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4 a 7/08/2010, Recife, PE
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A esse respeito, ver o interessante levantamento de casos de reconhecimento constitucional de
mecanismos de democracia participativa em países do sul latino-americano feito por Alicia Lissidini
(2008). A autora nota que foi a partir da década de 1990 que várias dessas instituições começaram a ser
introduzidas e praticadas com maior frequência.
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constatamos que, a despeito da retórica por vezes acentuada na crítica as
instituições da democracia representativa, nenhum desses três casos de fato
abandonou o essencial desse modelo 2. Dessa forma, as instituições
participativas adotadas coexistiriam e eventualmente complementariam as
instituições tradicionais de representação.
Além de descrever a forma particular em que esses países incorporaram
cada um desses mecanismos, apontamos que a sua implementação efetiva
sugere graus de complexidade distintos em função da intensidade do
envolvimento do cidadão que pressupõe cada mecanismo. Assim, seria
possível reclassificar os mecanismos do ponto de vista da complexidade e dos
desafios que representa sua existência na prática. O critério principal para essa
reclassificação seria identificar em que medida o voto perde relevância como o
dispositivo essencial para a concretização do mecanismo. Na medida em que
outros dispositivos e pré-requisitos para a participação se tornam mais
relevantes é que a complexidade para a efetiva implementação do mecanismo
aumenta. Iniciamos a referida discussão problematizando sobre os desafios de
se por em prática ideais em comunidades políticas de larga escala e, em
seguida, apresentamos um elenco das questões relevantes decorrentes do
debate teórico sobre a implementação de instituições de democracia
participativa.
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Bernard Manin (1995), por exemplo, após relatar o desenvolvimento do governo representativo
desde sua aparição no século XVIII conclui que, apesar das transformações sofridas, há quatro elementos
ou instituições que sempre lhe foram características: a) a designação dos governantes mediante eleições
periódicas; b) a relativa independência dos governantes em relação à vontade dos governados; c) a
possibilidade dos governados expressarem opiniões e preferências sem ser coagidos pelos governantes e
d) a possibilidade de submeter ao debate público às decisões de governo. Todos esses elementos estão
presentes nas constituições dos três países referidos.
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institucionalizadas de representação para empossar, temporariamente, a um
grupo reduzido de cidadãos para exercer funções de governo. A análise
empreendida por Hanna Pitkin (1972) em torno dos dilemas da representação,
que discute se o mandato do representante deve ser imperativo ou não, dá
conta das dificuldades de implementar ideais democráticos mediante o
exercício indireto do governo. Não fossem as comunidades políticas modernas
compostas por milhões de cidadãos, seria talvez possível um funcionamento
mais direto do sistema democrático, a semelhança do que nos apresentam os
relatos da antiga Atenas.
Ainda que parcialmente resolvida com mecanismos de representação a
questão de decidir quem governa em sociedades complexas e massificadas,
subsiste o problema da lealdade dos governantes em relação aos governados.
Independentemente de quão legítimo seja o procedimento que deu origem aos
representantes e possibilitou seu acesso a cargos de decisão política, não há
garantias de que o grupo de governantes empossados traia os interesses e
necessidades da comunidade política que eles representam e comecem a agir
majoritariamente em benefício próprio. Nesse caso, ocorre o que Enrique
Dussel (2007) chama de fetichização do poder, ou seja, não só o exercício do
poder delegado pela comunidade política se desvirtua em seu mandato como
também ele se torna um mecanismo de dominação.
A dupla face desse problema latente em todo ensaio do ideal
democrático poderia ser expressa da seguinte forma: comunidades políticas
grandes e diversas não podem se autogovernar em termos absolutos e
precisam de instituições representativas para a conformação de uma classe
governante temporária. Entretanto, esses governantes são eternos suspeitos
de trair a lealdade devida aos governados. A história é cheia de tentativas
ensaiadas por comunidades políticas dos mais distintos lugares e épocas para
encarar, com maior ou menor sucesso, esse duplo problema.
Para enfrentar a questão da seleção dos representantes, os sistemas
políticos modernos consagraram o voto como o mecanismo essencial para dar
legitimidade à eleição de elites de governo. Uma trajetória de mais de 200 anos
dá conta das transformações dessa instituição essencial das democracias
representativas. A vigência desse direito em inúmeros países, no entanto, não
satisfaz os anseios democráticos de quem possui a consciência da separação
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perversa entre o mundo pequeno e poderoso dos governantes do mundo dos
cidadãos comuns. É a persistente atualidade da segunda dimensão do
problema: o risco frequentemente confirmado de que os governantes não
respondem aos interesses de seus governados. Daí a força que vem ganhando
recentemente em alguns países latino-americanos a ideia de que os sistemas
democráticos precisam ser reformados na direção de uma maior participação
dos cidadãos nos processos decisórios para além do voto
Ao longo dos últimos trinta anos os países da região passaram por um
amplo espectro de reformas políticas e econômicas que tinham como principal
objetivo a modificação do modelo de substituição de importações para o
modelo neoliberal. Para tal, a estratégia mais comumente utilizada foi o
fortalecimento do Executivo em detrimento do Legislativo, expresso no dilema
de mais governabilidade e menos representatividade. Em muitos países, no
entanto, as consequências dessa nova lógica foram perversas, com seguidos
casos do chamado estelionato eleitoral3 que, via de regra, teve como
implicações o aumento da instabilidade política, grandes manifestações
populares e quedas de presidentes. É possível dizer que uma das motivações
dessa série de reformas constitucionais no sentido de retomar a
representatividade dos cidadãos seria uma resposta aos casos recentes de
estelionato eleitoral. O desenho de instituições participativas abre, por sua vez,
um novo leque de desafios para a concretização do ideal democrático.
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Stokes (2001) ao analisar a implementação das reformas neoliberais e suas consequências para a região
chama atenção para a ocorrência do estelionato eleitoral (policy switch), que consiste na ação estratégica
dos representantes em ocultar suas reais intenções e prometerem a adoção de políticas atrativas para os
eleitores durante suas campanhas e que, após eleitos, modificarem radicalmente sua plataforma, com a
implementação de políticas conservadoras e antipopulares.
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complexo. Um diálogo com distintos autores que se dedicaram à reflexão sobre
o funcionamento dos sistemas democráticos, os seus ideais e os entraves de
sua implementação nos permite identificar com maior clareza a dinâmica dessa
complexidade incremental.
O voto em si mesmo já é um mecanismo de participação. O que se exige
do cidadão para se envolver no exercício? Cuidar de sua inscrição numa lista
eleitoral e comparecer periodicamente a sua seção eleitoral para selecionar
sua opção preferida dentro de um cardápio de candidatos a ocupar cargos no
governo ou no parlamento. É claro que para que isso seja possível em larga
escala, é necessária a mobilização de muitos recursos, materiais e humanos,
de forma que cidadãos em grande número possam comparecer às urnas.
Porém, do ponto de vista do cidadão, a participação nesse nível é
relativamente simples. É verdade que, para melhor exercício desse direito, é
desejável que o cidadão esteja suficientemente informado sobre as opções que
lhe são apresentadas para que, a partir de uma definida noção de sua própria
identidade política e interesses, possa eleger a melhor opção. Mas isso, como
aponta Sartori (1994), não é crucial para uma democracia eleitoral funcionar. A
contagem final dos votos não distingue entre os votos exercidos por cidadãos
mais informados e a legitimidade conferida aos eleitos decorre unicamente do
fato de eles possuírem uma maioria clara das preferências. Não se espera que
o cidadão seja muito competente ou informado sobre todas as questões
relevantes da gestão pública, já que, no contexto da democracia eleitoral, não
lhes é conferido um espaço significativo para intervir no processo decisório.
Quando nas constituições como as da Bolívia, Equador e Venezuela se
abre a possibilidade para a revogação de mandatos, legislação e tratados
internacionais, trata-se de ampliar o mecanismo de voto para situações além
da seleção de pessoas. Com esses mecanismos vota-se também para
sancionar algumas das decisões que essas pessoas, empossadas como
representantes e governantes, tomam a respeito de assuntos considerados
cruciais por uma parte expressiva dos cidadãos. Dada a experiência histórica
na organização razoavelmente eficaz de inúmeras experiências de voto,
podemos dizer que a efetiva implementação desses mecanismos está à mão.
Inclusive, trata-se de instituições que já são praticadas com relativa
normalidade em outros países, latino-americanos ou não.
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Francisco Gutiérrez e Fabián Acuña (2009) analisaram 20 referendos de
alcance nacional ocorridos entre 1985 e 2009 na Bolívia, Colômbia, Equador,
Peru e Venezuela. Os temas submetidos a tal mecanismo foram
frequentemente ligados a esforços de grande reconfiguração institucional,
como o desenho territorial do Estado, relações Executivo – Legislativo,
modalidades de acesso e permanência em cargos de eleição, aprovações
constitucionais, etc. Algumas distorções, entretanto, foram apontadas por
esses autores na hora de avaliar essas experiências: assimetrias no poder de
agenda entre agentes decisórios, vantagens estruturais do poder público para
promover suas preferências e a tendência para o desmonte de outros
mecanismos de freios e contrapesos. Por seu lado, Alicia Lissidini (2008), em
seu estudo sobre a inclusão de mecanismos de participação centrados no voto
popular nos textos constitucionais, argumenta que esse processo pode
promover duas tendências contraditórias: por um lado, a inclusão efetiva dos
cidadãos nas grandes decisões de interesse público e, por outro, a expansão
da influência dos poderes constituídos, notadamente do Executivo,
incentivando assim a lógica da delegação.
Em conjunto, o tipo de distorções apontadas por esses autores não são
muito distintas das que podem vir a ocorrer nos processos eleitorais ordinários
ou dizem respeito ao equilíbrio entre os poderes constituídos dentro do próprio
sistema representativo. A seguir, analisamos outros tipos de dificuldades,
distorções e desafios que aparecem quando se espera do cidadão uma
participação para além do voto.
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nos próprios interesses não agirão para promover seus interesses comuns
ou grupais.
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Contudo, cabe ressaltar que em maio de 2010 o Movimento de Unidade Plurinacional
Pachakutik, braço político da Conaie, declarou oficialmente situar-se na oposição ao governo de Rafael
Correa por discordar da política ambiental empreendida pelo Estado equatoriano, acusando o presidente
de perseguição política contra líderes indígenas.
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poucos participantes do grupo. No entanto, mesmo nos grupos menores, o
benefício não será provido em um nível ótimo, o que só acontecerá com o
auxílio de determinados acertos institucionais: portanto, quanto maior o grupo,
mais longe ele ficará de atingir o ponto ótimo de provimento do benefício
coletivo. Além disso, em grupos pequenos, haveria uma grande tendência a
“exploração” do grande pelo pequeno. Sartori (1994) vai ao encontro de Olson
no que diz respeito a maior efetividade de participação nos pequenos grupos,
afirmando que a participação de um indivíduo em grupos muito numerosos
somente irá diluir cada vez mais sua importância, tornando-a muitas vezes
insignificante. Conclui que um dos caminhos a serem tomados na democracia
participativa seria enfatizar e atribuir um papel importante a grupos pequenos e
intensos.
Segundo o autor, somente um incentivo independente e “seletivo”
estimulará um indivíduo racional em um grupo latente a agir de maneira grupal
e independente. Tais “incentivos seletivos” podem ser tanto negativos (agir
como alguma punição para aqueles que não arcarem com a parte dos custos
da ação grupal que lhes foi alocada) ou positivos. No entanto, os incentivos
econômicos não seriam os únicos possíveis a serem considerados pelos
indivíduos, mas também os desejos de prestígio, respeito, amizade e outros
objetivos de fundo social e psicológico. Assim, a possibilidade da existência de
uma ocasião onde não haja incentivo econômico, mas incentivo social, deveria
ser considerada. Talvez sejam esses incentivos, muito fomentados pelos atuais
governos dos três países, como o patriotismo, ideologia, a mobilização contra
um inimigo comum etc. o que poderia mover os indivíduos para participarem
das instituições de democracia participativa. Nesses nossos casos específicos,
em que os mecanismos de democracia participativa foram criados como uma
resposta a demandas por uma refundação radical do Estado e das formas de
participação política, e que portanto possuíam um grau de mobilização popular
elevado pré-existente, isto poderia fornecer os incentivos necessários à
participação dos cidadãos. Certamente, também pode ser que esse tipo de
incentivo funcione bem em um primeiro momento e possa vir a perder eficácia
com o tempo, recolocando a questão.
A existência dos grandes grupos organizados muitas vezes seria devida
a existência de subgrupos de lobby no interior desses grandes grupos, que os
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auxiliam com o seu poderio econômico. Assim, os lobbies dos grandes grupos
econômicos são um subproduto de organizações que tem a capacidade de
“mobilizar” um grupo latente com incentivos seletivos (OLSON, 1999).Tais
reflexões nos trazem o questionamento sobre se um grupo de interesse que
possua ou não um lobby organizado pode influenciar decisivamente nas
iniciativas de democracia direta. Nos casos analisados neste artigo,
provavelmente os mecanismos de cogestão, controle da gestão pública ou
mesmo de iniciativa de lei seriam os mais afetados. Grupos de pressão
organizados poderiam agir no sentido de influenciarem a redação de alguma lei
que favorecesse seus interesses em detrimento da „vontade popular‟. Do
mesmo modo, esses grupos de pressão organizados poderiam atuar colocando
seus funcionários no organismo de cogestão, influenciando também nas
decisões tomadas e mesmo no controle e na prestação de contas de eventuais
ações ligadas a esses grupos, caso não existam instituições compensatórias
que ajudem a garantir que o processo seja livre e justo (KAUFMANN, 2008).
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sistema representativo é viável apesar dos altos níveis de abstenção em
distintos momentos e lugares, não há porque supor que os mecanismos para
ampliar a participação só podem existir se essa participação for total. Carole
Pateman (1992) comenta que muitas vezes as críticas a quem advoga por
maiores níveis de participação vem no sentido dessa pretensão ser irrealista
porque ela exige níveis de racionalidade e envolvimento na política por parte de
todos os cidadãos. Mas, reconhecida a impossibilidade de realizar esse ideal
em termos absolutos, vale a pena se perguntar até que ponto a apatia em
relação à política pode atrapalhar o funcionamento de instituições que tendem
a ampliar a participação. Principalmente se o fenômeno interage com seu
oposto, qual seja, a existência de coalizões em torno de preferências muito
intensas e extremadas sobre quaisquer assuntos.
A questão da intensidade leva Sartori (1994) a afirmar que em
determinadas práticas de democracia direta acaba sendo um verdadeiro
paraíso de minorias ativas com preferências muito intensas. Preferências
majoritárias, mas fracas quanto a sua intensidade, podem ser derrotadas por
preferências minoritárias porém fortes em intensidade. Quem é intenso é ativo;
quem é ativo prevalece sobre o inativo e só pequenos grupos podem ser
duravelmente intensos. Minorias intensas são grupos reais capazes de
encadear preferências em relação a uma série de questões; já as maiorias
intensas são agregados efêmeros. Ou seja, quanto maior o grupo, mais difícil
se torna a articulação complexa de preferências.
No caso de instituições como a cogestão em governos locais, a
participação em instâncias de controle da gestão pública e a formulação de
iniciativas de lei, a coexistência de apáticos e extremistas pode ter algumas
consequências negativas. Trata-se, afinal das contas, da captura da ação
coletiva por minorias que, por seu ativismo mais intenso, conseguem impor
preferências que podem inclusive contradizer a vontade da maioria. Na hora de
promover uma iniciativa de lei ou organizar a participação em órgãos de
fiscalização, essa possibilidade se dilui na medida em que outras instituições,
como o parlamento e referendo, podem intervir no processo. As
consequências mais graves de acordo com os temores de Sartori encontram-
se nos governos locais. Se, como ele teme, uma minoria intensa e extremista
acaba tomando conta do processo decisório em uma comunidade que toma
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decisões mediante assembleias, abre-se efetivamente a possibilidade de que
maiorias menos intensas e apáticas sejam esmagadas pelas decisões tomadas
naquela instância. Nesse caso, seria necessário que outras garantias
institucionais possam fazer contrapeso para que essa situação não se torne
uma prática de imposição autoritária de preferências minoritárias.
Outro problema que aponta o próprio Sartori é que o extremista estaria
menos capacitado para avaliar a complexidade das questões devido à sua
visão decididamente maniqueísta. Diante da necessidade de dar respostas a
um problema social qualquer, o extremista, altamente confiante nas suas
certezas, estaria menos disposto a ouvir outras vozes e, portanto, entender o
fenômeno de forma mais integral. Ele procura apenas o conhecimento
confirmador de suas certezas, não o conhecimento competente para resolver
da melhor maneira os desafios de sua comunidade. Isto naturalmente levaria à
negação dos objetivos pelos quais a instituição participativa foi proposta e
implementada.
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atividades socialmente necessárias que os cidadãos comuns acabariam
descuidando por estar dedicados às deliberações políticas?
Sartori (1994), por exemplo, afirma que quando todos estão ocupados
na política, outras atividades poderiam ficar esvaziadas. Seria o caso da função
econômica, que é indispensável para a sustentação da vida em comum e que
poderia terminar sendo atrofiada. Por isso ele afirma ser desejável que a
política ocupe apenas poucas pessoas.
Porém, como já dissemos antes, a existência de mecanismos que
ampliam a participação dificilmente empolgariam a todos os cidadãos e, ainda
que assim fosse, não temos porque pressupor que esse envolvimento lhes
ocupe todo seu tempo. Principalmente se aceitarmos, como se aceita nos
sistemas políticos modernos onde esses mecanismos existem, que essas
instituições são complementares à engrenagem representativa e que, por
consequência, não está sendo proposta a implementação de uma democracia
direta pura. Entretanto, não deixa de ser pertinente a questão de até que ponto
é razoável exigir dos cidadãos comuns um envolvimento muito intenso na
atividade política sem atrapalhar outras atividades também relevantes em nível
individual e coletivo. Ou, inversamente, até que ponto os cidadãos, inclusive os
mais interessados, podem dedicar tempo e esforço em grau suficiente para
participar de forma ótima na esfera política com um desenho institucional
aberto para sua participação mais protagônica.
Competências técnicas.
A abertura de novas esferas de participação política para além da
dinâmica do voto coloca fortemente a problemática das competências técnicas.
Num mundo de mudanças tecnológicas, divisão social do trabalho avançada e
delegação de funções a burocracias especializadas, o problema de se os
cidadãos possuem suficiente capacitação técnica para tomar para si essas
funções sempre foi levantado pelos críticos da democracia direta como uma
das principais objeções à extensão do poder popular para além do sufrágio.5
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Edmund Burke (apud PITKIN, 1972), por exemplo, afirma que os representantes eleitos devem
ser membros de um grupo de elite, os únicos aptos a perceber e decretar o que é melhor para a nação, pois
o governo deve residir na experiência, e não em desejos. O poder nas mãos da multidão, afirma, seria
incontrolável, pois não admite regulação e não possui qualquer direção.
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No entanto, em pelo menos três mecanismos constitucionais previstos nas
cartas magnas dos três países há a abertura de possibilidades de intervenção
mais ou menos direta em campos onde se espera algum tipo de conhecimento
especializado: a iniciativa de lei, os mecanismos de controle e prestação de
contas e os mecanismos de cogestão.
Por iniciativa de lei nos referimos à potestade concedida aos cidadãos
dos três países de apresentarem propostas de legislação ou alteração
constitucional. Embora em última instância seja o parlamento a decidir pela
aprovação ou rejeição da lei proposta com diferentes graus e prazos de
obrigatoriedade de consideração (ver PÉREZ FLORES ET AL., 2010), a
elaboração do projeto de lei pelos cidadãos pressupõe tanto o conhecimento
técnico do linguajar próprio do direito a ser utilizado na confecção da lei, quanto
à capacidade de antecipação dos efeitos a serem provocados em seu campo
específico uma vez aprovado o projeto. Aqui o ponto principal não é nem tanto
a possibilidade de efeitos adversos não antecipados provenientes de alguma lei
de iniciativa popular, visto que essa possibilidade existe da mesma maneira
nos projetos legislativos apresentados pelos representantes eleitos, mas sim o
fato de que o poder constitucionalmente concedido é bastante amplo e pode
ser utilizado para leis de caráter tanto geral quanto bastante específico como,
por exemplo, políticas previdenciárias, hidrocarboníferas etc. Nesse tipo de
caso, o grau de conhecimento técnico especializado potencialmente exigido
para a elaboração de leis coloca realmente em questão o quanto o cidadão
comum poderia utilizar de fato esse poder que lhe é concedido e os riscos de
apropriação do mesmo por grupos de interesse específicos já previamente
organizados que poderiam utilizá-lo em seu benefício próprio.
Entretanto, embora de fato seja irreal imaginar uma utilização massiva
do novo instrumento pelos cidadãos comuns, sendo mais provável a
apresentação de leis a partir de grupos já previamente mobilizados e
detentores de algum grau de conhecimento técnico específico como ONGs,
associações profissionais, sindicatos etc., o filtro obrigatório da votação
parlamentar reduz significativamente quaisquer riscos mais sérios de
usurpação do poder político por meio de minorias radicalizadas do tipo temido
por Sartori (1994). No caso desses países, há inclusive um segundo filtro
possível através do qual qualquer legislação pode ser hipoteticamente
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revertida, que são os mecanismos de revogação legislativa havendo, portanto,
em nossa avaliação suficientes freios e contrapesos que poderiam garantir a
manutenção dos direitos das minorias (ver PÉREZ FLORES ET AL., 2010).
Quanto à possibilidade de que seriam vanguardas e elites as que
provavelmente mais se utilizariam deste mecanismo, embora essa seja
realmente uma objeção plausível, convém não esquecer que nos parlamentos
são muitas vezes os lobbies que introduzem legislação através de algum
parlamentar que simplesmente as assina e as apresenta como suas em
processos por vezes pouco transparentes e que tangenciam os limites entre o
legal e o corrupto. Nesse sentido, ainda que os custos do conhecimento técnico
e da mobilização façam com que este mecanismo venha a ser mais ativado por
grupos já previamente mobilizados em torno de interesses específicos, se
servirem simplesmente para dar maior transparência aos lobbies já terá
cumprido um papel importante à democracia.
Com relação aos mecanismos de prestação de conta, a questão das
competências técnicas se torna mais complexa e importante. Na Venezuela e
no Equador existe um poder de Estado independente que possui entre suas
atribuições a fiscalização da administração pública através de órgãos
específicos não muito diferentes de outros existentes em muitos países como o
Ministério Público e a Controladoria, mas também de conselhos nacionais de
participação popular com atribuições de fiscalização e controle. Na Bolívia,
embora não esteja constitucionalizado como um poder independente, o texto
da carta magna aponta funções não menos importantes e com uma redação
que insinua uma forma mais direta de controle, embora remeta a regulação à
legislação infraconstitucional ainda inexistente. Na medida em que lidam com
temas como execução orçamentária, atuação de empresas estatais complexas
e implementação de políticas públicas específicas, é preciso que os cidadãos
que atuem nesses mecanismos de controle tenham conhecimentos específicos
conforme os casos analisados para que possam desempenhar as funções de
maneira produtiva.
No caso de fiscalizações mediadas por conselhos com membros
indicados, a questão da competência técnica atenua-se com a possibilidade de
essa indicação atender a esses pré-requisitos de qualificação, mas em casos
de intervenção mais direta como a sugerida pela constituição boliviana ou
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mesmo em alguns casos de Equador e Venezuela (especialmente em
governos subnacionais) o tema representa um desafio importante a ser
considerado.
E o desafio amplia-se ainda mais no caso dos mecanismos de cogestão,
onde os cidadãos devem não apenas verificar a boa execução das políticas,
mas propô-las e executá-las eles próprios. Mais uma vez, a constituição
boliviana delineia uma proposta de escopo ambicioso, onde a sociedade civil
teria prerrogativas de participação direta no desenho das políticas públicas,
mas remete o tema a lei complementar ainda inexistente. Nos casos
equatoriano e venezuelano há mais detalhes nos textos constitucionais,
embora também existam lacunas acerca de regulamentações específicas. No
Equador, por exemplo, a constituição estabelece a participação dos cidadãos
no Conselho Nacional de Planejamento responsável pelo desenho dos Planos
Nacionais de Desenvolvimento, embora não esteja claro quantos cidadãos
participam ou como são escolhidos. De qualquer forma, pressupõe-se dos
cidadãos que participem dessas instâncias de cogestão um nível muito
especializado de conhecimento técnico em diferentes áreas conforme cada
caso, que podem englobar desde o abrangente conselho equatoriano de
planejamento a empresas públicas específicas de áreas como gás, petróleo,
mineração, siderurgia etc.
No caso venezuelano, a partir da Lei dos Conselhos Comunais de 2006
foram criadas unidades políticas menores que os municípios, compostos por
pelo menos 10 famílias em áreas indígenas, 20 em áreas rurais ou entre 200 e
400 em áreas urbanas e que recebem recursos orçamentários próprios e
devem decidir em assembleias cidadãs abertas a destinação de recursos, a
execução de obras e a gestão comunal. Dos três países, esse é provavelmente
o experimento mais radical de democracia direta e autogestão em curso e
segundo um estudo de 2008 realizado pela Fundación Centro Gumilla
(MACHADO, 2009), existem mais de 25 mil conselhos comunais já constituídos
e 10 mil em processo de formação com resultados ambíguos até o momento.
Por um lado, destaca-se o aumento de empoderamento local, a definição de
prioridades pelas próprias comunidades e a experiência de participação política
direta proporcionada a muitos cidadãos antes politicamente passivos, que
confirmariam a viabilidade desse tipo de experimento democrático. Por outro, a
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falta de experiência administrativa de muitos dos conselheiros tem de fato
comprometido a qualidade das decisões adotadas por alguns dos conselhos,
confirmando a problemática das competências técnicas (ver, por exemplo,
ELLNER, 2009).
Pseudoparticipação
Uma das preocupações frequentes dos teóricos da democracia
participativa é a possibilidade de que os dispositivos institucionais para a
participação acabem sendo na prática não mais do que instrumentos para a
legitimação de decisões tomadas, no fim das contas, por uma cúpula dirigente.
Carole Pateman (1992), por exemplo, alerta para essa possibilidade ao
reconhecer três tipos de participação. A primeira seria a participação plena,
ideal, em que cada membro isolado no contexto de um corpo deliberativo tem
igual poder de determinar o resultado final das decisões. A segunda seria uma
modalidade de participação parcial, no qual há dirigentes e subordinados no
corpo deliberativo, sendo que estes últimos tem certo poder de influir nas
decisões que são tomadas mas a responsabilidade final da decisão recai nos
dirigentes. E finalmente, a pseudoparticipação aconteceria quando uma cúpula
toma uma decisão e, ao invés de ser simplesmente comunicada aos
subordinados para sua execução, ela é submetida a discussão para criar neles
o sentimento de participação. Na deliberação com os subordinados permite-se,
inclusive, o questionamento do líder, mas a decisão da cúpula é a que
predomina. Neste caso, a suposta participação é mais um instrumento da
persuasão do que um mecanismo de tomada de decisão.
Armando Chaguaceda (2008), na sua análise sobre as experiências
participativas em Cuba, sugere que há distintas formas de assumir a
participação cidadã, entendida ela como a atividade de envolvimento
consciente e ativo dos sujeitos nos processos sociopolíticos relativos à
constituição, exercício e ratificação do poder e a distribuição de recursos que
daí deriva. No contexto do socialismo de Estado vigente em Cuba,
Chaguaceda observa que a cúpula governamental se interessa por uma
abordagem que vê a participação apenas como mobilização, na qual se espera
que a massa implemente as políticas desenhadas por um comando de poder
centralizado. O autor também dá conta da existência de um espaço associativo
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que acolhe formas relativamente autônomas de agrupamento identificadas com
uma tradição democrática de esquerda que, no entanto, se encontram em
tensão constante com as instâncias da burocracia estatal por não se
submeterem à dinâmica verticalizada do modelo participativo oficial.
Autonomia indígena
Os mecanismos constitucionais de autonomia indígena presentes nos
três países, mas sobretudo em Bolívia e Equador, são aqui avaliados
diretamente e não a partir dos desafios mais gerais ao funcionamento
democrático pelo fato de se tratar de um tema complexo e que acaba por
envolver de alguma maneira todos os desafios anteriormente tratados. De fato,
a própria inclusão do tema em um estudo sobre a democracia direta é
questionável no sentido de que apesar de tangenciá-lo em alguns aspectos, o
transcende em muitos outros.
A autonomia indígena trata de mecanismos de autogoverno territorial
segundo usos e costumes próprios dos povos indígenas que podem variar de
acordo com o povo indígena em questão. Na medida em que muitas vezes
esses costumes incluem práticas como decisão por assembleias, em alguns
casos necessitando de unanimidade, a autonomia indígena se integra à
problemática da democracia direta. Mas ela inclui também problemas de
organização econômica distinta, direitos especiais de consulta sobre o
aproveitamento de recursos em seus territórios e sistemas de justiça próprios,
questões que se referem diretamente à democracia apenas tangencialmente,
mas acabam se reconectando com ela pelo fato de colocarem desafios à
constituição do Estado como um todo.
Há autores como o cientista político boliviano Marcelo Varnoux Garay
(2009) que defendem que os mecanismos de autonomia indígena danificam a
democracia ao criar direitos especiais somente acessíveis por meio de
pertencimento a determinadas etnias e que, portanto, excluem a alguns dos
cidadãos, ferindo os princípios da igualdade. Outros, como Franz Barrios
Suvelza (2009), no entanto, os saúdam como uma maneira criativa de
reconhecer uma situação de fato há muito existente e integrar os povos
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indígenas à vida política nacional.6 Nesse sentido, poderiam de fato ser uma
importante contribuição democrática e mostrar a eventual possibilidade de
outras lógicas de funcionamento estatal para além da liberal dominante, mas
certamente trazem alguns questionamentos importantes na linha do argumento
de Garay e podem ser fontes de atritos políticos significativos.
O direito a ser consultados sobre o aproveitamento de recursos em suas
terras, por exemplo, pode colocar nas mãos de algumas minorias o poder de
veto completo sobre políticas com o potencial de afetar todo o conjunto de
cidadãos, levantando o questionamento sobre quem teria mais legitimidade
para a palavra final sobre esse tipo de questão. E em países hidrocarboníferos
e mineiros como os três em questão, esse tipo de desafio adquire ainda mais
significância. Na Bolívia, onde o movimento indígena em suas mais variadas
vertentes é aliado de primeira hora do presidente Evo Morales, problemas com
a consulta prévia quase inviabilizaram um projeto de industrialização de cobre
de interesse do governo em 2009 e atrasaram bastante a prospecção de
hidrocarbonos no norte de La Paz em associação com a estatal venezuelana
PDVSA, levando o presidente a insinuar que os indígenas dessa região
poderiam estar recebendo recursos da agência de cooperação estadunidense
USAID para se opor ao projeto. Algumas empresas petrolíferas em atuação no
país se queixaram de que os indígenas muitas vezes fazem exigências muito
elevadas para permitir a operação em seus territórios e o governo tem
sinalizado com a possibilidade de regulamentar a prática através de lei fixando
os valores mínimos e máximos de indenização em porcentuais sobre o
tamanho da atividade econômica em questão. Embora até o momento nada
nesse sentido tenha ainda se concretizado, organizações como a
Confederação dos Indígenas do Oriente Boliviano (CIDOB) têm criticado a
possibilidade desse tipo de regulamentação como uma limitação ao princípio
constitucional de autonomia indígena.
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A discussão proposta por Arend Lijphart (2003) acerca dos prós e contras dos modelos
majoritários e consociativo/consensual nos ajudam a pensar a questão da autonomia indígena. O modelo
consensual, apontado pelo autor como o mais completo, tem por objetivo compartilhar, dispersar e limitar
o poder de várias maneiras. Dentre suas vantagens, podemos citar a busca pela representação de minorias
e pela resolução do conflito em sociedades profundamente divididas, seja por questões étnicas, religiosas
ou culturais, como nos casos da Bolívia e do Equador.
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No Equador, a proposta de Lei de Águas enviada ao Congresso pelo
presidente Rafael Correa provocou fortes protestos da Confederação das
Nacionalidades Indígenas do Equador (CONAIE) e um indígena da etnia shuar
chegou a morrer em confronto com a polícia em outubro de 2009.
Recentemente, em maio de 2010, o presidente do Congresso, Fernando
Cordero, decidiu submeter o projeto a uma consulta pré-legislativa junto aos
povos indígenas, embora não seja claro qual será o real poder dos indígenas
sobre o projeto de lei nessa consulta ainda a ser realizada.
O tema da justiça indígena e suas relações com o sistema judicial
regular também tem sido bastante controverso. Em primeiro lugar, pela
possibilidade de condenação a castigos físicos como chicotadas, incompatíveis
com o sistema tradicional de justiça e em grande medida chocantes aos olhos
de observadores não indígenas. E em segundo, pelo fato de frequentemente
linchamentos serem invocados em nome da justiça indígena. Apesar de a
prática não ser permitida segundo as regras vigentes em nenhum dos países e
que em última instância a justiça indígena esteja submetida ao controle
constitucional, o fato de que seja invocada em seu nome tem aumentado o
estigma e as percepções negativas em torno do tema.
Reflexões finais
Ao longo deste trabalho mostramos que a aposta por instituições
participativas no marco dos sistemas políticos latino-americanos
contemporâneos sinaliza a abertura do processo decisório para novos atores
com demandas no sentido da ampliação da participação. Mas, ao mesmo
tempo, destacamos questões do debate teórico em torno das instituições
democráticas que anunciam o tamanho do desafio que comporta implementar
em sua forma mais plena todos esses mecanismos institucionais. Acreditamos
que neste momento relativamente próximo ao seu lançamento formal em textos
constitucionais, uma reflexão sobre os problemas e eventuais distorções desse
tipo de aposta contribui tanto para aprimorar as análises empíricas de sua
prática quanto para alertar aos atores genuinamente interessados no sucesso
dessa aposta sobre possíveis distorções.
Como parte do esforço analítico, apresentamos argumentos sobre por
que afirmamos que há instituições participativas que enfrentam desafios mais
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complexos quando levadas a prática. Assim, entendemos que a centralidade
do voto como dispositivo fundamental para praticar instituições como a
revogação de mandatos ou a revogação de leis torna mais acessível sua
implementação no curto prazo. O sufrágio já é uma prática recorrente em
muitos países e os cidadãos cada vez mais se acostumam a exercê-lo. Em um
referendo revogatório, por exemplo, o voto por candidatos é substituído pela
decisão em torno de uma pergunta frequentemente formulada em termos
dicotômicos: você é a favor ou contra a deposição do seu representante do
cargo para qual ele havia sido eleito? Você é a favor ou contra a aprovação de
tal lei ou tratado?
Outros mecanismos, como os de iniciativa legislativa, controle da gestão
pública, cogestão em governos locais e os que emergem em contextos de
autonomia indígena, pressupõem um cidadão mais ativo, informado e
competente em relação a vários assuntos. Daí que autores como Lissidini
(2008) tenham sugerido a distinção entre mecanismos reativos e pró-ativos. Os
referendos se identificam com os primeiros e os que aqui colocamos em um
segundo grupo correspondem aos pró-ativos. A tentativa de implementar esses
mecanismos necessita de cidadãos pró-ativos, prontos para compartilhar
responsabilidades e assumir um esforço coerente com o tamanho de seu
renovado protagonismo. Portanto, intervenções em outras esferas que não
apenas a institucional são necessárias para viabilizar tais práticas, o que
sugere um processo de longo prazo coerente com a multiplicidade e a
complexidade das questões envolvidas.
As abordagens mais céticas quando à viabilidade destes mecanismos
mais complexos recomendam, em nome do perigo de encontrar como
resultado o oposto do que se pretendia com esse ideal, que o mais prudente
seria nem ensaiar sua implementação. Porém, as instituições representativas
clássicas não são imunes a esse perigo oposto, como já se mencionou neste
trabalho em relação aos casos de estelionato eleitoral. Além disso, vários dos
autores aqui referidos, dos mais simpáticos às instituições representativas,
como Enrique Dussel (2007), aos mais críticos, como Giovanni Sartori (1994),
concordam, cada qual à sua maneira, que toda forma de democracia realmente
existente é imperfeita e que não se pode esperar que os ideais se concretizem
em toda sua pureza. Portanto, nós salientamos a pertinência de um
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experimentalismo institucional que aponte para uma interação mais dinâmica e
menos delegativa entre governantes e governados, sem por isso deixar de
considerar seus eventuais percalços e deformações.
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