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Leopardi Quando recebi o volume Poesia e prosa de Giacomo Leopar- di, preparado com tanto zelo por Marco Lucchesi, senti, junto com a admiracio que o empreendimento merece, uma ponta de melancolia. Pois Leopardi foi e continua sendo uma estrela soli= taria. De primeira grandeza, mas solitiria, ‘Tudo comega na inféncia. Mais uma vez, o menino € 0 pai do homem, na palavra de Machado de Assis, um dos raros leitores inteligentes de Leopardi entre nés, E que estranha meninice! Os testemunhos que nos chegaram dos verdes anos de Giacomo nos mostram um precoce erudito fechado entre as quatro paredes da biblioteca paterna no solar de Recanati, entio um burgo perdido nas Marcas pontificias. Ao longe, os Apeninos azuis, muros in- transponiveis para o rapazinho enfermico ¢ absorto em meio a seus manuscritos gregos ¢ latinos, hebraicos e medievais. Os antigos estavam muito perto des seus olhos, aqueles olhos que © tempo e os estudos sem conta nem pausa quase cegariam. Giacomo lia Homero, lia Virgilio, ¢ os traduzia com perfeigio. Mas a natureza ficava distante, muda como um belo enigma, Os antigos faziam-Ihe amorével companhia na desolacao da casa nobre e decadente. Serviam de mediadores entre 0 menino 0 sol (0 sol'de Homero), o menino ea lua (a lua de Safo e de Ana- creonte), o menino € a primavera que os mitos de Hesiodo figura- vam como estagao perene da Idade de Ouro. Os tempos jé eram romanticos além dos Alpes, mas o imagi- nario de Leopardi nascera sob outros céus. O seu olhar nao colhia da paisagem 0 imediato nem os brilhos de superficie: antes, liber- Leonardi 141 tava do pogo da meméria figuras ainda vibrantes de secretas me- lodias. Eram imagens portadoras de outros tempos, que pareciam idos e vividos na corrente da Histdria e no entanto rebrotavam nos veios da palavra poética. Giacomo traduzia com fervor e, enquanto vertia o segundo canto da Encida, passava gradualmente da filologia a poesia, do vero ao bello, da imitagao a invengao. E 0 que é a criagdo do ar- tista sendio um modo de formar em ‘que a memGria ¢ a fantasia se atraem mutuamente, concedendo e recebendo a graca da expres- sio? A memoria dé lastro ao imaginario que, por sua vez, o ali- Relra € o transforma, levando-o para o regime da liberdade. Osantigos conheceram de perto a natureza. Viram a sua luz, imersos que estavam em seu halo, ouviram as suas vozes e con, elas fizeram as primeiras palavras. Os modernos teriam perdido essa divina ingenuidade. Dobraram-se sobre si mesmos, analisa- ram-se, arrazoaram, ndo.param de arcazoar, Com o passar dos milénios a natureza se fez estranha a0 homem. A sua indiferenga & bela, mas sem piedade. Ao homem contemporaneo s6 restariam as lembrangas do que ja se foi e 0 vio desejo de sobreviver, signos ambos de nossa finitude, pressigios do nada, Mas 0 poeta nao s6 recorda, também cria imagens. Ao poeta € dado por algum tempo franquear os limites do aqui-e-agora, ansiar pela visdo do infinito e dizé-la plenamente, embora a cons- ciéncia o advirta de que se entrega sempre a uma ilusio: “e i naufragar m’é dolce in questo mare”. Dessa tenso, nunca afrouxada, entre a negatividade do pen- samento € a forca mitopoética deriva o tom singular dos cantos lcopardianos. Que sio, a0 mesmo tempo, reflexivos ¢ liticos. A esta unidade de matriz corresponde uma notavel coeréncia tonal: €impossivel confundir um verso de Leopardi com o dos seus coe, Hineos, quer arcades retardatarios, quer romanticos de primeira hora. A historia interna da poesia leopardiana nao tem par na literatura europeia. Mas coeréncia tonal nao quer dizer monotonia. A consciéncia de um tempo irreversivel esta sempre envolta no mesmo véu de b } E f F k \ | melancolia; mudam, porém, os objetos e mndam as ocasi afetam o olhar do poeta. Quanto a unidade do efeito estético: Leopardi sugere, no seu disrio, que para nds, modernos, o sentimento da beleza esté asso- ciado a percepgao de sons ou de imagens que se perdem na lonju- ra ou se esfumam na sombra. Quanto o cinema lhe daria razio! ‘Mas convém atentar para a diversidade da experiéncia. Em um primeiro momento, o objeto distante € 0 passado em ruinas, so as “mortas estagdes”. Roma destruida e desertada, @ Italia em agonia depois de séculos de esplendor. Safo a beira da morte, “e Vatra morte, ela silente riva”, ou Brutus estoico e suicida. Nesses cantos pulsa a piedade pelos mortos, que é a piedade por nds mesmos. E ha a outra vertente, que a critica tem preferido. Sio aqueles poemas em que 0 sentimento da perda e da distancia jorra da propria histéria existencial do ex lirico. Dois exemplos bastarao. © jovem poeta-filésofo est postado em face do outeiro que Ihe veda o horizonte. A situagao o leva a imaginar 0 espaco invi- sivel eo pasado, que finito na série cronolégica, mas infinito quando o tocam as éguas da meméria ¢ os sonhos do desejo. O nome do poema é “L’infinito”. O dia de festa acabou € a noite caiu em siléncio, Ouve-se 0 canto solitario do artesdio que volta dos folguedos. A voz perde-se pelos atalhos morrendo pouco a poueo. A mulher amada adorme- ceu alheia as paixdes que desperiara naquele dia. A festa durou pouco, 0 canto se desfaz no escuro. O poeta insone compara 0 efémero da hora festiva com 0 abismo do nada que tragou os antepassados, mesmo gloriosos. Séculos inteiros ou breve dia, que importa? A dor € igual e nasce do conhecimento da ilusio. O poema se chama “La sera del di di festa. Nele, a nota dominan- te é amarga, porque reflexivas no “Infinito” pudera ser doce, por- que imersa na imaginagao: “e il naufragar m’é dolce in questo mare”. © solo meditativo e patético da escrita leopardiana foi duran- te anos o micleo da sua fortuna critica. A detcrminagao dos seus 5 que A flor amarela da Giesta (Spartiven juncewen, Fotografia de José Aliredo Bosi motivos liricos ¢ rétulo de pessimista deram o tom & vasta bliografia sobre o poeta. Mas os tempos mudam eas perspectivas. ‘Veio a Segunda Guerra trazendo no bojo uma cultura de resistén- Gia tingida de pensamento marxista. O novo olhar descobriy um Leopardi satiric, negador do liberalismo autossatisfeito e do pro- gressismo beato do seu tempo, “século soberbo € rolo”. Foi este o clima que encontrei na universidade quando, estu- dando na Florenga dos anos 1960, tive por mestres dois criticos responsiveis pela conversio a esquerda da leitura de Leopardi: ‘Walter Binni e Cesare Luporini. Ambos exploravam a acerba ne- gatividade do Glkimo Leopardi e as virtualidades politicas do seu poema longo, outrora acusado de prosaico, “A giesta” ou “A flor do deserto”. A giesta € a flor que vinga nas encostas do Vesiivio cobertas de lava. Foia paisagem que o poeta viu antes de morrer. A solidao de Leopardi era de novo reconhecida, mas encontrava afinal um significado histérico.

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