutariamente, o cargo de bibliotecario, 0 que indica que se acreditava na importdncia da biblioteca para as entidades associativas. Essa dimensdo de utilidade que se dava as bibliotecas vinha fundamentalmente da idéia da “boa leitura’ tao divulgada pelos meios religiosos, Atrés dela assentavam-se os Projetos amplos de “boa formagio”. A chamada Aglo Catdélica foi ‘uma grande estimuladora da abertura de bibliotecas Para levar os jovens, principalmente, aos “bons livros’. Um pensamento que esteve em voga por anos foi: “Abrir uma biblioteca é como fechar uma cadeia”. Ou seja, a leitura, a “boa”, era uma forma de redencSo. Paralelamente, os livros que ndo recebiam essa classificacdo eram sumariamente OC OOOO

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