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Cornualha, Inglaterra

Fevereiro de 1197
Em meio à semi-escuridão do anoitecer, Lily encontrava-se
sentada, completamente imóvel, mantendo as costas eretas e as
mãos cruzadas sobre as coxas. Olhava fixamente para o vazio
formado pelas sombras que tomavam conta do quarto, cega para
tudo o que o mundo tinha a oferecer.
O sofrimento a envolvia, como o abraço de um velho amigo,
apesar da ausência dè lágrimas e das feições controladas.
No dia seguinte; ela se casaria com um homem que vira
apenas uma vez. Era um homem bom, de sorriso gentil, a quem ela
jamais poderia amar, pois todo o seu amor havia morrido.
E Lily ainda não compreendia como, ou por que, sua felicidade
havia se desfeito em cinzas. Nem sequer, sabia. se fora ela mesma
a culpada, mas o remorso devorava-lhe a alma, torturando o seu
coração partid6.
O homem que Lily amava morrera, levando consigo todos os
sonhos dela...

PRÓLOGO

Cornualha, Inglaterra
Julho de 1196
- MeuDeus! Veja isso! — Andrew dirigiu-se ao irmão.
Rogan St. Cyr fixou os olhos no horizonte.
Situado sobre um penhasco; o castelo Charolais parecia uma
sentinela, mantendo guarda sobre o mar agitado. Assim como seu
vizinho infame, Tintagel, era construído de pedras cinzas e frias,
exibindo estilo espartano, embora não grotesco. Na verdade, a
aparência impressionante devia-se mais aos elementos selvagens
que o cercavam: o mar revolto, o céu carregado de nuvens, a
charnéca que se estendia até onde a vista podia alcançar.
Rogan sentiu um calafrio, Nem se lembrava da última vez em que
ficara nervoso. Era verdade que uma certa ansiedade o envolvia,
antes de uma batalha, mas não estava habituado áo medo.
Pela centésima vez, refletiu que não era o homem certo para
cumprir a tarefa que lhe fora designada. Não possuía habilidades
diplomáticas, nem era adepto de sutilezas e falsos elogios. No
entanto, era um homem honrado e, por isso, fora até ali.
— Juro que estou com medo — Andrew resmungou, quando se
aproximavam.
Rogan não respondeu. Parecia totalmente à vontade, mas os
olhos treinados percebiam cada detalhe, quando cruzaram os
portões de Charolais. Diante do silêncio prolongado de Rogan,
Andrew comentou:
-Sei que esta missão pesa em seus ombros.
- Nem mesmo você poderia imaginar a intensidade desse
peso, meu irmão — Rogan finalmente falou.
Uma vez dentro dos muros, a visão do castelo fazia lembrar
um túmulo gigantesco. Tal pensamento provocou outro calafrio
em Rogan.
Quando desmontaram, ele se irritou ao perceber que Andrew
continuava a estudá-lo.
- Por que diabos me olha dessa maneira? — inquiriu

- É pecado praguejar—Andrew lembrou-o com um sorriso.


Rogan fitou-o, surpreso. O irmão mais novo raramente levava
alguma coisa a sério, inclusive os pecados, apesar de ser um padre.
Depois de entregar as rédeas de seu cavalo para um de seus
homens, Rogan ordenou:
_ Garven, espere aqui fora, junto aos outros, Andrew, venha
comigo.
Um criado os recebeu, diante da porta maciça. Quando Rogan
se identificou, o homem arregalou os olhos e desapareceu dentro do
castelo. Os dois irmãos entraram no grande salão.

As inúmeras janelas encontravam-se fechadas, contra o


calor da tarde. Tapeçarias belíssimas, ilustrando cenasde batalhas,
cobriam as paredes, testemunhando o trabalho cuidadoso das
mulheres pertencentes a várias gerações dos Marshand.
_ É rico — Rogan concluiu, falando em voz baixaa. não terá
dificuldade em formar um exército.

-Estamos aqui para garantir que isso não seja necessário.


Andrew replicou. - Se for preciso, ficaremos de joelhos e
oferecemos frases bonitas, a fim de restituir-lhe o orgulho. Assim,
ele nos perdoará. Embora eu ainda ache Alexander deveria estar
aqui para se desculpar.

— Ora, o idiota poria tudo a perder, recitando poemas sobre o amor!


— Rogan discordou.
O mais novo sorriu.
-Você parece não acreditar no amor.
— Não.
— Bem, não posso dizer se acredito ou não, pois nunca
aconteceu comigo e, provavelmente, jamais acontecerá. Fiz voto de
castidade e, apesar de ser um tanto relapso com as minhas outras
obrigações, jamais seria capaz de quebrar um juramento. Mesmo
assim, sou obrigado a admitir que nosso temível irmão parece
definitivamente apaixonado pela filha do mercador.
—Não confunda luxúria com amor, Andrew — Rogan corrigiu-
o. — A julgar pelo tempo que os dois passam no quarto, eu diria que
tal união é menos fundada nas razões do coração, do que em
impulsos bem mais primitivos. — Olhou em volta,estudando os
cavaleiros que jogavam xadrez e bebiam hidromel. — Alexander
perdeu a objetividade e, por isso, a honra de nossa família está em
jogo.
— Concordo, mas é sempre você quem a defende.
Era verdade. Embora Alexander fosse o primogênito e
houvesse herdado o ducado e suas vastas propriedades, era Rogan,
o segundo filho, quem arcava com as responsabilidades. Imaginara
que os quatro anos de ausência, quando lutara na Terra Santa,
encorajariam Alexander a aceitar os aspectos mais sérios de sua
herança. Infelizmente, o irmão arrogante e teimoso não aprendera
nada sobre tato, Ou autodisciplina. Agora, menos de um ano após o
retorno de Rogan, Alex cometera o maior erro de sua vida.

- Onde está Marshand? — Rogan perguntou, impaciente. Como


em resposta, ouviu-se uma exclamação entusiasmada do anfitrião.
Rogan virou-se e deparou com Enguer‘i nd Marshand, que se
aproximava. Era um homem calvo, de baixa estatura e proporções
estranhas. As pernas finas pareciam mal suportar o peso do abdome
rotundo. Ele sorria satisfeito, até seus olhos focalizarem as feições
de Rogan. Então, franziu o cenho e inquiriu:

-Onde está o duque?


Imediatamente, Rogan antipatizou com o homenzinho
arrogante.
-Sou Rogan St. Cyr, irmão de Alexander. Este é nosso irmão
mais novo, padre Andrew. -
Enguerrand nem sequer olhou para Andrew. -
-Quando avistei a bandeira dos St. Cyr, imaginei que o duque
- estivesse chegando.
-Padre? — indagou uma voz aguda.
Rogan não havia notado a presença da mulher, pouco atrás
de Enguerrand. Alta e esbelta, de pele e cabelos claros, de traços
simétricos, era uma beldade. Sem dúvida, tratava-se de Catherine, a
mulher que Alexander decidira rejeitar. Apesar da beleza
indiscutível, ela emanava uma frieza constrangedora.
Há algo errado? — Catherme perguntou.

- E por isso que estou aqui —Rogan respondeu, sentindo a


tensão aumentar.
-Que tal nos sentarmos? — Andrew sugeriu, mas foi ignorado
pelo impaciente Enguerrand. -
-Quero saber o que está acontecendo. Por que veio sem o
duque?
Como não faria sentido adiar o inevitável, Rogan respirou
fundo e declarou:
- Ele não virá. Estou aqui para oferecer um pedido de
desculpas formal, em nome de nossa família, e para anunciar que
meu irmão interrompeu as negociações pela mão de sua filha.
Alexander... decidiu-se por outra.
Houve um momento de silêncio.
- Ele se casou com outra? — Catherine inquiriu, indignada
Quem? -
- Com a filha de um mercador. Seu nome é Carina
- Casou-se com a filha de um mercador! — Enguerrand
repetiu, -incrédulo.
Em um gesto de conforto, Andrew pousou a mão no braço do
anfitrião.
— Creio que, agora, o senhor gostaria de se sentar...

— Tire suas mãos de mim! — o outro vociferou.


— Meu irmão fez sua escolha, baseado em amor — Rogan
prosseguiu com voz tranqüila. A apreensão se fora e, agora, ele via
Enguerrand como qualquer outro adversário. A diferença era que
esta seria uma luta de palavras.
— Amor? — Catherine repetiu.
Andrew deu de ombros.
— Quem pode explicar tal sentimento? Ele surpreende até
mesmo o mais nobre entre nós e pode...
— Isso é ultrajante! — Enguerrand explodiu. — Estávamos
discutindo o dote! Até quando ele pretendia me enganar? Trata-se
de uma quebra de contrato. Um crime!
Lá estava a acusação que Rogan tanto temera. Estreitou os
olhos, preparando-se para se defender, quando um movimento a um
canto chamou-lhe a atenção.
Rogan virou-se, olhou e, então, ficou imóvel. As palavras do
anfitrião ficaram esquecidas quando a mulher mais adorável que
Rogan já vira aproximou-se. Ela usava um vestido simples e os
cabelos, de uma tonalidade trigueira igual à juba do nobre leão que
ele vira
em suas viagens, apresentavam-se soltos, alcançando a altura da
cintura. Os olhos eram de um azul incrível... Não, eram verdes...
Bem, algo entre o azul e o verde, como as águas do mar tropical.
Rogan permaneceu imóvel, observando-a curvar-se à sua
frente, em uma profunda reverência.
-Alteza — ela murmurou.
Eu um gesto impulsivo, Rogan ergueu-lhe o queixo com
delicadeza. Então, aqueles olhos magnificos fixaram-se nos dele e
um sorriso gracioso curvou os lábios generosos.
- Lily! Enguerrand bradou. — Levante-se!
Confusa, ela olhou em volta, como se procurasse por uma
explicação. Catherine lançou-lhe um olhar furioso.
-Ele não é o duque, menina tola! Levante-se! Onde esteve?

-Eu estava no pomar — Lily respondeu, levantando-se


movimentos hesitantes.
-Onde está Elspeth?
-a capela, eu acho.
Lily lançou um olhar embaraçado para Rogan, que
compreendeu que ela se sentia envergonhada por ter sido
repreendida na sua presença. Tomando mais urna atitude impulsiva
e, sorrindo, apresentou-se:
-Sou Rogan, irmão de Alexander.
Sou Lily — ela replicou, a voz suave como brisa.

-Exijo uma explicação! —- Enguerrand retomou o ataque, —


Quero falar com o duque em pessoa. Afinal, tudo pode ser um golpe,
urna vez que não conheço nenhum vocês dois.
- Não é um golpe, Enguerrand — Rogan afirmou, embora
encontrasse dificuldade em se concentrar na conversa, pois Lily os
observava com um misto de interesse e alarme, que tornava suas
feições ainda mais fascinantes. — Você sabe que Alexander estava
se esquivando a finalizar o contrato.
-Ele deu a sua palavra!
Foi Andrew quem tomou a iniciativa do aplacar os ânimos
exaltados.
- Devo dizer que o senhor está se comportando com
surpeendente autocontrole, dadas as circunstâncias — disse Andrew
deixando o anfitrião boquiaberto. — Conheço muitos homens que no
seu lugar, Enguerrand, teria sacado a espada e acabado conosco,
sem sequer ouvir uma explicação. Está zangado e não o culpo por
isso. Tem o direito de queixar-se, assim como sua adorável filha.
Mas é um homem de altos princípios morais, como pude perceber, e
conhece o valor palavra: Admirável!
Enguerrand fitava o jovem St. Cyr com expressão confusa e
chocada.
Andrew continuou:
— Estando o país na situação em que se encontra, com John
aspirando o trono e os barões em polvorosa, é uma benção que tal
comportamento esteja tão abaixo de um homem como você. Afinal,
se nos declarasse guerra, duas casas seriam dizimadas. Deve
concordar que não valeria a pena, mas nem todo homem teria a
sabedoria de enxergar o qué é melhor para seu povo.
Por mais incrível que pudesse parecer, os comentários pouco
verídicos de Andrew atingiram seu objetivo. Enguerrand pareceu
relaxar um pouco.
— Sim... Bem... Uma circunstância infeliz...
Ao menos por ora, Rogan pensou, o anfitrião estava sob
controle. Atrás dele, porém, Catherine fervilhava em silêncio. Trocou
um olhar com Andrew, que ergueu as sobrancelhas em triunfo.
Ao virar-se, Rogan descobriu que Lily testemunhara a
irreverência de seu irmão. Os lábios dela se curvaram em um sorriso
contido, enquanto eia abaixava os olhos. O gesto simples provocou
uma forte onda de calor, que varreu as entranhas de Rogan. Foi com
esforço que ele voltou a se concentrar em Enguerrand.
Apesar de ainda contrariado, o anfitrião convidou-os a sentar-
se e ofereceu-lhes comida e bebida. Rogan inclinou a cabeça em
aceitação da hospitalidade e, consciente de suas obrigações, deixou
de lado o interesse por Lily e ofereceu o braço a Catherine. Ela o
fitou com ressentimento, mas, no mesmo instante, um brilho rápido
e passageiro iluminou-lhe o olhar. Rogan foi tomado pela impressão
de ter reconhecido um certo interesse naquele olhar, como se ela
houvesse notado algo que lhe passara despercebido antes. Então,
ouviu a voz de Andrew:
—Não sou duque, nem herói das cruzadas, mas apenas um
humilde servo do Senhor. Entretanto, já me disseram que sou
companhia agradável.
Liiy cértamente aceitou o braço que o padre lhe oferecera,
pois Rogan ouviu um agradecimento pronunciado em voz baixa. E,
pela primeira vez em sua vida, o mais velho sentiu inveja do irmão
caçula.
Lily Marshand experimentava as sensações mais incríveis,
como se o mundo que conhecess, previsível e monótono, bouvesse
se transformado em reaiidade totalmente nova, interessante e
vibrante. Seu coração ainda batia acelerado, desde que ele a tocara,
e os pensamentos atravessavam sua mente com a velocidade de
um raio.
Rogan St. Cyr. O nome se repetia, como em uma interminável
canção. Ah, como era bonito! Os músculos bem desenvolvidos e os
movimentos fluidos não deixavam dúvida de queera um guerreiro.
Os cabelos cor de cobre envelhécido caiam em ondas sedosas, até o
pescoço. O nariz reto e o queixo quadrado adquiriam uma estranha
suavidade quando sorria com aqueles dentes tão brancos e
brilhantes. Além de atraente, Rogan era um homem amável e gentil.

Quando fixara os olhos cinzentos nos dela, uma mensagem


incompreensível, mas excitante assim mesmo, a alcançara.

Ora, estava se comportando como uma menina tola!


Provavelmente, Rogan era assim com todas as pessoas que
conhecia e, com certeza, Lily havia apenas imaginado, tanto o ar
intenso, quanto a sensualidade do sorriso que ele lhe dirigira.
Ainda assim, sentia-se grata pelo fato de ele não ser o noivo
de Catherine. Ou melhor, ex-noivo.
De súbito, Lily deu-se conta de que Andrew falava com ela.
- O que disse?

— Estava apenas comentando que não creio que Rogan esteja


satisfeito com a distribuição — Andrew falou.
A menção do nome de Rogan deixou Lily tensa.
— Que distribuição?
— Dos lugares à mesa. Ele está sentado ao lado de
Catherine, tentando acalmá-la. Diga-me, ele tem alguma chance de
sucesso?
Lily gostara imèdiatamente do jovem que não parecia ter
muito mais do que os seus dezenove anos. Mal o notara, antes, pois
ficara hipnotizada pelo irmão mais velho. Agora, dava-se conta de
que Andrew era autêntico, alegre e muito amável.
— Devo admitir que Catherine tem um temperamento dificil,
mas tenho certeza de que seu irmão encontrará as palavras certas.-
Lily respondeu, sem resistir à tentação de olhar para Rogan.
Ao que parecia, Catberine estava mesmo cedendo ao charme
do atraente guerreiro.
-Ao contrário, meu irmão é um homem de poucas palavras —
Andrew comentou, inclinando-se para ter urna visão melhor de
Rogan. — Estranho... Rogan nunca possuiu talentos diplomáticos.
Bem,talvez não tenha realmente tentado. Ou, então, é possível que
Catherine esteja sucumbindo ao charme dele. É o que geralmente
acontece com as mulheres. Por alguma razão, consideram meu
irmão um homem fascinante. Acho que sua aparência as agrada,
assim como sua fama de grande guerreiro. No entanto, o que mais
me intriga é o fato de ele não dar a menor importância a elas. O que
parece atraí-las ainda mais.
— E mesmo? — Lily indagou, esforçando-se para não soar
interessada demais.
Os lábios de Andrew curvaram-se em um sorriso.
— Espero não estar chocando você.
— Ah, não! De maneira alguma.
— Talvez esse não seja um assunto apropriado a ouvidos
delicados. Creio que devemos falar sobre outra coisá.
- Não, por favor — ela pediu, sem pensar e, então,
controlando-se, continuou — Eu raramente converso com hóspedes
e sei tão pouco sobre o mundo. Gostaria de ouvir mais.

O sorris de Andrew alargou-se.


-Vejo que está curiosa sobre ele!
Lily corou.
-Somente no que diz respeito a aplacar a ira de Catherine, já
disse, - Ela é dificil. Seria bom que seu irmão conseguisse persuadi-
la, com esse charme que você mencionou. Adrew assentiu, mas era
evidente que não se deixara enganar.
-Bem, parece que Rogan também está curioso sobre você.
Não pára de olhar para nós e, pela expressão em seu rosto eu diria
que está com ciúme.
Lily virou-se. Rogan estava mesmo olhando para ela e não
demonstrou o menor embaraço por ter sido surpreendido a observá-
la
Corando de novo, ela tentou pensar em um assunto mais seguro.
-Gostaria de ouvir a história do fantasma de Charolais, padre
Andrew?
- Adoraria.
Ela cruzou as mãos, a fim de esconder o tremor, e tratou de
não voltar a olhar para Rogan, enquanto contava a sua história.
Foi uma tarde bastante tranqüila, dadas as circunstâncias.
Enguerrand ofereceu acomodações aos St. Cyr, por alguns dias, até
que a situação fosse resolvida. Quando Rogan aceitou, Lily foi
tomada de grande entusiasmo, - pois isso signiflcava quase uma
semana sob o mesmo teto.
Infelizmente, ele estava muito ocupado com Catherine, que
não parecia tão ultrajada quanto deveria. Lily conhecia sua irmã e
constatou que ela estava bastante satisfeita com as atenções de
Rogan. Parecia ter se esquecido de que fora rejeitada pelo duque.
Bem, Catherine sempre fora volúvel.
Em Charolais, as mulheres se retiravam cedo para seus
aposentos, deixando os homens à vontade. Foi com relutância que
Lily seguiu a irmã pela escada, mas não resistiu a virar-se e lançar
um último olhar para o homem que havia tirado a sua atenção.

Surpreendeu-se ao descøbrir que os olhos cinzentos


encontravam-se, mais uma vez, fixos nela. Por pouco, Lily não deu
de encontro com Catherine e, com o coração aos saltos, subiu os
últimos degraus quase correndo.

Mais tarde, em seu quarto, Lily escovava os cabelos, perdida


em fantasias. Nem sequer ouviu a porta se abrir e passos leves
aproximarem-se.
— E verdade? — perguntou a voz suave.
Sobressaltada, Lily virou-se.
— Elspeth! Você me assustou!
A menina tinha doze anos, o rosto angelical e os cabelos loiros
e encaracolados refletiam sua natureza dócil. No momento, seus
olhos expressavam apreensão.
— Onde você estava? — Lily inquiriu.
— Na capela, rezando. — Então, assumiu ar culpado, como se
temesse ser repreendida pela irmã, que nunca o fazia. Elspeth,
porém, era uma criatura muito tímida. — Perdi o jantar. Espero que
papai não esteja zangado.
— Ele nem notou. Não se preocupe.
— E verdade que o duque não vai se casar com Catherine?
— Receio que sim — Lily respondeu com um suspiro. — Ele mandou
os irmãos se desculparem com papai. Você os viu? Um deles é
padre e o outro... — Que palavras ela poderia usar para descrever
Rogan?
Elspeth pareceu não perceber a hesitação da irmã.
— Sim, eu os vi. Eles estavam no salão, perto da lareira,
quando subi.
Lily levantou-se de um pulo.
— O que estavam fazendo? Havia mais alguém com eles?
— Estavam sozinhos, conversando.
Andando de um lado para outro, Lily exclamou:
— Estou tão agitada!
Olhou para a irmã, tentando decidir se deveria contar-lhe o que
se passava. Afinal, ela e Elspeth partilhavam tudo, uma com a outra.
Por outro lado, seria uma criança capaz de compreender os
sentimentos confusos que haviam tomado conta de Lily?
Ela foi poupada de tomar uma decisão pela aparição de
Catherine.
Elspeth — a mais velha chamou em tom rude. – Você não
apareceu para o jantar.
- Eu estava rezando — a menina replicou em um fio ,
evidentemente apavorada.
- Lily — Catherine lançou um olhar gelado para a outra. - Você
desgraçou nossa familia com esse vestido surrado e suas maneiras
lamentáveis.
A lembrança dolorosa de ter confundido lorde Rógan com o
duque apanhou Lily de surpresa, embora ela não se preocupasse
com a censura de Catheriné. O que Rogan pensara daquele seu
erro? Acharia que ela era uma garóta tola?
- Você agiu como uma idiota.- Catherine acrescentou.
Lily corou.
- Irmã — Elspeth falou, ainda em voz muita baixa —, sinto muito
pela notícia desagradável. As feições da mais velha transformou-se
em uma máscara de fúria. No mesmo instante, Elspeth encolheu-se
de medo. O embaraço de Lily deu lugar ao instinto protetor e ela se
colocou ao lado da irmã mais nova.
- Sim, pequena — Catherine confirmou, controlada. — parece,
que não me casarei, como havíamos planejado. - seus olhos
exibiram um brilho gelado. — Mas nem tudo está perdido. Existem
maneiras de transformar infortúnio em vantagem.
Temendo uma das explosões de Catherine, Lily postou-se ao
lado de Elspeth.
-Não cultive pensamentos vingativos, Catherine, Lorde Rogan é
um homem honrado e veio nos oferecer compensações
Ele vai nos compensar — Catherine afirmou com expressão
enigmática, antes de examinar Lily da cabeça aos pés com ar de
desgosto. — Enquanto eles estiverem aqui, não quero que você nos
cause maiores embaraços.. Ao que parece, você não sabe se
comportar. É melhor ficar no seu quarto, ou no solar, com as
mulheres, cuidando da costura.
Lily estreitou os olhos e pousou as mãos na cintura.

— Você não é nossa mãe, Catherine. Ela jamais falaria assim


conosco. Mamãe era dócil e gentil e não gostaria nem um pouco da
maneira como você domina este castelo, com mão de ferro; Não
permitirei que você maltrate Elspeth, nem vou me esconder, só
porque você não gosta de mim.
— Veremos — Catherine sibilou, antes de virar-se para sair.
— Ah, ela é terrível! —.Lily exclamou, atirando-se na cama..
— Ela me assusta — Elspeth murmurou, olhando para a porta,
como se temesse o retorno da mais velha.
— Não permita que ela a intimide, Elspeth — Lily aconselhou,
fitando a irmã com olhar carinhoso.
— Ela tem um temperamento horrível, Lily. Tenho medo do que
ela vai fazer, agora. Catherine detesta sair perdendo, em qualquer
situação. Lembra-se dos nossos coelhinhos?
Lily segurou a mão de Elspeth, mas não pôde evitar um calafrio.
Quando eram crianças, seu pai dera um coelho para cada uma. O de
Catherine adoecera e morrera poucos dias depois. Ela ficara furiosa,
dizendo que aquilo erá injusto. No dia seguinte, os outros dois
coelhos haviam sido encontrados mortos, também.
— Não pense nisso — Lily murmurou. — Nunca tivemos certeza
de que ela os matou. Poderia ter sido qualquer pessoa. E, se foi
mesmo Catherine, ela deve ter se arrependido, pois nunca mais
ameaçou ninguém.
— Exceto os criados — Elspeth corrigiu. — Dory me contou que
Catherine a encontrou na cozinha, conversando com Kemieth, e
teve um ataque de raiva..
— Catherine é muito rígida, mas existe uma diferença entre
rigidez e maldade — Lily declarou com firmeza, embora não se
convencesse das próprias palavras. — Papai cuidará para que tudo
se resolva da melhor maneira.
— Com a ajuda do Senhor — Elspeth murmurou.
— É claro. Bem, vou caminhar um pouco. A noite está agradável
e estou precisando de ar fresco.
— Não vá! Catherine ficará furiosa!
— Ela não vai saber — Lily garantiu da porta. --- Além disso, eu
me recuso a ser intimidade pelas ordens dela. Boa noite, irmãzinha.

- Eu preferia dormir entre os soldados, em vez de estar aqui –


Andrew queixou-se. — Fico esperando que Marshand apareça a
qualquer momento, para cortar nossas cabeças!
Rogan deu de ombros.
- Não faria sentido dormir lá fora, no calor, quando podemos
desfrutar dos confortos do castelo.
- Ora, não me venha falar de conforto! Você está interessado na
garota! A pequena flor, Lily. Vi você olhar para ela o tempo todo,
durante o jantar.
Rogan fitou-o com ar inocente.
- Que garota? Aquela que você monopolizou?
- Não monopolizei. Só estava tentando ser simpátIco.
- Admita: você estava gostando da companhia deia
- Naturalmente. Ela é uma garota adorável e encantadora. Vá
negar que teria trocado de lugar comigo, se pudesse?

- Eu tinha de pensar na minha missão — Rogan respondeu


sombrio.
- Você só pensa nas suas obrigações, Rogan?
O mais velho não respondeu.
- Pelo que percebi, você teve sucesso com Catherine —
continuou. — Conseguiu conquistá-la. Pensei que, ao findal da noite,
ela fosse devorá-lo.
-Sim — Rogan concordou com desgosto. — Ela realmente.
parece um animal predador.
- Não me envergonho em dizer que ela me assusta. Aquela
beleza fria, aquele olhar... Quanto antes formos embora melhor.
-Temos de resolver a situação, antes — Rogan lembrou-o.
- Está se referindo a garota?
-Que garota?
-Lily, é claro.
Rogan exibiu expressão indiferente.
-Devo admitir que reparei nela, mas não pense que sou tolo a
ponto de me deixar distrair por uma moça bonita.

— Por que não? Voçê nunca pensa no que deseja para si? Deixe
de levar as obrigações familiares tão a sério.
— Pare com isso, Andrew. Não costumo perseguir virgens.
— Não tirou os olhos dela durante o jantar.
— Ora, meu irmão, além de ser homem, não sou cego. E não fiz
voto de castidade, como você. Eu estava apenas apreciando a
moça, pois ela é bonita e me causou uma boa impressão. — Rogan
suspirou. — Está bem. A verdade é que ela é uma tentação.
— Creio que a tentação é mútua, pois ela só queria conversar
sobre você, durante o jantar. E, há menos de meia hora, eu a vi sair
para o jardim. Sem dúvida, está caminhando por entre as roseiras,
sonhando com o verdadeiro amor — Andrew falou em tom. teatral.
— Ela se daria muito bem com Alex. Rogan resmungou, mas
ergueu as sobrancelhaà. — No jardim? Há quanto tempo?
— Menos de meia hora.
Depois de fitar o irmão por um longo momento, Rogan levantou-se.
— Acho que vou passear pelo jardim. Sempre gostei de respirar
um pouco de ar puro, antes de dormir.
Então hesitou, sem saber em que direção ficava o jardim. Lançou
um olhar de expectativa para Andrew, que sorriu e apontou na
direção correta.
— Para lá — disse.

CAPÍTULO III
O jardim estava fresco, banhado pèlo luar. Lily aspirou o perfume
das flores, enquanto o farfalhar das folhas à brisa a confortava. -
Tirou os sapatos, ergueu a saia e sentou-se à beira do pequeno
lago artificial. Então, observou a estátua de Hero ao centro. Quando
criança, Lily costumava tecer fantasias na quais o mensageiro dos
deuses pagãos a salvava de um perigo O final da história era
sempre muito romântico. Nesta noite, porém, o ídolo não pássava
de uma criatura de pedra, pois um outro herói ocupava seus
pensamentos.
Enfiou os pés na água, deleitando-se com a carícia fresca nas
pernas. Apoiando as mãos atrás das costas, inclinou para trás e
fechou os olhos, sorrindo consigo mesma, a simples lembrança de
Rogan a fazia tremer. Uma voz interior, muito parecida com a de
Catherine, advertiu-a que devería parar com aquela tolice. Porém,
as sensações eram boas e Lily não queria parar de sonhar.
De repente, uma voz soou muita próxima:
- Boa noite, milady.
Sem pensar, ela ergueu o corpo subitamente. Seus pés tocaram o
fundo escorregadio do lago e, no mesmo instante, começaram a
deslizar, tirando-lhe o equilíbrio. Então, um forte braço a segurou,
pressionando-a contra um peito largo.

- Tenha cuidado, milady!


Lily aspirou-lhe o perfume másculo e virou-se. Descobriu que
seu rosto se encontrava a poucos centímetros do de Rogan. Os
olhos cinzentos exibiam um misto de humor e preocupação.
— Posso ajudá-la?
— Sim — ela balbuciou, colocando-se em movimento. Endireitou o
corpo, mas escorregou de novo e teve de agarrar-se a Rogan, para
sair da água. Seu vestido estava encharcado até a altura dos
joelhos, transformando-se em um verdadeiro fardo. Envergonhada,
ela se sentiu prestes a explodir em lágrimas.
— Se me der licença — conseguiu murmurar, tentando passar por
Rogan e voltar para dentro do castelo.
O ruído produzido pelo tecido molhado impediu uma saída
graciosa e, após alguns passos desajeitados, Lily parou,
perguntando-se o que Rogan pensaria dela.
— Por que vai entrar? — ele inquiriu.
— Preciso ir. Eu...
— Não pode ir a lugar nenhum com o vestido encharcado como
está. Seria impossível subir a escada. Por que não se sen ta aqui,
por algum tempo, e deixa que o ar seque parte da umidade do
tecido? Creio que seria mais seguro.
O sorriso que Rogan lhe dirigiu acabou de vez com sua capacidade
de raciocínio. Assim, Lily sentou-se ao lado dele.
— Deve estar pensando que não aprendi boas maneiras, depois
do que acaba de presenciar — falou em tom de desculpas.
— Não. Achei você muito espontânea. Afinal, todos nós nos
baixamos a guarda, quando estamos sozinhos. E você acreditou
estar sozinha, aqui.
— Catherine ficaria furiosa. Bem, ela nunca está satisfeita, mas se
soubesse que você me viu assim...
O sorriso de Rogan tornou-se largo.
— Asseguro-lhe, milady, que seu segredo está a salvo comigo.

- Sim , mas eu realmente preciso entrar — ela insistiu.


- Por favor, fique. Eu adoraria desfrutar da sua companhia.
— Lily sabia que deveria recusar, mas simplesmente não
conseguiu se mover. Decidiu agir como uma verdadeira anfitriã. —
O que acha de Charolais? Teve opórtunidade de examinar as
tapeçarias, no salão? Elas ilustram grandes batalhas dos Marshand.
Se quiser, eu te conto história de cada uma delas.
-outro dia, talvez.
- Fez boa viagem? O que acha da charneca?
- Sim, a viagem foi boa; embora estas terras sejam um tanto
ermas. Existe uma beleza selvagem, aqui, que é preciso
aprendermos a apreciar.
Satisfeita por ter conseguido envolvê-lo na conversa, Lily
replicou:
- Dizem que a beleza da Cornualha é adorada por seus e
incompreendida, pelos forasteiros.
- A paisagem é sombria e ocorreu-me se as pessoas não sofrem
essa influência.
Lily não sabia o que dizer, mas arriscou:
- Creio que o mar compensa esse lado sombrio.
- Gosta do mar?
- Adoro olhar as onda.
- Também gosta de navegar? Sempre adorei estar em um barco,
em alto-mar, cercado pela água azul.
- Não! Meu pai nunca permitiu que eu navegassa, pois diz ser
muito perigoso.
- Gostaria de experimentar?
Tomada de surpresa pela pergunta, Lily não conteve um sorriso.
- Ah, sim, gostaria muito!

- Talvez experimente. — Rogan falou. — Deve ser um grande


fardo para você.
- O quê?
- Comportar-se sempre da maneira esperada. Você parece
gostar de prazeres simples, como molhar os pés.

Lily corou.

— Faz questão de me embaraçar, lembrando o meu


comportamento impróprio.
— Peço desculpas. A verdade é que também me canso das
obrigações, como alianças de poder e casamentos arranjados. Sua
família parece dar grande importância a essas coisas, mas você,
não.
Lily perguntou-se como ele poderia compreendê-la tão bem.
— Nunca me importei com formalidades e títulos — Rogan
continuou. — Vi o que aconteceu a meu irmão.. As exigências o
tranformaram em uma pessoa difícil. Creio que seu recente
casamento foi um grande ato de rebelião contra tudo isso. Já vi
outros que se deixaram corromper pelos privilégios e perderam a
capacidade de apreciar as alegrias básicas da vida.
Lily assentiu em concordância e disse:
— As vezes, tento imaginar como seria viver sem todas essas
regras e exigências, sentindo-me...
— Livre? — ele completou.
— Sim. Pode parecer estranho, mas chego a invejar os criados.
— Por quê?
— Apesar de trabalharem muito e não possuírem nenhum
refinamento, eles parecem espontâneos, além de serem capazes de
enxergar as coisas com clareza e sem complicações. Catherine diz
que são simplórios e imorais, mas fico me perguitando se não têm
uma perspectiva diferente e muito válida, pois demonstram um
contentamento diante da vida, que nunca percebi entre a nobreza.
Rogan ergueu uma sobrancelha.
— Fascinante! — exclamou. — Simplórios e imorais?
— Sim. Já os vi se abraçando, ou beijando, e esses atos lhes
proporcionam grande alegria.
— Definitivamente, chocante — Rogan comentou com um sorriso
maroto. — E o que você, pensa de aventuras desse tipo?
— Bem, acho aceitáveis para os criados. Quanto aos nobres, a
situação é diferente.
- E você, Lily, tem motivos para ser alegre?

- Creio- que sim. Não tenho do que me queixar, pois possuo tudo
o que poderia desejar.
- Uma moça afortunada.
Ela estava mentindo e Rogan sabia disso. Corando, Lily
confessou.
-Bem, parte. do meu problema é não saber exatamente o que
desejo. Catherine sempre sonhou com um grande casamento.
Elspeth quer ir para o convento, mas papai reluta deixá-la, pois diz
que vai sentir falta dela.
Após alguns momentos de silêncio, Rogan falou:
-Talvez você encontre a felicidade ao lado de seu noivo. Ele é um
homem do seu agrado?
- Meus pais me prometeram quando nasci, mas ele foi morto na
Terra Santa. Nem cheguei a conhecê-lo. O mesmo aconteceu com
Catherine e foi por isso que papai teve de procurar um noivo para
ela, agora. Ainda não começou a cuidar do meu caso.
- Qual era o nome dele? Talvez eu o tenha conhecido.

-Esteve nas cruzadas? — ela inquiriu, impressionada.

- Sim — Rogan respondeu com olhar sombrio. — Retornei no ano


passado.
- Foi uma luta gloriosa? É verdade que os sarracenos são
selvagens como bárbaros? — O entusiasmo de Lily morreu diante da
expressão solene deRogan. — Desculpe-me. Não imaginei que
poderia ser doloroso falar sobre isso.

- Não é døloroso, mas também. não houve glória. Tirar uma vida
nunca é glorioso, mesmo que se tratej de um sarraceno. Pode ser
heresia dizer isso, mas eles não são completamerite maus.
Possuem religião e cultura diferentes, e também falam outra lingua,,
mas, como nós, amam suas famílias e dão suas vidas para proteger
os filhos.
Alguns se comportavam com nobreza maior que meus camaradas...
Desculpe-me. Não costumo falar disso com freqüência.
- Ora, não se desculpe! Não me importo. Ao contrário, se um dia
quiser me contar mais, vou me sentir honrada.
Ele sorriu.
— Vou me lembrar disso.
Conversaram tranqüilamente, até a lua começar a baixar
— Preciso entrar — Lily anunciou, dando-se conta de que já era
tarde.
Rogan assentiu, mas não se moveu.
— Se Catherine descobrir que estou aqui, com você, não vai ficar
nada satisfeita.
— Por que tem tanto medo de Catherine?
Lily considerou a pergunta. Como explicar a ameaça sutil que
Catherine emanava? Desde a morte da mãe, ela assumira a
administração de Charolais, governando os criados e as irmãs com
mão de ferro. Embora Lily não sentisse medo, fazia o possível para
evitar problemas.
— Catherine é muito rígida — declarou. — Ela sabe como fazer
uma pessoa arrepender-se por tê-la desobedecido.
O que era verdade, mas que não passava de uma desculpa para
o sentimento que tomara conta de Lily. Havia ultrapassado. os
limites, desta vez, mesmo levando em conta a liberdade de seu
espírito.
— Você não parece verdadeiramente preocupada — Rogan
arriscou.
— Não, mas preciso entrar — ela insistiu.
— Mas se sente relutante — ele argumentou. — Fiquei intrigado
com o que você falou sobre os criados serem alegres. Lembra-se?
—Sim.
— Disse que ficam alegres quando se beijam.
Lily corou e baixou os olhos. Quando voltou a encarar Rogan,
notou que os olhos dele brilhavam como prata.
— Já foi beijada, alguma vez? — ele inquiriu.
Lily ficou chocada.
— Trata-se de uma pergunta muito rude, para um cavalheiro
fazer a uma dama — protestou. — Enganei-me ao pensar que não
havia mal algum em conversar com o senhor.
Com isso, levantou-se e afastou-se, da maneira mais graciosa
possível, o que não foi satisfatório, pois a saia ainda continuava a
pesar e a produzir um som desagravel a cada passo de Lily.
Rogan reprimiu o riso diante de uma retirada tão magnifica.
Porém, assim que ela desapareceu no castelo, ele retomou a
seriedade, lamentando a impulsividade e porguntando-se o que o
levara a agir daquela maneira?

CAPÍTULO IV
Rogan voltou para dentro do castelo, aliviado por descobrir que
Andrew havia se retirado. Não estava disposto a conversar sobre
nada e, menos ainda, a ouvir outro sermão sobre os perigos de um
senso de responsabilidade exagerado. Apesar das circunstâncias
críticas em que se encontrava, Rogan sentia-se bem. Sua mente
ocupava-se em relembrar cada momento do delicioso interlúdio com
Lily. A pequena flor, como Andrew a chamara.
Um criado interceptou-o, dizendo que o levaria a seús
aposentos. Seguindo o rapaz, Rogan subiu a escada e percorreu um
longo corredor, até chegar a um quarto pequeno, porém
confortável. Uma banheira cheia de água quente repousava diante
da lareira acesa. A demonstração de hospitalidade surpreendeu-o,
levando-o a calcular que tal preocupação talvez fosse um sinal da
boa vontade dos Marshand. Seu humor melhorou ainda mais, diante
de tal perspectiva.
O criado saiu e Rogan começava a se despir, quando a porta se
abriu e Catherine entrou.
— Boa noite — ela disse, aproximando-se. — Vim ajudá-lo a
banhar-se.-
Era um costume bastante comum oferecer tal serviço a
visitantes, mas geralmente eram as mulheres casadas que despiam
e banhavam os hóspedes. Na ausência de tal pessoa, era aceitável
que a filha mais velha assumisse o papel. Mesmo assim, os instintos
de Rogan entraram em estado de alerta.

Embora experimentasse uma forte sensação de repulsa, quando


as mãos dela tocaram-lhe a pele, Rogan controlou as reações.
Catherine recebera um golpe e tanto, naquela noite e fora ele
mesmo quem o desferira. Por isso, não ia arriscar perder qualquer
chance de manter a paz. Mãos delicadas realizaram a tarefa de
despi-lo com eficiência, enquanto uma luz estranha brilhava nos
olhos escuros e um sorriso curvava os lábios de Catherine.
Rogan teria preferido a privacidade, mas sabia que não havia
meios de recusar a hospitalidade dela, sem ser rude. Chegava a ser
uma ironia que um homem como ele se sentisse constrangido
diante de uma mulher. No entanto, havia algo nela que lhe
provocava arrepios.
- Sinto-me aliviado em saber que você e sua família não
decidiram optar pela retaliação, pelo comportamento de meu irmão.
- O que está feito, está feito — ela murmurou, acabando de
despi-lo.
Embora não fosse tímido, Rogan descobriu-se aflito por estar nu
diante daqueles olhos devoradores. Assim, entrou na banheira
depressa e apanhou o sabonete.
- Eu mesma farei isso, lorde Rogan. -
Resignado, ele se deixou ensaboar por Catherine, fingindo
relaxar.
- O que me diz sobre sua irmã, Lily?

- Por que pergunta sobre Lily?


- Curiosidade. Sua família já escolheu alguém para se casar com
ela?
- Lily é urna boa menina, mas ainda é muito jovem e pouco
refinada. Esforço-me ao máximo, mas ela é um tanto obstinada.
Quanto a casamento, tenho certeza de que papai não terá
dificuldade em encontrar um noivo apropriado, quando chegar o
momento. E tradição. a filha mais velha se casar primeiro e, depois
deste escândalo, não será tão fácil encontrar um pretendente.
- Rico o bastante.
- O que disse?
— Eu disse: rico o bastante. Certamenté, sendo você uma mulher
tão adorável, imagino que seu pai pretenda fazer. a melhor aliança
possível. Um outro duque, talvez?
Catherine deu de ombros.
— Não sei. Com certeza, terá de ser um homem de boa família.
Porém, só recebi hoje a notícia de que o duque se casou com outra e
creio que estes assuntos devam ser decididos por meu pai.
As mãos dela deslizaram com avidez pelo peito de Rogan.
— Devo dizer que fiquei impressionado com sua irmã— ele
continuou, fingindo não estar perturbado pelo toque daquelas mãos.

Catherine não conseguiu disfarçar uma certa tensão em sua voz.


— Sugiro não falarmos dela. Creio que há assuntos muito mais
interessantes para discutirmos. Lorde Rogan... posso falar com
franqueza?
Rogan jamais saberia que conversa franca Catherine pianejara ter
com ele, pois Andrew escolheu aquele exato momento para entrar
no quarto.
— Rogan... — ele começou a falar, mas parou, sobressaltado com
a cena diante de seus olhos.
— Entre, Andrew — Rogan convidou-o. — Eu estava justamente
conversando com lady Catherine sobre sua perspectivas de um
futuro casamento. Teve a chance de discutir as preocupações de
nossa famiia com ela, quando foi ajudado em seu banho?
Após um breve momento de silêncio, Andrçw falou:
— Lady Catherine não me ajudou no banho. Na verdade, não há
uma banheira em meu quarto.
Catherine endireitou-se, visivelmente irritada pla interrupção. . .
— Há apenas uma banheira e, sendo lorde Rogan mais velho,
deve entender...
— Não se preocupe em explicar — Andrew interrompeu-a.
— Eu raramente tomo banho.
Ao perceber que ele se sentava, aparentemente disposto. a ficar,
ela tratou de apanhar as toalhas.

Se não vai mais precisar de mm esta noite, voltarei a vê-lo pela


manhã — declarou e saiu, antes que ele tivesse tempo de
responder.
Quando a porta se fechou, Rogan assobiou. — Foi por pouco!
— Teve medo de que a moça comprometesse a sua reputação?
Andrew provocou-o. — Devo dizer que me sinto profundamente
insultado, pois gostaria muito de tomar um banho!.
- Não seja cruel — Rogan advertiu-o. —Eu mal podia suportar a
sensação provocada por aquelas mãos magras e aquele olhar feroz.
Ficarei feliz, quando estivermos longe deste lugar. Enguerrand
parece ter se recuperado bem, mas aquela mulher...Acha que
conseguirá fugir das atenções de lady Catherine?
Em vez de responder, Rogan deitou-se e cobriu-se
- Saberei me defender. Apague a vela quando sair, por favor. E
relaxe, irmão. Se tudo mais falhar, ainda tenho minha espada.
— Meu bom homem, é justamente um certo tipo de espada que
aquela mulher está procurando!
Na manhã seguinte, logo após o desjejum, Rogan e Andrew
foram convidados pelo anfitrião a se dirigirem ao campo de
exercícios, onde assistiriam a uma demonstraço de habilidade em
luta.
Rogan assistia quieto aos exercícios, enquanto Andrew divertia-
se com as manobras um tanto desajeitadaa dos soldados de
Enguerrand. O mais novo revirava os olhós e, então, fazia elogios
falsos. Rogan franziu o cenho em uma advertência muda, mas
Andrew reagiu com uma careta.
Rogan pensou em Catherine, refletindo que o irmão acertara ao
dizer que o interesse óbvio que ela demonstrara ter pelo mais velho
poderia ser um problema. E havia Lily. As lembranças do encontro
da noite anterior ainda o faziam sorrir. uma garota estranha: bonita
e orgulhosa, mas, ao mesmo, despretensiosa, tão diferente da irmã
mais velha.

— O que diz, Rogan? — Enguerrand perguntou, trazendo-o de


volta à realidade.
— Desculpe-me. Acho que estava distraído — Rogan murmurou,
irritado com Andrew que o fitava com ar zombeteiro.
— Está em dúvida, não está, St. Cyr? — o anfitrião provocou.
- Enguerrand quer saber se você aceitaria o desafio de um dos
homens dele — Andrew esclareceu, revirando os o1hos.
Rogan considerou o convite e concluiu que um bom exercício
com a espada o ajudaria a aliviar a tensão.
— Boa idéia — declarou, ao mesmo tempo em que se levantava
e se livrava da camisa.
Surpreso por vê-lo entrar no campo de peito nu, Enguerrand
inquiriu:
— Ele vai lutar sem armadura?
— Está muito calor — Andrew respondeu.
— Mas, sem proteção...
O jovem sorriu.
— Não se preocupe. Ele não sofrerá nenhum arranhão.
Enguerrand franziu o cenho, sentindo-se insultado.
Atrás de uma grande pilha de caixotes e barris, a um canto do
campo, Lily encolheu-se e espiou com cuidado. Queria manter-se
escondida e, ao mesmo tempo, ter uma boa visão de tudo o que
acontecia.
Disse a si mesma que, certamente, havia enlouquecido. Se o pai
a descobrisse ali, ficaria furioso. Pior seria se Rogan a encontrasse,
pois ela não sobreviveria a tamanha humilhação.
Mas tinha de vê-lo de novo.
Simplesmente, não conseguira parar de pensar nele, durante a
noite toda. Ficara profundamente desapontada, pela manhã, ao
descobrir que seu pai o levara para o campo tão cedo. E, ao saber
que Rogan lutaria contra um dos soldados de seu pai, não resistiu à
tentação de assistir à contenda.
Quando Rogan apareceu, despido até a cintura, ela se abaixou
ainda mais. Sentiu o coração disparar. Ele estava seminu!

Ora, deveria sair dali enquanto ainda era tempo, voltar ao solar,
onde deveria, estar, costurando na companhia das outras mulheres.
Sim, fora uma grande tolice ceder aos impulsos. Lily levantou-se;
determinada.
Porém, em vez de voltar para o castelo, ela se aproximou um
pouco mais do campo.
Dali, podia ver tudo melhor. Observou os movimentos dos
musculos de Rogan, enquanto ele girava a espada sobre a cabeça, a
fim de se aquecer. Fascinada, notou as gotas de suor que brilhavam
sobre a sua pele nua. Sentiu-se fraca e teve que fechar os olhos e
respirar fundo, a fim de recuperar o equilibirio.
Era um homem magnífico, mais glorioso do que os heróis das
lendas cantadas pelos bardos. Suas formas pareciam esculpidas à
perfeição, assim como a estátua de Hermes, no lago do jardim.
Quando Lily reabriu os olhos, Rogan encarava o oponente e fazia
um sinal, indicando que estava pronto para o combate. E ela quase
revelou seu esconderijo, quando descobriu quem seu pai escolhera
para enfrentar o hóspede: Latvar, o cavalheiro mais habilidoso e
forte de Charolais, um homem monstruoso e desprovido de
piedades
Latvar aproximou-se, brandindo aclava no ar. Rogan esperou,
calmo e. alerta. Quando a arma baixou, ele se esquivou com
movimentos ágeis e f1uídos. Latvar atacou de novo mas ogolpe foi
evitado mais uma vez. Furioso, Latvar emitiu um grito de guerra.
selvagem e, atirando a clava no chão, desembainhou a espada.
Rogan aceitou o desafio, sacando a própria arma. Então,
começaram os golpes e o ruído metálico do encontro das lâminas
era ensurdecedor. Latvar era maior e mais forte, mas Rogan era
muito mais rápido. O grandalhão não conseguia manejar a espada
no mesmo ritmo de seu oponente.
Rogan desferiu uma série de golpes, até que Latvar, ofegante e
exausto, caiu de joelhos. Então, Rogan pousou um pe em seu peito e
apontou a espada para seu pescoço.
Li1y esperou, tensa, até que Latvar balançou a cabeça,
admitindo a derrota. Quando olhou para o pai, descobriu que o rosto
de Enguerrand apresentava-se muito vermelho e seu olhar gelado
fixara-se em Latvar. Atrás dele, Andrew pulava e batia palmas.
Lily perguntou-se qual seria a reação de seu pai. Rogan inclinou-
se, para Latvar e estendeu-lhe a mão. O pobre soldado lançou um
olhar de culpa para Enguerrand, que limitou-se a girar nos
calcanhares e dirigir-se ao estábuio, seguido de perto por um alegre
Andrew.
A multidão começou a se dispersar e Rogan aproximou-se do
barril de água, que se encontrava perigosamente próximo do
esconderijo de LiIy. Ela se encolheu, furiosa consigo mesma. por não
ter saído dali quando tivera a chance. Ficou imóvel, sentindo o
coração prestes a saltar do peito.
Rogan jogou água sobre ós ombros e costas e, então, lavou o
rosto.
— Não vai sair daí e me dar os parabéns? — perguntou em tom
casuaL — Ou ainda está zangada comigo, por ontem à noite?

Fechando os olhos, Lily desejou ter sido enganada pelos próprios


ouvidos. Rogan não poderia te-la surpreendido em posição tão
humilhante! Levantou e postou-se diante dele, como uma criança
arrependida.
- E então? — ele insistiu. — Ainda está zangada?

- Eu.... não — Lily gaguejou.


- Eu não deveria ter sido tão grosseiro, a ponto de fazer uma
pergunta absurda como aquela. No entanto, não resisti. Às vezes,
quando um homem está sozinho com uma mulher, coisas estranhas
são ditas.., ou feitas. Deve ser por isso que os pais se esforçam
tanto para manter suas filhas bem guardadas.- Os olhos de Rogan
exibiam um misto de sinceridade e divertimento. — Seu pai deveria
mantê-la trancada a sete chaves. Sua liberdade, embora restrita, é
uma tentação.
-Ah... — Lily murmurou, surpresa pelas palavras dele.
-Estou perdoado? — ele inquiriu.
- Está. Creio que minha reação foi um pouco... exagerada você
me apanhou de surpresa.
-Foi uma pena, pois eu estava gostando muito da nossa
conversa. Lamentei a sua partida.
Ela o estudou por um momento.
- As vezes, acho que está zombando de mim.
- Zombando? —. ele repetiu, surpreso. — De maneira alguma!
Lily, eu apenas digo o que penso, mas sou apenas soldado. Minha
única desculpa é ser grosseiro demais e não estar habituado à
companhia de damas como você.
— Ah, você não é grosseiro. Se nunca percebeu como é
agradável, então, não se conhece como imagina. E, com certeza
está bastante familiarizado com a companhia das damas.
— Nenhuma é como você. E devo admitir que gosto de provocá-
la porque gosto ainda mais das suas reações. Existe tanta falsidade
entre homens e mulheres, que sua honestidade torna-se ainda mais
deliciosa.
Lily corou diante do elogio inesperado.
— Creio que fui igualmente culpada pelo nosso “mal-entendido”.
— Lançou-lhe um olhar maroto. — Fui avisada de que deveria ter
cuidado com jardins ao luar e conquistadores de palavras dóces.
— Considera-me um conquistador, então!
Rogan soltou uma sonora gargalhada.
As sensações agradáveis da noite anterior voltaram a envolver
Lily e ela sentiu as reservas se dissiparem.
— Uma vez — disse —, quando eu era pequena, alguns artistas
vieram ao castelo. Minha mãe ainda vivia e adorava esse tipo de
diversão. Tivemos uma grande festa, com números exóticos. Uma
das atrações era um homem do leste, que não usava camisa, mas
tinha a cabeça coberta por um grande. turbante, com um rubi
gigante. Catherine insistiu que era apenas vidro vermelho, mas eu
sempre preferi acreditar que era uma pedra preciosa. A pele dele
era muito escura, e ele tocava a flauta de uma certa maneira, a fim
de fazer a serpente erguer-se de dentro da cesta que ele sempre
carregava consigo. Hipnotizada pela música, a serpente deixava de
ser perigosa e obedecia os comandos de seu mestre, subindo e
descendo.
Rogan a fitava nos olhos. Estava muito perto, ainda sern camisa, os
cabelos molhados... tentador. Lily estava consciente de que se ele
decidisse pôr fim à pequena e indesejável distância que os
separava, ela não seria capaz de se mostrar indignada, como na
noite anterior. Algo a impelia para ele e Lily já não queria negar tal
atração.
— Por que me contou essa história? — ele perguntou.
— Porque, às vezes, sinto-me como se fosse a serpente e você,
o homem da flauta e... -
Rogan vestiu a camisa, antes de explicar:
-Achei melhor diminuir minha semelhança com o sarraceno.-
Seus olhos brilhavam, provocando tremores em Lily - Você diz coisas
incríveis. Conhece as provocações da moças namoradeíras, que
piscam os olhos e fazem beicinhos? Você não faz nada disso, mas
atinge o mesmo objetivo, Sucesso muito maior. Em você, o flerte é
natural, o que a torna muito mais atraente.
Com um sorriso deliciado, Rogan estendeu a mão para acariciar-
lhe a face com suavidade. Lily perdeu de uma vez por todas a sua
capacidade de raciocinar.
-Chamou-me de conquistador- ele disse. — Devo admitir que lhe
dei motivos para pensar assim. No entanto não sou um romântico -
soltou uma risada —, nem encantador de serpentes.
- Eu não deveria ter dito o que disse — LiLy murmurou. -
Catherine vive a me repreender por minha ousadia.
- Na minha opinião, essa é uma das suas maiores qualidades. Não
costumo agir como um conquistador barato, e não estou tentando
seduzi-la.

Sinto-me aliviada - eIa declarou, quando na verdade sentia-se


desapontada
-Como você é tão honesta comigo, vou lhe retribuir o favor,
Os dedos dele tocavam as faces de Lily com suavidade, ao
mesmo tempo em que Rogan inclinava-se lentamente, aproximando
o rosto do dela.
Tenho de confessar que nunca antes uma mulher despertou meu
interesse como você — ele murmurou.

- Você alega não ser um conquistador, mas sabe muito bem


como
usar galanteios.

- Foi galanteio? Eu estava apenas sendo honesto. A honestidade


pode ser galante, quando se faz um elogio. Não estou dizendo
mentiras, nem tentando persuadi-la com minhas paiavras. Só queria
que você soubesse o que sinto. –

- Então, não espera que sua honestidade me atraia para você? –

— Atrai?
— Você sabe que sim.
— Fico contente em saber — Rogan sussurrou, antes que seus
lábios tocassem os dela.
Lily nunca fora beijada antes. Além dos heróis de suas fantasias,
ninguém havia inspirado nela sonhos de amor arrebatador. Assim,
não estava preparada para a torrente de sensações provocada pelo
toque dos lábios de Rogan.
Evidentemente, não poderia sequer imaginar quanto mais existia.
Na verdade, Rogan apenas roçou os lábios nos dela, mas para Lily,
foi como se uma fogueira explodisse em suas entranhas. Quando ele
fez menção de se afastar, ela emitiu um som de protesto, um pedido
para que Rogari não interrompesse o beijo tão cedo. Com um
suspiro de satisfação, ele a atendeu, envolvendo-a com seus braços
fortes.
Nenhum dos dois saberia dizer o que teria acontecido a seguir,
se a voz de Catherine não houvesse gritado o nome de Lily. Foi
como um banho gelado, que provocou um sobressalto em Lily. Ela
se afastou de Rogan, fitando-o com olhos arregalados, como se
chocada pelo que haviam acabado de fazer. E viu o semblante dele
tornár-se carregado, assumindo expressão contrariada.
— Lily! — Catherine chamou novamente.
— Ela não pode me encontrar aqui, com você! — Lily sussurrou.
— Acalme-se, Lily. Você não fez nada errado — Rogan afirmou.
— Aí está você! .— Catherine falou.
Lily virou-se e descobriu que a irmã se encontrava a poucos
metros de distância e observava o casal com olhar desconfiado.
— O que está fazendo aqui? — inquiriu. — Deveria estar no solar.
Volte agora mesmo.
Embaraçada e confusa, Lily olhou de um para o outro, antes de
virar-se e correr para o castelo. Rogan observou o olhar maldoso
com que Catherine acompanhou a partida da irmã. Então, ela se
recompôs, para voltar a encará-lo.
-Minha irmã o estava incomodando, lorde Rogan? — perguntou
com voz aveludada. — As vezes, chego a me,desesperar com ela. É
muito imatura e umtanto rebelde. Vou conversar com papai, pois
não podemos permitir que ela atormente nossos, hóspedes.
Rogan deu de ombros.
- Lilly não estava me incomodando. Não se preocupe. Agora, se
me der licença.
- Lorde Rogan! — Catherine interrompeu-lhe a tentativa de fuga.
- Gostaria de discutir.uma questão.. Pensei muito sobre a divida de
sua família para comigo. . .
Rogan parou e virou-se devagar
- Dívida?. Que eu saiba, as transações financeiras não chegaram
a acontecer. .
- Estou me referindo a uma dívida moral, pelo mau tratamento
que recebi de seu irmão.
- Pensei que havíamos nos entendido sobre isso — Rogan
argumentou.
- Meu pai e eu contávamos com-o casamento com o duque. Você
não imagina a humilhação que a rejeição dele me causou. Tínhamos
contado a amigos. Quando souberem o que aconteceu, haverá um
grande escândalo. Creio que é injusto minha reputação ser
manchada dessaforma, especialmente não tendo feito nada para
merecer isso.
Rogan esludou-a com cuidado. Seus instintos lhe diziam que por
baixo da fachada bem composta, Catherine era astuta como uma
raposa. Havia uma ameaça velada naquele discurso, que não
passou despercebida para Rogan.
- Achei que sua família estaria disposta a nos compensar. - ela
continuou. .
- É por isso que estou aqui. A escolha de meu irmão para esposa
é tão infeliz para nós quanto para vocês. Também detesto
escândalos, lady Catherine .
Com gestos estudados, ela baixou os olhos-e suspirou.

- Sei que a situação é diflcil para você, também. Vejo quanto


deseja evitar desentendimentos entre nossas familias. Meu pai está
consciente dísso, também. Mesmo asslm o problema existe.
Rogan tratou de controlar a irritação.
— E verdade. Você foi tratada injustamente e nada que eu faça
poderia mudar isso.
Os olhos de Catherine brilharam e seus lábios se curvaram em
um sorriso cativante.
— Estou muito feliz por você ter aceitado o convite de meu pai
para ficar conosco. Espero que aprecie a nossa hospitalidade.
Lembrando-se da tática utilizada por Andrew, na véspera, Rogan
elogiou:
— Sua hospitalidade é. muito generosa. Ninguém poderia
questionar o fato de sua família ter motivos de sobra para se sentir
insultada, mas todos reagiram com grande honra e decência. Espero
que minha família continue a gozar de sua estima.
Ela inclinou a cabeça, visivelmente satisfeita.
- Muito bem, lorde Rogan, nos veremos no jantar. Papai planejou
entretenimentos especiais para esta noite. Tenha um bom dia.
Quandó ela se foi, Rogan passou as mãos por entre os cabelos,
contrariado.EraeVidente que Catherine planejava algo, mas ele não
conseguia adivinhar o quê.
Praguejou baixinho. A delicadeza da situação era demais para
suas parcas habilidades no que dizia respeito a sutilezas e intrigas.
Andrew tinha razão: Alexander . deveria estár ali, implorandc pelo
perdão de Marshand. A imagem do duque arrogante, prostrado
diante do oponente, trouxe um sorriso aos lábios de Rogan,
afastando o ressentimento.
O que estava feito, estava feito. E, além do mais, ele tivera a
oportunidade de conhecer lady Lily, o que ele jamais poderia
lamentar.
Catherine notara o crescente interesse de Rogan por sua irmã e
não estava nada satisfeita com isso.

Logo após a chegada de Rogan, Catherine. começara a formulaar


um piano. De início, tratava-se apenas. de retaliação, mas à medida
que fora tomando forma e proporção, Catherine decidira que Rogan
teria de ser seu.
Era um homem maravilhoso, diferente de todos os que conhecia.
Catherine desejava-o com um ardor que jamais sentira antes.
Porém, não se contentaria com um segundo , por mais magnífico
que ele fosse. E ela já sabia como resolver esse impasse. Poderia ter
tudo o que queria, tudo. o que tinha direito: um marido rico e
atraente e o título de duquesa.
Afinal, acidentes aconteciam, Até mesma o duque de Winre
estava sujeito a eles, o que daria a Rogan o ducado. Era muito fácil
providenciar para que tudo se resolvesse. da melhor maneira.
Quanto à esposa, a amada filha do mercador, também não haveria
dificuldade Se ela estivesse grávida, um tanto melhor, pois muitas
mulheres e crianças morriam durante partos complicados. Ah, era
um plano adorável! E daria certo.
Olhando o próprio reflexo no espelho de seu quarto, Catherine
perguntou-se o que Rogan teria visto na medíocre da sua irmã.
Afinal, era ela; Catherine, a beldade da família e, portanto quem
merecia casar-se com ele. Desde criança, ela re soubera estar
predestinada a um futuro grandioso. Sua mãe tentara dissuadi-la de
sua superioridade, mas isso levara a filha a odiá-la e desprezá-la .
Quando a mãe morrera, Catherine, sem o menor pesar, assumira
imediatamente a posição de senhora do castelo e empenhara-se em
manipular o pai para que. ele providenciasse um noivo à sua altura.
Ora, não permitiria que nada, nem ninguém, se colocasse em seu
caminho.
A porta se abriu e um homem de cabelos negros entrou no
quarto. Catherine não se moveu. Ele se aproximou e, passando os
braços em torno da cintura dela, apertou-a contra sL
— Está tão tensa, ma chérie — murmurou ao seu ouvido.
Phillippe sabe exatamente como fazê-la relaxar, não sabe?

Apesar das palavras açucaradas, uma das mãos dele deslizou,


em um movimento rude, por entre as pernas de Catherine, que não
tentou impedi-lo.
— Mandou me chamar — Phiilippe continuou. — Precisa de mim,
esta noite.
Os movimentos de sua mão adquiriram um ritmo suave e,
lentamente, Catherine começou a relaxar.
— Ah, é bom saber que sou capaz de aliviar a sua tensão ma
cherie.
—- Cale-se e tire a roupa — ela ordenou.
Então, tirou o vestido e as jóias, e foi se postar diante da lareira.
Observou Phihippe aproximar-se e, quando ele a tomou nos braços,
Catherine fechou os olhos. Em vez dos traços morenos do francês,
concentróu-se na visão da pele bronzeada, ombros largos, braços
fortes; cabelos cor de cobre e olhos tão cinzentos quanto os de um
lobo. Naquela noite deixaria que Philhippe satisfizesse os clamores
de seu corpo mas em sua mente, seria Rogan quem faria amor com
ela.

Enguerrand Marshand não era um tolo. Possuía muitos defeitos,


mas uma de suas maiores qualidades era justamente o
reconhecimento das próprias falhas. Porém, perspicácia não lhe
faltava. Assim, tinha plena consciência da natureza calculista da
filha mais velha e, na verdade, aprovava tal característica na maior
parte do tempo. Catherine parecia-se com ele em muitos aspectos e
agradava-o pensar que a inteligência dela fora uma de suas
heranças.
Também conhecia a crueldade de Catherine e, embora não
aprovasse esse tipo de comportamento, preferia acreditar que ela
sofria de falta de sensibilidade. Afinal, ninguém era perfeito.
Seu maior orgulho era Elspeth. Qualquer homem se ressentiria da
terceira filha, uma vez que sua última chance de ter um filho
herdeiro se fora. Enguerrand, porém, adorava a caçula. Elspeth
sempre fora uma criança extraordinária, desde o nascimento.
Serena, dona de uma sabedoria que ia muito além de sua idade,
jamais perdera a inocência.

Era justamente por amá-la tanto, que o pai-não se sentia feliz de


satisfazer-lhe o único desejo. Mandar Elspeth para um convento
seria abrir mão da única verdadeira alegria em sua vida. Quanto a
Lily... Bem, não costumava pensar multo na do meio. Sempre
determinada, teimosa é independente, não se parecia em nada com
a doce Elspeth, nem era esperta como Catherjne. Parecia-se mais
com a mãe, com quem Enguerrand se casara, cumprindo a
determinação dos pais, mas nunca compreendera. Assim, ele
sempre deixara Lily tocar sua vida em paz, deixando para Catherine
a tarefa educá-la da maneira mais apropriada.
Por tudo isso, foi uma. grande surpresa ouvir de. Rogan a
proposta de casamento. . .
Catherine o queria. Ela procurara o pai, dizendo que aceitaria
Rogan como marido. Conhecendo bem as maquinações dela,
Enguerrand. calculara que ela possuía fortes razões para desejar tal
união e, por isso, concordara, mas o que não lhe ocorrera fora a
possibilidade de Rogan não querer Catherine. Quando Enguerrand
fizera a proposta ele respondera:
- Vejo-me forçado a declinar.
Quando Enguerrand exigira urna explicação Rogan limitou-se a
dar de ombros, alegando que Catherjne não era de seu agrado.
- Está me insultando novamente, St. Cyr-—o pai protestara,
irado. - Seu irmão jogou sujo comigo e, agora, você se recusa a
corrigir o erro dele. Teve a petulância de vencer Latvar! Não tem
sequer a decência de perder para o soldado de seu anfitrião!
— Nunca perco, nem mesmo de propósito — Rogan falou
calmamente.
-O único a me tratar com respeito foi o jovem Andrew. Andrew,
embora você não lhe dê o devido valor, a julgar pela sua expressão
irônica. O padre foi o único a se esforçar para me tratar com
deferência.
Rogan manteve-se calado.

Sabendo que os St. Cyr queriam a paz, Enguerrand prosseguiu em


tom ameaçador:
— Você não fez nada para salvar as relações. entre nossas
famílias, embora alegue estar disposto a preservar a amizade dos
Marshaid. Já demonstrei grande controle e generosidade, dando-lhe
a chance de se redimir, mas você despreza a oportunidade e insulta
Catherine. São duas rejeições da mesma família, o que não me
parece condizer com a suposta tentativa de reconciliação. Diga-me,
lorde Rogan, que objeções tem contra minha filha? -
Após uma pausa, Rogan respondeu com cuidado:
— Não tenho nenhuma objeção, Enguerrand. Simplesmente,
quero lhe pedir que estenda mais uma vez a sua generosidade e me
dê a mão de Lily. -
Enguerrand foi apanhado de surpresa.
— Lily? Quer se casar com ela?
— Eu já vinha refletindo sobre isso, mas sua proposta força-me a
apressar minha decisão.
— Quer se casar com Lily? — o outro repetiu.
— Ela me causou uma impressão muito favorável e parece uma
esposa mais adequada ao meu temperamento. Catherine é
adorável, exemplar em todos os sentidos, mas muito refinada.
Exigiria atenções que não poderei lhe dar. Não sou um duque, mas
um simples soldado.
— Um grande guerreiro, eu diria — Enguerrand corrigiu-o, sem
pensar. — Lily...
— Não posso negar que, ela seja muito bonita, mas mais
importante é que a considero encantadora. Nas poucas ocasiões em
que conversei com Lily, fiquei impressionado com suas
características incomuns. — Um sorriso curvou-lhe os lábios. —
Creio que não encontrarei qualquer dificuldade em mantê-la como
uma esposa feliz. Além disso, acredito que ela não vá recusar minha
proposta.
Enguerrand considerou a oferta. Embora não compreendesse a
escolha de Rogan e soubesse que Catherine ficaria furiosa, a idéia
era bastante interessante. Afinal, ele ganharia com o casamento da
segunda filha, tanto quanto da primeira. E, uma vez resolvida a
situação de Lily, ele ainda teria Catherine para formar uma outra
aliança poderosa.
— Muito bem. Vamos discutir o valor do dote.
Rogan ergueu uma das mãos.
- Em nome da amizade entre nóssas famílias, dispenso dote. E,
como meu sogro, gostaria que aceitasse um pequeno presente, uma
compensação pelo seu sacrificio, ao entregar-me sua filha.
_ Mas isso é..
- Pouco convencional, eu sei. Mesmo assim, eu insisto.
Enguerrand fez uma pausa. Era evidente que Rogan estava
tentando comprá-lo, o que era desnecessário, pois Enguerrand já
concordara com a proposta.

Grande tolo! Muito bem — declarou. — Anunciarei o casamento


imediatamente.
-Eu gostaria que a cerimônia se realizasse o quanto antes. Três
semanas devem ser suficientos para que os proclamas sejam lidos e
que as providências necessárias sejam tomadas. Tenho assuntos
urgentes a resolver no norte e pretendo partir logo após o
casamento. - Certo — Enguerrand concordou, esfregando as
mãos e fazendo planos.
Nem notou a saída de Rogan.
Tudo aquilo era inacreditável! Casar uma filha sem ter que pagar
o dote já era incrível, mas lucrar.com o acordo... maravilhoso!
Sua alegria durou pouco, pois ele logo se lembrou de Catherine.
A simples idéia de contar a ela que Rogan queria casar com Lily
provocava-lhe arrepios. De repente, o “suborno” oferecido por
Rogan deixou de parecer tolice. Enguerrand anunciou o casamento
naquela noite, durante o jantar, levantando-se sem preâmbulos e
rugindo para que a rnultidAo fizesse silêncio., Rogan surpreendeu-se
com a expectativa que o invadiu.
Não tivera chance de conversar com Lily naquele dia. Haviam
apenas trocado olhares e, apesar de tímida, ela não fora capaz de
esconder o prazer que tinha em vê-lo. E ele estava ansioso para
falar com ela, impaciente para saber como ela reagiria ao
casamento iminente.
Enguerrand gritou:
— Ouçam, todos! Tenho um comunicado importante a fazer.
O barulho cessou. Rogan olhou para Catherine e ficou perplexo ao
perceber seu sorriso de triunfo. Sentiu um aperto, no peito ao dar-se
conta de que ela acreditava que o pai anunciaria seu casamento
com Rogan. Se Catberine não fora informada da mudança de planos,
Lily certamente também não sabia de nada. Rogan virou-se para
ela, quando Enguerrand dizia:
— Rogan St. Cyr pediu a mão de minha filha, Lily...
A voz do anfitrião apagou-se e Catherine foi esquecida. A medida
que as palavras eram pronunciadas, Rogan só podia olhar para sua
futura esposa.
A emoção expressa no rosto dela comprovava sua ignorância do
acordo que fora feito, horas antes, com relação ao seu futuro. O
choque inicial foi rapidamente substituído pela mais pura felicidade,
e ela virou-se para Rogan com olhar incrédulo.
Rogan foi nvadido pelo sentimento mais intenso que jamais
experimentara. Ele sorriu, seguro de que não restava a menor
dúvida em seu coração. Levantou-se e estendeu a mão na direção
dela, que também se pôs de pé, com um sorriso radiante,
permitindo que o pai lhe tomasse á mão e a colocasse sobre a de
Rogan.
Viraram-se para receber o cumprimento formal dos demais.
Rogan sentiu uma pontada de tensão ao descobrir que Catherine
era a primeira da fila, mas ela manteve a ira sob controle. Apenás
seu olhar traía seus verdadeiros sentimentos.
- Parabéns, Lily.. Rogan — ela murmurou antes de se afastar.
Em seguida, Elspeth atirou-se nos braços de Lily e Rogan teve de
enfrentar a expressão zombeteira de Andrew.

- Esse foi um golpe de mestre — disse o mais novo. — Meus


parabéns. Desejo-lhe toda a felicidade do mundo e rezo para que a
desventura nunca os atinja — lançou um olhar disfarçado para
Catherine
Oss menestréis passaram a tocar músicas a1egres e o vinho
servido à vontade.. Rogan queria ficar a sós com Lily, mas as
mulheres do castelo a cercavam falando sem parar. Lily lhe lançava
olhares satisfeitos, delatando o prazer que sua ingenuidade não lhe
permitia disfarçar.

- Bem, ele disse para si mesmo, teriam bastante tempo para


conversar.
Quanto a Cátherine, não voltou a vê-la, naquela noite.Embora
fosse um alívio momentâneo, Rogan tinha um mau pressentimento.
Ela não aceitaria a derrota com facilidade.
Lily percorreu a trilha ao longo do penhasco, apressada para
chegar na pequena praia, onde vários barcos de pesca
encontravam-se ancorados. Estava atrasada. Assim que alcançou o
píer, avistou Roga», sentado em um barco. Ele não parecia
contrariado pelo atraso.
-Olá — ela o cumprimentou. — Desculpe o meu atraso.
— Sem problemas. — Rogan ergueu uma sobrancelha. - Achei
que você poderia ter mudado de idéia.
Feliz demais para se importar com provocações ou zombarias,
especialmente se vindas de seu maravilhoso noivo, Lily pôs as mãos
na cintura.
— Pensa que sou covarde? — inquiriu.
— Não, mas o mar pode intimidar até mesmo os corajosos.
Lily hesitou. Era verdade que a perspectiva de navegar pela
primeira vez provocava-lhe arrepios, mas seus medos foram
superados pela idéia de ficar sozinha com Rogan.
— Venha — ele convidou em tom de desafio.
Com movimentos desajeitados, ela obedeceu e, uma vez no
barco, quase perdeu o equilíbrio. Rogan pôs-se de pé rapidamente e
envolveu-a com seus braços firmes.
— Vai precisar de um pouco de prática, para se equilibrar
— ele murmurou.
— Devo avisá-lo de que não sei nadar.
Ele riu.
— Sou um marujo experiente e, além disso, creio já ter provado
minha habilidade em salvá-la dos perigos das águas! Agora, sente-
se e deixe que eu cuide de tudo
Obedecendo, Lily sentou-se no banco de madeira e segurou-se
na amurada com mãos trêmulas. Rogan sorriu e, apanhando os
remos, levou o barco para longe do píer. Depois de terem
ultrapassado o ponto onde várias rochas ameaçavam as
embarcações, abandonou os remos e foi se sentar ao lado dela.
— Pronto. Agora, você já pode se soltar.
Lily discordava, pois as ondas batiam contra o barcos
balançando-o de um lado para outro. Além disso, suas mãos
pareciam determinadas a não soltarem a amurada por nada. Porém,
temendo parecer infantil, eia se forçou a aceitar a sugestão.
Imediatamente, Rogan passou um braço protetor em torno de
seus ombros, puxando-a para si.
— Fique tranqüila — murmurou. — Cuidarei de mantê-la em
segurança.
— Devo parecer uma grande tola.
Pouco a pouco, o medo do mar dava lugar à excitação provocada
pela proximidade do corpo forte e másculo, cujo odor viril
embriagava-lhe os sentidos.
— Olhe para trás — Rogan instruiu.
Lily espiou por cima do ombro dele e descobriu que a baia
reduzira-se a uma estreita faixa branca, entre a água zul e o
rochedo cinzento. As docas eram apenas pontos coloridos, sendo
impossível distinguir as tantas pessoas que Lily sabia continuarem
por lá.
Esquecendo.. por um momento de onde estava, ela se endireitou

— E lindo! — exclamou. — Já Posso imaginar aqueles barcos dos


dos vikings ansiosos. pelas pilhagens que iriam fazer em terra. Ou,
então, as gerações de marinheiros Ingleses, cansados e saudosos,
avistando estas terras e sabendo que sua viagem chegava ao fim.
— Quantos deles imaginaram-se a salvo ao avistar a terra e os
faróis, mas logo. descobriram que os piratas éncontravam-se à
espera?
Apanhada de surpresa pelo comentário sombrio, LiIy ergueu os
olhos para fitá-lo.
— São apenas lendas — protestou. — Quem faria uma coisa
dessas?
— Minha querida, você é muito inocente., Homens e mulheres já
fizeram essas coisas.., e outras muito piores. Ela voltou a olhar para
o mar.
— Não vai se arrepender de deixar suas terras? — Rogan
perguntou.
— Não. Quando mamãe era viva, Charolai era um lugar alegre,
mas tornou-se sombrlo, nos últimos anos. Ficarei satisfeita em
deixá-lo-para trás.
E uma história triste.
— Nem tanto — eia o corrigiu com um sorriso, além de brilho
intenso no olhar. - Tem final feliz,
— Tem razão — Rogan concordou,
— E a sua infância foi feliz?
— Sim — ele respondeu de bom humor. — Eu vivia salvando
Alexander de encrencas, Mesmo quando garoto, ele

vocada pela proximidade do corpo forte e másculo, cujb r viril


embriagavae os ientidos. ele já era arrogante, o que desagrava
algumas pessoas. Fui educado em casa, o que considero uma
grande sorte. Meu pai não via mérito em enviar os filhos para a
corte, pois contava com excelentes cavaleiros para treinar seus
filhos. Além disso, acho quê se orgulhava de mim. Papai gostava de
assistir aos meus exercícios no campo de treinamento. Minha mãe
ocupava-se da educação de minha irmã, e dizia que os meninos
eram responsabilidade do pai. — Rogan fez uma pausa. — Os dois
morreram de febre, quando eu lutava nas cruzadas, assim com
minha irmã.
— Sinto muito .— Lily murmurou. — Percebi que você e Andrew
são muito próximos.
— Sim, ele foi morar comigo, em Kensmouth, quando voltei para
casa.
— E Alexander?
— Ele se considera o patriarca, o que é razoável, sendo ele o
mais velho. Embora, no momento, eu não esteja muito satisfeito
com as atitudes de meu irmão, devo admitir que é um homem muito
bom para a família, além de ser um grande irmão. — Rogan fez um
careta. — Dizer isso chegou a doer!
Lily riu, sentindo-se prestes a explodir de felicidade. Tudo era tão
fácil quando estava ao lado de Rogan. A vida confusa e sombria de
Charolais parecia deixar de existir, dando. lugar a uma simplicidade
serena.
Rogan interrompeu-lhe o devaneio, dizendo:
—Parte do motivo pelo qual eu a trouxe neste passeio foi porque
queria conversar sobre o nosso casamento. Não sei o que seu pa
lihe falou a respeito, se é que disse algo. Achei que você deveria
saber que foi ele quem propôs uma aliança entre nossa. famílias,
como constava dos planos originais. É uma boa idéia, que trará
vantagens para todos.
— Assim, manteremos a paz — Lily falou depressa, na esperança
de esconder os sentimentos.
Já suspeitara que fora esse o motivo da proposta e chegara a se
convencer de que só uma razão como essa levaria um homem como
Rogan a sequer prestar atenção nela.
Você é inteligente — Rogan declarou —, o que me agrada
bastante, mas quando seu pai me procurou, era com Catherine que
pretendia me ver casado. Foi então que pedi ele a sua mão. —
Diante da expressão chocada de Lily, riu. — Não vou falar mal dela,
pois é sua irmã, mas chego a dizer que não creio que Catherine e eu
combinaríamos.
Então, voltou a fitá-la com seriedade. — Quero que saiba que
meus sentimentos por você são muito diferentes. Não fiquei nem
um pouco insatisfeito com a perspectiva dessa aliança.Portanto,
embora a iniciativa tenha sido tomada por seu pai, nunca pense que
eu não queria me casar com cê. E, apesar das vantagens para
ambas as famílias minha motivação não foi somente cumprir uma
obrigação familiar. Na verdade, eu já havia pensado na possibilidade
de tomar você como esposa. Simplesmente, a decisão teve ser
tomada antes do que eu esperava.
Por um momento, Lily limitou-se a fitá-lo, boquiaberta. como se
despertasse de um transe, endireitou.se e voltou a rir, sentindo-se
mais ousada do que nunca. -
— Lembra-se daquela primeira noite, quando você me encontrou
no jardim?
Ele sorriu.
— Sim, eu me lembro.
Vou àquele lugar com freqüência, desde que era criança. no
centro do lago, há uma estátua de Hermes. Sempre adorei os mitos
gregos, embora tivesse de pedir ao velho saloin que me contasse
em segredo, pois meu pai não aceitava tais histórias.
— As vezes, Lily, parte o meu coração pensar em você sendo tão
reprimida.
— Acabei me tornando especialista em escapar à vigilância —
ela confidenciou com ar maroto. — Bem, sempre gostei das histórias
sobre Hermes. Embora fosse heróico, era mais conhecido como o
mensageiro dos deuses.
— Sim, eu me lembro.
— Bem, naquela noite, eu estava pensando em você, como
sendo algum tipo de mensageiro, como Hermes.

— Então, é êssa a minha semelhança com o seu herói! Devo admitir


que é bem melhor do que o encantador de serpentes sarraceno.
Lily corou.
— Foi mera coincidência — murmurou com timidez.
Como sempre, Rogan tratou de tornar o clima mais leve.
— Lembro-me de um padre que conheci quando criança. Ele dizia
que coincidência é quando Deus trabalha em silêncio.
— Então, olhou para o sol. — Já é tarde. Precisamos voltar. Lily
também olhou para o horizonte e suspirou. Quando
voltou a virar-se, descobriu que Rogan a observava com olhar terno.
Deu-se conta de que ele a beijaria e deixou-se envolver pela onda
de calor que a atacou. Rogan inclinou-se para ela, diminuindo a
distância que os separava, mas, então, afastou-se.
— Você será minha em breve— murmurou com voz rouca.
— Só teremos de esperar pouco mais de duas semanas... embora
não sejã fácil me comportar.
Lily queria dizer que não queria que ele se comportasse, mas sim
que a tomasse em seus braços. Infelizmente, faltou-lhe coragem.
Sem dizer mais nada, Rogan apanhou os remos. Com outro suspiro,
Lily ocupou-se em ajeitar as pregas da saia:
Demorou um instante para notar que ele havia parado para
observá-lã. Então, Rogan abandonou os remos, tomou uma das
mãos dela e levou aos lábios.
— Vamos nos dar muito bem — disse.
Emocionada, ela respondeu com voz embargada:
— Também acho.

Catherine entrou na capela deserta e foi se ajoelhar diante da


Madona. Ele chegou em seguida e, ao ouvir seus passos, Catherine
baixou a, cabeça, como se perdida em orações.
- Milady?
Ela ergueu os olhos e virou-se.
— Milorde,
Rogan estava parado perto da porta, mantendo expressão
neutra.
Catherjne levantou-se
— Obrigada por ter atendido o meu chamado.., embora fosse o
mínimo que você poderia fazer, depois de tudo o que me fez passar.

Ele franziu o cenho.


— O quê, exatamente eu fiz, milady?
— Está tentando me deixar com ciúme — ela declarou, Petulante.

— O que disse?
Ela soltou uma risada estridente.
— Por que mais faria esse jogo? Casar-se com Lily! Francamente!

Rogan respirou fundo.


— Quando seu pai sugeriu que nos casássemos expliquei a ele
que me sentia honrado, mas Lily seria mais adequada ao meu
temperamento. Não tive a intenção de Ofendê-la, mas...

— Mas estou ofendida — ela o interrompeu. — Você não


compreende. Fui eu quem convenceu papai de que um casamento
entre nossas famílias seria a melhor solução.
— E será.
— Mas deveria ser comigo! Lorde Rogan, Lily não passa. de uma
criança. Não pode estar falando sério, quando alega tê-la preferido a
mim. Qual é o seu jogo, afinal?
— Não há jogo algum — Rogan respondeu com frieza. —
Simplesmente, prefiro sua irmã.
— Impossível! Não pode preferir aquela idiota!
— Está insultando minha noiva — Rogan advertiu-a com
gravidade.
A risada de Catherine foi maligna..
— Diga ao meu pai que pensou melhor e decidiu voltar atrás e
casar-se comigo. Do contrário, farei pior do que insultá-la.
— Não me ameace.
Ela estreitou os olhos, cerrando os punhos.
— Está se esquecendo, St. Cyr, que veio em busca de paz.
Deveria estar fazendo tudo para me agradar, não para me
contrariar.
— E verdade que abomino a guerra, mas descobri que seu pai,
embora faça grande alarde de seus exércitos, também não tem
estômago para a batalha.
— Pois, então, você vai se ver comigo. E descobrirá que eu tenho
estômago para muito mais — Catherine sibilou.
-Você não pode fazer nada contra mim — ele zombou.
—Não?
Rogan hesitou.
— Se fizer, pagará muito caro. Conheci diversas pessoas como
você, Catherine. O que não consegue possuir, tenta destruir. Você
não me assusta, apenas me provoca nojo. Eu não me casaria com
você, nem mesmo que toda a Inglaterra dependesse disso.
Com isso, girou nos calcanhares e encaminhou-se para a porta.
— Não se atreva a sair! — Catherine gritou.

Desta vez, Rogan não hesitou, mas bateu a porta atrás de si.
Furiosa, Catherine permaneceu imóvel, a mente girando disparada,
repleta de pensamentos vingativos. Jurou fazê-Io pagar por aquela
rejeição. Então, a lembrança das palavras dele aplacou sua raiva.
possuir ou destruir. Rogan a conhecia. Ah, sim, eia ainda o teria para
si. Do contrário, trataria de esmagá-lo.
Na manhã de seu casamento, sentada diante da penteadeira,
em seu quarto, Lily olhava para o espeIho examinando o penteado
complicado. Seus cabelos haviam sido presos e empilhados em um
coque alto, entremeados de flores e fitas.
— Sim obrigada, Ingred. - -
A criada sorriu, orgulhosa de próprio trabalho, lngred era a criada
de Catherine, enviada pela irmã mais velha , uma vez que Lily não
tinha ninguém para ajudá-la a vestir-se, Lily sempre usara os
cabelos em estilo simples, mas Caberine insistira, em um
inesperado gesto de generosidade, em ceder-lhe a criada para que
fizesse “um penteado espetacular para aquele dia tão especial”.

Percebendo que Lily a estava dispensando, Ingred perdeu o


entusiasmo,-mas saiu sem protestar. Imediatamente, Lily pôs-se a
desmanchar penteado.
- Elspeth, depressa! Ajude-me a tirar estas coisas do meus
cabelos, Tenho menos de duas horas para providenciar algo
menos.., menos.., menos parecido com Catheriné

A mais nova continuou parada diante da janela, com ar perdido.


Seu rostinho infantil apresentava marcas de preocupação.
— Elspeth, -ajude-me! Estou com pressa.
A menina despertou.
—Oquê?
— Ajude-me com o penteado!
— Ah, sim, claro.
— Meu Deus, que coisa horrível! Chego a desconfiar que
Catherine instruiu Ingred para me fazer parecer ridícula. Ah, estou
tão nervosa!
Quando finalmente escovava os cabelos soltos, Lily percebeu que
irmã voltara a se encolher em um canto. Abandonou a escova e
aproximou-se da menina, passando um braço em torno dos ombros
frágeis.
— Você parece perdida, Elspeth — falou, sorrindo e abraçando-a
— Acho que sei o que a está preocupando.
Uma sombra cobriu o semblante da mais nova.
— Sabe? , ela inquiriu.
— Não deve se envergonhar dos seus sentimentos. Também
sentirei a sua falta. Você é a única pessoa, em Charolais, que me dói
deixar. Sentirei saudade de papai, mas ele está sempre ocupado
demais para nos dar atenção. E devo confessar que não sentirei
falta de Catherine.
Percebendo que Elspeth tornava-se ainda mais pálida, Lily
indagou:
— Elspeth, o que está acontecendo?
— Na.... nada — a menina gaguejou, em pânico. — É o que você
disse. Vou sentir a sua falta.
— Está com medo de ficar sozinha com Catherine? — Lily
perguntou, pois sempre se colocara entre as duas, protegendo a
caçula. — Elspeth, papai prometeu mandá-la para o convento, como
você deseja. Você não vai ficar aqui por muito tempo. — Notando
que suas palavras não surtiam efeito, Lily declarou com firmeza: —
Falarei com papai, antes de partir com Rogan. Vai se sentir melhor,
assim?
Elspeth forçou um sorriso e voltou a olhar para a janela. Lily
suspirou. A irmã sempre fora um mistério. Catherine referia-se a eia,
com muita ironia, como «a santinha”. O que não estava longe de ser
verdade.
Sem saber o que mais poderia dizer, Lily. afastou-se com relutância,
ainda observando o rosto triste de Elspeth.
— Fique feliz por mim, irmãzinha. Vou me casar com um homem
muito melhor. do que todos os que já conheci. Nunca fui tão feliz.
Hoje, uma nova vida começa para mim. Uma vida com Rogan,
repleta de prazeres e alegrias que eu nem sequer sonhava
existirem. Sei que é dificil dizer adeus, mas gostaria que, hoje, nós
duas pensássemos apenas em coisas que alegrem nossos corações.
O sofrimento de Elspeth pareceu aumentar diante das palavras
de Liiy. De repente, ela se levantou de um pulo e saiu correndo do
quarto.
- Lily suspirou triste por ver a irmã tão querida sofrer. Porém, a.
cerimônia começaria dentro de uma hora e ela ainda tinha muito o
que fazer. Respirando fundo, voltou a sentar-se diante da
penteadeira, e pôs-se a arrumar os cabelos.
Várias imagens do dia de seu casamento, ficariam gravadas na
memória de Lily: o orgulho de seu pai, a expressão contrariada de
Catherine, a tristeza de Elspeth e Andrew, mostrando-se sério desde
a primeira vez em que ela o vira. O resto era um turbilhão de
felicidade, pois tudo era Rogan, atraente, repetindo os votos no
altar, com voz firme e convicta. Seus próprios votos, Lily pronunciou
com uma firmeza que a surpreendeu, pois sentia-se trêmula e
ofegaxite, embora não soubesse exatamente por quê.
Afesta que se seguiu, Lily movia-se entre a multidâo, recebendo
abraços e retribuindo cumprimentos, se dando conta do que dizia.
Rogan permaneceu ao seu lado o tempo todo e a pressão suave da
mão forte em seu braço era a unica coisa que parecia real.
- Está com. frio? — ele. perguntou, notan4o que ela Utrernecja. ,
— Um pouco. Vou pedir a Dynna. que vá buscar meu xale. Já está
quase na hora de nos retirarmos. Por que não vai na frente? Rogan
exibiu um sorriso sensual, fixando os olhos nos lábios de Lily. —
Estarei com. você dentro de alguns minutos. Vá. Cuidarei de
oferecer as
desculpas apropriadas
— Não acha que deverfamos avisar papai? Os brindes...
— Não quero aquelas tolices que atormentamos recém-casados.
Quando eu chegar, garanto que estarei sozinho.

Lily assentiu, sem se sentir culpada por enganar os convidados.


Era costume a noiva ser levada para o quarto pelas mulheres e
sujeitada a uma longa preparação, enquanto o noivo era carregado
pelos homens, despido e atirado na cama, junto da nova esposa.
Durante todo o procésso, os convidados gritavam “instruções” sobre
os deveres do marido. Certamente, ninguém se atreveria a usar de
um humor tão grosseiro com Rogan.
A lareira em seu quarto estava acesa e a banheira, cheia de água
quente. No entanto, nem o banho ajudou Lily a relaxar. Rogan
chegaria em breve e, naquela noite, ela se deitaria com ele,
tornando-se sua esposa em todos os sentidos. E, embora a idéia a
excitasse, Lily também estava apavorada. Como saberia o que
fazer? E se não soubesse agradá-lo? Ora, não fazia a menor idéia do
que o marido esperava dela.
Bem, aquele não era o momento de se acovardar. Horas antes,
casara-se diante de Deus, prometera amar e respeitar seu marido.
No dia seguinte, partiria com Rogan para começar sua nova vida.
Mas, antes da viagem da manhã seguinte, teria de enfrentar aquela
noite.
Rogan não teve dificuldade em encontrar o quarto de Lily. Lá
embaixo, os convidados continuavam a festejar ruidosamente,
usando o casamento como desculpa para abusar da hospitalidade
de Enguerrand Marshand. Mas ele tinha uma cama quente à sua
espera, além de uma noiva mais quente ainda. Sua esposa, que
deixaria de ser virgem naquela noite. Sentiu o pulso acelerar diante
de tal pensamento. . -
Abriu a porta e entrou no quarto confortável e bem mobiliado,
iluminado pelo fogo da lareira. Lily estava parada a um canto,
parecendo um animalzinho assustado. Rogan fechou a porta
devagar. Não contando com a mãe para orientá-la, ele duvidava que
alguém houvesse explicado a Lily em que consistia o ato sexual.
Seria impossível imaginar Catherine se encarregando disso, uma vez
que tais gentilezas eram certamente desconhecidas para ela.
Respirando fundo, Rogan aproximou-se de Lily.
— Deseja algo, miorde? — ela perguntou, nervosa. Ele
examinoujhe a postura rígida e a expressão ansiosa. Onde estava a
ninfa atrevida, que erguera a saia como uma camponesa, e
mergulhara as pernas. nuas no lago do jardim? Rogan estava
determinado a tê-la de volta.
— Nada, esposa — respondeu, atento. à reação dela ao novo
título.
Ela corou instafltaneannte Sim, aquela era a sua Lily, incapaz de
esconder os sentimentos, ou de fingir e enganar
— O que acha de ser chamada assim? —Rogan perguntou com
um sorriso.
— Muito agradável.
Embora a resposta fosse um tanto formal, o brilho nos olhos dela
revelavam quanto as palavras eram verdadeiras.
- Ah, como era linda! Rogan estudou-he a pele suave, que refletia
a luz do fogo, o rosto bem desenhado, o nariz de traços nobres, a
boca generosa, sempre pronta á curvar-se em um sorriso
inesperado e radiante. De repente, o desejo de provar o sabor
daqueles lábios tornou-se quase insuportável..
Aproximou -dela com cuidado, estranhamente emocionado pela
timidez com que ela mantinha os olhos no chão.
— Por que está tão calada?
Ela ergueu os olhos.
— Não sei o que dizer. O que urna mulher deve dizer ao seu
marido?
— Lily, sou seu marido, mas não deixei de ser Rogan. você nunca
sofreu com a falta de assunto comigo, antes.
— E tudo tão. novo e estranho — ela confessou, um pouco à
vontade,
— Está arrependida?
— Não! Nem pense nisso. Apenas.., estamos casados, agora.
Tomado por uma súbita compreensão, Rogan sentiu-se culpado.

— Acho que tudo aconteceu depressa demais — murmurou. Não


me incomodei com isso, pois não me pareceu depressa o bastante.
Foi como se o dia de hoje demorasse uma eternidade para chegar.
Mas, agora, que estamos aqui, admito que estou..
— Um pouco nervosa?
Lily sorriu.
-Acho que sim. Trata-se de algo muito grandioso. Estamos
casados, ligados um ao outro... para sempre.
— Fala como se declarasse uma sentença de prisão perpétua! —
Rogan comentou com uma risada, embora também sentisse certo
nervosismo.
— Eu não...
— Lily, eu estava brincando. Não se desculpe. — Percebendo que
ela ficava mais confusa a cada segundo que passava, ele estendeu a
mão. — Venha cá.
Ela deu um passo à frente, aceitando a mão estendida. Rogan
puxou-a para si, na esperança de deixá-la mais à vontade.
— Não há nada errado em você estar nervosa. Pelo que sei,
todas as noivas ficam.
Estudou com atenção o rosto que o fitava, concluindo que Lily
era mesmo uma criança, em diversos aspectos. Ao mesmo tempo, o
corpo de mulher, muito perto do seu, fazia seu sangue ferver, como
nenhuma outra conseguira antes.
— Lembra-se do dia em que lutei contra Latvar e, depois,
descobri você escondida no campo de exercfcios? Lembra-se de que
nos beijamos? — Ela assentiu. — Tive a impressão de que você não
achou ruim.
— Não — Lily admitiu com um sorriso.
— Esta noite, começaremos daquele ponto.
No momento em que seus lábios se tocaram, Lily não hesitou,
colou o corpo ao dele, saboreando o beijo com evidente prazer.
Rogan teve vontade de rir, pois deveria ter imaginado que ela
reagiria assim, sem qualquer afetação.
O medo que ela demonstrara antes pareceu dissipar-se. A
pequena flor não era tão frágil quanto parecia. Cedendo ao desejo
que crescia dentro dele, Rogan apertou-a contra si e aprofundou o
beijo. Foi recompensado pela retribuição ardente e apaixonada. de
Lily, que começava a se mostrar uma excelente aluna, pois aprendia
muito depressa.
— Vamos para a cama, amor — ele murmurou, enrouquecido de
desejo.
Lily assentiu, ofegante, os olhos apenas entreabertos. Rogan
conduziu-a até a cama, onde acomodou-a com extrema gentileza,
para então deitar-se ao lado dela, sem deixar de beijá-la nem por
um segundo. Então, ergueu-se para olhar a bela mulher ali deitada e
teve de lembrar a si mesmo de que deveria fazer tudo devagar, com
calma e cuidado, pois sua esposa era compleamento inexperiente.
_ Não tenha medo— sussurrou. — Não vou machucá-la.
Rogan levantou-se e despiu-se, antes de voltar a se deitar junto
de Lily. Quando voltou a tomá-la nos braços, ela cerrou os olhos, o
que a fez parecer vulnerável e ardente, ao mesmo tempo. Ah, sim,
ela era uma flor! Tão delicada e bonita, implorando para ser tocada
e amada.
Sempre com cuidado, Rogan desamarrou o laço que mantinha a
camisola fina fechada, revelando assim a pele acetinada, que
brilhava à luz rosada do fogo. Lily lhe pertencia. Esse pensamento
provocou-lhe um forte aperto no.peito. Então, pôs-se a beijar e
acariciá-la, com gestos lentos, que eram para ele uma tortura, mas
compensavam pelos gemidos apaixonados que ela emitia. Beijou-lhe
o pescoço, os ombros, o colo. Quando seus lábios tocaram os seios
fartos, Lily respirou fundo, arqueando o corpo em um misto de
surpresa e prazer. O desejo tomava conta de Rogan, como uma
gigantesca fogueira a consumi-lo.

Impaciente para sentir a pele de Lily colada à sua, despiu-a. Só


então, deu-se conta de seu erro, pois o controle escapou de vez de
suas mãos. Posicionando-se sobre ela, murmurando palavras
carinhosas, penetrou-a, sentindo a barreira da virgindade romper-
se,
Lily encolheu-se, emitindo um pequeno grito. Rogan ficou im6vel,
esperando que a dor a deixasse, mas ela logo se moveu sob ele,
pondo um fim à sua hesitação. Penetrou-a mais fundo, indo e
voltando, sentindo o corpo dela mover-se. no mesmo ritmo do seu,
maravilhado com o abandono apaixonado de sua pequena flor. A
medida que o ritmo e a intensidade dos movimentos aumentavam,
foi sentindo a tensão acumular-se em Lily
— Solte-se Lily — murmurou, feliz pelo fato de ela poder
desfrutar do verdadeiro prazer naquela sua primeira vez.
De repente, ela se imobilizou por um segundo e, em seguida, foi
sacudida pelo êxtase. Perdendo a consciência do mundo ao seu
redor, Rogan ainda teve tempo de saborear o prazer de Lily, antes
que o climax o carregasse para uma outra dimensão.
Retornou à realidade lentanente. Rolando para o lado, apertou
Lily contra si, sem a menor intenção de permitir que seus corpos se
separassem. Ah, ela era maravilhosa! Lily aconchegou-se de
encontro ao seu peito, como um gato aninhando-se em uma cama
macia. Rogan sorriu diante do gesto espontâneo, inocente e sensual
ao mesmo tempo.
— Eu não imaginava que seria assim — ela confessou
— Agora, compreendo por que existe um tabu sobre o
relacionamento entre um homem e uma mulher. Só não entendo por
que ninguém fala disso.
— O que acabou de acontecer foi o que pode haver de melhor
entre um homem e uma mulher. Temos muita sorte, amor.
— Eu nem sabia que esses sentimentos existiam!
“Nem eu”, Rogan pensou, mas guardou o pensamento para si.
Então, beijou-a longamente.
— Se é isso o que acontece na cama — Lily falou, algum tempo
depois —, é de admirar que um casal consiga fazer qualquer outra
coisa!
Rogan riu alto.
— De fato, é um problema para alguns casais — confirmou. —
Muitos dos problemas do mundo são causados por desejos e
paixões.
Lily voltou a se aconchegar em seus braços. Imediatamente,
Rogan foi invadido pelo desejo de amá-la mais uma vez, mas sabia
que ela não estaria preparada tão cedo, em sua primeira noite.
— E melhor dormirmos - falou sem entusiasmo -pois
enfrentaremos uma longa viagem, amanhã,.
— Sim, vamos dormir Liiy concordou. — Boa noite,

- Boa noite, esposa. , , -.


Rogan fechou os olhos, mas demorou muito para dormir.
— Vou enlouquecer, Phijlippe! .
O francês bebeu um longo gole de vinho. , A pequena se recusa a
fazer o que você.pedju?
-Sim. Maldita! Ela era a minha única esperança de impedir esse
casamento, mas agora, é tarde demais. Mesmo ssim, não vou
aceitar a derrota, PhiUippe.
Catherine estava sentada em uma cadeira. Deitado na cama,
Phiflippe decidiu que ela não poderia parecer mais desejável ou
excitante. O brilho gelado nos olhos dela provocavam- lhe um
arrepio. Adorava vê-la assim, furiosa e perigosa, capaz de qualquer
coisa.
Levantou-se e foi se servir de mais vinho. Voltou a olhar para
Catherine e foi invadido por um forte senso de poder. Ele poderia
dar Rogan a ela.
— Já percebi a sua obsessão — declarou. — Outro homem ficaria
com ciúme, mas eu não. Seria capaz de encontrar um meio de dá-lo
a você. — Colocou o copo sobre a mesa ajoelhou-se diante dela. — E
posso fazer isso. -
O brilho de interesse nos olhos de Catherine teve o efeito de um
afrodisiaco no corpo de Phillippe.
-Como? — ela inquiriu, agarrando-lhe a túnica.
— Visitaremos sua irmãzinha juntos, desta vez. Talvez possa
dizer algo para persuadi-la Ela adora Lily. Jaiais faria mal a ela e,
também, não permitiria que nada lhe acontecesse. E por isso que
vai concordar em mentir por nós.
Rindo, ele se pôs de pé, puxando Catherine consigo

— Vamos agora mesmo... informá-la de que, se não fizer o que


queremos... —. Fez uma pausa, deliciando-Se com a expectativa que
iluminava o rosto de sua amada. — Então, serei forçado a tirar a
vida de Lily.
— Matar Lily? — Um sorriso radiante cUrvou os lábios de
Catherine. — Ah, sim, Philhippe. Vamos!

Na manhã seguinte, Lily despertou, sentindo o corpo quente de


Rogan colado ao seu. Virou-se para examinar-lhe o rosto atraente.
Com os cabelos revoltos, os traços suavizados pelo sono, ele parecia
quase m garoto. Lily teve vontade. de tocá-los mas não queria
acorda-lo
Refletiu que era uma mulher de sorte, por ter se casado por
amor. Já fazia algum tempo que descobrira estar mesmo apaixonada
por Rogan. Atencioso e gentil, ele transformara, sem perceber, a
atração inicial de Lily em um sentimento mais profundo. E ela não
tinha dúvida de que a ternura que ele lhe dispensava devia-se ao
mesmo sentimento,
Embora ele não houvesse pronunciado as palavras. Por isso, Lily
concluíra que os homens demoravam mais tempo para dar canta
dessas coisas.
Desde que sua mãe morrera, ela não conhecera felicidade. O
máximo que sentira fora contentamento e, mesmo assim,
proveniente dos momentos partilhados com Eispeth. Agora, sentia
uma verdadeira euforia crescendo em seu peito, apagando os anos
de luta, sob o domínio de Catherine. Sentiu-se renascida,
incrivelmente feliz. Naquele momento, Rogan abriu os olhos.
— Bom dia, marido — ela o cumprimentou com prazer.
— Ah, é um dia bom, sem dúvida — ele replicou, espreguiçando-
se. — Sabe que horas são?
— Não, mas acho que ainda é cedo.

- Precisamos nos levantar. Se vamos partir ao meio-dia, haverá


muito ó que fazer.
— Mal posso esperar para conhecer Kensrnouth.
Rogan sorriu e acariciou-lhe a face.
— Comparado a Charolais, Kensmouth é menor e menos
grandioso. Talvez você fique entediada, lá.
— Não acredito que qualquer coisa em minha vida com você possa
me entediar. -
Ele a fitou com emoção.
- Você sempre diz coisas incríveis — murmurou.
O olhar meigo e a voz suave indicavam que o comentário era um
elogio. O fato de Rogan apreciar tudo o que Lily aprendera a
reprimir ainda a surpreendia. Ela riu e, em um gesto impulsivo,
inclinou-se para beijá-lo. Rogan pousou a mão na nuca de Lfly,
aprofundando o beijo. Imediatamente, ela sentiu a chama do
desejo se acender.
— Estão à nossa espera, lá embaixo ela falou.
- Que esperem — Rogan retrucou, apertando-a contra si.
Lily riu, mas logo abandonou-se às sensações maravilhosas que
descobrira na noite anterior e que voltavam a tomar vida. Por isso,
demorou alguns instantes para perceber que o ruído que ouvia não
era apenas o sangue latejando em suas têmporas, mas alguém
batendo na porta com força.
— Quem pode ser? — Rogan inquiriu, irritado, levantendo-se e
vestindo a calça.
Esperou até que Lily vestisse o robe, para então abrir a porta.
— O que está acontecendo? — indagou em tom rude.
Espiando por cima do ombro do marido, Lily avistou meia dúzia
de soldados, todos vestindo armaduras e empunhando espadas.
Dois deles adiantaram-se. e seguraram Rogan.
Depois de lançar-lhes um olhar amesçador, ele sibilou:
— Façam a gentileza de explicar o que se passa, antes que eu os
ponha daqui para fora!
Petrificados, os homens trocaram olhares, em busca de apoio dos
colegas. Certamente, haviam assistido à luta de Rogan contra
Latvar e ficaram com medo da ameaça.
Urn deles, aparernente o líder, disse:
— Devemos levá-lo à presença de lorde Enguerrafl
imediatamente
— Por quê?
— São nossas ordens.
Rogan olhou para Lily.
— Fique aqui. Voltarei assim que a situação estiver esclarecida,
— Virando-se para o soldado, falou: - Não é preciso me segurar. Irei
de livre e espontânea vontade.
— Temos de cumprir nossas ordens — o soldado falou, mas
cedeu.- Lionej, William, Kenneth, soltem no mas mantenham suas
armas apontadas para ele. Lorde Rogan, quero que cumpra a sua
palavra, pois meus homens não hesitarão em mata-lo caso o senhor
tente fugir.
Para surpresa de Lily, Rogan assentiu com ar solene e, sem olhar
para trás, acompanhou os soldados.
Liiy não precisou de mais alguns poucos minutos para se vestir e
se pentear. Não tinha a menor intenção de ficar no quarto,
esperando, mesmo tendo sido essa a ordem de seu marido.
O salão encontrava-se deserto, O som de vozes levou-a até o
pátio diante do castelo, ondé uma multidão circundava Eflguerr e
Rogan, que se encaravam com expressão pouco amigável, Lily
notou que seu marido continuava na mira das espadas dos homens
que o haviam levado até lá. Sem hesitação, ela foi se postar ao lado
dele.
- Você nega? — Enguerran berrou,
Seu rosto apresentava uma tonalidade escarlate e Lily
sobressaltou-se pois nunca vira o pai naquele estado,
— E claro que nego, Enguerrand — Rogan respondeu, não tão
calmo quanto quando fora retirado de seu quarto,
-Minha filha não mente.
— Mesmo assim, desta vez, ela mentiu,
— Papai, o que está acontecendo? Lily interrompeu.
Rogan virou-se e fitou-a com olhar duro.
— Lily, eu lhe disse para ficar no quarto!
Apesar de intimidada pela frieza na voz dele, Lily empinou o
queixo.
— Não ficarei no quarto, Rogan, mesmo que sejam essas as suas
ordens. Por favor, expliquem-me o que está acontecendo..
— Ouça o seu marido, menina! — o pai advertiu. — Vá para o
seu quarto!
A coragem nascida do medo transformou-se em obstinação.
— Não vou. Explique-me o que está acontecendo!
Catherine adiantou-se, com expressão quase radiante.
— Aconteceu u.ma tragédia terrível, Lily, querida..
— Catherine, agora não — Enguerrand interrompeu-a.
— Ela tem de saber, papai. Não se trata de algo que possamos
esconder dela. Não acha que Lily tem de saber com que tipo de
homem se casou?
— Eu acho que seu pai deveria saber que tipo de mulher ele
criou — Rogan disparou. — Sei que está atrás dessa acusação
absurda, Catherine.
— Está mentindo para salvar a própria pele! — Catherine
retrucou.
O pânico começava a tomar conta de Lily.
— Milorde, por favor, se tem alguma afeição por mim, diga-me o
que está acontecendo.
Rogan deu um passo na direção dela, mas urna espáda se
ergueu para impedi-lo. Ele lançou um olhar sombrio para o soldado
que o enfrentara, fazendo o próprio homem recuar um passo,
dando-lhe passagem.
— Ouça o que vou dizer— falou com voz gentil, pousando as
mãos nos ombros de Lily. — Você terá de ser muito forte. Tudo isso
será esclarecido. E um terrível engano. Fez urna pausa e respirou
fundo. — Sua irmã diz que eu a violentei.
Lily foi invadida por uma onda de alívio.
— Catherine está mentindo, é claro. Todos sabem que ficou com
ciúme. Ela está dizendo isso para...
— Não foi Catherine, Lily. Foi Elspeth.
Uma sensação de vertigem drenou as forças de seu corpo.
Instantanearnente. Lily protestou:
— Ela está mentindo. — As palavras, porém, não soaram
convincentemente, pois Elspeth não mentia, sendo a criatura mais
pura, que Lily já conhecera. — Talvez tenha havido engano.
— Com certeza — Rogan replicou, mas teve de admitir o
reconhecimento do tom de dúvida, na voz da esposa. - Lily? ‘
Ela queria acreditar nele. Se fosse qualquer outra pessoa, não
Elspeth....
A voz de Andrew soou alta
— O que está acontecendo? Rogan? Enguerrand? Exijo uma
explicação.
Rogan ergueu uma das mãos, para conter o ímpeto do irmão.
Acalme-se, Andrew. Tudo não passa de um mal entendido
- Que tipo de malentendido?
— A filha caçula de Enguerrand diz que eu a violentei.
— O quê? — Andrew explodiu e virou-se para Enguerrand. — O
que pretende com essa mentira desprezível? — encarou Lily com
olhar desconfiado — Vócê sabia disso?
— Acabei de saber — ela se defendeu, ao mesmo tempo em que
tentava compreender por que se sentia acusada. Olhou para Rogan,
que a estudava. Isso é ridículo!
-Falarei om Elspeth, eu mesma.
-Elspeth não pode ver ninguém! — Catherine anunciou.
Lily lançou-lhe um olhar de desprezo.
— Tenho certeza de que a mim ela pode ver, Catherine, uma vez
que sou mais próxima dela do que qualquer outra pessoa.
— Ela está desesperada
— Nesse caso, vou conforta-la
Com isso, Lily virou-se e voltou para o castelo, mas
surpreendeu.se ao perceber que Catherine a seguia de perto.
- Elspeth não quer vê-la, porque acredita que você gosta mais
dele do que dela. Foi por isso que não contou nada a você, Lily. Teve
medo de que seu amor por Rogan a fizesse odiar nossa irmãzinha.

-Pare de dizer absurdos, Catherine! Elspeth sabe que eu jamais


me voltaria contra ela. E, se estiver dizendo a verdade, eu saberei.
Quanto a você, saiba que é justamente o seu envolvimento nessa
história que mais me faz duvidar que seja verdade. Acho muito
improvável que Elspeth confiasse em você, pois a pobre criança fica
aterrorizada, só de ouvir o seu nome!
— Sei que fui um pouco dura, às vezes — Catherine argumentou
—, mas em situações graves como esta os desentendimentos triviais
deixam de ter importância. Elspeth veio a mim e acertou ao fazê-lo.
Sou irmã dela tanto quanto você!
Lily apressou o passo, tentando escapar de Catherine e das
coisas perturbadoras que ela dizia. Aquelas explicações eram
perfeitamente plausíveis.
E, ainda, havia o comportamento estranho de Elspeth, nos
últimos dias. A menina parecera realmente aflita. Se soubesse que a
irmã adorada ia se casar com o homem que a violentara, não seria
normal que se comportasse daquela maneira?
E, por fim, Lily não conhecia Rogan St. Cyr, de verdade. Quando
alcançaram a porta do quarto de Elspeth, Líly encarou Cathorine,
declarando:
— Vou entrar sozinha.
Após um breve momento de hesitação, Catherine murmurou:
— Está bem.
Elspeth estava deitada na cama, os olhos vermelhos e inchados
fitándo o vazio.
Lily aproximou-se e sussurrou:
— Elspeth, sou eu, Lily.
A menina não respondeu.
— Fale comigo — Lily insistiu com suavidade.
— Ela lhe.- contou Elspeth disse, virando-se para encarar Lily. —
Ela contou e, agora, você me odeia!
— Não, querida. Não odeio você. Não vim culpá-la de nada, eu
juro. Só quero saber a verdade..
— Ela disse que eu não teria de falar com ninguém, que eu
poderia ficar quieta, em meu quarto, e ela cuidaria de tudo.

Lily tomou as mãos de Elspeth nas suas.


— Devo confessar que fui muito insistente. Preciso ouvir ivocê.
Sei que jamais mentiria para mim.
Elspeth empalideceu.
-Pergunte a Catherine. Vá embora, por favor!
- Querida... Só preciso ouvir de você se o que Catherine disse é
verdade. Rogan... ele machucou você?
— Fale com Catherine! — Elspeth gritou.
Lily hesitou, sem saber se deveria pressionar a irmã ainda mais,
pois a menina parecia muito frágil.
- Diga apenas uma vez, sim ou não. Meu marido a violentou?
Diga, Elspeth, e nunca mais tocarei no assunto.
-Não!
0 coração de Lily agitou-se, esperançoso.

- Quer dizer que ele não fez isso?


- Não, não,. não vou dizer.
— Então, ele fez? — Lily indagou, desespérada. — imploro que
me conte. Por favor, Elspeth, se me ama, responda. Minha vida
inteira está em jogo. Ele violentou você?.
Elspeth acalmou-se de súbito, e seus olhos fixaram-se os de LiIy.
— Sim!
Lily forçou-se a manter a calma.
— Tem certeza de que foi ele? Poderia estar enganada?
A menina sacudiu a cabeça.
— Não. Foi Rogan. Agora, chega!
Lily fechou os olhos e levantou-se. Olhou para irmã deitada,
rígida e silenciosa. Tinha muitas perguntas a fazer, mas não se
atreveu a pronunciá-las
O semblante de Elspeth era uma máscara dé dor.
— Sinto muito, Lily.
—- Não foi sua culpa, querida. Nunca se esqueça que quem fez
isso a você é que tem de carregar a culpa. — Lily adoraria poder
confortar a irmã, mas seu próprio coração parecia ter sido arrancado
de seu peito. — Ele será punido murmurou.
— Não! — Elspeth implorou. — Mande-o embora. Nunca mais se
aproxime dele. Mande-o embora e peça aos bispos que anulem o
casamento!
Lily descobriu-se incapaz de falar, ou de encarar a irmã. Foi com
esforço que conseguiu dizer:
— Descanse. Vou cuidar de tudo.
Então, virou-se e saiu.

Rogan continuava no pátio, impaciente pelo retorno de Lily e


Catherine. Andando de u, lado para outro, como um animal
enjaulado, Andrew mantinha-se em silêncio. A todo momento,
olhava para o irmão, à espera de instruções sobre o quê fazer.
Rogan enviou-lhe uma mensagem silenciosa, através do olhar,
dizendo-1he que esperasse.
Respirando fundo, virou-se para Enguerrand e disse:
- Deixe-me conversar com a menina. Tenho certeza de que se
puder confrontá-la, saberemos a verdade.
— Estou convencido de que já sabemos a verdade — o anfitrião
rosnou. — Aí estão minhas filhas.
Rogan viu a esposa aproximar-se, seguida por Catherine.
— Onde está a menina? — perguntou. — Quero falar com ela.
— Elspeth não pode falar com você, nem com mais ninguém —
Lily respondeu em voz baixa.
Não olhou para Rogan e, chocado, ele se deu conta de ela o
tratava como se...
— Lily, diga-me o que aconteceu com Elspeth!
Ela parou ao lado do pai, tensa e rígida.
— Falei com minha irmã — declarou em um fio de voz - e estou
convencida de que ela diz a verdade. Elspeth contou o que você fez
com ela. — Virando-se para o pai, continuou: — Ela disse que meu
marido a violentou.
— Isso é ridículo! — Andrew explodiu. — Quando? Como?

Catherine adiantou-se.
Foi há duas noites. Ele entrou no quarto dela, enquanto ela
dormia, e a violentou em sua própria cama!
Andrew lançou-lhe um olhar triunfante.
— Rogan ficou comigo até tarde e eu o vi retirar-se para seus
aposentos, antes de mim.
— Sinto muito, mas não podemos confiar no seu testemunho —
Catherine retrucou em tom zombeteiro, os olhos brilhando de
satisfação. — Você não pode ser imparcial, sendo irmão dele.
— Cale-se, Catherine! — Rogan gritou e virou-se para a esposa.
— Lilyi Ontem, você jurou obedecer-me, diante de Deus. Agora,
quero que olhe para mim e diga que acredita nessas mentiras, que
me condena. Diga!
Lily demorou tanto tempo a reagir, que ele pensou que sua
esposa fosse desobedecer sua ordem. Então, em um movimento
brusco, ela o encarou com expressão amarga.
— Está bem. Vou falar com clareza. Acredito em Elspeth. Ela me
contou tudo. — Com voz fraca, acrescentou: — Não tenho escolha.
- Meu Deus! — Andrew exclamou. — Lily, você o conhece. Como
pode acreditar nisso?
A dor contorceu os traços de Lily e seus lábios tremeram quando
ela falou:
— Elspeth jamais mentiria. Rogan, você é um demônio, capaz de
corromper a criatura mais pura e inocente. Renuncio ao nosso
casamento e o denuncio. Alio-me à minha família, para condená-lo
pelo monstro que você é.
-Não pode haver misericórdia para um homem como ele —
Catherine declarou, incapaz de esconder a satisfação.
— Deve ser executado.
— Não podem fazer isso! — Andrew protestou. — Vocês não têm
autoridade para matar um outro nobre. Precisam seguir as leis do
rei para isso.
— Ele violentou nossa irmã! — Catherine berrou. Rogan olhava
fixamente para Lily. A sua volta, vozes discutiam, mas nada
penetrava a sua mente. Lily acabara de condená-lo e o choque da
descoberta o anestesiara.

Andrew dizia:
— Terão muitas contas a prestar, caso não respeitem a
autoridacle do rei, tanto à coroà, quanto à nossa família. Tenham
certeza de que nada deterá Alexrnider na vingança de Rogan, caso
lhe façam algum maL
Lentamente, Rogan deu as costas a Lily. A traidora, Seus
continuaram fixos. nos dela, por cima do ombro, até que ela desviou
o olhar, estremecendo.
Apesar de parcialmente enlouquecido de tristeza, Enguer.rand
era. um homem inteligente e plenamente consciente de sua,
posição, para se deixar levar pela ira e. abandonar totalmente as
convenções e a lei.
— Não, Catherine. Não podemos matá-lo,, embora seja esse o
meu maior desejo. Miiha Elspethl -- bradou o nome da caçula com
amanha angústia, que Rogan pensou que o velho explodiria em
prantos. Então, recuperando a compostura, lançou a Rogan um
olhar maligno. —Mas posso mantê-lo prisioneiro, até que um
representante do rei possa vir a Charolais, a fim de ouvir as
evidências.
— Papai! — Catherine começou, desapontada.
Enguerrand a fez calar com um gesto brusco, antes de continuar.
— Mas ele não vai escapar à minha ira com facilidade. É um
homem capaz de aproveitar-se de crianças indefesas e, por isso
receberá a sua recompensa. Se não está sofrendo com as dores da
consciência, talves precise sentir um outro tipo de dor, para
encorajar o remorso. Por isso, providenciarei para que sofra muitas
dores, enquanto aguarda pelo julgamento, em meu calabouço.
Flebold, apanhe o chicote. Quero vê-lo açoitado.
Rogan deu-se conta de que tais palavras deveriam ter causado
algum impacto. Porém, enquanto o arrastavam para amarrá-lo ao
tronco, a um canto do pátio, ele só coneguia pensar em Lily, imóvel
como uma estátua, fria e rigida. Nada restava da Lily com quem ele
se casara na vêspera, com quem fizera amor na noite. anterior, na
mulher de expressão dura que, agora, tomava o partido de sua
familia, contra o marido.

Não tentou resistir quando amarraram suas mãos e arrancaram


sua camisa. Fixou os olhos nela, em um desafio silencioso, para que
ela tomasse alguma atitude em seu favor.
Andrew continuava a protestar com veemência e, para evitar sua
interferência, Enguerrand ordenou que o prendessem.
Ao ouvir o assobio do chicote cortando o ar, Rogan deu-se conta
de que o homem atrás dele aquecia os músculos do braço.
Surpreendeu-se ao sentir uma onda gelada varrer seu corpo. Não
era o tipo de homem que temia muitas coisas e, com certeza,
sofrera dores terríveis antes. No entanto, sabia o que um chicote
poderia fazer, nas mãos de um carrasco experiente e, sim, sentiu,
medo.
Mantendo os olhos fixos na esposa, viu quando ela murmurou
algo com expressão urgente, no ouvido do pai, mas Enguerrand
sacudiu a cabeça em uma negativa definitiva. Então, o primeiro
golpe atingiu Rogan.
Foi como se uma labareda explodisse em suas costas, seguida de
outra, e mais outra. Depois de qúinze chibatadas, deixou a cabeça
pender, ao mesmo tempo em que a agonia o carregava para a
escuridão. Teve a impressão de ouvir alguém chorando, e
perguntou-se quem, entre seus traidores, lamentaria seu
sofrimento.
Rogan não emitiu nenhum som.

Foi levado para uma das celas minúsculas do calabouço de


Charolais, por dois soldados. O odor era fétido e os homens o
tratavam com crueldade, mas Rogan não tinha consciência de nada.
Já não sabia onde estava, nem quem era. Sentia-se perdido em meio
a um pesadelo, no qual uma dor terrível, porém remota, agora, o
afligia. A única coisa real era a traição de Lily. Essa angústia
queimava-lhe o coração.
Atiraram-no no chão e ele ouviu o ruído da tranca na porta. Ficou
imóvel, sentindo a escuridão envolvê-lo de maneira convidativa e,
ao mesmo tempo, ameaçadora. Lutou contra ela o quanto pôde,
mas descobriu-se sem forças para continuar. Quando fmalmente
cedeu, não sabia se voltaria a acordar. Por isso, rezou, pois ocorreu-
lhe que, se morresse estaria, com tanto ódio no coração, que sua
alma seria condenada ao fogo eterno.
Catherine parou diante de Rogan, com PhiUippe ao seu lado,
empunhando uma tocha. . St. Cyr continuava inconsiente, deitado
no chão, imóvel. Estava de lado, de maneira que ela não via os
ferimentos em suas costas O médico acabara de sair, assegurando-a
de que Rogan não sobreviveria àquela noite, mas Catherine não
estava satisfeita com isso. Rogan era um homém forte e resistente.
Possuir ou destruir. Fora ele mesmo quem nomeara a sua
obsessão.
-Deveria ter vindo a mim, quando, teve a sua chance ela
murmurou,
Encostou o pé nas costelas dele e deu-lhe um empurrão. .Rogan
tombou, caindo sobre as costas feridas, A dor lancinante o
despertou por um momento.
Catherine exibiu um sorriso maligno, enquanto ele tentava
focalizar os olhos nela, antes de perder a consciência novamente.
Quando virou-se, Catherine percebeu que Phillipe estava pálido..
— Quero este homem morto o quanto antes. Não deixe passar de
amanhã, à noite. Ateie fogo ao calabouço e dê o alarme a tempo de
que o resto do castelo seja salvo, mas que estas celas sejam
totalmente destruidas.
Olhou por cima do ombro, quando Phillippe conduziu-a para o
corredor. Rogan permanecia imóvel. Mesmo naquele estado, era um
homem magnífico.
Seria um grande desperdício, mas deixá-lo viver estava fora de
questão.
No dia seguinte, Lily não passou um momento sequer, sem
pensar em Rogan. Desprezava-o e, ao mesmo tempo, queria ter de
volta o seu amor. Sentia-se arrasada. Ele era um monstro. O homem
por quem ela se apaixonara era um animal cruel, todos os seus
sonhos de felicidade hàviam morrido.

Lily queria respostas. Queria dizer a ele quanto o odiava pelo que
ele fizera.
E, que Deus a ajudasse, queria matá-lo com as próprias mãos
O ódio, ela compreendia. O que a deixava perplexa era o
sentimento de piedade que se recusava a abandoná-la
Protestara contra o castigo e, quando o corpo de Rogan pendia,
inerte, ainda amarrado ao tronco, Lily implorara ao pai para que
mandasse o carrasco parar. Finalmente, saíra correndo, soluçando,
incapaz de assistir àquela barbaridade até o fim. Por que não
encontrara o menor prazer na punição de Rogan? E1e não tinha
direito à compaixão. E Lily sentia-se como uma traidora, sentada ao
lado da cama de Elspeth, que dormia sob o efeito de drogas.
Perguntava-se se os ferimentos de Rogan haviam recebido o
cuidado adequado e atormentava-se ao pensar em tudo o que elle
certamente precisava.
Talvez tenha sido a piedade, ou a simples necessidade de vê-lo
mais uma vez, que a lévou até o calabouço, levando bandagens e
um pote de ungüento.
O guarda abriu a porta da cela e pendurou um castiçal na
parede.
Rogan estava deitado de costas, no chão, no meio da cela. Por
um momento, Lily pensou que estava morto, e surpreendeu-se com
a dor lancinante que tomou conta de seu coração. Então, notou o
leve subir e descer do peito dele, e concluiu que Rogan ainda vivia.
Lembrou-se de ter pousado a cabeça naquele peito, apenas duas
noites antes. Por mais que condenasse o que seu marido fizera, não
pôde evitar outra pontada de dor. E foi naquele momento que uma
certeza a atingiu com força total, Rogan não poderia ter violentado
Elspeth.
Essa foi a primeira de muitas dúvidas que ela viria a ter. Dizendo
a si mesma tratar-se simplesmente de um desejo egoísta, nascido
de seu próprio sofrimento, afastara a idéia. Ajoelhou-se e, com
delicadeza, deitou-o de bruços.
Ao deparar com as feridas enegrecidas pela infecção que já se
iniciara, Lily teve de desviar os olhos e respirar fundo diversas
vezes, a fim de não ceder à náusea que a invadiu. Uma vez
recuperado o controle, chamou o guarda e pediu-lhe que
conseguisse água quente. Então, pôs-se a limpar os ferimentos.
Rogan ardia em febre e LiIy sentiu-se inadequada, pois pouco
conhecia de remédios e processos de cura. Infelizmente, não havia
ninguém no castelo que pudesse ajudá-la, uma vez que a velha
curandeira, Maida, morrera. Assim, tratou de limpar as feridas.
Em nenhum momento ele se moveu, pelo que Lily sentiu-se
grata. Se Rogan estivesse consciente, a dor seria insuportável.
Terminou a limpeza espalhou o unguento sobre toda a extensão das
costas, para então enfaixa-lo com as bandagens, a fim de proteger a
pele destruida e fixar o remédio nas feridas. Fez uma prece para
que seus cuidados fossem suficientes, mas logo se deu conta da
inutilidade de seus esforços. Provavelmente, Rogan seria enforcado
por seu crime. Seria mera questão de tempo.
Lily levantou-se com pernas trêmulas e, chamando o guarda,
pediu que ele levasse um colchão até a cela. Juntos, acomodaram
Rogan sobre o forro macio. Depois de dar instruções para que seu
marido fosse alimentado duas vezes ao dia, Lily entregou uma
moeda de prata ao guarda, a fim de garantir que suas ordens
fossem obedecidas.
Ao olhar para Rogan. pela última vez, descobriu-se incapaz de
odiá-lo. Ele parecia tão vulnerável, tão indefeso, tão diferente do
homem que ela conhecera. Esse foi o seu segundo momento de
dúvida.
De volta à cabeceira de Elspeth. Lily continuava a pensar em
Rogan. Já não conseguia impedir que a incerteza minasse o ódio que
a protegera antes. Era impossível que ele fosse inocente e, ainda
assim, tola que era, ela se via tomada de dúvidas...
Seus pensamentos foram, interrompidos pelo grito de Elspeth:
— Sou uma pecadora!

Lily pulou da cadeira e correu até a cama, segurando a irmã e


tentando acalmá-la. Os médicos haviam advertido a família para não
tentar acordar a menina, quando eia estivesse em um desses
transes, pois isso poderia prejudicar ainda mais a mente já muito
frágil.
— Acalme-se, Elspeth. Durma, querida.
— Sou suja!
Era esse o grito habitual e Lily sentiu a repulsa por Rogan voltar,
mal acreditando que sentira pena dele momentos antes.
— Acalme-se, minha pequena. Você é uma criatura inocente.
Descanse.
As crises duravam apenas alguns instantes e aquela já começava
a se dissipar. Lily sentiu o corpo delicado relaxar em seus braços e a
voz torturada foi enfraquecendo, transformando-se em um
murmúrio quase inaudível. E foi por isso que Lily não poderia afirmar
ter compreendido corretamente o que ouvia, quando Elspeth
sussurrou:
— Eu menti-.

— Se Rogan morrer, não será conforto saber que salvei minha


própria vida. Não faço idéia de onde ele esteja. Por isso, teremos de
verificar todas as celas. Quando o encontrarem, assobiem. Vamos
começar.
— Que cheiro é esse?
Andrew respirou e arregalou os olhos, alármado.
— Fogo!
Todos reagiram com a mesma presteza, disparando pelos
corredores, abrindo portas e gritando uns para os outros. Já não se
importavam em permanecer incógnitos, pois não havia tempo para
mais nada.
— Eu o encontrei! — gritou Garven um cavaleiro mais velho.
Andrew alcançou-o em questão de segundos e, juntos,
entraram na cela minúscula. Garven ajoelhou-se ao lado de Rogan,
tomando o pulso de seu senhor.
— Está vivo, mas não sei dizer por quanto tempo mais.
— Um destino que todos nós partilharemos, se não escaparmos
agora mesmo deste inferno. John! Arwen! Lorde Rogan está aqui!
Os homens ergueram Rogan e carregaram-no sobre os ombros.
Não tinham tempo para delicadezas e Andrew mal pôde pensar na
dor que o irmão sentia. Felizmente, Rogan não acordou, embora o
fato fosse muito preocupante.
— Rezem para que o alarme ainda não tenha sido disparado
— Andrew disse.. Se foi, seremos surpreendidos assim que sairmos
daqui, por metade da população de Charo1ais
Garven foi o primeiro a emergir do calabouço, tossindo.
Rapidamente, olhou em volta e voltou para avisar que não havia
ninguém por lá.
— Toque o alarme agora! — Andrew ordenou. — Será mais fácil
fugir em meio à confusão. -
Andrew observou, sombrio, o corpo de Rogan ser colocado sobre
um cavalo. Ocorreu-lhe que era uma pena não poder simplesmente
deixar que as chamas consumissem Charolais. Afinal, seria um fim
bastante adequado a um lugar tão infernal.

No calabouço, os homens trabalhavam em silêncio. Amarraram


um feixe de palha seca a uma tocha, para que o incêndio parecesse
acidental. A tarefa era simp1es e foi realizada em pouco tempo.
Minutos depois, um segundo grupo apareceu, também silencioso,
mas com missão. totalmente diferente.
— Onde está o guarda? — alguém perguntou em um sussurro.
Andrew sacudiu a cabeça.
— Não está aqui. Não estou gostando disso. Pode ser uma
armadilha.
— Devemos voltar?
— Não — Andrew respondeu depressa. — Será uma sorte
encontrar meu irmão ainda vivo. Não terei outra chance como esta.
Se for uma armadilha, pegaremos Rogan e lutaremos para escapar.
Se Rogan morrer... — Fez uma pausa e os homens desviaram os
olhares, em respeito à sua dor.
Lily passou a noite à cabeceira de Elspeth e, por isso, foi somente
pela manhã que ela foi informada sobre o incêndio no calabouço.
Atordoada, permafiecera sentada, imóvel.
— E quanto ao meu marido.., lorde Rogan?
— Milady, com certeza, ele está morto.

O outono chegou, queimando as folhas das árvores, e foi


rapidamente seguido pelo inverno; com sua paisagem cinzenta. Ao
longo dessas mudanças, Charolais parecia um castelo encantado,
adormecido, pois seus habitantes ainda não haviam superado o
horror que ocorrera ali, no verão.
Todos haviam mudado, especialmente, Lily. A vida já não oferecia
nenhuma alegria, nem mesmo a promessa de futuro. Ela vivia
isolada, solitária em sua dor.
Mudara-se de quarto e aquele que fora seu,desde a infância, que
ela partilhara com Rogan por uma única noite, fora trancado em
caráter permanente. Lily nunca visitava o jardim, nem caminhava
pela praia.
Elspeth tornara-se ainda mais introspectiva, deixando o pai
doente de preocupação. Tanto, que ele finalmente concordou em
realizar o desejo da caçula: mandá-la para um convento. A notícia
não alegrara a pequena, e seu delicado estado era a maior
preocupação de Lily, que nunca tivera a coragem de perguntar
sobre o murmúrio baixo, que a torturava com dúvidas.
Até mesmo Catherine mudara. Embora houvesse se tornado mais
cruel e temperamental, perdera parte de seu brilho. Todos ficaram
aliviados quando Enguerrand selou o acordo do casamento dela com
um conde. Tratava-se de uma boa aliança, apesar de não chegar
aos pés do sonho de união com um duque. De maneira
surpreendente, Catherine se mostrara ansiosa para deixar a família.
Casou-se e mudou-se, antes do Natal.
Ninguém teve notícias dos St. Cyr. No início, haviam se
preocupado com a possibilidade de retaliação por parte de
Alexander, pela morte do irmão. Porém, nada aconteceu. Tal
preocupação foi se dissipando com a passagem do tempo, até
Charolais mergulhar na mais profunda monotonia.
Quando o pai informou Lily de que havia lhe arranjado um
marido, ela não reagiu. .Não fazia a menor diferença o que
aconteceria dali por diante.
Quando chegou o dia do casamento de Lily, no final de fevereiro,
o clima já era mais ameno. Foi com alívio que ela constatou que a
capela não lembrava em nada o seu casamento com Rogan. No
lugar dos alegres e coloridós buquês de flores do campo, havia
apenas laços de fita. Em vez do guerreiro de ombros largos, era um
homem magro e pálido que estava à sua espera no altar. Leon de
Aignier, um parente normando. Simpático e gentil, o jovem sorria
para ela, sem esconder o orgulho e a satisfação pela bela noiva que
se aproximava.
Foi quando alcançou o altar que Lily o viu de perto pela primeira
vez. O pai mal os apresentara, ao anunciar o casamento. Agora, ela
via que o rapaz era muito jovem e sentiu um forte aperto no peito
ao pensar em tudo o que seria incapaz de dar a ele.
O padre começou a rezar a missa em latim. Lily sentiu o noivo
apertar-lhe a mão, como se tentasse reconfortá-la. Dando-se conta
de que ele atribuía sua palidez ao nervosismo costumeiro das
noivas, Lily sentiu-se envergonhada. Aquele homem bom e honesto
merecia algo. melhor do que uma esposa, cujo coração estava
morto.
Os acólitos aproximaram-se, reverenciando a cruz. Em
circunstâncias normais, Lily não teria prestado a menor atenção a
eles, mas um, em particular, chamou-lhe a atenção. Ele parecia
observá-la, o que era estranho o bastante para despertá-la da
letargia.
Estreitou os olhos e concluiu que o homem lhe era farniliar.
Porém., não foi capaz de lembrar-se onde o vira antes. Olhou para o
outro, mas esse mantinha a cabeça inclinada, ,de maneira que era
impossível ver-lhe o rosto. Ainda assim, quando ele voltou a se
movimentar, seu modo de andar a faz lembrar de algo...
Lily deu-se conta de que o noivo recitava seus votos, e forçou-se
a fitá-lo. Ele falava, olhando para ela, com expressão alegre,
pronunciando cada sílaba com entúsiasmo.
Quando Aignier terminou, o padre virou-sé para ela e começou:
— Eu, Margaret Lily Elizabeth Louise.
- Eu, Margaret Liiy Elizabeth Louise — Lily repetiu.
— Aceito Leon Stephen Robert.
— Aceito Leon Stephen Robert.
— Como meu marido.
Uma outra voz, profunda e ousada, além de muito familiar, ecoou
na capela:
— Receio que ela não possa fazer isso, padre, pois já tem um
marido.
Imediatamente, murmúrios escandalizados tomaram conta do
altar. Lily ergueu a cabeça e seus olhos pousaram no acólito, cujo
rosto ela não pudera ver. Era Andrew! Então, virou-se na direção de
onde soara a voz. Ah, aquela VOZ! Só poderia ser...
Rogan estava parado bem à sua frente, fitandoa com expressão
assustadora.
Rogan. Rogan estava lá Estava vivo! Lily sentiu os joelhos
vergarem e, não fosse pelo galante Aignier a segurá-la, teria caído.
Rogan continuava a fitá-la com um sorriso medonho, que
realçava o brilho selvagem de seus olhos prateados.
— Bloqueiem as saídas! Não deixem-no escapar! — gritou
Enguerrand, mas ninguém se moveu.
Então, de uma só vez, todos os homens de Rogan
desembainharam as espadás.
Vivo, vivo! A mente de Lily repetia a palavra em uma
interminável litania. Ao mesmo tempo em que se via incapaz de
fazer com que o corpo obedecesse suas ordens, queria gritar,
chorar, fazer alguma coisa. Embora o olhar de Rogan fosse
ameaçador, Lily sentiu-se a mulher mais feliz do mundo.
Sua reação foi puramente instintiva. Atirando o buquê no chão,
correu para os braços dele. Com um movimento rápido e ágil, Rogan
a segurou pela cintura, mas, em vez de abraçá-la, escondeu-a atrás
do próprio corpo. Manteve o pulso dela preso em sua mão,
machucando-a.
— Você está vivo! — ela exclamou, incapaz de pensar em
qualquer outra coisa.
— Isso é óbvio — ele replicou. — Desapontada?
Aignier adiantou-se.
— Que diabos está acontecendo?
Dirigiu-e a Enguerrand, mas foi Rogan quem respondeu:
— Lamento informá-lo, meu bom homem, que foi enganado. A
moça já é casada. Comigo. Embora eu devesse me considerar um
homem de sorte, por ter conseguido me livrar dela, descobri que
sou incapaz de permitir que a múlher que jurou ser minha esposa,
viva uma vida de pecado, ao lado. de outro. — Fez uma pausa,
dando tempo a Aignier para digerir a informação. — Você foi
enganado e isso é lamentável, mas já aconteceu com outros, antes.
Eu, por exemplo. Por isso, tenho sincera simpatia por seus
sentimentos.
— St. Cyr, vai se arrepender disso! — Enguerrand vociferou. No
mesmo instante, Roga» abandonou a ironia e encarou Enguerrand,
— Não. E você quem vai se arrepender, Enguerrand. Não fez tudo
para me destruir? Mas eu vivi.., e voltei. E, hoje, a sorte está do seu
lado, pois não quero vingança. Vim apenas buscar minha esposa.
Virou-se para Lily com olhar sombrio. Confusa e assustada, ela
tentou se afastar, mas ele a segurou com força. As palavras que
Rogan pronunciou a seguir foram dirigidas apenas aos ouvidos dela.

— A esposa que me traiu, como um Judas de saia. Um calafrio


percorreu a espinha de Lily, ao mesmo tempo em que a capela
fervilhava em movimento. Homens se adiantaram, mas os soldados
de Rogan, agora livres de seus disfarces, haviam formado um
pequeno semicírculo. Entregando Lily a um homem mais velho, que
esperava na passagem para a sacristia, Rogan vo1tou ao altar.

Lily gritou o nome do marido, mas já era arrastada para fora,


pelos fundos. A última coisa que viu foram os olhos de Elspeth,
arregalados de pavor. Atrás de si, ouviu o som metálico dos golpes
de espadas.
Tarde demais, Lily pensou em resistir, mas seu captor foi rápido.
Amarrou-lhe as mãos, antes de coloca-la sobre um garanhão
nervoso e, então, prendeu-as à sela. No mesmo instante, os homens
de Rogan começaram a abandonar o castelo e montar seus cavalos.
Por último, Rogan e Andrèw apareceram, correndo. Rogan gritou
algumas ordens e montou o garanhão.
Ao sentir o corpo dele pressionado contra suas costas, Lily foi
invadida por um sentimento dúbio. Ao mesmo tempo em que aquele
calor era convidativo, também arneaçava sua própria vida. Quando
atravessaram os portões, juntaram-se a um outro grupo de
soldados, que haviam mantido sentinela, a fim de garantir uma fuga
segura.
Ao passarem pela torre do portão, Rogan côrtou as cordas com
sua espada e o portão baixou com um estrondo, logo atrás deles.
Atravessaram as charnecas ém velocidade alucinante e, quando
finalmente alcançaram a proteção da fioresta, não havia o menor
sinal de que haviam sido seguidos.
Cavalgaram pôr muitas horas;, em um silêncio interrompido
apenas ocasionalmente, por esclarecimentos sobre o caminho a
seguir.;
Rogan continuou segurando Lily contra si, com firmeza.
Nenhum dos dois falou, embora sentisse um forte aperto na
garganta. Tavelz, pensou, fosse apenas seu próprio sofrimento, pois
podia sentir o ódio de Rogan a queimar sua pele.
A noite começava a cair, quando finalmente pararam.
Lily divisou uma cabana em meio às árvores. Embora tivesse
muitas perguntas a fazer, o medo a manteve calada, quando Rogan
desmontou e entrou na cabana, acompanhado por Andrew. O
homem a quem Rogan a entregara, na capela, aproximou-se.
Com gestos delicados, desamarrou-lhe as mãos e ajudou-a a
desmontar.
— Estou com fome — Lily balbuciou, sentindo-se muito fraca.
— Comeremos alguma coisa no barco — ele respondeu com
gentileza.
— Para onde estão me levando? — ela inquiriu, alarmada. Ouvira
falar do comércio de escravas bráncas, vendidas a senhores
estrangeiros, onde viviam em servidão doméstica e sexual. Mas,
não. Rogan jamais faria uma coisa dessas.
Estava zangado com ela, sim, mas por mais que. a desprezasse,
não seria capaz de tamanha crueldade... Ou seria?
— Por favor! — Lily gritou, aflita. — Não me mande embora! Não
quero ser uma escrava!
— Silêncio! — o captor advertiu. — Entre no barco. Lorde Rogan
explicará tudo, quando estivermos a bordo.
Tal informação teve o efeito de um calmante instantâneo. Rogan
ia com ela.
— Não serei vendida como escrava?
O homem riu.
— Não, milady.Por que lorde Rogan teria todo esse trabalho, só
para mandá-la para longe? Se fosse assim, teria contratádo um
mercenário. Ele tem planos para a senhora.
Convencida de que não se tornaria uma escrava, Lily acalmou-se,
embora não a agradasse a referência àos tais planos. Foi levada
para o barco e instalada em uma pequena cabine.
—Meu nome é Garven — o homem informou-a. — Trarei comida
assim que zarparmos.
— Para onde vamos?
— Lorde Rogan lhe dirá — ele repetiu e saiu.
Cumprindo a palavra, Garven não demorou a voltar com um
prato de comida, que Lily devorou. Então, ela ficou sentada, rígida,
na beirada da cama estreita, esperando por Rogan. Lily estava com
medo.
Lily reagiu de pronto ao ouvir a chave na porta da cabine.
Levantou-se ao mesmo tempo em que Rogai entrava e voltava a
trancar a porta. Como a cabine fosse pequena demais para os dois,
ela foi obrigada a voltar para a cama, onde sentou-se sobre as
pernas dobradas, encolhida a üm canto.
Rogan parecia um gigante, cuja cabeça quase tocava o teto.
Sentou-se na beirada da cama, de costas para ela.
—Vamos esclarecer algumas coisas, antes de começarmos
— disse — Não vou leva-la para um pais estrangeiro, a fim de
vendê-la como escrava. Garven contou-me sobre os seus temores.
Também lhe dou minha palavra de que não a espancarei, nem lhe
farei, qualquer mal. Portanto você não tem o que temer.
Ao perceber que Rogan zombava dela, Lily. encontrou coragem
para falar:
— Todos esses meses, pensei que estivesse, morto. Por que não
mandou ao menos, a notícia de que continuava vivo?
— Eu teria avisado antes, mas estive muito ocupado,
organizando meus homens. Imagino que isso não seja uma boa
desculpa. Eu deveria ter enviado, ao menos, uma mensagem. “Olá,
minha querida e traiçoeira esposa. Não estou morto como você
gostaria. Mal posso esperar para estarmos juntos, de novo. Procure
por mim no seu próximo casamento.”
Lily ignorou-lhe o cinismo.
— Como conseguiu fugir?

— Devo agradecer meu irmão por isso. Nós, os St. Cyr, somos
bastante unidos e engenhosos, além de muito teimosos. Portanto,
não é fácil nos deter. Mas sou obrigado a admitir que você e sua
família quase conseguiram acabar comigo.
Ela sacudiu a cabeça.
— Nunca desejei a sua morte, mesmo quando acreditei que era
culpado. Quando recebi a notícia, fiquei arrasada.
Rogan finalmente virou-se para fitá-la, mas a frieza selvagem em
seu olhar a fez encolher-se ainda mais.
— Uma história comovente! Pena que eu não acredite. Você
mentiu para vingar sua família e, agora, está mentindo de novo. As
vezes me pergunto, Lily, se vocé é capaz de dizer a verdade.
Lily baixou os olhos.
— Elspeth nunca mente, mas desta vez, ela mentiu. Suspeitei
disso, mas já era tarde demais. Você nünca tocou nela, não é?
— Esta é a primeira vez que você me faz essa pergunta — Rogan
comentou, sem conseguir esconder a mágoa. — Foi uma das coisas
que a delatou. Você foi rápida demais em me julgar culpado.
Reclinou-se contra a parede, fazendo uma careta de dor. Quando
conseguiu relaxar de novo, explicou:
— Minhas costas ainda me causam problemas.
Lily mal suportava pensar na dor que ele sentira, além dos outros
sofrimentos que sofrera nas mãos da família dela.
— Tive muito tempo para pensar, nos últimos meses — ele
prosseguiu. — Quando alguém é obrigado a ficar deitado de bruços,
incapaz até mesmo de erguer a cabeça, pois. a dor é insuportável,
há tempo de sobra para considerar problemas e soluções. É claro
que eu contava com uma lista de tópicos para meditar a respeito.
Acho que não preciso dizer que você era o primeiro deles.
Lily sentiu-se tentada a pousar a mão no ombro dele.
— Acredita que eu o traí — murmurou —, mas também fui traída,
naquele dia. Eu não sabia que havia uma consplração .Não percebeu
como fiquei desesperada? Eu queria morrer! E, depois Ah, meu
Deus, depois...
-Você desempenha o. papel da amante dedicada com perfeição
que, mesmo agora, quase me convence. o que é de admirar é que
eu me deixasse enganar completamente. Como fui ingênuo! Depois
de tudo o que fiz e vi na vida, lá estava eu, como um garoto
apaixonado, implorando para que você me ouvisse. Creio que devo
esquecer o orgulho e confessar que sua traição doeu muito mais do
que as chibatadas em minhas costas.
- Que razão eu teria para- fazer isso? — ela indagou.

- Ora, vingança, querida. -


— Vingança? Por quê9
-- Porque Alexander rejeitou sua irmã. Não espero. que diga a
verdade.
- Você não sabe nada da verdade! — Lily acusou-o, encontrando
forças na raiva. - Como pode me culpar? Não sabe a tortura que foi,
acreditar que você estava morto, todos esses meses.
Ele adiantou-sé para ela com expressão feroz.
-Diga-me, Lily, sua tortura foi parecida com ter a carne de suas
costas cortada por um chicote afiado como navalha? Foi parecida
com ser açoitado até quase a morte e, então, arrastado para um
calabouço e abandonado lá, para morrer? Sabia que um dos
médicos de minha família desmaiou quando me viu? Alguém havia
cuidado de meus ferimentos, mas se abriram novamente,durante a
fuga. Foi um milagre ter sobrevivido .
A frágil coragem de Lily abandonou-a e ela voltou a se encolher,
enquanto Rogan continuava:
— Conte-me sobre o seu sofrimento, esposa, e tente me
comover, Tenho certeza de que suportarei tudo o que você tiver a
dizer, pois nada pode ser tão impressionante quanto ficar meses
deitado de bruços, castigado por uma dor enlouquecedora — Virou-
se de repente e levantou-se de um pulo, incapaz de esconder o
esforço que fazia para se controlar. — Uma experiência como essa
pode reduzir um homem aos seus instintos mais básicos, mudá-lo
para sempre. Eu mudei, Lily. Não sou mais o idiota que você
conheceu.
Lily endireitou os ombros e, respirando fundo, falou com voz
calma:
— Meu crime foi ter me colocado contra você e, por ele, assumo
a minha culpa. Você diz que nunca lhe perguntei se era inocente e
confesso que tem razão. Por essas coisas, você tem o direito de me
desprezar. Eu mesma não me perdôo por um erro tão terrível.
Quanto ao resto, não conspirei contra você. Por que eu me
importaria com a vingança de Catherine? Se tomei o partido de
minha família, foi porque tive motivos para acreditar que você
mentia. Agora, você se recusa a me ouvir. Faz comigo o mesmo que
alega ter lhe dado motivo para me odiar: está me condenando, sem
ouvir uma explicação.
Rogan permaneceu imóvel por um longo momento. A tensão
começou a se dissipar no corpo de Lily, pois ela teve esperanças de
que talvez ele houvesse finalmente se dado conta da verdade, das
palavras dela.
Ele se moveu com a velocidade de um raio, saltando sobre ela,
segurando-lhe o queixo com força, pressionando-lhe a cabeça
contra a parede. O corpo musculoso imobilizou o dela, impedindo-a
de fazer qualquer movimento. Lily ficou aterrorizada.
— Eu disse que não lhe faria nenhum mal — ele murmurou — e
sou um homem de palavra. Mas não me responsabilizarei se você
ultrapassar os limites da minha tolerância. Lamento se meu
autocontrole não é o que deveria ser, mas foi testado com dureza,
nos últimos tempos. Portanto, vou lhe dar um aviso. Nunca mais
choramingue sobre sua inocência. Não quero ouvir suas mentiras de
novo. Fui claro?
Lily assentiu e, com a mesma rapidez com que saltara sobre ela,
Rogan soltou-a. Embora ainda muito assustada, ela não pôde deixar
de perguntar:
— Por que foi me buscar? Se me odeia tanto, se não quer me
ouvir...
— Para lhe dar exatamente o que você buscou, mas nunca
desejou. Vai viver como minha esposa. — Examinou-a da cabeça aos
pés, com olhar crítico. — Mas existem diversos tipos de esposas.
— Não entenda como ameaça — ela falou com cuidado —, mas
meu pai sairá à minha procura.
— Ele não vai encontrá-la.
Não pode ser tão diflcil chegar a Kensrnouth.
— Não, vamós para Kensmouth.
— Disse que devo viver como sua esposa... e vócê vive em
Kensmouth.
— Também disse que existem vários tipos de esposas. Vaí viver
em outro lugar. Não pretendo contaminar minha casa com a sua
presença.
Lily empalideceu.
- Vai me manter trancada?
Rogan fitou-a com frieza.
— Terá sua própria casa, um lugar isolado, em Lindenjood. Trata-
se de um chalé bastante agradável, com pequeno número de
criados para ajudá-la, embora você vá ter tarefas a realizar.
Imagino que seja muito diferente da vida privilegiada que tinha em
Charolais. Lá, terei você inteira para mim, o que atende melhor
meus propósitos.
— Não quero ficar sozinha —ela declarou, a voz trêmula traindo o
medo que sentia.
— Bem, eu não queria morrer, mas isso não fez a menor
diferença para você. .
— Arriscou sua vida só para me tornar sua prisioneira?
— No pretendo mantê-la como mera prisioneira. Viverei em
Kensmouth, mas Irei visitá-la. Somos legalmente casados e não
quero envelhecer sem herdeiros. — Os olhos cinzentos exibiram um
brilho cruel. — Embora eu não saiba se é possível superar a repulsa
que tenho por você, a fim de cumprir essa tarefa. Creio que, com a
ajuda da escuridão, algumas asas para minha imaginação, além de
meia dúzia de copos de vinho, vou conseguir. Ao menos, é o que
espero, uma vez que quero filhos para carregar meu nome;
Lily sentiu-se esmagada por aquelas palavras.
— Isso não é vida — sibilou.

— Ah, está começando a compreender! Pensou que. eu permitiria


que você vivesse sem pagar pelo que fez?
— Vai deixar a mim e a nossos filhos sozinhos, isolados do resto
de sua famflia, do resto do mundo? Para sempre?
Ele ergueu uma sobrancelha.
— Eu não disse que deixaria as crianças com você. .Não quero
que sofram qualquer tipo de influência maligna. Elas serão retiradas
de lá, assim que nascerem, e viverão em Kensmouth.
Uma onda de náusea deixou Lily pálida e atordoada.
— Vai tirar meus bebês de mim?
— Deixá-los com você seria o mesmo que entregá-los a uma loba
— ele declarou com desprezo. — Controlarei tudo em sua vida.
Quem você vai ver, ou seja, ninguém, o que vai fazer, o que vai
vestir... Nada entrará em sua vida sem passar pela minha
aprovação. Será minha esposa, mas viverá sob o meu total domínio.
Esta, será a minha vingança.
Lily sentiu os joelhos vergarem, e deixou-se cair na cama. Então,
cobriu o rosto com as mãos, enquanto Rogan.continuava:
— Enquanto me recuperava lentamente, planejei a vingança
perfeita. Um castigo interminável pelos seus crimes.
Lily ergueu os olhos para fitá-lo, à procura de algum sinal de
piedade.
— Você não poderia ser tão cruel.
Rogan exibju um sorriso amargo.
— Sofri crueldades terríveis, Lily. A maior parte delas, em suas
mãos.
Fitaram-se por um longo momento. Os olhos dela expressavam
angústia. Os dele, triunfo Então, Rogan desviou-os.
— Agora, trate de dormir. Vamos ancorar por volta de meio-dia e,
então, teremos uma longa cavalgada pela frente. Vai precisar de
toda a sua energia.
Saiu da cabine etrancou a porta. Ocorreu a Lily que tal precaução
chegava a ser cômica. Estavam a bordo de um navio. Para onde ela
poderia fugir? Mesmo assim, o som da chave girando na fechadura
soou como os sinos da morte, chorando por sua liberdade.

O chalé, cercado por uma horta malcuidada, situava-se em meio


a uma pequena clareira. A densa floresta ao redor emprestava um
aspecto lúgubre ao lugar solitário.
Lily não fazia idéia de onde estava, exceto que continuava n na
Inglaterra, pois ouvira trechos de conversas entre os homens de
Rogan. Calculou que haviam viajado para o norte, uma vez que o
frio e a umidade erám intensos.
Uma vez em terra, haviam cavalgado durante três dias, um deles
uma tortura para Lily, obrigada a sentir o calor de Rogan, misturado
ao seu silêncio e desprezo. Buscara conforto em ensaiar discursos,
nos quais usaria as palavras certas, bem como o tom mais
adequado para fazê-lo compreender que cometera um grave erro.
Então, cheio de remorso, ele lhe pediria perdão e os dois poderiam
finalmente retomar urna vida de amor e confiança.
No entanto, eram apenas fantasias. Lily não foi capaz de reunir
coragem para pronunciar as palavras ensaiadas, pois aquele Rogan,
que voltara do mundo. dos mortos, para se vingar e castigar, era um
homem assustador.
Agora, ela observava o que seria seu novo lar com desgosto.
Pelas fileiras de janela, calculou que eram dois andares. Mais tarde,
descobriria que a cozinha ficava ao lado de um grande aposento,
que fazia as vezes de salão. No andar de baixo, havia ainda dois
pequenos quartos para criados. Uma escada de madeira levava ao
andar superior, onde três quartos ofereciam apenas o mínimo
conforto necessário.
Era ali que ela passaria a viver? Os únicos criados, à vista eram
uma mulher de meia-idade, cuja expressão era muito sombrla,e um
homem alto e magro de aparência desajeitada. Os dois observaram,
solenes, enquanto Garven ajudou Lily a desmontar.
— Esta é Sybilla, e seu marido, Thomas — Rogan apresentou-os.
O chalé malconservado, combinado às expressões reticentos dos
criados foram a gota de água que fez Lily explodir. Nunca em sua
vida fora sujeitada a tanta humilhação, como nos últimos dias. A
raiva tomou conta dela, provocando uma sensação agradável, se
comparada ao medo paralisante que a vinha dominando.
— Não entrarei neste lugar— declarou com voz controlada.
Rogan estreitou. os olhos.
Ela respirou fundo, sustentando-lhe o olhar.
— Esta casa não é adequada a uma dama. Não passarei por essa
porta.
— Como quiser — Rogan replicou, dando de ombros. — Pouco
importa onde você vai dormir, mas é neste lugar que vai ficar.
Com isso, deu-lhe as costas, gritando ordens para seus homens
e, então, afastou-se, deixando-a completamente sozinha.
Chocada, Lily olhou em volta, lembrando-se imediatamente das
histórias que ouvira quando criança. Aquele lugar parecia-se com as
florestas encantadas por bruxas, onde criaturas malvadas viviam,
escondidas nas sombras. Estremeceu, mais de medo do que de frio.
— Para mim, não faz diferença se a senhora quer morrer
congelada aqui fora, mas Thomas e eu vamos entrar.
Sybilla a fitava com aqueles olhos pequenos e estranhos,
enquanto o marido continuava exibindo expréssão neutra.
— Podem entrar — Lily declarou em tom rude.
— Muito bem, senhora.

Embora as palavras fossem pronunciadas com certa deierência, o


tom de voz de Sybilla não apresentava o menor sinal de respeito. A
criada virou-se e desapareceu na casa. Thómas permaneceu imóvel
por um longo momento, olhando fixamente para Lily, antes de
seguir á esposa.
Os olhos de Lily encheram-se de lágrimas, enquanto. ela se
perguntava, incrédula, se Rogan teria mesmo a coragem . de deixá-
la ali, com aquelas duas pessoas tão esquisitas.
Os homens de Rogan voltaram do estábulo, onde haviam cuidado
dos cavalos, e passaram por ela. Sentindo-se uma grande idiota, Lily
afastou-se um pouco da casa, caminhando por entre os canteiros,
repletos de ervas daninhas. O que faria, agora? Havia declarado, em
alto e bom som, que não poria os pés naquela casa. Par qúe fora
fazer tamanha tolice?
O que esperava, afinal? Que Rogan dissesse: Ah, sim, deixe-me
levá-la para Kensmouth, onde terá maior conforto?
Sacudiu .a cabeça, desolada. Mostrar-se temperamentai não lhe
traria qualquer vantagem. Agora, lá estava ela, sozinha, gelada, sem
que ninguém se importasse com isso.
Então, deu-se conta de mais um problema. O aroma de sopa
atingiu suas narinas e, no mesmo instante, seu estômago começou
a roncar. Portanto, estava sozinha, gelada e faminta. O uivo de um
lobo cortou o ar, ao mesmo tempo em que os primeiros, flocos de
neve começavam a cair.

Dentro da casa, Rogan sobressaltou-se ao ouvir o animal. Andrew


encarou-o e franziu o cenho, enquanto Sybilla servia sopa aos
outros. Então, olhou para a porta, coma sé .estivesse pensando em
buscar Lily.
— Não vá — Rogan advertiu-o, embora ele mesmo se sentisse
tentado a ceder.
Temia que sua teimosa esposa se deixasse devorar, antes de
admitir a derrota e entrar.
— Está nevando — Garven falou.
O comentário irritou Rogan. O mais velho de seus cavaleiros
tinha um coração mole demais.

— Pão — foi tudo o que Rogan disse.


A verdade era que a tensão tomara conta dele. O uivo do lobo o
deixara realmente preocupado. Orgulho era uma coisa, mas aquela
tolice teria de...
O som da porta se abrindo foi seguido por uma lufada de vento
que quase apagou as velas. Várias cabeças se ergueram, mas
voltaram a baixar, diante do olhar ameaçador de Rogan.
De cabeça baixa, olhos fixos no chão, Lily entrou e sentou-se em
uma ponta do banco. A luz das velas, as cachos dourados pareciam
um véu de ouro, e, suas faces apresentavam-se coradas pela carícia
cruel do vento frio. Rogan não pôde deixar de notar que a visão era
tentadora. Era uma pena que uma fachada tão angelical pudesse
esconder um coração tão demoníaco. Com as mãos cruzadas sobre
as coxas, Lily aguardou em silêncio que sua refeição fosse servida.
Rogan garantiu, com a força de seu olhar, que nenhum de seus
homens fizesse sequer menção de ajudá-la.
— Terei permissão para comer, também?
Embaraçados, os homens limparam as gargantas e fixaram os
olhos em seus pratos.
Rogan decidiu ignorá-la, forçando-a a perguntar:
— Sybilla, onde está meu prato?
Até mesmo Rogan estava despreparado para o tom irado da
criada
-Lorde Rogan é meu patrão e é dele que recebo ordens. Sirva-se,
se estiver com fome. Esta será a sua última refeição, se não
começar a ajudar.
-Obrigado, Sybilla — Rogan agradeceu,. quando Lily se levantou.
— Estou cansado demais para me envolver em pequenas
discussões. Lily, apanhe seu prato e sirva-se. Sybilla, mostre a ela
onde está o pão e a sopa. — Diante da expressão chocada de Lily,
ele explicou: — No futuro, você não será servida por Sybilla e
Thomas. Quanto às suas obrigações, conversaremos mais tarde.
— Obrigações? ela repetiu com voz estridente.
— Mais tarde — Rogan declarou, lançando-lhe um olhar furioso.

Acabou de comer antes que Lily voltasse da cozinha. Ao se


levantar, notou o olhar curioso de Andrew.
—Estou cansado. Vou me deitar. Ordene a Sybilla que dê o
segundo quarto a Lily. Você pode dormir no terceiro. Os homens se
acomodarão, aqui mesmo, no salão, assim que o jantar estiver
terminado.
-Cuidarei de tudo.
Quando já se encontrava no meio da escada, Rogan virou-se para
Thomas.
— Leve a velha banheira para o meu quarto e providencie água
quente.
Como o quarto estivesse muito frio, Rogan acendeu a lareira.
Quando Thomas chegou com a banheira, ele já vestia apenas as
roupas de baixo. Enquanto o criado foi buscar água; Rogan andou
de um lado para o outro, inquieto e agitado.
Estava furioso. Lily conseguira parecer completamente ingênua
e, pior, tentadora. Mesmo com aqueles olhos de gata e lábios
carnudos, ela tinha o dom de parecer uma criança perdida e
indefesa.
Agachou diante da lareira e atiçou as brasas, sentindo o calor
aquecer-lhe a pele, embora seu coração continuasse frio. Decidiu
que teriá de tomar cuidado com a pequena flor, pois ela seria rapaz
de despertar piedade no próprio demônio. Um soluço soou atrás
dele e, imediatamente, Rogan deu-se conta de que estava sem
camisa, de costas para a porta.
As cicatrizes.
Virou-se e deparou com Lily, parada na porta, carregando uma
pilha de toalhas. Sua expressão era de horror.
Sim, ela vira as marcas medonhas, capazes de fazer empalidecer
um guerreiro experiente.
— SybilLa mandou-me trazer isto — ela falou com voz trêmula,
erguendo as tolhas. — Disse que você precisaria delas.
Um sentimento sombrio alojou-se no peito de Rogan.. Deixara
instruções claras com Andrew, para que Lily ocupasse o outro
quarto. Aparentemente, Sybilla decidira testar a ira de seu senhor.

— E então? O que acha? ele perguntou, satisfeito pela voz firme,


que não delatava suas emoções. — Não é agradável de se ver, eu
sei, mas acho bom que você dê uma boa olhada. Afinal, foi você
quem fez isso.
— Não fiz — ela negou com veemência, Os olhos cheios de
lágrimas. — Nunca diga isso!
Ora, ela era linda. Ao longo daqueles meses, Rogan quase havia
se esquecido de quanto ela era bonita. Agora, sentia algo
adormecido despertar em algum cantø de sua alma.
A chegada de Thomas naquele exato momento foi providencial.
Atrás dele, veio Sybilla, que estendeu um sabonete para Lily e,
depois. de lhe lançar um olhar significativo, saiu, acompanhada pelo
marido.
Lily virou-se para Rogan, sem saber o que fazer.
Rogan concluiu que Sybilla os queria juntos, naquela noite.
Perguntou-se se a criada sabia que o fato de ter Lily no quarto,
vendo suas cicatrizes, tocando-as, o enlouqueceria. Ocorreu-lhe,
com um calafrio, que Sybiila poderia desejar a morte de Lily.
Saia — ordenou e voltou a dar-lhe as costas, tentando não
pensar no que ela estava vendo, ou na repulsa que certamente
sentia.
— Para onde devo ir? — Lily perguntou, incerta, quando ele
entrou na banheira.
— Deve haver um quarto vago.
Ela se aproximou, para entregar-lhe o sabonete e, ao fazê-lo,
seus dedos tocaram de leve a mão dele. Apesar de leve, o contato
provocou uma súbita mudança em Rogan, que segurou a mão dela
com firmeza.
— Pensando melhor — disse, sem olhar para ela —, preciso que
alguém esfregue minhas costas.
Se Lily hesitasse, por um segundo sequer, Rogan não sabia o que
seria capaz de fazer. Provavelmente, teria saltado para fora da
banheira e agarrado aquele lindo pescoço com as duas mãos. A dor
e a mágoa eram tão profundas, reprimidas com tamanho esforço,
que Rogan duvidava ser capaz de controlá-las. No entanto, Lily não
protestou. Ao contrárIo, apanhou de volta o sabonete e começou a
esfregá-lo na esponja, até conseguir uma boa quantidade de
espuma
Rogan preparou-se para o momento em que Lily o tocaria, mas
quando a mão delicada deslizou sem reservas por suas costas, sua
reação foi pior do que ele havia calculado. A massagem suave e
sensual relaxou seus músculos, mas provocou um outro tipo de
tensão, um misto de ressentimento e desejo. Rogan teve de cerrar
os dentes para não perder o controle e, quando as mãos dela
alcançaram sua cintura, ele não suportou.
— Chega. Vá para o seu quarto. Amanhã, conversaremos sobre
suas obrigações. Como já percebeu, a criadagem é escassa e você
terá de fazer sua parte no trabalho doméstico. Lily ficou parada.
Recusando-se a olhar para ela, por medo de perder o tênue controle
que ainda mantinha sobre ai mesmo, Rogan apanhou o sabonete e
começou a lavar os cabelos. De olhos fechados, ouviu a porta se
fehar com suavidade e soube que ela havia saído.
A tensão foi se dissipando, enquanto Rogan terminava o banho.
Teria de conversar com Sybila, pois não queria mais surpresas.
Quanto a Lily, por que deveria se importar com a repulsa que suas
cicatrizes poderiam provocar nela? Nada mais justo, uma vez que
eram um feio lembrete da traição que ele sofrera. O incidente fora
um tanto perturbador e Rogan sentia-se vulnerável, quando se
deitou e apagou a vela.

As cicatrizes!.
Sozinha em seu quarto, sentada na escuridão, Lily não se dava
conta do frio, ou do colchão duro sobre o qual teria de dormir. Sua
mente recusava-se a apagar a lembrança daquelas cicatrizes
horríveis. Ela vira os ferimentos antes mas acreditara que com o
tempo as marcas se apagariam, Agora, sabia que elas estariam
sempre ali, não só as cicatrizes nas costas de Rogan, mas também
aquelas em seu coração.
Fechou os olhos, aflita diante da verdade dura. Não poderia se
sentir mais infeliz. Não tinha ninguém. Uma família de mentirosos,
um marido que a desprezava, criados que a odiavam. Uma vida sem
promessas, solitária e desprovida de amor.
Pior do que tudo, era a sua preocupação com Elspeth. A
lembrança da expressão aterrorizada no rosto da irmã perseguia Lily
dia e noite. Lamentava não ter questionado a menina, mas tivera
medo de arrasá-la ainda mais.
O que fizera Elspeth mentir? Catherine, claro. Lily só poderia
concluir que a mais velha fizera alguma ameaça terrível, a fim de
forçar Elspeth a cooperar. Pobre Elspeth. Líly lembrou-se da
angústia que tomara conta da menina, quando Rogan fora preso.
Ah, como a pequena sofrera! A tristeza de Lily logo deu lugar à
raiva, quando ela voltou a pensar em Catherine. Por causa dela,
Elspeth se tornara uma criatura frágil e desequilibrada, e Rogan
mudara de maneira irrevogável, transformando-se em um homem
consumido pelo ódio e pela amargura.
E a vida de Lily estava arruinada para sempre.
Escondeu o rosto entre as mãos, perguntando-se o que fizera
para merecer um destino tão cruel.

-Se entendi bem, você pretende transformar sua esposa em uma


criada — Andrew declarou, enquanto posicionava o arco. Estavam
na floresta, caçando.
Não vejo mal algum em Lily aprender a cozinhar e servir -- Rogan
replicou, dando de ombros..
Andrew imobilizou-se e disparou a flecha.
—Já abatemos dez coelhos---disse. – Sybilla é uma criatura
maligna. Ela pode tentar fazer algum mal a Lily.
Enquanto se encaminhavam para o animal morto, Rogan
lembrou-se de que a Sybffla mandara Lily ao quarto dele na
véspera.
— Sou perfeitamente capaz de controlar meus criados.
— Ainda não estou convencido de que você está agindo da
maneira correta.
— Não tenho alternativa.
— Já pensou no que Marshand pode fazer, agora que você raptou
a filha dele?
— Ela não é mais filha dele. É minha esposa. E não há nada que
ele possa fazer, sem delatar a própria conspiração. O que
aconteceria se todos soubessem que ele quase matou um nobre,
por nada mais que orgulho ferido? Enguerrand já teve as cartas na
mão, mas errou na jogada e, agora, perdeu a vantagem que
possuía.
— E é isso o que você deseja? Viver com uma mulher que
despreza, dedicando-se a puni-la, pelo resto de seus dias?

Rogan não respondeu. Tratou de guardar a caça em um saco e


montar, embora as palavras de Andrew o atingissem
profundamente. Tempos antes, Rogan acreditara ter encontrado
a felicidade, juntamente com a mulher com quem ele partilharia
uma vida de contentamento e satisfação. Não era fácil ver-se
reduzido a um tirano. Mas, como dissera, não tinha escolha.
-Acha que estou exagerando, não é? — indagou.
-É claro que não! Só fico me perguntando quanto isso vai lhe
custar e o que você vai ganhar.
Rogan suspirou.
— O quê, exatamente, preocupa você, Andrew?
— Sua alma, irmão — o mais novo respondeu sem hesitar. — É a
sua alma imortal que me preocupa.
Lily estava na cozinha, quando os irmãos retornaram da caçada.
Andrew depositou um saco sobre a mesa e subiu a escada. Rogan
apoiou-se no batente da porta e fez um sinal para que Lily abrisse o
saco.
Ela obedeceu e, ao deparar com vários animaizinhos mortos,
soltou um grito e jogou-os no chão.
— E assim que trata o seu jantar, esposa?
Lily fitou-o, boquiaberta.
— Jantar? Você me deu uma porção de coisas... mortas!
— Nunca comeu coelho? -
— Sim, claro, mas eram apenas pedaços de carne cozida. Não
pode esperar que eu toque nisso!
— É exatamente o que espero. Para ser mais específico, você vai
tirar as peles e as tripas e, então, cozinhá-los para o jantar.
— Mas não sei como fazer isso!
— Sybilla a ensinará. Agora, é melhor apanhá-los — Rogan
sugeriu, apontando para os animais no chão.
Lily estudou-o por um longo momento. Até então, obedecera as
ordens dele, exceto quando se recusara a entrar na casa, o que fora
uma grande tolice. Se pretendia salvar seu orgulho, teria de pensar
melhor antes de desafiar o marido.

Porém, não seria capaz de tocar naquelas criaturas peludas, nem


por medo de Rogan. Agindo por impulso, apanhou uma grande
colher e, com todo cuidado, retirou um coelho do chão e depositou-o
sobre a mesa.
Virando-se para Rogan, sorriu, triunfante.
— Gosta dessas pequenas conquistas, não? — Rogan murmurou
algo e, então, aproximou-se de maneira ameaçadora. —Trate de
encontrar conforto nas tarefas que pode evitar, pois não poderá
livrar-se de todas elas com tamanha facilidade.
A colher escorregou por entre os dedos trêmulos de Lily, caindo
ruidosamente no chão. Não havia a menor, dúvida do que ele queria
dizer. A proximidade de seu corpo, o olhar intenso, deixaram-na sem
flego. Depois de fitá-la por um longo momento, ele se virou e saiu.
Furiosa, Lily teve de lutar contra o impulso de apanhar a colher e
atirá-la em Rogan. Então, encolheu-se diante da idéia de que a arma
improvisada o atingiria bem nas costas. Sentiu-se envergonhada.
Ora, não podia sequer fantasiar, sem se sentir culpada! Em um
arroubo de petulântia, decidiu imaginar que a colher o atingiria na
cabeça. Tal imagem trouxe um sorriso aos seus lábios e ela a
repassou na mente diversas vezes, enquanto retirava os animais do
chão com a colher. Sybilla entrou, olhou para a caça e disse:
— Pegue a faca grande e corte os pescoços. Então, retire a pele,
com cuidado para não despedaça-la, pois vamos usá-las para
cobertas. Depois, corte-os em fatias.
Apanhou uma tigela de nabos descascados, despejou o conteúdo
no caldeirão sobre o fogo e saiu.
Lily permaneceu imóvel por um longo momento. Cortar os
pescoços? Retirar a pele? Fatiar a carne?
Era o bastante! Decidiu que já desempenhara o papel de moça
dócil e submissa pôr tempo demais. Reunindo toda a sua coragem,
apanhou os coelhós, usando apenas o polegar e o indicador, e
despejou, um a um, inteiros, no caldeirão.
Limpando as mãos, sorriu consigo mesma, profundamente
satisfeita. Pronto. Havia preparado o jantar. Surpresa por Rogan
não ter aparecido para arrastá-la escada abaixo pelos cabelos, Lily
aconchegou-se sob o cobertor grosseiro. Reprimiu o riso ao pensar
em todos aqueles homens comendo o ensopado e perguntou-se
quanto tempo teriam demorado para tirar os pêlos dos vãos entre
os dentes.
Seu prazer durou pouco. Rogan abriu a porta do quarto e ordenou:
— Venha ao meu quarto.
— Eu... já estou deitada..
— Não me obrigue a falar de novo.
Com isso, ele desapareceu no corredor.
Trêmüla, Lily levantou-se e obedeceu. Quando chegou no quarto
de Rogan, ele se ocupava em acender a lareira, e demorou vários
minutos para falar:
- Você estragou carne de boa qualidade, que é dificil conseguir
nesses meses de inverno. Pior, desperdiçou o que Andrew e eu
demoramos um dia inteiro para caçar. Achou que eu aceitaria o seu
comportamento?
— Sybilla disse que eu teria de tirar as peles e cortar a cabeça
dos animais!
— Você deve fazer o que lhe é ordenado.
— Não aceitarei ordens de uma criada!
— Sybilla tem a minha autoridade. E ela quem vai lhe dizer o que
eu espero que você faça.
— E o que vai fazer? Pretende me bater, se eu me recusar a
obedecer? — Lily desafiou.
— Talvez — Rogan respondeu em tom ameaçador.
— Pois, então,.bata! — ela disse, dando um passo à frente,
aparentemente disposta a enfrentar o que viesse.
— Tenha cuidado, Lily. Não me provoque.
— Poupe-me de suas ameaças. Se vai me bater, bata de uma vez.
Não vou me importar por que nada mais importa. O que pode ser
pior do que já me aconteceu? Você me trouxe a este lugar horrível,
para me cercar de pessoas que me detestam. Não tenho nada para
vestir, além deste vestido. Não tomo banho há dias. Estou exausta,
pois aquela bruxa que você chama de criada me acorda antes do
amanhecer, para fazer a sua comida. Estou cansada, Rogan, além
de imunda. Se ganhar alguns hematomas, não fará a menor
diferença.
Rogan fitou-a por um longo momento. Então, disse:
- Você não tem roupas?
Não foi uma pergunta, mas sim uma constatação, como se só
então ele houvesse se dado conta disso.
- Estou usandoeste vestido há quase uma semana — Lily
apontou, surpresa com a reação do marido.
— Por que não me pediu nada? — Sem esperar pela resposta,
Rogan foi até a porta e abriu-a. --- Thomas! Traga água quente!
Lily mal acreditou na sorte. Preparara-se para receber um castigo,
mas conseguira ganhar o privilégio de um banho.
— Tire isso — Rogan ordenou, apontando para o vestido.
— O... o quê? — ela gaguejou’.
— Tire o vestido. Como você mesma disse, está imundo.
- É o único que tenho. -
- Encontrarei outro. Tire esse agora.
Como ele não fizesse menção de sair, ou sequer de virar-se, Lily
permaneceu imóvel. Percebendo-lhe o embaraço, Rogan cruzou os
braços e exibiu um sorriso cínico.
— Já vi tudo antes, esposa.
— As circunstâncias eram outras.
— Que diferença faz?
— Muita — ela respondeu, empinando o queixo.
— Vou mandar queimar esse vestido, de qualquer maneira.
Portanto, se preferir, posso cortá-lo — Rogan ameaçou, apanhando
a adaga.
— Não!
Deixando de lado o pudõr, assim como a indignação, Lily livrou-se
do vestido.
— Thomas deve entrar a qualquer momento —- disse. — Ele deve
me ver nua? Isso faz parte da sua vingança?
Embora franzisse o cenho, Rogan apanhou um cobertor e a
envolveu. Ao fazê-lo, seus dedos tocaram-lhe a pele nua e seu corpo
quase colou ao dela. Chocada, Lily descobriu-se perturbada pelo
contato.

Thomas chegou com a água e ela se escondeu atrás de Rogan, o


que foi desnecessário, pois o criado não lhe dirigiu o olhar. Assim
que ele saiu, Lily abandonou o cobertor, tirou a combinação e entrou
na banheira.
Sabia que Rogan a observava, atento, mas conseguiu ignorá-lo o
bastante para se deleitar com o banho. Porém, a certa altura, o
olhar fixo do marido começou a deixá-la constrangida. Então, Lily
levantou-se, apanhou uma toalha e embrulhou-se nela. Foi se sentar
diante da lareira, onde usou os dedos para desembaraçar os cabelos
molhados.
— Não tenho outra roupa — murmurou.
— Não precisará de roupa, esta noite.
O coração de Lily ameaçou parar.
— Amanhã — Rogan continuou —, direi a Sybilla que providencie
algo para você vestir.
Lily mal ouviu as últimas palavras, pois ficara aflita com o
comentário sobre ela não precisar de roupas, naquela noite. Rogan
dissera que queria filhos. Ela sabia que deveria ter se preparado
para aquele momento, mas todas as noites, durante a viagem, ele
se deitara ao lado dela, sem dar o menor sinal de sentir desejo.
Lembrou-se de que, no barco, Rogan dissera que, se conseguisse
superar a repulsa que sentia por ela, providenciaria para que ela lhe
desse filhos. Ora, se era mesmo repulsa o que ele sentia, por que os
olhos cinzentos pareciam hipnotizados, passeando por seu corpo?
Segurando a toalha com firmeza, Lily levantou-se.
— Vou voltar para o meu quarto — declarou.
Rogan segurou-a pelo braço.
— Ainda não resolvemos a questão do “ensopado” que você
preparou para o jantar.
— Agora que estou limpa, vai me bater? — Lily inquiriu.
— Não vou bater em você. Vocêdescobrirá qual será o se castigo,
quando chegar o momento.
— Então, vou para o meu quarto.
Mais uma vez, tentou sair, mas Rogan a impediu.
— Vai passar esta noite aqui.
O pânico tomou conta de Lily. Seria capaz de enfrentar a
crueldade, a humilhação e até mesmo violência, mas não. suportaria
que Rogan a tocasse com intimidade, trazendo lembranças que ela
daria tudo para esquecer.
Permaneceu imóvel, quando ele se aproximou e pousou as mãos
em seus ombros nus..
— Por favor.., não — balbuciou. Eu.. não... estoupronta.
— Além de não ser esta a primeira vez —ele sussurrou ao seu
ouvido —, eu avisei quais eram as minhas intenções.
— Por que me quer, se me odeia?
Em vez de responder, Rogan puxou-a para si.
— Sim, eu a odeio, mas você ainda é minha esposa.
Com isso, beijou-a com violência, a principio,. mas um instante
depois, seus lábios tornaram-se suaves de encontro aos dela. Lily
sobressaltou-se com a reação intensa de seu corpo, e não foi capaz
de conter um pequeno gemido, que levou Rogan a apertá-la contra
si.
Era exatamente o que ela tanto temera. O contato de seus corpos
surtiu o efeito de urna droga, intoxicando-a. Lily já se perdia em
abandono, quando lembrou-se de que, para Rogan, aquilo não
passava de uma obrigação desagradável.
Tal pensamento despertou-a do torpor e, determinada, ela se
desvencilhou do abraço e recuou alguns passos. Rogan limitou-se a
fitá-la, furioso.., ofegante:
— Por favor — Lily implorou. — Não assim, Rogan.
— Está se negando a cumprir seu papel dé espósa?
Lily sacudiu a cabeça.
— Eu poderia forçá-la a obedecer, se quisesse.
— Sim, mas eu imploro que não o faça.
— Você sabe como parecer indefesa, Lily. Só um homem com
coração de pedra seria capaz de resistir. E, embora o meu já não
seja tão mole quanto antes, eu não suportaria forçá-la. — Estendeu
a mão e segurou-a pela nuca, com força. — Eu lhe disse, no barco,
quais eram as minhas intenções; Hoje, você descobriu que eu falava
sério. Exigirei que partilhe minha cama, sempre que eu quiser.
Portanto, prepare-se, pois esta é a última vez em que serei
paciente.
Com olhos cheios de lágrimas, Lily assentiu.
— Vá para seu quarto — Rogan ordenou.
Sem hesitar, ela saiu correndo e foi se fechar em seu quarto. Lá
deu vazão às lágrimas, que rolaram por suas faces e foram cair
sobre suas mãos cruzadas. O fogo refletiu-se na aliança de ouro que
Rogan pusera em seu dedo, havia tanto tempo. Lily jamais pensara
em tirá-la, nem mesmo para se casar com Aignier.
Da próxima vez em que Rogan a tomasse nos braços, ela teria de
ceder. Seria apenas sexo, sem amor, sem paixão. Uma obrigação.
Nada mais. Se Rogan pretendia mantê-la em um inferno, descobrira
a maneira mais eficaz de fazê-lo.

Na manhã seguinte, Sybilla acórdou Lily pouco antes do


amanhecer.
— Seu vestido — anunciou em tom rude, atirando o traje sobre a
cama. — Vista-se e vá para a cozinha. Há muito trabalho a fazer.
Lorde Rogan partiu e devo, me certificar que a senhora não fique
ociosa, só porque ele não está aqui.
Lily levantou-se, vestiu-se sem demora.
Na cozinha, Sybilla já estava à sua espera.
— Quando terminar de assar as formas de carnê, vá ferver roupa
suja. O caldeirão está lá fora, Thomas empilhou lenha, mas terá de
acender o fogo sozinha.
Sem dizer nada, Lily pôs-se a preparar a massa das tortas. Sovou
a massa, abriu-a com o rolo e cortou-a em discos pequenos. Depois
de colocar uma colherada de carne temperada sobre cada uma,
dobrou a massa ao meio é apertou as bordas com a ponta dos
dedos, como Sybilla havia lhe ensinado. Mal conseguiu erguer a
pesada assadeira, e várias tortas caíram no fogo. No mesmo
instante, as chamas transformaram-se em verdadeiras labaredas, e
as fagulhas chamuscaram a manga do vestido de Lily.
Poucos minutos depois, sentiu cheiro de comida queimada. Tarde
demais, retirou a assadeira do forno, queimando uma das mãos. Seu
esforço foi em vão, uma vez que as tortas pareciam pedaços de
carvão. Com determinação, começou o preparo de nova porção de
massa e recheio, buscando conforto em imagens de Rogan
empalidecendo, ao sentir o punho de Lily atingir seu estômago.

Quando, finalmente, as tortas ficaram prontas, ela colocou-as no


parapeito da janela e foi cuidar da roupa suja. Suas mãos
apresentavam inúmeros cortes, causados por sua falta de prática no
uso da faca. Além disso, a queimadura recente latejava. Mesmo
assim, Lily mexeu a roupa com vigor, no caldeirão, pois sabia que já
estava atrasada com suas tarefas.
Foi escaldada por água fervente algumas vezes. Então, teve de
repetir o processo de mexer a roupa, pois deu-se conta de que havia
se esquecido de adicionar o sabão. Quando torceu as peças e
estendeu-as sobre rochas para secar, não havia um centímetro em
seu corpo que não lhe provocasse dores. Tremendo de frio, remexeu
as brasas com movimentos apressados, pois não consegula pensar
em outra coisa, que não fosse voltar para dentro de casa. Em sua
pressa, demorou a perceber que a bainha do vestido se incendiara.
Estava apagando o fogo, quando ouviu os primeiros sons.
Ergueu a cabeça, dando-se conta dos arredores lúgubres. O céu
estava coberto por nuvens muito escuras e as árvores que
circundavam a clareira tornavam o lugar ainda mais sombrio.
Quando outro grito cortou o ar, seu primeiro pensamento foi que
eram fantasmas.
Então, pensou em animais. Lembrou-se do uivo do lobo, em sua
primeira noite ali e perguntou-se se eles seriam tão ousados durante
o dia, como costumavam-se ser na escuridão. No instante seguinte,
porém, distinguiu vozes estridentes e deu-se conta de que se
tratava de crianças.
Logo conseguiu localizá-los, escondidos atrás de arbustos, na
pequena colina.
— E melhor virem até aqui e dizerem o que querem — declarou
em voz alta.
— Eu disse que não deveríamos nos aproximar tanto! Ela sentiu o
nosso cheiro! — alguém sussurrou.
As dores no corpo e total falta de perspectiva de um futuro digno
haviam tirado todo o humor de Lily.
— Por que estão me espionando? — inquiriu, irritada.

Três cabecinhas apareceram sobre as folhas.


— Temos a cruz do Senhor para nos proteger, bruxa!
- Sumam daqui, tolinhos! -
Sentindo-se gelada, Lily deu-lhe as costas e voltou para casa. Não
tinha tempo a perder com crianças desocupadàs. Ignorando-lhes os
sussurros, entrou na cozinha. Imediatamente, deu pela falta das
tortas. Com um grito furioso, correu até a janela e ficou olhando
fixamente para a assadeira vazia. Aqueles demônios haviam
roubado suas tortas!
Sentando-se em um banco, Lily tentou dominar a raiva que a
invadiu. Ao ouvir som de passos, ergueu os olhos e deparou com o
olhar maligno de Sybilla.
-Preguiçosa! Basta ficar sozinha, para descansar! Onde está o
jantar? Passou o tempo todo sentada? Muito bem. Se não seguiu as
minhas instruções, vai ficar sem jantar. Agora, pegue o carrinho e vá
buscar lenha na floresta. E não demore!
— Estou encharcada até os ossos — Lily protestou em tom
ligeiramente ameaçador. — E estou exausta. Vou para o meu
quarto, tirar este vestido e esperar que seque. Enquanto isso, creio
que dormirei um pouco.

Sybila deu um passo em sua direção.


- Vá à floresta e faça o que mandei.
Lily levantou-se, aproximou-se de Sybiila e encarou-a.
— Não — declarou, simplesmente.
A criada fitou-a boquiaberta.
Apanhando um punhado de feijões crus, Lily passou por ela e
subiu a escada.

Andrew parou na porta do quarto de Rogan e pô-se a olhar para


os ombros vergados do irmãó. Sabia que Rogan desejava ficar
sozinho, mas tinha perguntas demais para, simplesmente, deixá-lo
em paz.
— Tudo correu conforme o planejado,- Andrew falou. — Eu
esperava que a esta altura, você estivesse muito satisfeito. Não me
diga que está em dúvida!

— Não seja ridículo! — Rogan explodiu.


— O que há de errado, então?
— A situação é muito mais complicada do que eu havia imaginado
— o mais velho admitiu. — Em um momento, Lily age como mártir.
Em seguida, comporta-se como uma megera.
— Você já teve sentimentos diferentes, por ela — Andrew
lembrou. — Lily é muito bonita e tem o dom de inspirar simpatia. Os
hómens se referem a ela como “a pequena flor”.
— Sou obrigado a admitir que ela é muito boa nisso — Rogan
resmungou. - Achei que teria de enfrentar uma rebelião! Lily
consegue parecer a mais inocente das criaturas, além da mais
injustiçada. Quanto a ser chamada de “pequena. flor”, creio que
devo isso a você. — Apontou o dedo em riste para o irmão. — Se
está tão preocupado com o destino das almas, comece pela dela e
me deixe em paz!
Sem se deixar perturbar pela ira de Rogan, .Andrew replicou:
—Excelente idéia! Você tem toda razão! — Então, coçou o queixo,
pensativo. — Só não sei como fazer isso. Não será tão simples...
Confuso, Rogan observou-o sair do quarto, esfregando as mãos
diante da misteriosa revelação.

Em silêncio, Lily arrastou-se até a porta. Ignorando o vento frio,


pôs a cabeça para fora, em tempo de ver o trio desaparecer ao lado
da casa. Com um sorriso, caminhou com cuidado, junto à parede, e
parou para ouvir.-
— Coma, Lizzie o menino falou.
— Mas você também está com fome.
— Não. Coma. Vou buscar mais uma.
Ah, não uai, não!
— Mas foi a bruxa quem preparou. Pode estar envenenada.
O que não era má idéia, pensou Lily. Nada mortal, claro. Apenas
algo que os fizesse se arrependerem de tamanha ousadia.
— Bobagem, Lizzie — argumentou outra voz feminina. — Por que
ela envenenaria a própria comida? Ela não sabia que Oliver
apanharia a perdiz.
— As bruxas sabem de tudo; Ela pode ter visto no espelho
enfeitiçado.
— Vai comer ou não? — o menino inquiriu.
— Coma, Lizzie. Sei que está com fome.
Agora. Lily espiou.
E foi apanhada de surpresa pelo que viu. Os três formavam um
círculo. A mais nova, que não tinha mais do que quatro anos, comia
com voracidade. O garoto, de costas para Lily, observava a floresta;
enquanto a outra, a mais velha deles, assistia à pequena comer,
embora seus olhos traissem a fome que a perturbava.
A sede de vingança de Lily se foi no mesmo instante. Enquanto
via a criança comer com desespero, perguntou-se quando aqueles
três teriam feito sua última refeição.
De repente, Lizzie parou de comer e estendeu a perdiz pela
metade para a mais velha.
— Coma o resto, Anna.
A menina não resistiu à tentação. Arrancou uma das coxas da ave
e sorriu.
— Só este pedacinho — disse. — Oliver, coma o resto.
Incapaz de mover-se, Lily viu o garoto sacudir a cabeça, em uma
ordem muda para que as irmãs comessem tudo.

O vento carregava o aroma apetitoso das três perdizes assadas,


colocadas no parapeito da janela. Agachada atrás da mesa, Lily
esperava pacientemente..
Fazia quase uma semana que os pequenos ladrões haviam
atacado, e eia se tornara obcecada por apanhá-los. Todos os dias,
preparava armadilhas para tentá-los, mas os capetinhas não haviam
aparecido.
Um dos beneficios de tal missão era a aprovação que Sybilla
demonstrava com relação ao trabalho de Lily. Isso, combinado à
insubordinação da mais nova, havia desencorajado o tratamento
rude que a criada lhe dispensava antes.
Finalmente, a paciência de Lily foi recompensada. Triunfante, ela
viu a mãozinha suja agarrar uma das iscas. Foi quando eles a viram.
Anna foi a primeira, erguendo os olhos e arregalando-os.
Percebendo-lhe a expressão de alarme, o menino virou-se. Por
último, a pequena Lizzie olhou para Lily é emitiu um soluço.
— A bruxa! — Oliver exclamou.
— Espere! — Lily gritou. — Não fujam! Tenho mais perdizes!
Foi em vão. Os três já desapareciam na floresta. A necessidade
súbita e desesperada e trazê-los de volta a surpreendeu. Não queria
mais castigá-los. Depois de ter visto os rostinhos sujos e famintos,
ocorreu-lhe que certamente não eram ladrões, mas apenas crianças,
que não tinham outra maneira de conseguir seu sustento.
Tentou mais uma vez:
— Não sou uma bruxa!
Eles já não ouviam. Tudo o que restara fora a carcaça da perdiz,
caída no chão lamacento.

No dia seguinte, Lily saiu de casa, carregando uma cesta, e


desapareceu na floresta. Atrás dela, como se esquecida, a porta
ficou aberta. O aroma tentador de lingüiças. permeava o ar.
Uma vez protegida pelas árvores, abaixou-se e, deixando a cesta
no chão, deu a volta na casa e entrou pela porta da frente.
Atravessou o salão depressa e foi se esconder na cozinha.
Os sussurros não demoraram a alcançar seus ouvidos. Ouviu os
passos cuidadosos, aproximanda-se da mesa, onde a comida os
esperava. Depois de se certificar de que os três haviam entrado, Lily
pulou de seu esconderijo e fechou a porta.
Gritos ensurdecedores tomaram conta da casa. Lily virou-se e
pôs-se a agitar as mãos, frenética.
— Quietos! Não gritem! Prometo não machucá-los! Oliver
apanhou uma machadinha utiizada na cozinha e empunhou-a com
determinação.
— Deixe-nos sair, ou partirei você ao meio!
A cena não era engraçada, uma vez que as três pobres criaturas
estavam mesmo aterrorizadas. Além disso, embora o menino não
tivesse mais que oito ou nove anos, poderiam provocar sérios
danos, caso decidisse levar adiante sua ameaça. Ainda assim, Lily
não se controlou, diante de tamanha demonstração de coragem.
— Ouçam o que tenho a dizer —. falou entre risos. — Não sou
uma bruxa.
— E, sim! Agora, saia da frente. Tenho a cruz do Senhor e sei
como usá-la!
Aquilo já era demais! Lily explodiu em gargalhadas.
Lízzie começou a chórarningar, deixando Oliver ainda mais
agitado.
— Quieta! — ele ordenou.
— Acalmem-se — Lily insistiu. — Só quero conversar com vocês.
Enterrando o rosto na saia da irmã, Lizzie pôsse a soluçar.
— Lizzie! — Oliver advertiu-a.
— A bruxa vai nos comer!
— Cale a boca!
Com isso, o menino deu um tapa no rostinho da irmã.
Com um único movimento, Lily aproximou-se, tomou a
machadinha de Oliver e afastou-o de Lizzie.
- Não trate sua irmã assim, menino estúpido! — Virando-se para
Lizzie, disse: —. Juro que não sou uma bruxa. Por que eu comeria
você, quando tenho tantas lingüiças deliciosas?
Os três pareceram surpresos pelo argumento lógico. Para ilustrar
suas palavras, Lily apanhou uma lingüiçã e começou a comê-la.
— Quem é você, então? — Anna perguntou.
— Sou lady LiIy, esposa de lorde Rogan:
— Ora, uma lady! — Oliver zombou.
Era verdade que ela não se parecia em nada com um membro da
nobreza.
— Bem, sou uma Iady, sim, senhor. Mas isso não importa.
— Você é feia — Lizzie declarou.
— Eu também não diria que vocês três formam um modelo de
beleza — Lily retrucou, irritada. — Por que roubam a minha comida?
— Papai estava furioso e tivemos de sair de lá — Oliver respondeu
em tom agressivo.
— O que vocês fizeram? Alguma travessura, sem dúvida.
— Não fizemos nada! — Lizzie afirmou.
— Então, por que seu pai bateria em vocês?
— Porque estava bêbado.
Lily ficou chocada.
— Estão dizendo que ele, simplesmente, bate em vocês? Não
acho provável.
O menino cruzou os braços e recusou-se a falar mais. Anna deu
um passo à frente.
— Não acho que você seja feia. Já disse isso a eles. Quando a
viram mexendo o caldeirão, acharam que era uma bruxa, mas eu
achei que talvez você estivesse apenas cansada.
— E estou mesmo — Lily confirmou com um sorriso.
— Por que está cansada? Por que não vai dormir? — Lizzie
inquiriu.
— Tenho muito trabalho a fazer.
— Viram? Ela não é uma lady. Ladies não lavam roupas, nem
cozinham, meninas tolas! — Oliver empinou o quexo.
— Ela está mentindo.
— Bem, sou uma lady, passando por momentos dificeis. Agora,
chega. São vocês quem devem explicaçêss.
— Por que não reúne os seus cavaleiros e vai para o seu castelo?
— Oliver insistiu.
— Porque ela tem de esperar pelo príncipe, Oliver — Ana
respondeu.
— Exatamente — Lily concordou. — Fui trazida para cá por um
homem enfeitiçado e tenho de esperar por alguém especial para me
levar embora.
— Quem a trouxe para cá? — Oliver perguntou. — Se é mesmo
uma lady, posso lutar para defendê-la.
— Você não é príncipe — Anna objetou.
— Cale a boca, Anna! — o irmão gritou, partindo para cima da
mais velha, esmurrando-a.

— Ei! —, Lily gritou mais alto, separando. os dois. — Você é um


camarada desagradável, sabia?
— O que você sabe? — ele retrucou, com lágrimas nos olhos. — E
só menina e nem é uma verdadeira lady!

Conseguiu desvencilhar-se e abrir a porta. Então, desapareceu na


floresta.
Lizzie estreitou os olhos e pôs as mãós na cintura.
— Você é malvada! — gritou, antes de sair correndo atrás do
irmão.
Chocada pelo desfecho inesperado, Lily olhou para Anna, que a
fitou calada por alguns momentos, antes de sair com passos lentos.
— Anna — Lily chamou-a e, embrulhando as lingüiças em um
pano, estendeu-as para ela.
— Acho mesmo você muito bonita — Anna murmurou, antes de
partir.
Sozinha, Lily repassou na mente o estranho éncontro. Sentia-se
confusa e comovida. Algo a incomodava. Na tentativa de descobrir o
que era, foi até o quarto de Rogan, apanhou o pequeno espelho que
vira lá e, pela primeira vez em semanas, examinou o próprio reflexo.

Sim, estava muito feia. Suas faces apresentavam-se pálidas,


olheiras circundavam seus olhos e seus lábios haviam rachado ao
frio. Os cabelos sem brilho encontravamse presos em um coque
baixo e descuidado. Não era de admirar que Oliver não houvesse
acreditado que ela era uma lady; Ou que as crianças houvessem
acreditado que ela era uma bruxa.-
Tal pensamerito—levou-a a uma longa, reflexão. Rogan havia
tirado a sua liberdade. Teria tirado, também sua juventude e sua
beleza? Restava-lhe algo. do que ela fora antes, ou ele havia lhe
tirado isso, também? Dias antes, Lily estivera decidida a bater em
três crianças famintas, por elas terem roubado um pouco de
comida, o que não era mais do que um pequeno inconveniente.
Estaria mudando tanto, a ponto de endurecer o coração? Estava.
começando a se parecer com Catherine! Seria culpa de Rogan... ou
dela mesma?

A determinação foi créscendo em seu peito. Não. Rogan só lhe


tomaria o que a definia como pessoa, se ela assim o permitisse. O
que Lily não faria. Lutaria até o fim para manter sua alma a salvo da
ira vingativa do marido. Não aceitaria mais aquela humilhação,
aquela... degradação. E começaria assumindo o papel de lady, em
Linden Wood!

Rogan cavalgava pela floresta, tentando conter a ansiedade.


Linden Wood situava-se pouco adiante. Seria a primeira vez em que
veria a esposa, desde a noite em que ele fizera a terrível descoberta
de que Li1y ainda lhe despertava paixão.
Não saberia dizer por que fora tão complacente,, então. A
verdade era que amaldiçoara-se por isso, pois, todos aqueles dias, o
seu corpo ardera de desejo, enquanto a mente o afligira com
infinitas imagens eróticas de Lily em seus braços, gemendo de
prazer, serpenteando o corpo sob o dele.
Nem sequer lhe ocorrera que ela pudesse despertar tais reações,
depois de tudo o que havia se passado, mas acabara se descobrindo
tão vulnerável à beleza incomum de Lily, à sua sensualidade
espontânea, quanto fora antes
Foi diflcil aceitar a realidade. No final, decidira que o melhor a
fazer seria habituar-se à poderosa atração que o impelia para ela.
Afinal, já que tinha de se deitar com Lily para garantir seus
herdeiros, por que não tornar a tarefa prazerosa?
Agora, mal podia esperar. Faria amor com Lily, mesmo que ela
tentasse resistir novamente. Ela era sua esposa e não poderia se
negar, a partilhar sua cama.
Tal idéia provocou-lhe um estremecimento de excitação. Ora,
àquela altura, Lily tivera tempo de sobra para se preparar para as
exigências do marido. Não haveria desculpas, dessa vez.

Uma vez na clareira, Rogan gritou por Thomas. O homem parecia


um fantasma, Rogan pensou, quando o criado se materializou à sua
frente. Ele sempre aparecia do nada, em um piscar de olhos. Era
como se estivesse sempre à espreita, onde quer que Lily pudesse
ser encontrada.
Depois de entregar-lhe as rédeas de Tarsus, Rogarn observou
com ar especulativo, enquanto Thomas conduzia o garanhão para o
estábulo.
Ouviu a voz de Lily, vinda do lado da casa. Lutando contra a
expectativa, encaminhou-se para lá.
Espiou o corpo esbelto da esposa, no meio de um dos canteiros
da horta, apoiada a uma enxada. A primeira coisa que lhe chamou a
atenção, foi o vestido justo demais, que apertava-lhe os sejas fartos.
A bainha deixava à mostra boa parte das pernas, exibindo os
tornozelos delicados. Os cabelos estavam presos na nuca, mas
algumas mechas haviam se soltado e caíam soltas, em torno do
rosto bem desenhado. Mesmo suja de terra, a sensualidade que ela
emanava era quase palpável. Tudo isso, Rogan percebeu em um
segundo apenas, assim como a cena, estranha que se desenrolava à
sua frente.
Para sua surpresa, Sybila encontrava-se diante de Lily, ajoelhada
na terra, ouvindo pacientemente a voz autoritária de sua senhora.
— Não entendo muito de ervilhas. Acha que é excesso de sol?
Talvez fosse melhor plantarmos o feijão aqui, os nabos ali e, então,
as ervilhas. Sim, faça isso. Vou revirar a terra do outro canteiro.
Quando ia colocar a enxada em movimento, Lily o viu e parou,
imóvel.
- Ainda é cedo para o plantio — Rogan comentou em tom casual,
aproximando-se.
— Estamos apenas preparando os canteiros. Achei que, talvez,
pudéssemos tentar antecipar a colheita. As vezes, meu pai fazia isso
e obtinha bons resultados. É claro que o clima é bem mais ameno,
na Cornualha.
Rogan assentiu, notando que Sybila havia se levantado,
parecendo muito embaraçada.

— Vá buscar o vinho com ervas - que preparei — Lily Ordenou,


antes de virar-se para Rogan.- Não sabia que você viria hoje, mas
estou assando carne de porco, que não demorará a ficar pronta.
Está com fome?
A transformação. era incrível. Lily agia como a anfitriã ,
recebendo um hóspede. Rogan ficou desconsertado. Passara
semanas preparando-se para assumir o comando, em sua próxima
visita. Agora, ela o recebia como se fosse a senhora do castelo,
enquanto ele, um mero visitante.
Ressentido, ele estreitou os olhos.
-Para ser sincero, esposa, foi uma questão de fome que me trouxe
aqui, hoje, embora eu não seja um grande aprecíador dos seus
dotes culinários.
Seus olhos passearam, insolentes, pelo corpo dela, demorando-se
na curva dos seios.
O brilho da fúria iluminou os olhos verde-azulados, mas não disse
nada. Soltando a enxada, ela se encaminhou para a cozinha e, a
julgar pelo ruído de panelas batendo, fora desabafar sua raiva nos
utensílios.
Rogan a seguiu com passos lentos, assobiando. Sentia-sei melhor,
agora, embora o calor que o invadira ao vê-la ainda não houvesse se
dissipado.
Observou-a manejar a faca com destreza suficiente para cortar
diversas fatias finas do pernil que assava no espeto, sobre o fogo.
Sybilla, que evitava o olhar de Rogan, como houvesse cometido-um
crime imperdoável, serviu-lhe um copo do vinho aromatizado e
desapareceu.
Rogan bebeu um longo gole.
— Sem pêlos? . -
Lily corou, mas foi depositar a bandeja contendo carne e pão
diante dele.
— Quer maçãs secas?
— Sim — ele aceitou, mas usou a adaga para revirar os pedaços
de carne, examinando-os com desconfiança. Depois de prová-la,
decidiu que fora muito bem preparada. — Deixei um saco no
caminho para o estábulo, onde desmontei. Vá buscá-lo.

Lily fitou-o por um momento tão longo, que Rogan chegou a


pensar que ela o desobedeceria. Então, ela revirou os olhos e saiu.
Uma vez sozinho, saboreando a comida, Rogan refletiu que a
situação parecia bem melhor do que antes. Lily acostumara-se ao
seu lugar e, agora, controlava o próprio temperamento. E, embora
fosse evidente que havia se recusado a submeter-se a Sybilla, não
se recusava a cumprir suas tarefas domésticas.
Lily voltou, arrastando o pesado fardo atrás de si.
— Se veio para passar apenas um dia, por que trouxe tanta coisa?

- Leve para cima e esvazie o conteúdo — ele ordenou.


— Não posso carregar este saco para cima. É pesado demais.
Rogan ergueu uma sobrancelha.
— Isso é problema seu.
Ela respirou fundo, visivelmente irritada, mas foi até a porta e
chamou:
— Thomas!
Como sempre, o criado apareceu imediatamente, dando a Rogan
a impressão de que estivera ouvindo junto à porta. Lily instruiu-o
para que levasse o saco para cima. Thomas obedeceu de pronto e
Lily seguiu-o.
Poucos minutos depois, os gritos no andar de cima fizeram Rogan
levantar-se de um pulo. Em questão de segundos, ele já subia a
escada, de espada em punho. Foi entãó que Lily apareceu no
patamar, segurando um dos vestidos que ele havia levado para ela.
— Obrigada — agradeceu, tão ofegante, que mal podia falar. Os
olhos magníficos brilhavam como pedras preciosas, as faces coradas
realçavam os traços perfeitos. E o sorriso que Lily exibia deixou
Rogan atordoado.
Ao abrir o saco, ela descobrira alguns vestidos e vários artigos
femininos. Eram usados, nada grandiosos, mas a gratidão de Lily
fazia parecerem jóias rarás, dignas de uma rainha.

Rogan limpou a garganta e abaixou a espada.


- A esposa de um de meus cavaleiros os enviou. Disse que você
precisaria de todas essas coisas. Se ela se esqueceu de algo, basta
dizer e tomarei providências.
— Diga a ela que sou muito grata — Lily declarou. — Vou tirar
este vestido de camponesa agora mesmo.
Como una criança, maravilhada com um presente inespeado, ela
deu meia-volta e correu para o quarto. Rogan não pôde impedir que
seus olhos se fixassem na visão tentadora dos quadris
arredondados, que ondulavam a cada passa. Pensou na comida que
deixara esfriando na cozinha e, de súlbito, descobriu-se sem fome,
Com um novo propósito, seguiu Lily até o quarto.
Thomas já se fora e Lily havia puxado a bainha do vestido até a
cintura. Ao vê-lo, soltou o tecido depressa.
Sem desviar os olhos dos dela, Rogan foi até a cama e sentou-se.
-Continue -— disse.
Ela hesitou, Sustentando-lhe o olhar, mas corando
profundamente.
Um brilho de desafio iluminou o rosto de Lily por um breve instante.
Então, ela lhe deu as costas e tirou o vestido, atirando-o no chão.
Quando se abaixou para apanhar o novo de cima da cama, Rogan
segurou-lhe a mão, forçando-a virar-se para ele.
Surpreso, ele se descobriu trêmulo. O simples contato com a mão
delicada provocou uma intensa onda de calor, que tomou conta de
todo o seu corpo. Lembranças de seu último encontro invadiram-lhe
a mente, deixando-o atordoado.
Resistindo ao impulso de atirá-la na cama, deixou que seus olhos
passeassem pelo corpo dela, deleitando-se com as curvas mal
escondidas pela fina combinação de algodão. A roupa intima cobria
até somente metade da coxa, permitindo Rogan admirar-lhe as
pernas longas e bem torneadas.
Então, seu olhar pousou na cintura delgada, que ele poderia
envo1ver totalmente com suas mãos. Mais acima, os seios fartos
pressionavam o tecido quase transparente, enquanto os mamilos
rosados ameaçavam rasgá-lo. As mãos de Rogan ardiam de desejo
de acariciá-los. Ombros graciosos, esculpidos como em uma estátua
grega, braços longos e...
Rogan parou. Um nó se formou em sua garganta, pois a pele clara
dos braços de Llly apresentava hematomas escuros. Virou-lhe as
mãos e descobriu-as cheias de cortes e outros ferimentos.
Só então lembrou-se de que ela não desfrutava mais da vida
privilegiada de uma Iady. Agora, Lily trabalhava tanto quanto Sybila,
realizando tarefas com as quais nenhuma mulher da nobreza jamais
sequer sonharia.
— O que é isso? - ele inquiriu em tom rude, como se ela tivesse
culpa pelos danos provocados em sua pele.
Lily olhou para os ferimentos e respondeu com objetividade:
— Esta é a cicatriz de uma queimadura que tive, fervendo roupas
sujas. Estes são simples hematomas, a maioria resultantes de
tentativas de erguer coisas muito pesadas. Os cortes em minhas
mãos... Bem, eu era muito desajeitada com a faca, quando cheguei
aqui.
Uma raiva irracional tomou conta de Rogan.
— Pois tenha mais cuidado! Não estou acostumado a levar
criadas para a cama!
Mesmo antes de terminar a frase, ele se deu conta de quanto era
cruel. A tensão imediata que tomou conta de Lily mostrou que seu
comentário a feriu profundanente. Rogan amaldiçoou-se. Em um
momento, era benevolente demais. Em seguida, desprezava a si
mesmo pela própria maldade.

— Monstro! — ela sibilou. — Como se atreve a me insultar?


Obriga-me a trabalhar como uma serva e, então, despreza-me por
isso! Não tem o direito de criticar uma só cicatriz em meu corpo,
pois elas são a prova viva do seu abuso!
Ela estava certa, claro, mas a consciência disso não o fez se
sentir melhor
— Se me forçar a lhe dar umas palmadas, então verá a
verdadeira prova do meu abuso!
— Você não faria isso!

— É melhor não me provocar, Lily. Sou capaz de muitas coisas de


que você não gostaria.
— O quê poderia ser pior do que você já fez? ela desafiou.
Ao vê-la corada pela fúria, os cabelos soltos, caindo em uma
cascata dourada sobre os ombros, os olhos faiscantes, os punhos
cerrados, pousados na cintura, Rogan pensou que ela parecia uma
amazona, ou uma deusa irada... Ora, estavam falando demais.
Afinal, ele não fora até lá para conversar. Com um movimento
rápido, puxou-a para si, cedendo ao que desejara desde que pusera
os pés
naquela casa.
Fosse por medo, ou por. paixão, Lily derreteu-se em seus braços,
inflamando-lhe os sentidos e retribuindo o beijo com ardor.
-Vejo que decidiu bancar a esposa dedicada — Rogan ironizou. —
É uma armadilha? Preciso tomar cuidado.
Ela tentou se desvencilhar, mas ele a segurou com força, rindo de
sua indignáção.
-Por que me insulta? Não lhe cai bem, Rogan. Tem todas cartas
na mão e, ainda assim, esforça-se para me humilhar mais e mais. É
um hábito seu, abusar do sexo fraco?
Ele não gostou do comentário irônico, mas naquele momento,
seus olhos pousaram nos lábios carnudos, ainda vermelhos do beijo
que haviam partilhado. Então, nãofoi capaz pensar em mais nada, a
não ser em tocá-la.
-O que você espera? Ouvir palavras de amor? -Devo dizer que
seus cabelos parecem ouro, à luz do sol? Que seus olhos brilham
como raras pedras preciosas?

Puxou-a para a cama, passando uma perna sobre a dela, fim de


sentir melhor seus corpos colados -
— Seus seios macios parecem pedir as carícia das mãos de um
homern, das minhas mãos, Lily. - Como se precisasse comprovar
suas palavras, Rogan pousou uma das mãos sobre um seio farto.
Observando os lábios de Lily se entreabrirem, as pálpebras
tornarem-se pesadas, Rogan deu-se conta de que sua voz havia
perdido o tom zombeteiro.

Sim, poderia fazer todos aqueles elogios com sinceridade, pois


mesmo depois de tudo o que se passara entre eles, Lily continuava
sendo a mulher mais adorável que Rogan já conhecera.
Foi somente quando os braços dela enlaçaram seu pescoço e ela
colou os lábios aos dele com ardor, que Rogan deu-se conta de que
pronunciara o último pensamento em voz alta. Com um gemido,
aprofundou o beijo, deixando que as mãos percorressem todas as
curvas que haviam povoado suas fantasias, ao longo daqueles
meses solitários.
-Estamos no meio do dia. — Lily murmurou, embora as palavras
não soassem como um protesto.
Rogan limitou-se a assentir em concordância, ao mesmo tempo
em que deslizava os lábios pelo pescoço dela, lentamente, até
pousá-los sobre um dos seios. Então, abriu a combinação, e afastou-
se, a fim de desfrutar da visão que lhe provocara tanta saudade.
Lily permaneceu imóvel, enquanto os olhos cinzentos
esquadrinhavam cada detalhe, saboreando, deleitando-se. Quando
ele finalmente inclinou-se para tomar um mamilo rosado entre os
lábios, ela arqueou o corpo, oferecendo-se sem reservas,
abandonando-se â torrente de sensações que varreu seu corpo.
O desejo queimava Rogan como uma fogueira, fazendo arderem
suas entranhas. Fazia tanto tempo... Ele não saberia dizer se seria
capaz de esperar. Ao mesmo tempo, não queria fazer sexo com Lily
de maneira apressada, ou rude. O que o fazia sentir assim era um
grande mistério. Rogan só sabia, com toda certeza, que naquele
terreno, ele jamais conseguiria ser cruel.
Deslizou uma das mãos por entre as coxasde Lily, que as separou
em um convite irrecusável. Sentindo o sangue correr mais rápido
nas veias, Rogan livrou-se rapidamente das roupas. A necessidade
de mergulhar dentro dela toldava-lhe a clareza de pensamento.
Quando a penetrou, Lily ergueu os quadris para recebê-lo. Rogan
ainda conseguiu controlar-se, recuar, penetrá-la mais
profundamente. Sua boca abafou os gemidos dela, enquanto suas
mãos a apertavam contra si.
Desta vez, a intensidade de sua paixão não o apanhou de
surpresa. Rogan entregou-se por inteiro, sem a menor hesitação, à
sensação maravilhosa que foi tomando conta de seu corpo, sua
mente, sua alma. Quando sentiu os espasmos de Lily, e ouviu seu
gemido rouco, soube que ela, havia encontrado a satisfação. Tal
constatação acabou de vez com seu. controle, e ele se deixou
carregar para um outro mundo, em uma explosão de êxtase.
Satisfeito e exausto, ele se apoiou nos cotove1o. Não havia mais
nenhuma palavra de ternura. Suas mãos ardiam de desejo de
tocá-la, mas ele as impediu.

Rolou para o lado, usando uma das mãos no ventre de Lily, em


um gesto possessivo, indicando-lhe que ela deveria ficar onde
estava.
apesar de tudo o que haviam perdido, ainda restava aquela
incompreensívei paixão. Era tudo o que ficaria de uma união que
ele, um dia, acreditara que seria a realização de todos os sonhos
secretos que ele jamais admitira, nem sequer a si mesmo. Não era
muito e, na verdade, provocava sofrimento. Naquele momento;
porém, ainda sob os efeitos prazer, era o bastante.

Depois que Rogan partiu, mal falando com ela enquanto se vestia
apressado, Lily permaneceu completamente imóvel, grata pelo
torpor que a invadiu. Infelizmente, tal condição durou pouco.
Não se deu ao trabalho de examinar a paixão. que Rogan
demonstrara. Lembrando-se de que os homens eram diferentes e
que seus corpos funcionavam perfeitamente com qualquer mulher,
não deu importância ao interlúdio terno e sensual. Afinal, Lily
conhecera muitos casais que mal suportavam a presença um do
outro, cercados de filhos. Por isso, sabia que não era um grande
feito um homem fazer sexo com sua esposa.
Durante os meses seguintes, Rogan a visitava com freqüência.
Seus encontros eram sempre ardentes, mas o que vinha depois
também não mudava: ele agia com frieza e distância.
Lily apavorou-se quando suas regras atrasaram. Não suportaria
gerar um filho no ventre, para vê-lo ser levado para longe. Sem
dúvida, isso a enlouqueceria. Apesar, do forte desejo de ter filhos,
ela rezava para que a semente de Rogan não a fecundasse.
Tinha a companhia das crianças maltrapilhas da floresta. Agora,
Anna, Oliver e Lizzie visitavam-na quase todos os dias. Lily apegara-
se a eles, mais do que deveria, mas eram as únicas pessoas que ela
tinha permissão de ver, além de Rogan e o casal sombrio de criados.

Uma bela manhã, no início de verão, Lily estava sentada em um


canto da clareira, cuidando de seus afazeres, quando as crianças
chegaram. Elas sempre a procuravam ali, uma vez que aquele era
um de seus lugares favoritos. Lily passara a amar aquela terra e,
sempre que possível, trabalhava ao ar livre. Os sons da floresta
haviam se tornado familiares, como os sinais da aproximação de
visitantes.
Lizzie foi a primeira a chegar, correndo e gritando um
cumprimento. Sentou-se ao lado de Lily e retirou um punhado de
ervilhas secas da tigela que a mais velha tinha nas mãos.
—Espero que esteja pensando em me ajudar, e não simplesmente
comê-la — Lily falou cóm voz gentil.
A menina imobilizou a mão, já a caminho da boca.
- Preciso ajudar?
- Passei a manhã inteira preparando tortas para vócês. Agora,
estou atrasada com o resto do meu trabalho. Você que acha jústo?
Anna aproximou-se e retirou a tigela das mãos de Lily.
- Farei esta parte do trabalho, milady.
- Não se esqueça de lavar as mãos, antes de começar Lily
lembrou, automaticamente. — Onde está Oliver?
As duas irmãs trocaram um olhar incompreensível.
- Ele não virá -— Anna respondeu. — Papai destinou a ele
algumas tarefas.
Lily franziu o cenho. Sabia que os três viviam com o pai em algum
lugar da floresta, mas não conseguira maiores informações sobre a
vida da família.
— E vocês? Não têm tarefas a cumprir, também?
Anna deu de ombros e, em vez de responder, perguntou:
—Onde quer que eu ponha as ervilhas, quando houver terminado?
-Lily apontou para a tigela vazia ao seu lado, atenta à maneira como
a garota imitava seu modo de falar, pronunciando as palavras como
faziam os nobres. Também notou que os olhos escuros a
observavam com adoração e, pouco a pouco, Anna dominava cada
um dos maneírismos de Lily.

Com uma pontada de dor, Lily pensou em Elspeth. Desde que


chegara ali, passara muitas horas preocupando-se com o bem-estar
da irmã. Gostaria de pedir notícias a Rogan, mas sua família não era
um assunto que ela poderia discutir com o marido.
Bem, seu afeto seria dedicado às crianças da floresta. Mais uma
vez, Lily examinou com carinho as duas meninas. Eram lindas. Não
fosse pela sujeira que as cobria, ninguém diria que eram
camponesas tão pobres.
O que deu a Líly uma idéia.
— Como vocês vieram me ajudar, quero lhes dar urna
recompensa.
— O quê? — Lizzie perguntou de boca cheia.
— Será uma surpresa.
O entusiasmo da menina transformou-se em desconfiança.
—Vamos comer as tortas, assim mesmo?
Lily riu alto.
—-Sim, claro, mas só depois da surpresa. Venham comigo.
Durante a caminhada até a casa, Lizzie contou que Oliver havia
caçado um coelho e que a família tivera um jantar digno de um rei.
Lily não se entusiasmou tanto, pois comparou a refeição das
crianças àquelas que costumava comer, em Charolaís: cinco pratos,
sobremesas, queijos e frutas. Mesmo em Linden Wood, a mesa era
farta e variada. No entanto, as meninas estavam, maravilhadas pelo
“banquete” proporcionado pelo irmão.
— E quanto à outra mulher... a malvada? — Anna inquiriu,
hesitante.
— Esqueçam Sybila e venham comigo.
— Vamos entrar?. — a garota perguntou, incrédula.
— Claro! Esta é minha casa. Venham.
As duas a seguiram, escondendo-se atrás de sua saia. Depois de
chamar por Sybila, Lily levou-as para seu quarto. A chegada da
criada fez com que as irmãs se encolhessem em um canto do
aposento, como se um chacal houvesse aparecido na porta.

— Encha a banheira de água quente, Sybifla —Lily ordenou. — E


traga todos os retalhos disponíveis. Ah, traga também minha
agulha.
A mais velha estreitou os olhos.
— Pretende colocar essas duas coisinhas. sujas na banheira do
patrão?
Endireitando os ombros, Lily lançou-lhe um olhar gelado.
Exatamente. Tem alguma objeção?
Sybilla fitou Lily por um longo momento, como se tivesse algo a
dizer, mas limitou-se a sacudir a cabeça e resmungar:
--A senhora. vai longe demais.
Com isso, tratou de obedecer as ordens recebidas. - E não se
esqueça dos meus sabonetes e pentes — gritou.
-Não vai nos enfiar na água! — Lizzie protestou.
- Vou, sim! — Lily declarou, virando-se. para encarar os rostinhos
aterrorizados. Diante da expressão chocada das meninas, ergueu as
sobrancelhas, um gesto que não dava lugar a discussões. E, como
Lily esperava, acabou com a resistência das duas. O que não
poderia ser diferente, uma vez que aprendera tal recurso com
Rogan.
- Damas tomam banho regularmente.
— Não é saudável!
- Tomo banho sempre que posso e não pareço -doente, pareço?
Além do mais, meus sabonetes são muito perfumados. Vocês vão
parecer duas princesas, e vão cheirar como tais, também.
A palavra “princesas” atingiu o alvo e as meninas passaram a
demonstrar certo interesse.
Quando bánheira já estava cheia, Lily levou-as ao quarto de
Rogan
- Vai doer? — Lizzie perguntou com voz trêmula. Lily suspirou.
- Elizabeth, alguma vez, fiz alguma coisa para machucar você?
Agora, tire a roupa. Anna, ajude-a.
Anna provou sua confiança, obedecendo a ordem. Seus
movimentos rígidos, porém, traíam sua incerteza. Quando as duas
acabaram de se despir, Lily conseguiu convencê-las a entrar na
banheira. Quando esfregava a esponja no sabonete, Lizzie arregalou
os olhos.

— Tem certeza de que não vai doer?


— Absoluta. Meu Deus, Lizzie, quanta sujeira! O que é isso? Não
consigo limpar...
— Ai! — a menina gritôu, ao mesmo tempo em que se esquivava
das mãos de Lily. — Está me machucando! Você prometeu! —
protestou, aos prantos.
Aflita, Lily imobilizou-se. -
— Onde machuquei você? — inquiriu, confusa.
Foi Anna quem respondeu:
— Essa mancha não é sujeira.
Lily inclinou-se para examinar a pele da mais nova.
Imediatamente, foi tomada pela náusea. Tratava-se de um
hematoma, e não era o único. Fez Lizzíe virar-se e descobriu que a
menina tinha os braços e pernas cobertos de marcas e cicatrzes.
— É isso que o seu pai faz, quando bebe? — perguntou.
Lizzie continuou a chorar, enquanto Anna a fitava, em silêncio. Só
então, Lily deu-se conta de que o corpo da mais velha apresentava
as mesmas marcas.
— Está tudo bem, pequena — murmurou, embrulhando Lizzie em
uma toalha e carregando-a até a cama de Rogan.
— Sinto muito por tê-la machucado. Sei que prometi que não ia
doer, mas pensei que estas manchas fossem sujeira. Agora, acalme-
se. Nunca mais voltarei a machucá-la. Confia em mim?
Os grandes olhos castanhos, banhados em lágrimas, fitaram-na
sem hesitação. Lizzie balançou a cabeça em resposta. Em seguida,
Lily embrulhou Anna, em outra toalha e a fez sentar-se ao lado da
irmã.
Tinha muitas perguntas a fazer, mas sabia que as crianças não lhe
dariam nenhuma resposta.
— Oliver continua com seu pai?

-Papai disse que, de agora em diante, ele terá de caçar para nos
alimentar. Por isso, Oliver — não poderá mais vir conosco.
— Diga-me onde vocês vivem. E, desta vez, não vou aceitar
evasivas! -
Anna arregalou os olhos, aterrorizada. - -
— Mas, papai...
Levantando-se, Lily apertou-lhe a mão, na tentativa de
tranqüilizá-la.
— Vou me entender com seu pai. Tenho algumas palavras para
dizer a um adulto que maltrata crianças. Fiquem aqui. Quando eu
voltar, providenciaremos roupas limpas para vocês .Relutante, Anna
explicou como encontrar o chalé onde viviam. Depois de abraçar as
duas meninas, Lily desceu.
Na cozinha, deu ordens a Sybilla:
— Providencie roupas limpas para as duas e faça com que comam
as tortas.- — Erguendo um dedo em riste, acrescentou: - E trate-as
muito bem, pois gosto muito destas crianças. Apánhou a faca de
cozinha, guardou-a no bolso e saiu.
Rogan cavalgava na direção do chalé, perguntando-se por que
voltara a Kensmouth, se desde o momento em que pussera os pés
em casa, só pensara em voltar a Linden Wood... para Lily. Desistiu
de analisar os próprios sentimentos, póis chegou a ficar com dor de
cabeça, de tanto tentar compreender o desejo obsessivo que tinha
pela esposa. E, como fosse inútil tentar resistir, disse a si mesmo
que não era importante.
A aparição de Thomas no caminho foi uma grande surpresa.
O criado estava ridículo, montando uma mula marrom, os pés
arrastando no chão. Ao ver Rogan, acenou, agitado.
— Ela se foi! — gritou. — Ela foi atrás do garoto!
Rogan puxou as rédeas do garanhão. -
— Do que está falando?
— Milady foi buscar o menino. Ela está correndo perigo.
A mente de Rogan registrou duas palavras importantes: milady,
que significava Lily, e perigo

— Eu a segui. Nada aconteceria a ela, comigo por perto, mas


fiquei com medo e vim procurá-lo.
Rogan deu-se conta de que a presença constante de Thomas
perto de Lily era a maneira que o criado encontrara de protegê-la.
Ora, ela conseguira conquistar até mesmo aquela alma simples, de
expressão rude e coração mole.
— Aonde ela foi? — perguntou.
Thomas explicou a localização do chalé e Rogan partiu sem
demora. Conhecia bem a floresta e não teve dificuldade em
encontrar o lugar. Avistou o chalé do topo de uma pequena colina.
Decidindo que seria mais seguro apróximar-se a pé, desmontou.
Não viu o menor sinal de Lily. A medida que se aproximava, um
homem enorme apareceu. Então, a voz de Lily ecoou entre as
árvores:
— Oliver!
Naquele momento, ela saiu de trás do chalé e se deparou com o
sujeito. De onde estava, Rogan não distinguia as palavras trocadas
pelos dois, mas percebeu que a conversa não era nada agradável.
Lily virou-se e voltou a chamar por Oliver.
Rogan começou a correr. O homem aproximava-se de Lily, pelas
costas, com o punho fechado erguido no ar. Desesperado, Rogan
gritou. Lily virou-se, mas já era tarde. O sujeito a atingiu em cheio e
eia desabou no chão.
O homem ergueu os olhos, à procura de quem havia gritado. Com
rapidez surpreendente, abaixou-se e apanhou uma foice. Em
seguida, postou-se junto ao corpo inerte de Lily e gritou:
— Suma daqui e deixe minha família em paz!
Rogan continuou correndo diretamente para ele. O outro assumiu
postura defensiva, mas não conseguiu intimidá-lo. Percebendo que
Lily não se movera, Rogan desembainhou a espada.
— Afaste-se, ou vou matá-lo — advertiu.
Os olhos avermelhados se estreitaram, antes que o gigante
partisse para cima de Rogan. Com agilidade, Rogan esquivou-se ao
ataque e golpeou-o nas costas.

Naquele momento, uma outra voz os distraiu:


— Você matou milady! — um garoto gritou, correndo para o
homem. Ignorando a foice, atirou-se contra ele, esmurrando-lhe as
pernas. — Você a matou! Odeio você! Vou matá-lo!
Sem demonstrar a menor perturbação, o sujeito simplesmente
chutou o menino para longe.
Furioso, Rogan preparou-se para lutar de verdade.
— É muito corajoso com mulheres e crianças — disse. — Quero
ver como se comporta com um homem do seu tamanho.
O outro usou a foice para se defender, mas em um momento de
distração, foi atingido na testa pelo cabo da espada de Rogan.
Depois de fitá-lo, atordoado, o homem caiu, inconsciente.
No mesmo instante, Rogan já se ajoelhava ao lado de Lily. Só
então, ela abriu os olhos.
— Lily.- ele murmurou.
— Rogan. — Ela falou e ergueu urna das mãos para acariciar-lhe o
rosto. Então, seu sorriso alargou-se. — Oliver!
Rogan virou-se para o menino que também se ajoelhara ao lado
dela..
— Pensei que ele havia matado você — Oliver sussurrou.
Lily riu.
— Você deveria saber que não é tão fácil matar uma bruxa.
Estendendo a mão, ela suspendeu-lhe a túnica, descobrindo
marcas e cicatrizes idênticas às das irmãs. Vendo os sinais de maus-
tratos, Rogan encarou Lily, que explicou:
— Vim buscar o menino para levá-lo para casa.
— Não vou com você! Quando papai acordar, vai ficar furioso!
Lily sentou-se, massageando as têmporas.
— Você não estará aqui, quando ele acordar. Nunca mais porá os
pés neste lugar.
Naquele momento, Thomas apareceu, ofegante. Ao deparar com
o trio, sorriu.
— O senhor a encontrou!
Rogan assentiu e, então, apontou para o grandalhão.

— Cuide dele. Levarei lady Lily para casa.


Tomando Lily nos braços, dirigiu-se a Oliver:
— Segure as rédeas do cavalo. Espero que você seja tão
destemido com animais como foi com seu pai, pois Tarsus despreza
os covardes.
O menino lançou-lhe um olhar ressentido, antes de obedecer
Acomodando Lily na sela, Rogan voltou a falar com ele:
— Não sei por que ela quer levá-lo para casa, mas sei que ela se
arriscou muito para vir buscá-lo. Enquanto eu não tiver algumas
respostas, você virá comigo.
Oliver assentiu sem protestar e permitiu que Rogan o erguesse do
chão e colocasse sobre o garanhão.
— Eu sei — Rogan resmungou para Tarsus, ao pegar as rédeas e
conduzi-lo para Liaden Wood. — Mulheres e crianças não são a sua
preferência. Sente saudade da simplicidade da batalha, onde sabe o
que esperar... e de onde
O animal resfolegou em concordância, e Rogan balançou a
cabeça.
— Eu também, meu amigo. Eu também.

- Que diabos pensou que estava fazendo? — Rogan inquiriu, ao


acomodar Lily na cama.
Insistira em carregá-la até o quarto, apesar dos protestos dela,
que garantia estar bem. Agora, Lily observava-o com reservas e
decidiu manter-se calada.
— O sujeito é um animal e estava bêbado — ele continuou. —
Poderia ter matado você.
Lily baixou os olhos pará as mãos, que amarrotavam as cobertas.
Rogan pensou que ela parecia uma criança, arrependida de alguma
travessura cometida. Então, corrigiu-se: ela jamais se pareceria com
uma criança, com os cabelos soltos e revoltos, os lábios sensuais, os
olhos azul-esverdeados.
— Quem é o menino? — Rogan perguntou, sentando-se. ao lado
dela.
— Otiver.
— Já sei o nome dele. Quero saber por que você foi procurá-lo.
— As irmãs dele me contaram que Oliver estava com o pai e eu
tinha de tirá-lo de lá.
— Então, sabia que o sujeito é um monstro?
— Sabia que ele maltrata os filhos. Não imaginei que faria o
mesmo comigo.
Rogan suspirou, exasperado. - -
— Não sei se você é inocente demais, ou muito tola. Se Thomas
não a tivesse seguido... — parou de falar, incapaz de continuar a
criticá-la. — Deve estar precisando de um banho. Se estiver com
fome, pedirei a Sybilla que traga comida para o quarto. Voltarei
logo.
Os efeitos do medo que Rogan sentira ao vê-la ferida tornaram
sua voz rude, mas a verdade era que elê não conseguia sentir-se
realmente zangado com Lily. Ainda não compreendera exatamente
o que havia acontecido, mas o que mais o intrigava era a própria
reação.
Não era do tipo que se deixava perturbar por uma batalha. Ao
contrário, sua calma inabalável diante do inimigo era lendária. Ainda
assim, sentira-se completamente diferente ao ver Lily ser atingida
pelo grandalhão insano. Rogan lutara pela própria vida inúmeras
vezes,mas nunca antes lutara como naquele momento. Havia lutado
por Lily e, pela primeira vez em sua vida, sentira uma emoção até
então desconhecida: pânico.
Tais eram os pensamentos que lhe ocupavam a mente, quando
ele entrou em seu próprio quarto. Fói recebido por um coro de gritos
estridentes. Virou-se, assustado, e deparou com dois rostinhos
aterrorizados. As meninas agarraram-se uma à outra, parecendo
desesperadas.
— Que diabos... — começou, mas mudou de idéia. — Lily! Lily
apareceu na porta imediatamente, e as duas correram para ela.
— Anna, Lizzie, acalmem..se — disse, antes de erguer os ólhos
para Rogan. — Estas são as irmãs de Oliver.
— O que elas estão fazendo em minha cama?
— Fale baixo, por favor! — Lily advertiu-o, pois as meninas já
voltavam a chorar.
Como se a situação já não fosse confusa o bastante, Sybilla
escolheu justamente aquele momento para entrar, arrastando um
irado Oliver pelo braço.
— Parem com essa choradeira! — o menino comandou.
— Este é o homem que salvou lady Lily.
— Salvou-a de quem? -— Anna perguntou.
— De papai. Ele a esmurrou. Ela estaria morta, se este homem
não tivesse derrubado papai.

— Ele derrubou papai? — Lizzie indagou, de olhós arregalados.


Rogan sentiu-se ridículo pela satisfação que o. invadiu, diante
daquele olhar de admiração.
— Ele estava bêbado — murmurou. -
- Ele acertou o papai na testa, com o cabo da espada! —- Oliver
declarou, caindo na risada. . -
— Oliver! Lily censurou-o, fingindo-se ofendida.
— Bem, foi o que aconteceu — o menino falou. -
— Tudo isso. é muito interessante, mas ainda- não sei o que elas
estavam fazendo em minha cama — Rogan lembrou-os.
— Estávamos dormindo - Lizzie respondeu com simplicidade.
— Isso eu já sei — ele retrucou, ligeiramente irritado,
especíalmente com Lily, que parecia uma galinha, cercada por seus
pintinhos. — Quero saber por quê:
Os lábios da garotinha começaram a tremer. -
— Você não gosta de mim!
Frustrado, Rogan passou a mão pelos cabelos, lançando a Lily um
olhar de- súplica. Ela assumiu o comando da situação: .
— Bobagem, Lizzie. Lorde Rogan está apenás surpreso e confuso.
Explicarei tudo a ele. Agora, desçam com Sybilla. Ela vai esquentar
leite para vocês.
— Não gosto dela. Ela é feia! .
Lily percebeu o olhar furioso da criada.
- Não se diz uma coisa dessas a ninguém- — declarou com
severidade. — Tratem de me obedecer. Dentro de alguns minutos,
estarei com vocês, lá embaixo.
— Venha, Lizzie — Anna chamou a irmã, embora ela mesma não
parecesse tranqüila com relação a Sybilla. — Lady Lily não permitirá
que nada de mal nos aconteça.
Quando Oliver se preparava para seguir as irmãs, Lily segurou-o
pela camisa.
— Você fica, Oliver. Primeiro, vai tomar um banho. Depois, poderá
descer. — Percebendo que o menino ia protestar, ergueu um dedo e
acrescentou: — A menos que deseje que eu fique aqui, para me
certificar de que obedeceu minhas ordens. Não se sentará à minha
mesa, se não estiver perfeitamente limpo.
Oliver aproximou-se da banheira e espiou a água.
— Está cheirando — declarou, contrariado.
— Trarei um sabonete sem perfume. E trate de lavar os cabelos e
atrás das orelhas. Deixe a roupa suja com Sybila.
Ele revirou os olhos, mas não disse nada.
Perdendo de vez a paciência, Rogan segurou Lily pelo braço e
levou-a para o quarto dela.
— Agora, vai me explicar tudo.
Lily contou-lhe toda a história, desde a prnieira torta roubada, até
o motivo pelo qual as meninas haviam dormido na cama dele.
Rogan ouviu tudo, pacienternente, sentindo a irritação se dissipar. O
que veio a seguir foi surpresa e certa admiração. Lily demonstrara
grande coragem em defesa das três crianças.
— E o que pretende fazer com eles, agora? — perguntou.
— Para ser sincera, não pensei nisso, mas acho que eles deveriam
ficar aqui, comigo.
Ele franziu o cenho.
— O que não é uma solução prática.
Se a história de como ela havia salvo as crianças o surpreendera,
foi um verdadeiro choque ver a determinação no semblante de Lily
agora.
— Não vou mandá-los de volta para o pai. Você mesmo disse que
o homem é um animal.
— E quanto à mãe deles?
— Anna me disse que a mãe morreu há anos. Os três viviam
sozinhos com aquele bêbado.
— Tem razão — Rogan concordou. — Eles não podem voltar para
lá.
— Não causarão problemas, aqui. Vou ensiná-los a realizar tarefas
diárias, de maneira que não se tornem um fardo para ninguém.
— Está bem, mas não quero problemas... — Rogan começou a
falar, mas foi interrompido, quando Liiy atirou- se em seus braços:
— Ah, obrigada! Obrigada! — ela agradeceu, efusiva, enquanto
mantinha os braços em torno do pescoço dele; —.Juro que não se
arrependerá.
O efeito de tal demonstração de gratidão atingiu Rogan com
intensidade; Os olhos de Lily brilhavam e ele não a via sorrir,
daquela maneira, desde que a conhecera, ém Chairolais.
À única cóisa que ele desejou, naquele momento, foi beijá-la.
Porém, tão forte quanto o desejo, era a sua resistêneia. aquela era a
Lily que ele havia perdido, com seu rosto franco e sorriso claro, que
lhe despertava sentimentos que julgara enterrados para sempre.
Como se tivessem vontade própria, suas mãos a seguraram pela
cintura. Rogan queria dizer algo cruel, a fim de apagar aquele brilho
espontâneo do semblante delea. Ao mesmo tempo, sentia-se
fascinado, justamente por aquela espontaneidade. ‘
A necessidade de atirá-la na cama e fazer amor com ela era
gritante. No entanto, Rogan sabia que, se permitisse que seus
sentimentos assumissem o controle, estaria perdido. Não faria amor
como um marido que exige satisfação da esposa, mas sim como
amante apaixonado
Lentantente, desvencílhou-se dos braços delicadoss, ainda em
torno de seu pescoço e, com uma pontada de dor, viu o brilho
desapàrecer daqueles olhos magníficos.
Recompondo-se, Lily murmurou
— Vou dizer às crianças que poderão ficar aqui.
Rogan. sentiu-se aliviado quando ela saiu do quarto. Demorou
alguns instantes para voltar a respirar normalmente.
Então, foi apressar Oliver no banho, pois precisava
desesperadamente ficar sozinho.
Rogan passou o resto do dia no estábulo. Não havia muito o que
fazer lá, mas até mesmo o ócio era melhor do que a confusão
reinante dentro de casa. De tempos em tempos, ele ouvia os
protestos irados de Oliver. Mais tarde, o barulho de panelas caindo e
a voz irritada de Sybilla indicaram problemas com o jantar.
A reação provocada pelo abraço de Lily não o agradara nem um
pouco. Se fosse honêsto consigo mesmo, teria de admitir que ficara
profundamente chocado com o que sentira. A paixão que tinha por
ela era admissível, uma vez que Lily era a mulher mais desejável
que ele já vira. Sentimentos ternos, porém, eram simplesmente
incompreensíveis. Como podia se esquecer, por um instante sequer,
o que ela fizera?
Com um suspiro, decidiu que estava cansado demais para
examinar a questão naquela noite. Já era tarde para voltar a
Kensmouth e a casa ficara quieta o bastante, o que indicava que a
situaçãõ encontrava-se sob controle. Depois de uma boa noite de
sono, certamente seria mais fácil compreender os próprios
sentimentos.
Alguém acendera a lareira em seu quarto e a porta de Lily
encontrava-se aberta. Descobrindo que o quarto dela estava vazio,
Rogan foi espiar pela porta entreaberta do terceiro quarto.
O aposento estava iluminado por uma única vela. Na cama Oliver
dormia, ao lado da irmã mais velha, formando uma cena tocante.
Sentada em uma cadeira, Lily ninava a mais nova, cantarolando
baixinho.
Quando Rogan atravessou a soleira, Lily ergueu os olhos e levou
um dedo aos lábios, pedindo-lhe que fizesse silêncio. Então, ela
tentou se levantar, mas encontrou dificuldade, uma vez que tinha a
menina nos braços. Sem hesitar, Rogan pegou Lizzie no colo e
acomodou-a junto dos irmãos.
Imediatamente, Lily pôs-se a ajeitar as cobertas. Antes de
concluir a tarefa, ergueu a saia de Lizzie e fez uma careta de dor.
— Como alguém pode maltratar uma criança inocente? —
sussurrou.
Rogan virou-se para ela, surpreso com o comentário. Lily olhava
para a garotinha, com um misto de piedade e raiva. Mal se dava
conta da presença dele, pois estava perdida em seus próprios
pensamentos.
Uma pontada de dor o atingiu. Naquele momento, ele quase
acreditou estar errado sobre ela. Afinal, eram palavras
extraordinárias nos lábios de Lily, que o usara, mandara açoitá-lo e
quase o queimara vivo. Ainda assim, ela falara com tanta
sinceridade, sem o menor esforço para despertar nele alguma
reação. Não o fitara pelo canto do olho, nem emitira um suspiro
dramático. Simplesmente, comentara, comovendo-o
profundamente.
Lily fitou-o, então, e sorriu. E Rogan viu a Lily que encontrara no
jardim, naquela primeira noite: simples, honesta e inocente. O nó
em seu peito tornou-se maior. ‘Como era tolo! Como sentia falta
daquela Lily, a mulher que lhe roubará o coração. Ele jamais
admitiria para ninguém que a amava. Mas era a pura verdade. E
fora justamente o que havia iansformado sua vida em um pesadelo
sem fim,
Lily encaminhou-se para a porta e, então, parou para esperar por
ele. Pela centésima vez, Rogan perguntou-seo que se passava
consigo mesmo. A raiva que o alimentara durante meses parecia ter
morrido. Em seu lugar, restava a mais pura necessidade de estar
com Lily.
Saiu do quarto e fechou a porta. A esposa o esperava no corredor.
Sem dizer nada, ele a segurou pelo braço e levou-a para-seu quarto.
Lily abriu a boca para falar, mas não teve a chance, pois os lábios de
Rogan pousaram sobre os seus, com violência. Pouco a pouco, o
beijo foi se tornando terno e suave e, como sempre, ela se entregou
de corpo e alma, fazendo-o sentir-se como o mais afortunado dos
homens.
Rogan descobriu-se querendo mais e mais. Penetrá-la, possuir-lhe
à corpo não era o bastante, mas ele não saberia dizer o que mais
lhe faltava.
De repente, foi tomado pelo medo irracional e, como um homem
se afogando, que reúne as últimas forças para mais uma tentativa
de subir à superficie, afastou-se dela.
— Não vou pressioná-la, esta noite — declarou, de costas para
Lily. — Teve um dia dificil. Vá para o seu quarto.

Ela não se moveu.


— Mas...
Saia!
Assim que se viu sozinho, Rogan descobriu-se a desejar que Lily
houvesse ficado. Não era boa companhia, naquela noite, nem
mesmo para si mesmo.

Lily despertou, tomada por um sentimento perturbador e


indefinível. Momentos depois, tudo ficou claro em sua mente. Sabia
que Rogan já teria partido.
O vazio já familiar alojou-se em seu peito. Sabia que deveria ficar
feliz com a partida do marido, mas era sempre assim, depois das
visitas dele. Quando Rogan estáva lá, era uma agonia estar perto
dele, ser abraçada por ele, ao mesmo tempo em que ele se
mantinha frio e distante. Mas, quando Rogan ia embora um forte
sentimento de derrota se apoderava dela.
Sentiu algo se mover na cama e virou-se, sobressaltada. Naquele
momento, Lizzie abriu os olhos e exibiu um sorriso sonolento.
— Tive um pesadelo — falou.
— Com o que você sonhou? — Lily perguntou, aconchegando-a
nos braços.
- Não me lembro.
— Bem, já passou e o sol já nasceu. Pesadelos não são reais.
Lembre-se sempre disso. Os sonhos não podem lhe fazer nenhum
mal.
A ironia de tais palavras atingiu-a com força total. Disse a si
mesma que havia mentido. Os sonhos podem causar males
terríveis.
Andrew fez uma careta ao olhar para o chalé, já havia se
esquecido de quanto o lugar era sombrio. Perguntou-se como a
pequena flor estaria vivendo ali. A questão encheu seu coração de
dúvida. Estaria sendo tolo? Rogan, certamente, diria, que sim.
Thomas segurou as rédeas de seu cavalo e disse que Andrew
encontraria Lily no salão. Atirando a bagagem sobre o ombro, o
padre entrou na casa.
Lily estava sentada junto da lareira, costurando. Andrew esperou
por um instante, a fim de controlar a própria reação. Ela parecia tão
solitária e isolada... exatamente como Rogan planejara e ele mesmo
concordara.
Muita coisa mudara em Andrew desde então. Ninuém notaria por
sua aparência, mas sua alma. passava por uma lenta
transformação.. E, no centro desse processo, estava o sentimento
de culpa com relação a Lily.
Andrew rezara por respostas, mas nâo encontrara nenhuma,
apenas a necessidade urgente de visitar a cunhada. E um propósito
que ele não compreendia tornara-se imperativo.
Bem, tinha de esperar que fosse inspiração divina. Do contrário,
enfrentaria problemas com Rogan, caso ele o descobrisse. O irmão
deixara claro que ninguém deveria interferir em seus planos com
relação a Lily. Além disso, Andrew duvidava que o comentário sobre
salvar a alma dela fosse sincero.
Respirando fundo, adiantou-se na direção de Lily. O som de seus
passos fez com que ela erguesse os olhos. Lily não escondeu a
surpresa ao vê-lo. Levantou-se de pronto, rígida, como se estivesse
se preparando para receber uma má notícia.

-Andrew — cumprimentou-o, hesitante.


-Acalme-se, milady. Não vim como seu irmão, mas como padre.
- Padre? — ela repetiu, incrédula.
-Bem, sou um padre, embora não venha agindo exatamente como
tal. Para ser sincero, nunca me importei com isso antes, mas
ultimamente, comecei a me dar conta de minhas responsabilidades.

- E veio até aquí para ser o meu padre? Lily inquiriu com um
estranho brilho no olhar.
Dando-se conta de que, provavelmente, ela acreditava que ele
estava apenas zombando dela, Andrew suspirou e explicou:
- Fui prometido à igreja, ao nascer. O que não é estranho, pois é
comum algumas crianças serem destinadas à religião. O problema
era que eu não me sentia inclinado a ir para o mosteiro. Preferia
caçar com meus irmãos e desfrutar de minha vida secular. Mas o
dinheiro compra qualquer coisa e, assim, não fo dificil conseguir
levar uma vida relativamente normal, junto de minha família. Nunca
me importou a minha falta de atenção para com minha profissão.
Até agora. Simplesmente, não consigo viver em paz com o fato de
você ter sido• obrigada a viver aqui, sem o beneficio de urna...
orientação espiritual.
-E o que o faz pensar que preciso de orientação?
- Todos nós temos necessidades espirituais, milady. Vou usar
aquela mesa.
Dirigiu-se à mesa a um canto do salão, abriu a sacola que tinha
ao ombro e retirou dela a toalha de altar, velas, cálice, crucifixo e
bíblia.
Lily assistiu, impassível, enquanto ele preparava o altar
improvisado. Quando Andrew terminou, ela perguntou:

-Rogan sabe que está aqui?


- Não.

-Por que eu deveria acreditar nisso? Afmal, você participou do


meu... seqüestro, tanto quanto ele.
- Você não tem qualquer motivo para confiar em mim, só por eu
ser um padre.

- Conheço padres, cuja lealdade espiritual não é mais que sua


natureza humana. Você continua sendo irmão de Rogan

- É verdade, mas sou um homem honesto. Além disso, nunca


segui Rogan com lealdade cega.
-Se Rogan não o mandou aqui... Foi Deus quem o enviou?
Andrew sorriu, em vez de responder.
-Muito bem. O que você quer?
-Vou rezar a missa. Pretendo almoçar antes, mas exceto pela
rápida refeição, estarei desocupado... e disponível ouvir sua
confissão.
Lily pôs as mãos na cintura, sibilando de raiva. - É issol Quer
ouvir a minha confissão. Deve estar curioso para saber como traí
meu marido, como ri junto de minha família, quando pensei que ele
houvesse morrido. Creio vai ficar desapontado, pois não direi nada
disso.
Girou nos calcanhares, determinada a sair da sala, mas Andrew
segurou-a pelo braço.
-Lily, escute. Eu disse que vim como padre, não como irmão de
Rogan. E a verdade. Você sabe que sou proibido de trair o sigilo da
confissão. O que quer que você diga ficará entre nós dois. Mais que
isso, não posso permitir que o que você diga me influencie como
pessoa. Se falar que tem culpa, terei de esquecer que ouvi tal
admissão de seus erros.. Se for inocente, não poderei fazer nada
para ajudá-la, na sua atual situação. — Percebendo que ela
prestava atenção, acrescentou: -— Lily, não. posso ajudá-la com
Rogan. Não foi para isso que vim. Por outro lado, também não posso
lhe fazer mal. Nada do que me diga no sacramento da confissão fará
qualquer diferença, exceto para Deus.
- Você acredita em mim - falou de repente, com labios trêmulos e
olhos marejados de lágrimas. - Sabe a verdade.

Andrew soltou-lhe o braço e virou-se.


- Já disse que não foi por isso que vim.
- Mas acredita!
Ele voltou a encará-la, forçándo-se a enfrentar a esperança que
brilhava naquele olhar. Seria capaz de acreditar que aquele rosto
ingênuo escondia um coração frio e calculista?
- Muito bem. Eu admito. No início, achei que Rogan estava certo.
No entanto, a nobreza de espírito com que você enfrentou a
vingança de meu irmão me persuadiu de que erramos, ao acusá-la.
Com um soluço, Lily atirou-se em seus braços. Andrew recuperou-
se da surpresa depressa e abraçou-a, sentindo uma estranha paz
invadi-lo. Quando os soluços cessaram, ele falou com voz suave:
-Agora, retire-se e reflita sobre os seus pecados. Ouvirei a sua
confIssão quando estiver pronta.
Então, subiu para o quárto que ocupara em sua outra visita a
Linden Wood. Esperava qué Lily precisasse de algum ternpo para
pensar, pois ele tinha muito pelo que rezar..
Uma brisa suave atravessava o salão do Castelo Brenton,
agitando as chamas das velas. As sombras nas paredes dançavam,
formando imagens fantasmagóricas. Catheríne Marshand Craven
fixou os olhos nos espectros, quando o marido arrotou.
—- Diabos! — ele exclamou, enquanto usava uma das mãos para
limpar a boca e pousava a outra sobre o ventre protuberante.
Catherine lançou-lhe um olhar de repulsa, que o marido nem
percebeu.
— Belo jantar — ele comentou, para ninguém em particular. Um
de seus bajuladores, um sujeito magricela, cujo sorriso exibia a falta
de vários dentes, soltou uma risada alta e estridente.
Exasperada, Catherine empurrou seu prato e levantou-se.
Sagramore Craven, conde de Brenton, fixou na esposa os olhos
avermelhados.

Vai se deitar, meu amor?


—Sim.
Ela olhou por cima do ombro do marido, para Phillippe, que
assentiu, indicando que havia compreendido o sinal. .

—Acho que vou acompanhá-la — Crave declarou, pondo-se de pé.


Ao seu lado, o camarada desdentado voltou.a rir de maneira
afetada.
- Vou caminhar pelo jardim, antes de me recolher . - Catherine
falou depressa, sabendo que Sagramore detestava qualquer tipo de
exercício.
-Nesse caso — Craven. resmungou, deixando-se cair na cadeira
—, vou beber mais cerveja.
Catherine saiu do salão com passos rápidos, certificando de que
Phillippe fazia o mesmo.
— Madame — uma criada chamou-a. — Há um visitante
procurando-a . Está esperando ali.
Catherine olhou na direção indicada. Um homem alto, cabelos
escuros, encontrava-se parcialmente escondido em um dos arcos, à
saída do salão. Dorvis! Um arrepio de expectativa percorreu-lhe a
espinha.
Fazendo um sinal para que Dorvis a seguisse, saiu para corredor,
onde Phihippe já estava à sua espera.
— Ah, ma cherie, você...
Catherine ergueu a mão, exigindo silêncio. Atrásdela, o estranho
atravessou a soleira.
— Lady Catherine —ele a cumprimentou com um sorriso.
— Alguma notícia? — ela inquiriu, sem preâmbulos
— Lorde Rogan continua em Kensmouth. Lady Lily é mantida
isolada.
Catherine sorriu.
— Ah, muito bom! — Permitiu-se um momento, para saborear as
boas novas. Então virou-se para Phiilippe. — Não é maravilhoso?
Imagine a infelicidade dos dois!
—Vai deixá-los em paz? —Pkiillippe perguntou surpreso.
—Por enquanto, mas não para sempre. Devo. traçar meus planos
cuidadosamente. Fui muito afoita, da outra vez. Agora, vou pensar
com calma e agir no momento certo. — Voltou a se dirigir a Dorvis.
—-Volte a Kensmouth e espere lá. Se algo interessante acontecer,
apresente-se a mim, imediatamente.
O homem curvou-se e saiu. Phillippe aproximou-se.
— O que tem em mente, ma petite?
Os olhos de Catherine exibiram um brilho gelado.
— Ainda não sei, Phillippe. Mas, quando souber, tenha certeza de
que será uma idéia gloriosa.

— Abençoe-me, padre, pois eu pequei.


Lily ajoelhou-se diante de Andrew, as mãos cruzadas diante do
peito, a cabeça baixa. Respirando fundo, começou:
— Quase cometi uma terrível injustiça para com três crianças
inocentes, que precisavam de mim. Envergonho-me de como fui
cruel com elas, no início. Fui má para com meu marido; Tive
pensamentos malignos e fantasias de vingança. Ele me oprime, mas
sei que se considera justo. Se eu houvesse cometido a traição que
ele me atribui, mereceria tudo o que ele faz e mais. Mas não mereço
nada disso. Tentei compreender e perdoá-lo, mas às vezes... Quero
o perdão dele e quero de volta o que existia entre nós, antes que a
perfidia de minha família déstruísse nosso casamento. Algo dentro
de mim rebela-se contra a injustiça. É uma raiva contida, às vezes
dirigida a ele, às vezes, a mim mesma. As vezes, peço perdão pelo
que vou dizer, fico muito zangada com Deus, por ter permitido que
isso acontecesse. Um santo aceitaria seu destino e viveria em
santidade, fossem quais fossem as circunstâncias, mas não sou
santa.
Lily fez uma longa pausa. Andrew permaneceu imóvel, de cabeça
baixa. Então, ela terminou a confissão:
— Sou fraca e me deixo levar pela autopiedade. Não sou
generosa e maltratei Sybilla.
— E só isso, Lily? — Andrew indagou.
- Por esses e por todos os meus pecados, peço perdão.
Um longo momento se seguiu, enquanto Lily aguardava a sua
penitência. Não se dera conta de quanto precisava daquela limpeza
da mente e da alma, até ajoelhar-se e começar a falar. Temia que
Andrew fosse censurá-la. E se ele o fizesse; estaria expressando a
ira de Deus, ou pura revolta humana? Andrew tomou-lhe as mãos
entre as suas e fitou-a com expressão tão terna e piedosa, que Lily
explodiu em lágrimas.

- Você fez uma boa confissão — ele disse. — Lily, não posso fazer
nada, como homem, para ajudá-la. Como já disse, tenho a
obrigação de manter o sacramento em segredo.
— Eu sei — ela murmurou, entre soluços. — Mas já me dou por
satisfeita. O fato de não ter com quem conversar, com quem trocar
minhas idéias, fez com que eu ficasse confusa. Agora,ao menos,
consigo. compreender melhor a mim mesma.
Baixando os olhos para as mãos entrelaçadas, Andrew refletiu por
um momento.
- Irei além de minhas obrigações de padre, mas se estiver
pecando, responderei por isso mais tarde. Liiy, vou dar um conselho.
— Ergueu os olhos para fita-la com expressão séria. — Não deixe de
lutar. Por si mesma e por meu irmão. Nunca aceite a culpa que não
é sua, mas também mostre a meu irmão, através de suas atitudes,
a mulher que é. Faça-o duvidar de si mesmo.
— Não posso — ela protestou. — Ele não me permite sequer
tocar no assunto.
— Continue amando-o e seja paciente. Acima de tudo, seja
forte. —Andrew sorriu. —Você é muito forte. Aceite o que ele lhe fez,
mas lute para superar tudo isso. Aceite o que ele lhe dá, mas force-o
a lhe oferecer mais.
Lily sacudiu a cabeça.
— Parece um enigma. Não sei o que espera de mim.
Os ombros de Andrew vergaram.
— Também não sei. Creio que a verdade é que não há nada que
eu possa dizer, que realmente faça alguma diferença. — Após um
suspiro, concluiu: — Como penitência, realize um ato sincero de
contrição e reze o Pai Nosso três rezes, todas as noites.
Era uma penitência pesada, e Lily fitou-o com olhar mago ado.
-Não é uma punição — ele explicou —, mas para você reunir
forças. Para que Deus a ajude.

Exatamente o que pensei — a voz de Rogan interrompeu-os. —-


Eu estava justamente dizendo a mim mesmo: “Que Deus ajude
esses dois”.
Lily viu Andrew empertigar-se, antes que os dois se virassem para
encarar a fúria de Rogan. Os olhos cinzentos, faiscando como
brasas, mostravam claramente a disposição dele. Ela nunca o vira
tão irado e ameaçador. Talvez naquela primeira noite, no barco.
Daquela vez, ela se deixara intimidar, mas agora, fortalecida pela
confissão e pela certeza da confiança de Andrew, Lily sentiu-se
segura.
— Imagino que não esteja esperando por uma explicação —
Andrew disse.
— Muito pelo contrário. Estou ansioso para ouvi-la. Mas
conversarei com você mais tarde. Agora, deixe-me a sós com minha
esposa.
Andrew hesitou, mas Lily sorriu, tranqüilizando-o.
— Muito bem — ele falou por fim. — Estarei na cozinha. Rogan,
lembre-se de que fui eu quem procurou por Lily. Se existe alguma
culpa, ela é minha.
Rogan permaneceu em silêncio, até o irmão desaparecer. Então,
virou-se para Lily.
— Eu poderia matá-la, agora mesmo — murmurou.
— Tenho certeza de que está muito contrariado — ela replicou,
dando de ombros, — Não deve ser fácil aceitar que outras pessoas
hajam contra a sua soberana vontade.
A expressão de choque deu lugar à surpresa.
— Está me repreendendo? — ele perguntou, incrédulo.
De alguma maneira, o conselho de Andrew penetrara a alma de
Lily, fazendo com que ela encarasse de maneira diferente o homem
que havia amado e temido por tanto tempo.
— Sua tolice me surpreende, Rogan. Desperdiça sua energia,
nessa luta sem sentido, para me fazer pagar pelo que eu nunca...
- Eu já disse — ele rugiu — que nunca mais quero ouvir suas
mentiras. — Nesse caso, devo. informá-lo de que está pedindo o
impossível, pois só posso mentir, ou defender minha inocência. Não
posso fazer as duas coisas, ao mesmo tempo. Está tão habituado a
obter a vitória a qualquer preço, que deixou de dar valor à verdade.
Você não é todo-poderoso, Rogan. Não pode insistir em fazer valer a
sua vontade e esperar que o sol e as estrelas se alinhem de acordo
com seus planos. Assim como não pode insistir no que acredita e
transformar as suas verdades particulares em fatos. Porém, em vez
de me dizer como gostaria de me matar, por que não pergunta,
simplesmente, o que Andrew e eu estávamos fazendo! Pode se
surpreender com a resposta.
- Já formulou uma -mentira, tão depressa?
— Você é um homem triste — ela concluiu, com um suspiro.
Permitiu que o ódio o consumisse.

- Um ódio criado e alimentado pela sua família!

Mais uma vez, como tantas outras em que Rogan queriaintimidá-


la, ele se áproximou, pairando sobre ela, ameaçador. Desta vez,
porém, Lily não se encolheu. Simplesmente, ergueu uma das mãos e
pousou-a no rosto dele.
— Eu sei — murmurou.
Foi como se o poder daquele toque suave o drenasse, pois a Ira
abandonou-o e, em seu lugar, a dor modificou-lhe as feições.
— E você me traiu.
— Não, Rogan. Nunca traí você -
— E, agora, quer tirar Andrew de mim.
Tal comentário apanhou-a de surpresa.
—O quê?
Um sorriso triste e amargo curvou- os lábios de Rogan.
— Por que sempre faz o papel de inocente? Não pode, por uma
vez, admitir a sua perfídia?
— O que quer dizer com “tirar Andrew de você”?
— Encontro-a praticamente nos braços dele, sozinha, e você tem
a audácia... -
— Bem, se tivesse chegado uma hora antes, realmente teria me
encontrado nos braços dele. Andrew veio como padre.
Rogan emitiu um som de desprezo e incredulidade.
— Meu irmão nunca foi um grande padre.
— Ele ouviu minha confissão e está se preparando para rezar a
missa. É a verdade, acredite ou não.
-Nunca imaginei que você fosse tão devota — ele insistiu em tom
zombeteiro.
Lily estreitou os olhos.
— Há muitas coisas sobre mim que você nãó sabe. Rogan fitou-a
em silêncio durante um longo momento, antes de dizer:
— Conte-me por que estava nos braços dele.
— Eu estava chorando e ele me ofereceu conforto.
— O idiota!
Lily sacudiu a cabeça. Era perda de tempo tentar atingi-lo.
— Vou levar as crianças à missa. Poderemos retomar esta
conversa mais tarde.
— Ainda não acabei — ele advertiu.
Lily fitou-o por, cima do ombro.
— Acabou, sim. Você acabou comigo há muito tempo.
Lily lançou um olhar de advertência a Oliver, para que ele ficasse
quieto. Ao seu lado, Lixe recostava-se em seu braço, ignorando suas
tentativas de forçá-la a sentar-se corretamente. Lily ergueu os olhos
para o céu, em uma prece, pedindo paciência. Disse. a si mesma
que, com o tempo, iria conseguir ensiná-los o comportamento
adequado a uma missa.
Anna, porém, apresentava postura impecável, sentada reta, os
olhos fixos no altar improvisado. Atenta ao comportamento de Lily,
aprendera boas maneiras mesmo sem ter sido ensinada e, agora,.
nem parecia uma garota de origem tão humilde. Oliver, por sua vez,
não era tão diferente dos filhos mimados das famílias nobres e,
pouco a pouco, assimilava as correções de Lily e já não falava da
maneira grosseira que aprêndera com o pai.
E Lizzie. era jovem demais. De temperamento dócil, a menina
simplesmente deixava-se levar, entusiasmando-se diante das
menores coisas. Nunca caminhava, pois só sabia pular ou correr,
mesmo quando percorria pequenas distâncias. Sua exuberância era
contagiosa, tão fascinante e preciosa quanto a bondade de Anna, ou
o orgulho de Oliver. Os três, cada um, à sua maneira, haviam
conquistado um lugar no coração de Lily. Para sempre.
Quando Andrew entrou, Lily indicou às crianças que todos
deveriam se levantar. Então, o jovem, padre começou a dizer as
palavras iniciais, em latim e, naquele momento, Rogan entrou em
silêncio e postou-se ao lado de Lizzie. Quando seus olhos
encontraram os de Lily, pela primeira vez em muito tempo, não
havia qualquer sinal de zombaria ou desafio. Inclinando a cabeça,
ele sussurrou para Lily:
— Nunca assisti a uma missa rezada por meu irmão.
Pouco depois, para horror de Lily, Lizzie praticamente deitou-se
sobre a coxa de Rogan.
— Levante-se! — Lily sibilou, mas Rogan pousou a mão na cabeça
da menina, afagando-lhe os cabelos.
Ela ficou surpresa, pois o gesto fora muito afetuoso.
— Eu também ficava entediado, na idade dela — ele explicou.
Mal acreditando no que se passava ao seu lado, Lily concentrou a
atenção na missa, tomada de um sentimento muito agradável.
Andrew deu-lhes as costas, dirigindo-se ao crucifixo colocado
atrás do altar. Como um bálsamo, as frases familiares confortavam
Lily, enquanto ela recitava as orações. Sua voz mesclava-se à de
Rogan. No momento da comunhão, ela provou do pão e do vinho,
antes de estendê-los para o marido. Sentiu-se como se houvesse
voltado para casa, depois de uma longa viagem, por terras
estrangeiras. Em Charolais, as missas eram diárias e essa fora uma
das coisas das quais Lily sentira falta.
Além de Elspeth. Ah, quanta saudade sentia da sua presença
reverente e alegre ao seu lado!
Quando a missa terminou, Andrew aproximou-se.
— Obrigada — Lily agradeceu, cutucando de leve as crianças.

- Obrigado padre. – os tres ecoaram, embora Lizzie nem tentasse


ocultar o bocejo.

Andrew sorriu para a pequena e afagou-lhe os cabelos.

_ Posso voltar dentro de uma semana, mais ou menos. Assim,


teriamos um ritual regular.

- Não será necessário, Andrew. – Rogan informou.

O mais nova franziu o cenho.


- Isso não tem nada a ver com você, Rogan. Estou apenas
cumprindo minha obrigação para com Lily e as crianças.
— Eu não quis dizer que vou proibi-lo de vir. Acontece que Lily
não estará aqui. Você poderá rezar a missa para ascrianças, se
quiser.
Lily encarou-o, sobressaltada.
— O quê? — inquiriu, com um misto de esperança e apreensão.
- Você irá comigo para Kensmouth —Rogan explicou
- Quando? . -.
- Hoje. Agora.
Lily sacudiu a cabeça, confusa.
- Não entendo.... Por quê? -- -
- Será. apenas temporário.. .Alexander virá para uma visita e
deseja conhecê-la. Por razões óbvias, não posso traze-lo aqui.
Ao mesmo tempo em que a satisfação a invadia, Lily sentiu um
aperto no peito.
— Mas as crianças.
- Elas ficarão bem, aqui. Sybilla cuidará dos três.
No mesmo instante, Anna, Oliver e Lizzie emitiram gritos de
protesto e se agarraram à saia deLily. Ela respirou fundo.
— Receio que isso seja impossível — declarou. -Sybilla não tem a
menor afeição pelas crianças, e os amedronta. Não posso deixá-los
aos cuidados dela.
— Sybilla não póde ser pior que o pai deles; e os três
sobreviveram — Rogan argumentou, impaciente.
- É exatamente por isso que não vou deixá-los. Já enfrentaram
sofrimento demais.
-Não terá escolha. Como eles não podem ir com você, tem de
ficar aqui.
Lizzie começou a chorar baixinho.
—Não — Lily retrucou com firmeza, sustentando o olhar
ameaçador de Rogan. — Eles podem nos acompanhar. Não vão
incomodar ninguém.

— Eu já disse que não.


— Rogan, por favor — ela insistiu.
— Não vou levar um bando de pirralhos mal-educados para
Kensmouth. Acha que eles se contentariam em dormir com os
criados, depois de todo o mimo que você dispensou a eles?
Impossível, Lily. Trate de se resignar, pois eles não viajarão com
você. E nem todas as lágrimas, ou todos os argumentos vão me
fazer mudar de idéia.

Pela centésima vez, naquele dia, Rogan amaldiçoou-se. A


caravana seguia lentamente pelo caminho para Kensmouth. A
estrada estava repleta de buracos e raízes, que impediam o
progresso da viagem, deixando Rogan impaciente. Além disso, tais
condições faziam com que a carroça que levava Lily e as crianças
sacudisse o tempo todo.
Apesar de tudo, ninguém se queixava. E que não se atrevessem a
fazê-lo, Rogan pensou, irritado. Jamais seria capaz de explicar como
Lily o convencera a levar as crianças, e ainda mentir, dizendo que
eram primos dela.
— Precisamos parar — Andrew anunciou.
Rogan respirou fundo.
— Não vamos parar — vociferou.
— A menina precisa...
— De novo? Já paramos três vezes por causa dela!
— Ela está nervosa — Andrew explicou. — Esse tipo de situação
afeta crianças pequenas.
— Ela bebeu um barril de água antes de partirmos?
— Será só um minuto.
Resmungando algo sobre crianças camponesas ditarem regras
para a classe dominante, Rogan desmontou e aproximou-se da
carroça
— Apressem-se! — ordenou.
Anna e Lizzie saltaram da carroça e correram até a floresta. Lily,
aparentando calma e serenidade, ofereceu um sorriso hesitante
para Rogan.
Ah, como era linda! O sol em seus cabelos fazia com que
parecessem ouro. Os lábios carnudos e sensuais provocavam-lhe o
desejo de beijá-los. Sem que Rogan percebesse, a raiva o
abandonou.
— Quanto tempo falta? — ela perguntou.
— Uma hora, ou pouco mais. Vai depender de quantas vezes
tivermos de parar.
O sorriso de LiIy tornou-se mais largo, aicançando os olhos.
- Obrigada por ser tão paciente.
A vaga noção de que estava sendo manipulado ocorreu , mas ele
decidiu não examinai a questão. O que incomodava era a diferença
na atitude dela. Lily mostrava-se mais segura. Por quê?
-Onde elas estão? — ele inquiriu, pouco depois. - Quer que eu vá
buscá-las?
-Não, pois logo terei de sair à procura das três. – virando-se para
um de seus homens, Rogan ordenou. John, veja onde as meninas
estão.
-Rogan, não! — Lily protestou. — Ficarão aterrorizadas se um
homem for procurá-las! Eu mesma irei. Quando já ia saltar da
carroça, Rogan segurou-a. Fitaram-se por um longo momento, como
que hipnotizados pela onda de calor que varreu o corpo de ambos.
- Lá vêm elas —. ele murmurou afinal.
Retomaram a viagem, sem mais paradas, mas a mão de Rogan
ardeu, ainda sentindo a pele de Lily sob os dedos, até chegarem ao
seu destino.
A caravana que atravessoú os portões de Kensmouth, antes do
pôr-do-sol, não lembrava em nada uma comitiva digna do senhor e
da senhora do castelo. Rogan notou os olhares curiosos que
atraiam, quando pararam no pátio.
Desmontando, ele deixou Lily na companhia de uma criada que
recebeu instruções de levar sua senhora ao quarto . Então,
desapareceu.
Lily insistiu em acompanhar as crianças até seus aposentos
Somente depois de se certificar de que os três estavam bem
instalados, ela concordou em conhecer o próprio quarto.
Uma vez sozinha, pôs-se a examinar o aposento. O quarto de
Rogan. era, definitivamente, masculino. Apesar de confortável,
continha apenas a mobília necessária; ou seja uma cama enorme,
um armário e duas cadeiras, dispostas diante da lareira. Andando de
um lado para outro, ela-tocava os objetos, curiosa sobre os
costumes do marido.
Ao abrir o baú ao pé da cama, encontrou uma túnica de lã. Era
evidente que fora lavada, antes de ser guardada, mas o tecido
ainda carregava o odor familiar de Rogan. Lily enterrou o rosto na
lã, fechou os olhos e aspirou o perflnne.
— Nunca pensei que fosse uma ladra — Rogan disse. — Além do
mais, não creio que vá servir em você.
Lily abriu os olhos. Ele estava na porta, apoiado no batente em
postura casual. Seu rosto exibia grande divertimento. Ela corou até
a raiz dos cabelos. Quanta humilhação, ser surpreendida cheirando
as roupas dele!
Dobrou a túnica, devolveu-a ao baú e abaixou a tampa. Sabia que
Rogan sorria, embora não sé atrevesse a encará-lo.
Para sua surpresa ele não fez nenhuma zombaria.
—-Onde estão suas coisas? — perguntou, sentando-se na beirada
da cama e tirando as botas.
Lily- apontou para o banco onde deixara seus dois vestidos, uma
combinação, pente e sabonete:
— Guarde-os no armário. Detesto desordem.
Eia preferiu não comentar que vários objetos dele encontravam-
se fora de seus lugares.
— Eu não quis perturbar os seus pertences — disse.
— São apenas pertences. Como poderiam ser perturbados?
—-Eu quis dizer que não queria perturbar você.
— Já estou perturbado.
Ora, ele estava se esforçando para ser desagradável!
— Muito bem — Lily murmurou com ar inocente.
Voltou a abrir o baú e afastou as roupas dele, impecavelmente
dobradas e arrumadas, até conseguir algum espaço. Então, atirou
suas coisas dentro e sentou-se sobre a tampa, até conseguir féchar
o trinco.
Rogan a fitava, tentando manter a seriedade, mas o brilho
divertido em seu olhar o traía.
- Como gosta de me próvocar!- — comentou
-- Por que mandou que me instalassem neste quarto, com você?
Rogan tirou a túnica e a camisa.
- Prefiro tê-la por perto, onde posso vigiá-la de perto.

A visão do peito nu deixou Lily com a boca seca.


— Você vai amarrotar minhas roupas e coisas assim. É divertido.
Rogan deu um passo na direção dela, com ar ameaçador, não
fosse pelo brilho nos olhos claros.
- Como se diverte facilmente! .-- Lily -replicou, adiantando-se um
passo, a fim de mostrar que não se sentia intimidada.
- Nem tanto. Isso só acontece quando você se comporta como
uma criança birrenta.

Rogan deu mais um passo à frente.

— Não sou criança. Sou urna mulher .

Que jogo era aquele, afinal? Lily aproximou-se mais um pouco


Ele ergueu as sobrancelhas.
- Sei disso melhor que ninguém. Eu garanto.

Lily sentiu a excitação ferver dentro dela. Rogan encontrava-se a


poucos centímetros de distãncja e, com um passo quase colou o
corpo ao dela. Ela esperou, mal se atrevendo a respirar. O ar ao
redor dos dois tornou-se denso, como se uma tempestade estivesse
prestes á atingi-los. Lily baixou os olhos para o peito largo à sua
frente, ardendo de vontade de tocá-lo. Perguntou-se o que Rogan
faria se ela o abraçasse e beijasse. -
O brilho se apagou nos olhos dele, ao mesmo tempo em que ele
se afastava. A decepção quase esmagou Lily. Mordendo ó lábio, ela
se dirigiu para a cama. O jogo, fosse qual fosse, hávia terminado.
Embora soubesse que déveria sentir-se aliviada, ela não foi capaz
de sentir o sentimento de derrota que a invadiu, mais uma vez. De
cabeça baixa, despiu-se e deitou-se.
Rogan estava furioso consigo mesmo, mas não sabia por quê.
Decidiu que a noite não estava fria a ponto de acender a lareira e,
assim, quando apagou as velas, o quarto mergulhou na mais
absoluta escuridão.
Depois de livrar-se das roupas, deitou-se, fixando os olhos no teto
negro, tentando pensar em qualquer coisa que não a mulher deitada
ao seu lado.
— Rogan — Lily sussurrou.
— O que é?
— Vou passar a viver aqui, ou você me levará de volta a Linden
Wood, quando Alexander partir?
— Esta situação é apenas temporária, Lily.
Ela não discutiu, nem protestou, embora Rogan tivesse preferido
o contrário. O silêncio que se seguiu foi vazio e ele foi. tomado pelo
remorso.
Foi então que compreendeu o que o incomodava. As crianças.
Não a presença delas, mas o comportamento de Lily para com elas.
Por que uma mulher como ela, mentirosa e traidora, se dedicaria
com tanto carinho a um bando de pirralhos camponeses? Lily não
dera o menor valor à vida de Rogan, mas agora, cuidava daqueles
três com a ferocidade de uma leoa e, ao mesmo tempo, a gentileza
de urna Madona.
Tudo havia mudado, para Lily e para ele. O ódio que o protegera
até então dissipava-se rapidamente. Perguntou-se se uma
verdadeira traidora agiria aquela maneira. Arriscaria despertar a ira
dele, o que ela jamais ousara fazer por si mesma, pelos outros? Por
camponeses, fossem crianças ou não?
Se a tomasse nos braços e a amasse, como tanto desejava fazer,
aquela couraça de ódio acabaria de desmoronar e, junto com ela,
sua alma.

Surpreendeu-se com o tom poético dos próprios pensantos. «Olhe


para mim”, pensou, “um guerreiro, um homem de ação e propósito,
fazendo o papel de filosofo, examinando cuidadosamente o
signifïcado de pequenos detalhes da vida.” Ora, aquela mulher era
um grande problema. Mesmo quando não estava causando
problema algum.

Foi na manhã seguinte, quando todos os habitantes do castelo se


reuniram para o desjejum, que Lily notou a mulher.
A primeira coisa que lhe chamou a atenção foram os cabelos
ruivos e sedosos, além da boca generosa. Ela usava um vestido de
lã fina, que aderia de maneira provocante ao corpo voluptuoso. Lily
observou-a, a princípio apenas Invejosa da naturalidade com que a
outra atravessava o salão, cumprimentando e sorrindo para aquelas
pessoas, que se limitavam a olhar para Lily com antipatia. Sentado
ao seu lado, Rogan concentrava-se na conversa com os camaradas
e, por isso, não percebeu a aproximação da mulher. Assim, somente
Lily testemunhou o sorriso lânguido que curvou os lábios da outra,
quando seus olhos pousaram em Rogan.
— Milorde, não sabia que já estava de volta — ela comentou com
voz aveludada.
Rogan ergueu os olhos e sorriu.
— Alyce. Realmente, não nos vimos ontem.
Alyce virou-se para Lily. -
— E, desta vez, trouxe sua esposa. E um prazer conhecê-la,
finalmente.
— O prazer é meu, Alyce — Lily replicou, cordial.
Não gostou daquela mulher. Seus instintos advertiram-na de que,
apesar da atitude simpática, Alyce não era uma amiga. Alyce voltou
a fixar o olhar de adoração em Rogan.
—Ouvi dizer que também trouxe uma porção de crianças.

- Sim, os primos de minha esposa.


Lily deu-se conta de que o marido não percebia que o tom de
Alyce indicava que a conversa entre eles era muito intima
— Eu tinha esperança de poder cavalgar, hoje, e ouvi dizer que
você vai sair. Posso acompanha-lo, ou vai tratar de negócios e não
quer a companhia de uma mulher?
— Na verdade, estou planejando visitar Albérmarle, Se quiser me
acompanhar, será um prazer.
A outra exibiu um sórriso radiante.
— Será ótimo! Vou adorar provocar aquele velho ranzinza. Então,
voltou a virar-sé para Lily. — E uma pena, que não poderemos
conversar, hoje. Espero que amanhã, vá ao solar..
Como se ela fosse a senhora do castejo, convidando-me a juntar-
me a ela!
Dando de ombros, Lily respondeu que talvez fosse. Alyce sorriu
para Rogan mais uma vez.
— Encontrarei você no estábulo -— declarou, antes de se afastar.
Pouco depois, Rogan pediu licença e saiu,deixado Lily a especular
sobre Alyce e o passeio dos dois.
Uma semana depois, sentada no saião, Lily tentava supervisionar
as maneiras das crianças. A verdade era que não estava atenta
como deveria. Não havia percebido que Oliver se recostara a um
canto, carrancudo, nem que Anna parecia muito preocupada. .
Franzindo o cenho, Lizzie disse
— Você não está me ouvindo. Eu disse que o padre Andrew me
deu esta boneca e Robert disse que eu a roubei. Oliver esmurrou
Robert e o chefe dos cavalariços deu uma puxada na orelha de
Oliver.
- Muito bem — Lily murmurou estreitando os olhos sobre a
multidão reunida no salão.
Desde que conhecera a bela Alyce, Lily não conseguira.
côncentrar-se em mais nada. Ficara obcecada em saber onde a
ruiva se encontrava e, claro, onde estava Rogan.
O riso contido de Anna chamou-lhe a atenção.
— Milady, por quem está procurando?
—.Ninguém. Não estou procurando por ninguém. O que você
disse, Lizzie? Oliver deu-lhe uma boneca?
— Não! Eu disse que padre Andrew me deu a boneca e Oliver
levou uma bofetada na orelha.
— Padre Andrew deu uma bofetada na orelha de Oliver?
— Nããão! — Lizzie protestou, exasperada.
Com um suspiro, Lily ergueu as mãos, em um pedido de calma a
todos, e disse:
— Muito bem. Contem-me o que aconteceu.
O menino lançou-lhe um olhar magoado.
— Aquele Robert fez Lizzie chorar.
— E foi ele quem lhe deu uma bofetada na orelha?
— Não. O chefe dos cavalariços me deu uma bofetada, depois que
esmurrei Robert.
Lily levou uma das mãos à testa.
— Ah, Oliver, será que nunca vai entender? Não pode chamar
atenção sobre si. O que lorde Rogan vai fazer? Ele pode querer
mandá-lo de volta para Sybila. Não vou pérmitir que você crie
problemas.
— Milady — Anna interrompeu com sua voz suave. — Robert é
malvado. Ele realmente fez Lizzie chorar.
— Bem, tratem de evitá-lo, daqui por diante. Devem se manter
longe de problemas.
Oliver levantou-se, com as mãos na cintura.
— Ele é um idiota! E nos odeia! Disse que você é uma assassina e
que somos de uma família ruim.
Lily sentiu um nó se formar em sua garganta. No lhe ocorrera que
as crianças também sofreriam pelo ressentimento dirigido a ela.
Todos no castelo sabiam de sua “traição”, e ninguém fizera segredo
dos sentimentos negativos que nutriam por sua nova senhora. Ao
que parecia, também desprezavam- seus “primos”

— Isso não importa — declarou, recuperando o autocontrole


depressa. — Passaremos o dia juntos. Que tal um piquenique?
— Ah, sim! — as meninas aplaudiram.Oliver mostrou-se
esperançoso, mas ainda estava zangado.
— Muito bem. Vøu até a cozinha preparar um lanche. Então,
sairemos.
— Lorde Rogan vai conoseo? — Lizzie perguntou, satisfeitissima
com a idéia.
- Lorde Rogan está ocupado, querida. Agora, saiam na frente e
esperem por mim no portão. Não vou me demorar. Oliver —
chamou-o — Não estou zangada com você. Agiu muito bem ao
defender sua irmã.
Foi o bastante para devolver ao menino toda a sua alegria infantil.
Oliver presenteou Lily com um sorriso radiante, que lhe provocou
um aperto no peito. Na verdade, ela gostaria de estrangular o tal de
Robert com as próprias mãos, por ter atormentado uma criança tão
pequena como Lizzie.
Não fosse por seu temor de que Rogan perdesse a paciêncIa com
as crianças, ela teria aplaudido a atitude de Oliver desde o início.
Não precisou de muito tempo para apanhar um pouco de queijo e
algumas maçãs. Também separou fatÍas de carne e pão e conseguiu
‘roubar ‘uma torta de carne, quando o cozinheiro se distraiu.
Acomodando à comida em uma cesta, saiu ao encontro das
crianças.
— Não devemos nos afastar demais, pois não seria bom nos
perdermos. Talvez, logo na entrada da floresta.
—Ah, que. aventura! — Lizzie, exclamou, deliciada, antes de sair
correndo pela campina. .
Apanhando um galho seco, Oliver assumiu o posto de batedor.
Assim que se embrenharam na floresta, encontraram um riacho
agradável, à margem do qual havia rochas onde podiam sentar-se
para comer.
Ansiosos para explorar os arredores, Oliver e Lizzie receberam
permissão de Lily para passear por perto.
— Há uma cachoeira, ali! — Lizzie anunciou, animada.

— Cuidado para não cair na água! -- Lily advertiu-a.


— E rasinho, aqui — Oliver declarou, dispensando a preocupação
que considerava exagerada.
Sentada junto de Lily, Anna murmurou:
— Lamento que ele cause tantos problemas.
— Não lamente. Para Oliver, a situação é mais dificil do que para
você e Lizzie. Ele determinou que tem de ser o chefe da família e,
por isso, seu orgulho fica ferido quando o trato como criança.
Anna assentiu.
— Oliver fica observando os cavaleiros e acredita que, um dia,
também se tornará guerreiro. Mas, depois desta visita, voltaremos
para Linden Wood. Quando ele crescer, será um simples camponês,
como papai.
Lily afagou-lhe os cabelos
— Não é fácil — murmurou. — Talvez eu tenha cometido um erro,
trazendo-os para cá. — Fez uma pausa, antes de perguntar: — E
quanto a você, Anna?...
A menina desviou o olhar.
— Sei que as coisas nunca serão diferentes, para nenhum de nós.
Sei o que somos.
Lily puxou-a para si e, ao examinar o rostinho bonito, bem
desenhado, concluiu que Anna era uma menina comum; como ela
mesma fora, naquela idade. E Anna não era muito mais jovem do
que Elspeth. A lembrança da irmã provocou-lhe uma pontada de
dor.
— Sejam o que forem, amo vocês exatamente como são
— déclaróu. — Não faz idéia da alegria que me dão. Vocês são a
minha família.
— Também amo você — Anna replicou, abraçando-a com força.
Um grito chamou a atenção das duas, que se viraram a tempo de
ver Lizzie oscilando à beira de uma rocha. Lily levantou-se para
gritar uma advertência, mas a menina perdeu o equilíbrio e caiu no
riacho.
Quando Lily suspendia a saia para mergulhar, Oliver atirou-se na
água e resgatou a irmã Lizzie tossiu e engasgou, mas não deixou de
sorrir.

— Que aventura! — exclamou.


— Ora, francamente! — Lily suspirou, voltando a sentar-se. Lá
está lorde Rogan! — Anna anunciou, apontando para uma colina
distante.
Lily virou-se. Sim, era ele. Apesar da distância, o cabelos cor de
cobre e a postura inconfundível não deixava dúvida quanto à
identidade de seu marido. E ele não estava só. Uma mulher de
cabelos mais vermelhos caminhava a seulado. E, mesmo à
distância, Lily pôde ver que Alyce tinha uma das mãos pousada no
braço de Rogan.
De súbito, Lily sentiu a boca seca..
— Sim, bem, lorde Rogan tem muitas obrigações a cumprir, como
senhor do castelo, que o levam a diversos locais. Deve estar
cumprindo urna dessas missões, agora.
O tom casual, muito forçado, soou falso aos seus próprios ouvidos
e ela percebeu que Anná não se deixou enganar.

— Não gosto daquela. mulher — Ama murmurou. — está sempre


conversando com lorde Rogan... E ri de um jeito estranho. - Lily
sabia a que a menina se referia. Quando a risada de Alyce era
dirigida a Rogan, o som era sedutor e calculado.
Anna continuou: - Um dia desses, ela deu bolinhos de mel para
Lizzie e começou a fazer todo tipo de perguntas sobre milady.
— E mesmo?
Lily voltou a olhar para onde seu marido continuava conversando
com Alyce. Naquele momento, Oliver gritou para Lize e o vento
carregou ó som de sua voz até a colina. Rogan virou-se. Lily viu-o
interromper a caminhada, dizer alguma coisa à companheira e,
então, encaminhar-se na direção do grupo. Alyce permaneceu
parada por um longo momento, visivelmente frustrada. Finalmente,
girou nos calcanhares e desapareceu do outro lado dá colina.
Voltando a observar o marido, que se aproximava rapidarnente
Lily preparou-se para enfrentá-lo. Provavelmente, estava furioso.
Ajeitando os cabelos, começou. a ensaiar sua defesa.
Lizzie o viu e gritou:
— Olá!
Lily sentiu um calafrio quando Rogan não retribuiu o
cumprimento.
— Antes que me repreenda como se eu fosse uma criança
travessa — Lily começou, assim que ele se aproximou —, deixe-me
lembrá-lo de que você não me deu ordens para ficar confinada entre
os muros do castelo. Não pensei que se importaria, caso saíssemos
para um passeio.
Rogan parou com as pernas ligeiramente afastadas, as mãos na
cintura, observando-a. Sua expressão era uma incógnita.
— Lorde Rogant - Lizzie chamou-o. — Estou toda molhada. Caí no
riacho. Foi tão engraçado!
Rogan sacudiu a cabeça, como se a situação fosse inacreditável.
— É melhor sentar-se ao sol, então, Lizzie, para não apanhar um
resfriado — Rogan replicou. — As doenças de verão são as piores.
Esperou que a menina caminhasse com cuidado por entre as
rochas, até chegar a ele. Então, tomou-a nos braços, com
exclamações de reprovação ao sentir-lhe as roupas geladas de
encontro à pele.
— Sènte-se aqui — disse, depois de acomodá-la ém uma rocha,
ao sol.
— Vi um veado, agora mesmo — Oliver contou ao se juntar a eles.

Rogan sorriu.
— Espero que os caçadores tenham a mesma sorte, pois
precisamos encher a despensa para os festejos.
Lily não conseguia tirar os olhos arregalados do marido. Ele não
estava furioso! Na verdade; parecia alegre e satisfeito, quando se
sentou em uma rocha.
— Fizemos um piquenique! — Lizzie declarou, sempre sorrindo.

- Verdade? Sobrou alguma coisa para mim

O menino examinou o conteúdo da cesta e disse:


—Temos uma maçã, um pedacinho de queijo e um pedaço tørta.
— Estendeu o último item com evidente relutância.
Sem se dar conta do sacrificio de Oliver, Rogan aceitou-a e
começou a comer.
-O que estava fazendo? — o menino inquiriu, sentando-se diante
de Rogan.
Lily notou a atenção com que Oliver observava o mais velho, com
o brilho da admiração no olhar.
-Estava caminhando — Rogan respondeu —, algo que gosto de
fazer, de vez em quando. Ajuda a clarear as idéiás.

— Era Alyce quem estava na sua companhia? — Lily perguntou,


tentando soar casual.
- Sim. Ela saiu para uma cavalgada e, depois, juntou-se a mim.
— Pensei que ela não gostasse de sair sem você.
Rogan deu de ombros.
- Estamos perto dos muros do castelo. É seguro, pois mantenho
patrulhas de soldado todo o tempo.
— Existem animais selvagens por aqui? - Lizzie indagou. -
—Ou ladrões? — Oliver acrescentou, cheio de expectativa. Rogan
apoiou-se nos cotovelos e estendeu as pernas. Lily não pôde deixar
de apreciar-lhe as formas. O arrepio de prazer que a percorreu
lembrou-a de que fazia muito tempo que não faziam amor.
—Agora não, mas já existiu — Rogan disse. Nós o chamávamos
de cavaleiro do demônio.
-Um demônío! — Lizzie arregalou os olhos.
— Ele costumava cavalgar até as vilas, ou chalés de camponeses,
com seu bando. Diziam que era um perfeito cavalheiro Roubava
apenas o necessário para sustentar a si mesmo e a seus homens,
Pedia desculpas e, então, partia. Aiguns afirmavam que ele deixava
ouro, mais tarde, como pagamento pelo que havia roubado.
— O que aconteceu com ele? — Anna perguntou, fascinada.
— Um dia, ele simplesmente desapareceu. Muitos garantiram que
o apanharam e o enforcaram, mas nada disso foi provado. Acho que
era apenas um bom homem, passando por uma fase ruim. Isso
aconteceu logo depois da Grande Guerra, e o Conquistador havia
tomado para si muitas terras, expulsando boa gente de suas casas,
— Imagine! — Anna suspirou, evidentemete considerando a
história muito romântica.- Ele tinha um amor?
— Ninguém jamais soube muita coisa sobre ele. Sua identidade
nunca foi revelada, embora houvessem rumores de que ele tinha
uma amante. Uma nobre, que era devotada a ele.
— Gostaria de tê-lo apanhado--—- Oliver déclarou. — Não importa
se era educado, pois era um ladrão, assim mesmo! Eu o
atravessaria com minha espada e o enforcaria em uma árvore.
Todos caíram na risada.
— Lutar não é uma glória, Oliver — Rogan falou em voz baixa. —
A guerra é muito feia. Deveria ser evitada a qualquer custo.
— Conte-nos mais histórias — o menino pediu.
- Sim, por favor — Anna reforçou o pedido.
Rogan atendeu, contando lendas da floresta. Lily observava-o,
deliciada. Naquele momento, era üm homem tão gentil, tolerante e,
até mesmo, indulgente. E tão atraente! Era tão bom te-lo ali,
completando o círculo, fazendo parte dele.- Como uma parte dela,
Lily pensou, que jamais seria completa sem Rogan.
Ficaram ali por muito mais tempo do que haviam planejado. O sol
já se punha quando voltaram ao castelo. As crianças corriam à
frente, felizes pelo dia incomum. Lily partilhava tal felicidade,
sentindo vontade de pular, como eles. Chegou a pensar em dar a
mão a Rogan, enquanto caminhavam de volta para casa. Certas
distâncias, porém, por mais remotas que pudessem parecer em um
momento como aquele, não deixariam de existir com tamanha
facilidade.

Embora a noite estivesse um pouco fria, Lily não pediu que


acendessem a lareira. As velas lançavam sua luz suave sobre o
quarto. Sentado diante da lareira apagada, Rogan examinava suas
roupas, à procura de rasgos.

Mostrara-se preocupado, à noite, muito diferente do homem


tranqlilo e agradável que fora à tarde. Era como se uma sombra
houvesse pousado sobre ele, no momento em haviam atravessado
os portões do castelo

—Quer que eu costure isso? — Lily ofereceu, vendo o dedo dele


atravessar o tecido da túnica.
-Costurar é um de seus talentos?-
- Na verdade, sou horrível com uma agulha, mas perfeitamente
capaz de remendar uns furos
Sem dizer nada, Rogan estendeu-Ihe a túnica.

—Nãotenho linha, aqui ela disse.

-Cuidarei disso.

Ele deu de ombros, pensativo.


- Obrigada por hoje — Lily arriscou.
Do que está falando?
— Das crianças. Você foi tão bom para elas... Ficaram tão felizes.
E eu fiquei contente por você não ter se zangado por eu tê-los
levado à floresta.
- Cheguei a ficar, no início, mas não havia motivo.

-Suas histórias foram maravilhosas.


Rogan sorriu.
— Acho que despertei o espírito justiceiro de Oliver Ele ficou
entusiasmado com a idéia.de atravessar o cavaleiro do demônio
com uma espada!
- E enforcá-lo em uma árvore! —Lily completou com uma risada.
— Receio que ele tenha muita sede de sangue.

Rôgan também riu.


— É um bom menino — Lily declarou. — Admira você. O pai era
um bêbado inútil, mas em você, ele vê um bom zemplo a seguir.
- Oliver é extraordinariamente fantasioso. Fico feliz por ele estar
sob a sua influência. Do contrário, acho que, daqui a dez anos, eu
oencontraria assaltando minhas terras. Então, seria ele o bandido
atravessado por uma espada!
Os olhos dele fïxaram os de Lily por um momento, e ela teve a
impressão de reconhecer neles o brilho da aprovação. Então, ele
desviou o olhar e levantou-se.
— Acho que vou voltar ao salão.

—Ah..
Rogan hesitou, como se estivesse indeciso. Lily tentou pensar em
algo para dizer, a fim de fazã-lo ficar, alguma frase inteligente que o
fizesse rir, tomá-la nos braços e beijá-la..
— Bem... Boa noite, esposa — ele falou, afinal.
— Boa noite, Rogan.
Rogan saiu, deixando um quarto vazio e silencioso atrás de si.
Lily examinou a túnica que costuraria no dia seguinte. Com olhos
cheios de lágrimas, ela se perguntou se era aos seus homens que
ele ia se juntar, ou se procuraria, a companhia de uma certa ruiva,
de sorriso sedutor e olhar convidativo.

Andrew entrou no quarto de Lily com seu sorriso costumeiro.


- Irmão! — Lily recebeu-o ,com alegria.
Assumindo uma expressão séria, ele perguntou:.
_ Como estão as coisas entre você e meu irmão?
Ela forçou um sorriso.
- Está tudo bem. Nada mudou, mas também não houve piora -
— Como Andrew continuasse a fitá-la, Lily decidiu que iada
adiantaria mentir e, por isso, confessou: - Não é verdade. Sinto que
ele está se afastando de mim. Antes, Rogan me odiava. Agora, acho
que já nem pensa em mim.
O jovem padre mostrou-se confuso.
— Não sei o que a faz pensar assim, mas sei, com absoluta
certeza, que Rogan não é indiferente a você.
Ora, como ela poderia contar seus receios com relação a ele? Se
estivesse enganada, faria papel ridiculo. Se fosse verdade...Bem,
não estava certa de que desejaria informar Andrew sobre tal
situação.
— Não tenho tanta certeza disso — retrucou, simplesmente.
— Lily, escute. Terei de me ausentar durante algum tempo.
Detesto deixá-la, especialmente vendo-a tão infeliz, mas há algo
muito importante que preciso fazer. Tenho um favor para lhe pedir,
antes de partir. Fui injusto com você, durante meses. Acha que pode
me perdoar?
— Não há o que perdoar — Lily respondeu, surpresa.
— Você é muito generosa. Acho que não conseguirei ser tão
indulgente comigo mesmo Vou tentar corrigir meus erros, apesar de
ter jurado que permaneceria neutro. Se ao fazer isso, estiver
cometendo um pecado, pagarei por ele.
Depois de abraçá-la, Andrew despediu-se e partiu.
Uma vez sozinha, Lily refletiu que suaspalavras haviam sido
sinceras. Estava perdendo Rgan. Precisava lutar, tentar... qualquer
coisa.
Uma idéia súbita ocorreu-lhe. Embora sentisse medo, ela decidiu
levá-la adiante. Afinal, não tinha escolha.

- Que notícia trouxe, desta vez? — Catherlne inquiriu. Dorvis não


hesitou, antes de responder:
— Lily está vivendo em Kensmouth. Lorde Rogan parece estar
amolecendo com relação à bela esposa.
Não fosse pelo braço de Pbillippe segurá-la, os joelhos de
Cathetine teriam vergado. Não! Não! Era exatá mente o que eu
temia!
— Tenho outra notícia, muito interessante. Descobri uma pessoa
que está tão contrariada com a situação quanto a senhora. Ela se
ofereceu para ajudar, mas-deseja manter-se incógnita. Pediu que eu
lhe sugerisse que seu pai fosse alertado do paradeiro de lady Lily,
para que vá buscá-la .e a leve para Charolais.
Catherine fitou Dorvis por um momento, antes de explodir em
gargalhadas.
— Acredita mesmo que desejamos salvá-la? Ora, mas isso é muito
engraçado! Não é, Phillippe? -
Dorvis olhou de um para outro, confuso.
— Não compreendo.
— Ela é esposa dele, seu idiota — Catherine explicou, impaciente
— Ela pertence a ele. Meu pai não tem o direito de levá-la de volta.
Phillippe adiantou-se.
— Existem outras medidas que beneficiariam lady Catherine e
sua nova amiga. Estamos interessados em punir lorde Rogan pelos
crimes que cometeu.
Dorvis franziu o cenho, incrédulo.

- Não estão planejando fazer mal a lorde Rogan, estão?

- É claro que não — Catherine garantiu, lançando um olhar de


advertência para PhiIlippe. —-Volte para Kensmouth e fique lá até
ser chamado aqui, novamente -Diga à nossa nova aliada que só
desejamos fomentar a discórdia entre o casal.

- Exatamente – o francê concordou com um sorriso.

Visivelmente aliviado, Dorvis despediu-se e partiu. -


- Ele jamais a perdoará, cherie- Phillppe afirmou - A reconciliação
de Rogan com Lily é impossívei.
— Tem razão, Philhippe. Cuidaremos de gárantir isso.

Cavalgar por suàs terras era uma tarefa que Rogan gostava
muito. Agora, porém, sentia-se- inquieto, impaciente com a
demora, desejando voltar, logo ao castelo.
Assim que atravessava oa portões, tudo mudava. Isso vinha
acontecendo com frequência, uItimarnente. Ragan mal podia
esperar pelo momento de se reunir à esposa, mas quando estava
com ela, sentia-se perdido e começava. a listar motivos para se
afastar novamente, Em vez de juntar-se aos seus homens no saião
foi diretamente para o quarto. Respirou fundo, antes de entrar,
dizendo a
si mesmo que seria bom se Lily já estivesse dormindo. Não sabia o
que mais dizer a ela.- Suas certezas vinham desmoronando. e as
dúvidas corroiam-lhe a alma. Abriu a porta e parou, boquiaberto,
diante do que viu. Lily estava parada no meio do quarto como uma
estátua. Tinha o corpo envolto por uma toalha, que deixava a
mostra seus ombros e parte de suas pernas. A-seu lado, o vapor
erguia-se da banheira.
Ao mesmo tempo em que dizia a si mesmo que. deveria fechar a
porta, Rogan simplesmente não conseguia se mover. Ao vê-lo, a
esposa mostrou-se surpresa.
— Rogan, não ouvi você éntrar — ela disse. — Eu planejava
tomar um banho, agora. Não imaginei que você voltaria tão cedo.
Quer comer alguma coisa? Se estiver com fome irei até a cozinha e
lhe trarei um prato. Posso tomar banho mais tarde.

— Não ele respondeu depressa. — Não quero nada. Pode... Tome


o seu banho.
Refletiu que deveria sair dali, senão pela privacidade de Lily,pela
própria sanidade. Porém, limitou-se a fechar a porta com um
movimento de um dos pés.
Ela deixou a toalha. escorregar para o chão e entrou na banhejra.
O vislumbre dos.seios arredondados, dos quadris generosos e da
cintura delgada não satisfez o desejo de Rogan. Queria ver mais!
Ora, o efeito que LiIy provocava nele era quase assustador. À voz da
razão continuava a adverti-lo para que saísse do quarto, enquanto
era tempo
— Como foi a cavalgada — ela perguntou, ensaboando-se
lentamente.
- Boa — Rogan resmungou.
Lily espalhou a espuma pelos braços e ombros, recostando a
cabeça na borda da banheira e fechando os olhos, a fim de esfregar
o pescoço com sensualidade.
— Encontrou algum problema?
— Nada importante.
— Alyce gostou da cavalgada?
— Alyce não estava conosco.
— Ah, -pensei que ela havia ido, também.
Rogan prendeu a respiração, quando. Lily endireitou as costas, de
maneira que seus seios ficassem inteiramente fora da água. E não
conseguiu desviar o olhar, enquanto ela os ensaboava, sempre com
movimentos lentos e suaves. Gemeu baixinho ao perceber que o ar
frio de encontro à pele molhada tornava os mamilos rijos.
—-Imagino que já saiba que Andrew viajou — ela disse.
— Sim, ele me avisou — Rogan confirmou em um murmuno
abafado.
Ah, aquilo era uma tortura! Rogan suspirou, aliviado, quando Lily
finalmente voltou a se recostar, mergulhando a tentação que seus
seios representavam na água, escondendo-os na espuma espessa.
Infelizmente, a trégua de Rogan durou pouco, pois eIa ergueu uma
das pernas e pôs-se a esfregá-la, começando do tornozelo e subindo
em direção à coxa em círculos indolentes.
- Oliver queixou-se de ter de dormir com as irmãs e de não poder.
alojar-se junto dos outros meninos. Eu disse a ele que não seria
possível, porque somos apenas hóspedes. Uma pena que ele não
possa ser criado aqui, pois tenho certeza de que superaria os outros
pájens.
Rogan mal ouvia as palavras que ela pronunciava. Quando Uiy
terminou de lavar uma perna, passou à outra, desenvolvendo o
mesmo ritual torturante.
Com esforço, ele se virou de costas, na tentativa de procurar
uma distração. Tirou a túnica, a camisa e as botas, decidiu ficar de
calça, pois não se atreveria a tirá-la e exibir o efeito que Lily exercia
sobre seu corpo.
Seu erro foi erguer os olhos ao ouvi-la levantar-se. Lily estava em
pé, ainda na água,o corpo todo à mostra. Com o rosto voltado para
o outro lado. Como se nem se desse conta da presença do marido.
Começou a secar-se com gestos sensuais
Foi a gota de água. Perdendo de vez o controle, Rogan atravessou
o quarto em três passadas largas, alcançando Lily antes mesmo que
ela saísse da banheira.
-Ah, obrigada — ela falou com simplicidade, pousando uma das
mãos no ombro dele, em busca de equilíbrio.
Uma vez fora da banheira, ela sorriu e envolveu o corpo na toalha.

— Ah, não — Rogan resmungou, segurando-a polo braço. - Que


jogo está fazendo, Lily?
Jogo? — ela repetiu, inocente.
-Já conheço o seu poder de sedução e, por isso quero saber
porque está tentando me arrastar para a cama. Acha que com isso
garantir moradia permanente em minha casa?
— Você está sempre procurando por segundas intenções em tudo
o que faço — Lily protestou. — Não se lembra de que foi você quem
entrou no quarto, justamente quando eu ia começar o banho?
- Ah, sim, eu me lembro; mas isto — ele apontou para banheira
—, foi uma verdadeira exibição.

Ao ouvir isso, o semblante de Lily tornou-se sombrio e ela


pareceu. prestes a explodir em lágrimas.
— Sinto muito se o desagradei — murmurou baixinho.
— Por acaso, eu disse que me desagradou? Muito pelo contrário!
E não se mostre surpresa, pois deveria saber quanto me tenta!
— Verdade? Pois fico feliz em saber que não exauriu todas as
energias com Alyce e ainda consiga me achar desejável.
— Alyce? Do que está falando?
— Vejo vocês juntos todos os dias, cavalgando, caminhando na
floresta...
— Nunca caminhei pela floresta com Alyce!
— Eu os vi! No dia em que você encontrou a mim e às crianças, à
margem do riacho. Estava com ela!
— Ah, então é isso! — ele concluiu com uma risada — Pensa que
estou dormindo com ela?
— Ela é bonita e está interessada em você! E você nunca mais
me tocou...
Lily parou de falar e deu-lhe as costas.
Embora soubesse estar fazendo uma loucura, Rogan não pôde
reprimir o impulso que o invadiu, esmagando-lhe a razão, assim
como o orgulho. Puxou-a para si com violência.
— Se durmo com Alyce, ou com uma centena de mulheres, não é
da sua conta. Você...
As palavras morreram nos lábios dele no momento em que Lily
ergueu os olhos escurecidos pelo desejo. Rogan sabia exatamente o
que ela sentia, pois era o mesmo que ele sentia, sempre que se
aproximava dela.
A toalha soltou-se e escorregou para o chão. Nenhum dos dois fez
menção de apanhá-la. Ficaram ali, imóveis, fitando-se nos olhos, até
que Lily murmurou:
— Rogan...
Em seguida, atirou-se nos braços dele.
Com um gemido abafado, Rogan beijou-a com ardor. Suas mãos
deslizaram pelo corpo nu, percorrendo cada curva, descobrindo-lhe
os segredos. O desejo era tão intenso que quase o sufocava.
Agarrados umI ao outro, foram tropéçando até a cama, onde se
atiraram, sem descolar os corpos nenhum momento.
Os beijos ardentes e as carícias ousadas não eram o bastante. De
repente, nada era suficiente. Livrando-se da calça com rapidez,
Rogan penetrou-a, tentando com desespero saciar aquela
necessidade de mais, e mais, que ele não era capaz de explicar,
nem sequer para si mesmo
Quando a penetrou, descobriu, chocado, que nem isso era
bastante. E foi então que compreendeu. Nunca, nada seria
bastante, pois o que ele realmente precisava não era apenas o
prazer que o corpo de Lily lhe proporcionava. Seus receios de ser
destruido continuavam prèsentes-, mas já não importavam. Rogan
precisava de Lily, de seu corpo, sua mente, seu coração e de sua
alma. Nem mesmo tódo o prazer do mundo saciaria aquela sede.
Exausto, Rógan rolou para o lado e ficou deitado de costa, os
olhos fixos no teto, à espera de que seu coração voltasse ao normal.
Um verdadeiro pavor tomou conta dele. Meu De s, o que eu fiz?
Tentou sentar-se, mas foi impedido por Liiy, que se atirou sobre ele.
Teria sido fácil livrar-se dela, mas as palavras que ouviu o deixaram
imóvel.
— Não me deixe! .
Lily estava chorando e aquilo apanhou-o de surpresa,
desconsertando-o.
—Não vá embora — ela repetiu. — Mésmo que continue não
acreditando em mim, imploro que ouça o que vou lhe dizer agora.
— Respirando fundo, foi adiante: — Fiz algo horrivel. Coloquei-me
contra você e condenei-o sem ouvi-lo, nas nunca participei de
nenhuma conspiração. É a mais pura verdade, acredite ou não.
Mas... deixei que o ferissem. E, por isso, eu peço... eu imploro o seu
perdão.
Desviando os olhos dos dele, Lily esperou um instante, antes de
murmurar em tom quase inaudível:
--— Ainda amo você. Nunca deixei de amá-lo.
Rogan fechou os olhos, sentindo apenas o peso suave do corpo
dela sobre o seu.

Sua mente exibiu as lembranças de Lily rindo com as crianças,


repreendendo Oliver com voz suave e afetuosa. Rogan pensou nas
vezes em que ela o enfrentara, com firmeza e determinação, e em
quando ela se derretera em sus braços, entregando-se com
abandono à paixão.
Era isso o que ele temera por tanto tempo. A amargura se fora e,
agora, mesmo que ela fosse a própria Medusa, ele não teria sido
capaz de afastar-se.
Assim como não seria capaz de pronunciar as palavras que lhe
queimavam a garganta, pois parte dele parecia congelada, mesmo
diante do calor de tamanha ternura. Permaneceu imóvel por um
longo momento, perguntando-se o que fazer. Não era mais capaz de
odiá-la, mas não sabia se conseguiria perdoá-la. E, mais difícil,
poderia esquecer?
Amor. Lily falara de amor.
Rogan não tinha respostas.
Acomodou Lily de encontro ao peito, apreciando o calor do corpo
dela junto ao seu. Pouco depois, a respiração profunda e regular,
indicou-lhe que ela dormia.
Boa parte da noite, porém, já se passara, quando ele finalmente
conseguiu dormir.
Alexander S. Cyr, o quarto duque de Winemere, chegou com toda
a pompa e esplendor no dia anunciado.
Ao lado de Rogan, Lily observava fascinada áo desfile de
cavaleiros, soldados e criados, todos envergando as cores do
ducado: vermelho, de coragem, verde, de paz, e púrpura, nobreza.
O último veículo da procissão era uma carruagem luxuosa,, que
trazia uma mulher miúda, acomodada em almofadas. Ela espiava
pela janela, parecendo apreensiva, apesar da presença do homem
imponente, que cavalgava ao seu lado. Aquele só poderia ser o
duque. Alexander parecia um gigante, maior do que o próprio
Rogan. Seus traços lembravam Andrew, mas a arrogância em seu
semblante era peculiar.
— Não se esqueçeu de ninguém, não é? — Rogan inquiriu, em
tom zombeteiro. Restou algum criado, ou soldado, para cuidar do
seu castelo?
— Mandarei buscá-los, se a sua criadagem não for satisfatória —
Alexander respondeu. — Onde está Andrew?
— Ele partiu em urna missão misteriosa, que s- recusou a
esclarecer, até mesmo para mim.
O duque franziu o cenho e desmontou com agilidade
surpreendente para um homem do seu tamanho. Então, aproximou-
se de Rogan e os dois abraçaram-se com entusiasmo.
— Você parece muito bem — Alexander comentou, examinando
Rogan com olhar crítico. - Vejo que recuperou as forças. Não vejo a
hora de enfrentá-lo no campo de exercícios.
—- Por que insiste em se humilhar? — o mais novo indagou.
Alexander riu e virou-se para a carruagem.
— Carina... Venha, meu amor.
A bela mulher estendeu a mão, que o marido apressou-se em
segurar, mostrando-se extremamente solicito ao ajudá-la a sair da
carruagem. O motivo de tamanha dedicação ficou evidente, assim
que o ventre protuberante de Carina ficou visível.
— Minha esposa está cansada. Tivemos dificuldade para
atravessar o rio.
Os lábios de Rogan se curvaram num sorriso travesso.
— Estou surpreso por saber que as águas não se partiram para
você.
-Alexander também sorriu.
— Ah, as águas não possuem sabedoria. Do contrário, teriám se
partido.
— Olá, Rogan — Carina cumprimentou o cunhado com voz suave
e musical.
Observando-a, Lily percebeu-lhe a incerteza, como se ela não
tivesse certeza de como seria recebida. De fato, a família
certamente ficara desesperada quando o primogênito decidira
casar-se com a filha de um mercador e, pior, estrangeira. Pelo leve
sotaque, era evidente que Carina nascera na Itália.
— E uma honra vê-la de novo, irmã — Rogan recebeu-a com
simpatia. — Esta é minha esposa, Lily.
Alexander examinou-a da cabeça aos pés, com uma intensidade
que deixou Lily desconsertada.
— Alteza — ela murmurou, fazendo uma reverência.
— Tenho muitas coisas a lhe dizer — ele declarou. -
Lily sentiu as pernas trêmulas, mas Rogan passou um braço em
torno de sua cintura, em um gesto protetor. -
Mas foi Cama quem pôs um fim à tensão.
— O sol está quente, Alex. Por que não entramos? -

Imediatamente distraído pelo desconforto da esposa, Alexander


pareceu esquecer-se da cunhada.
— Claro, -querida. Vamos entrar.
Rogan manteve Lily muito perto de si, enquanto se encaminhava
para o salão. Ela sentiu como se uma revigorante onda de prazer a
envolveøse, protegendo-a contra a ameaça do duque.
—Sentaram-se em. torno da mesa principal e, enquanto a familia
conversava alegremente, Liiy ficou quieta, apenas observando
Ficou fascinada com o duque e a esposa, que não escondiam os
sentimentos que tinham um pelo outro. Os olhares afetuosos que
aquele homem enorme; quase um gigante, lançava para Carina
chegavam a ser comoventes. E nem mesmo toda aquela devoção
fez com que Alexander percebesse a fadiga no rosto da esposà, pois
estava distraído com o prazer de estar junto do irmão.

- Talvez a duquesa prefira descansar -Lily interrompeu-os. —


Deve estar muito cansada, a1teza
Carina sorriu. - — Tenho estado sempre cansada, ultimamente.
Foi uma estupidez sua, trazê-la em uma viagem tão longa, quando
ela já está tão adiantada na gravidez.
- Ah, mas fui eu quem o impediu de deixar-me -- Carina disse para
Rogan, defendendo o marido. — Como ele insistiu em vir obriguei-o
a me trazer. Só não sabia que ele me obrigarla a viajar naquela
carruagem ridícula!
— Ela queria cavalgar! — Alexander exclamou.
Liiy pastou-se ao lado de Carina.
- Venha, vou acompanhá-la aos seus aposentos. Pedirei às criadas
que levem uma bandeja ao seu quartos
Carina riu.
— Boa idéia! Essa é uma outra condição que me afligeno
momento: fome!

— Vou perguntar mais uma vez irmão. O que você tem em


mente? — Alexander inquiriu, entre goles de cerveja.
Rogan suspirou, cansado da discussão.

-Já lhe falei sobre os meus planos — repetiu.


— Que planos? Não estamos em Linden Wood e ela não está
sofrendo. Ao contrário, Lily me parece muito feliz.
— As aparências enganam.
- Você é quem está infeliz.
- Agora, está falando como Andrew — Rogan protestou. — Ele me
atormenta, alegando que minha vingança é exagerada. Agora, vem
você, insistindo em que não é o bastante.
— Por Deus, homem! Já se esqueceu das cicatrizes em suas
costas? Não me sinto disposto a perdoar o que vi: você à beira da
morte, com feridas que revoltaram até o meu próprio estômago.
Como você pode perdoá-la?
— Não perdoei ninguém — Rogan declarou por entre os dentes.
— Então, onde está a sua vingança? Nos belos vestidos..
— São roupas usadas, Alexander!
— Pois ela deveria vestir trapos! — o duque explodiu.
Os dois fitaram-se nos olhos por um longo momento. Alexander
sempre fora o mais forte, mas Rogan era mais ágil em luta. Desde
muito jovens, a rivalidade entre eles era lendária. Alexander fazia
questão de dominar e controlar a tudo e a todos. Rogan, por sua
vez, embora não. fizesse alarde, recusava-se a se submeter ao mais
velho. No entanto, havia profundo amor fraternal entre os irmãos
e, sabendo que era por isso que Alexander o desafiava, Rogan
tratou de controlar os ímpetos.
— Está defendendo aquela mulher —Alexander acusou-o.
— Não. Estou defendendo a mim mesmo..
— Não entendo por que, simplesmente não a abandonou.
— Não-precisa me entender, irmão. Basta não se opor

— Opor? —o mais velho repetiu, mas, então, dando-se conta de


que era exatamente o que estava fazendo, suspirou e falou em tom
conciliatório: — Muito bem, vamos conversar com calma.
— Eu gostaria de pôr um fim a esta conversa, pois me parece que
estamos dizendo as mesmas coisas, diversas vézes, sem chegarmos
a uma conclusão — Rõgan resmungou.

— Isso, porque você se recusa a me ouvir. Sempre foi teimoso. -


— Não. É porque você não suporta que alguém não o obedeça,
sem sequer questioná-lo. E, se sou teimoso, o que admito ser, você
é igualmente autoritário.
Alexander riu.
- Sei disso. Você já me disse isso um milhão de vezes, no
passado. Agora, ouço o mesmo de minha esposa, com a diferença
que ela é mais gentil
-Poderemos ficar aqui sentados, até o amanhecer; mas nunca
chegaremos a um acordo, se você não me ouvir . - Rogan declarou
- Está arriscando tudo, até mesmo a própria vida, por esta
mulher. Já lhe ocorreu que ela pode conspirar contra você de novo?
Rogan caiu na gargalhadá.
- Ah, meu irmão! Como pode me condenar com tamanha
facilidade, se há pouco tempo você mesmo arriscou tudo por amor?
No seu caso, os riscos não eram menores, uma vezz que colocou a
honra da família em jogo, além do próprio título de duque. E se
Richard não fosse tão generoso, a prisão teriam sido a sua
recompensa.
Embora Rogan. esperasse uma reação irada dó irmão, diante de
tal provocação, Alexandór limitou-se a érguer uma sobrancelha. -
-Então, está apaixonado por ela. .
- O impacto de tal afirmação apanhouRogan de surpresa.
— E claro que não! — retrucou. —Não me venha com absurdos!
Estou apenas dizendo que você e eu não... — Aparentemente, não
encontrou palavras para se explicar e, com um gesto exasperado,
praguejou: — Diabos!
Com isso, levantou-se e saiu.

Lily ouvia as vozes dos irmãos, mas não conseguia: distinguir as


palavras que diziam. Incapaz de controlar a curiosidade, pois tinha
certeza de que era sobre ela que falavam, abriu a porta do quarto e
apurou os ouvidos. Infelizmente, a presença dé um criado ao redor
obrigou-a a voltar para dentro.
Quando Rogan finalmente chegou, eia fingiu que dormia. Ouviu-o
bocejar e espreguiçar, antes de despir-se. Em seguida, sentiu o
colchão inclinar-se ao peso do corpo dele, deitando-se ao seu lado.
— Lily? — ele sussurrou na escuridão. — Lily? Calculando quanto
tempo uma pessoa realmente adormecida demoraria para acordar,
naquelas circunstâncias, ela permaneceu imóvel, apesar das batidas
descompassadas do coração. Sentiu as mãos quentes de Rogan, em
sua pele e, após um breve mómento, não pôde mais resiir. Virou-se
para ele, de braços abertos.

Dorvis baixou os olhos, constrangido. Catherifie ergueu a tocha,


dirigindo-lhe seu olhar gelado
— Essa notícia é terrivel — ela disse.

A escuridão que tomava conta do aposento situado na torre do


castelo recusava-se a ceder à luz fraca da tocha. Ao mesmo o ruído
de gotas de água caindo, ecoava çontra as paredes de pedra.
Catherine estava sozinha com aquele homem, mas não tinha medo.
Havia apenas um homem que a amedrontava... o homem de quem
falavam naquele momento.

— Eles dormem juntos e o primo dela está sendo criado junto


com os outros meninos do castelo.
- Primo? Não temos primos!
— Refiro-me às três crianças que vivem com ela e que foram
levedas para Kensmouth. Estão recebendo aulas e Lorde Rogan está
ensinando o menino, pessoalmente.

Decidindo que aquele absurdo não tinha importância, Catherine


inquiriu:
— Lady Lily parece feliz?
— Não, mas a distância entre eles diminui a cada dia.
— E aquele verme, Andrew?
— Partiu, mas ninguém sabe para onde. Correm boatos de que
ele e lorde Rogan brigaram e que ele foi banido.
— O que seria maravilhoso, mas é impossível. Aqueles dois não
ficarão separados por muito tempo. Minha irmã vai voltar a Linden
Wood?

— Alguns dizem que sim, outros dizem que não. É difícil saber o que
é fato e o que é fofoca.
— Sem dúvida, minha irmã os está conquistando, um a um.
Catherine pôs-se a andar de um lado para outro, pensando em
como dar fim aos amantes, de uma vez por todas. Não haveria paz
em sua vida, enquanto aqueles dois vivessem. Ela já não suportava
mais as imagens torturantes de Lily, partilhando momentos de
êxtase, com o homem que deveria ter sido de Catheríne. Nem
mesmo as mãos hábeis de Philhippe conseguiam banir sua obsessão
por Rogan. E, agora, vinha a notícia de que os dois aproximavam-se
mais e mais!
ImpossíveI, porém verdadeira. O que fazer?
Havia apenas uma saídá.
Vïrando-se para o mensageiro, êla declarou:
- Sei que resiste a esta idéia Dorvis, mas Rogan tem de ser
destruído.
Dorvis empalideceu.
— Nossa amiga, em Kensmouth, foi muito clara. Nada de mal
deve acontecer a lorde Rogan. E não quero me envolver em uma,
coisa dessas.
— Não tem escoIha — Catherine afirmou andando em torno dele.

— Nãó! Vou avisá-los. Não sou um assassino!


Os dedos de Catherine fecharam-se em torno do cabo da adaga
que ela carregava no bolso.
— Bem, é claro que não faremos nada a Rogan, se você não
desejar — mentiu. — Devemos pensar em outra coisa.
Infelizmente, Dorvis não era esperto. o bastante para esconder o
fato de que não acreditava nela.
Fingindo pensar, enquanto caminhava de um lado para outro,
Catherine preparou-se. Quando passou perto de Dorvis, atacou com
a velocidade de uma serpente, usando a tocha como arma. Ele
gritou e levou as mãos ao rosto, a fim de proteger-se.
No instante seguinte, a adaga reluziu no ar. O primeiro golpe
atingiu-o no ombro. O segundo, no peito. Com um rugido de dor,
Dorvis reuniu forças para golpeá-la com o punho, atirando-a contra
a parede.
A adaga caiu no chão e a tocha se apagou.
As queimaduras e a perda de sangue já deixavam Dorvis muito
fraco, mas agora, Catherine não possuía arma alguma.
Desesperada, ela gritou a plenos pulmões. Ele se atirou sobre ela,
circundando-1he o pescoço com as duas mãos a fim de silencia-la. O
aperto Impediu-a de respirar. Catherine lutou, tentado atingir os
olhos dele, mas Dorvis continuou apertando maios forte, àté sentir a
traquéia de Catherine esmagar-se.
Sentindo o sangue rugir em seus ouvidos, ela percebeu a pressão
em seu pescoço diminuír. Então, como se fosse à distância, viu
Dórvis erguer os olhos sobressaltado. Ouviu sons. Alguém se
aproximáva. Dorvis a soltou, deixando-a cair no chão. Cstherine
ouviu-o afastar-se ao mesmo tempo em que homens se
aproximavarn
Tentou erguer a cabeça mas não conseguiu. Sua garganta estava
repleta de sangue.
Agarrou-se com desespero à consciência, Iutando cóntra a
escuridão que ameaçava engolfá-la. —Philippe — gemeu, quando os
soldados de seu marido a tiraram do chão.
Deixe-me viver, rezou em silêncio. Deixe-me viver para falarr com
Phillippe.
- Chamem o conde!— alguém gritou. Não! E Philtippe quem eu
quero!
O chamado do sonÓ eterno era quase irresistível, mas ela
continuou se agarrando vida. Os homens estavam confusos, falando
depressa, discutindo entre si. Catheririe ouviu voz do marido,
exigindo explicações. Viu-o inclinar-se sobre ela e exclamar:
— Ah, meu Deus!
Quando a morte já a tomava nos braços, Philhippe chegou.
Finalmente! Sentiu o perfume de sândalo que ele usava. Tinha de
falar! Reunindo o que restava de suas forças, expirou pela última
vez:

— Mate Rogan.

As crianças mal continham a excitação provocada pela idéia de


que havia um duque de verdade no castelo.
— Ele usa um manto de arminho e uma coroa cravejada de
pedras preciosas? — Anna perguntou.
— Não —-Lily respondeu com uma risada —, mas tem uma túnica
bordada com fios de ouro.
Na verdade, assim como Rogan, Alexander desprezava a
ostentação costumeira dos nobres. -
— Ouro! —. Lizzie repetiu, incrédula.
— Não seja boba — Oliver repreendeu-a. — Ele tem montes de
ouro.
— Veja como fala, Oliver —- Lily ralhou. — Irmãs são seres
humanos, também.
— Bom dia — Rogan cumprimentou-os.
Liiy sobressaltou-se, pois não o ouvira aproximar-se, mas não
conteve a satisfação ao reconhecer o calor nos olhos dele.
— Bom dia, milordé — Anna replicou, erguendo os olhos
fascinados para seu benfeitor.
— Lorde Rogan, conte-nos sobre o duque — Lizzie pediu. — E
verdade que ele come dez pratos de comida, em cada refeição?É
verdade que ele tem cem baús cheios de ouro e pedras preciosas, e
que ele nunca usa a mesma túnica duas vezes?
Rogan riu e sentou-se, acomodando a menina no colo.
— Alexander é meu irmão. Imagine que Oliver cresça e se torne
um grande rei. — A menina caiu na risada, mas Rogan continuou: —
Pensaria nele como um nobre grandioso, ou como ele é agora, com
a boca suja de suco e um arranhão no nariz?
— Oliver, um rei! — Lizzie repetiu, sem conseguir parar de rir

- Era onde eu queria chegar. Só penso no duque como ele era,


antes: um encrequeiro,de coração enorme e temperamento horrível.

_ Ele é malvado? – Anna perguntou

— Nem um pouco. É apenas um tanto presunçoso.


Lizzie virou-se parà Lily e perguntou:
— Você também tem irmãos?
— Não. Tenho duas irmãs.
— Como Oliver.
—Sim.
A referência a Catherine e Eispeth foi como uma nuvem a
obscurecer o ambiente. Nervosa, Lily olhou para Rogan, mas ele
mantinha a expressão impasslvel

- Como elas são? — a pequena insistiu. . Lily baixou os olhos para


as mãos.
-Minha irmã mais nova é muito parecida com Anna. A outra... A
outra é muito má

- Como Oliver! — Lizzie concluiu.


Oliver ficou furioso e Lily tratou de corrigir a menina:
- Não, não como Oliver. Oliver é um bom menino, ainda que às
vezes seja um pouco... impulsivo.. .
- Um dia, ele será um grande soldado -Rogan disse.
Lily ficou surpresa pelo fato de a menção à sua família não ter
despertado a ira de Rogan. Conduzindo as crianças pela escada,
com ordens para que se lavassem antes do jantar, ela o fitou
longamente por cima do ombro, tentando adivinhar que
pensamentos se escondiam atrás do semblante implacável

Na manhã seguinte, Lily acordou inquieta e irritadiça. No jejum,


só conseguiu comer alguns pedaços de pão e, mais tarde os aromas
vindos da cozinha provocaram-lhe náuseas.
Pouco antes do jantar, sentiu-se exausta. Na esperança de poder
descansar um pouco, dirigiu-se ao solar do senhor do castelo, que
raramente era usado. Graças às paredes de pedras, muito altas e
espessas, o aposento mantinha-se muito fresco, mesmo com as
janelas abertas, por onde o sol entrava durante a tarde.
Lily atravessou o solar e foi se postar diante de uma das janelas,
apreciando o jardim. Um ruído sobressaltou-a. Virou-se e deparou
com Carina, que se levantava de uma poltrona.

— Sua alteza me assustou! — Lily exclamou.


— Posso dizer o mesmo — Carina murmurou.
— Sinto muito.
- Está pálida — a duquesa comentou, aproximando-se de Lily. —
Tenho cidra fresca, se quiser.
Lily ainda não compreendia a atitude tímida de Carina. Afinal, era
esposa do duque! Quem quer que houvesse se oposto ao
casamento, nada mais poderia ser feito, uma vez que Carina fora
aceita pela coroa. Além do mais, estava grávida. Com um pouco de
sorte, daria à luz o herdeiro de Windemere.
— Quer se sentar?
Após um instante de hesitação, Lily assentiu e Carina sentou-se
ao seu lado.
— Você me parece infeliz — a duqüesa cómentou com voz gentil.
— Deve conhecer minha história, alteza.
— Por favor, chame-me de Carina. Tenho certeza de que você
também conhece a minha história. Imagino que fique se
perguntando como cheguei aqui, uma vez que sou estrangeira,
membro de uma classe inferior, filha de um simpies mercador.
— Não! — Liiy protestou. — Estava me perguntando o que você
pensa de mim, uma esposa que, supostamente, traiu seu marido na
primeira noite após o casamento. Com certeza, despreza-me como
todos os outros.
Carina fitou-a por um momento e, então, começou a rir. Lily logo
se juntou a ela.
— Creio que nós duas temos motivos para suspeitar do
julgamento que fazem a nosso respeito — Carina murmurou.
— É verdade?
— O quê?
— Você traiu Rogan?
— Não.
— Estranho...
— Você tem origem humilde, mas, ao menos, é amada por seu
marido.
— E desprezada por todo o resto. E você conquistou a simpatia de
todos, mas não sabe o que seu marido sente por você. — Carina
franziu o cenho. — Tem certeza de que está bem? Está mesmo
muito pálida.
— Sinto-me cansada, hoje.
O calor costuma causar esse efeito.
— Deve ser apenas uma indisposição passageira.
Carina estudou-a, pensativa.
— Acha que pode estar grávida?
Lily ficou petrificada. O solar, a delicada mulher a seu , o sol
penetrando pelas janelas... tudo pareceu recuar a distância
-Grávida — eia repetiu em úm sussurro.
- Suas regras estão atrasadas? — Carina insistiu. — Quando foi a
última vez?
Lily sabia que a duquesa estava certa. Fazia muito tempo não
tinha suas regras. No entanto, com tudo o que ocorrera ao seu
redor, ela simplesmente não notara.

- Ah, meu Deus!


- Ora, isso é maravilhoso! Vai dar ao seu marido um filho, talvez
um herdeiro!
- Não! — Lily gemeu, levantando-se de um pulo. — você não
entende! Não posso estar grávida!
— Por quê?
— Rogan vai tirar meu filho de mim. Ele, disse que o farIa. Vai
tirar meu bebê e eu nunca o verei! Carina voltou a franzir o cenho.
— Conte-me tudo. Antes, beba isto. Está fresca vai ajuda-la a
sentir-se melhor. Agora, respire fundo e comece a falar.
Liiy obedeceu. Bebericando a cidra, contou toda a sua história.
Quando terminou, Carina retirou o copo de suas mãos e disse:
— Precisamos de tempo para decidir qual a melhor atitude a
tomar. Conversarei com Alexander.
— Não! Alexander me odeia! Ele acredita em todas essas
malditas mentiras.

Carina assentiu.
— E verdade. Alexander acredita que você conspirou contra
Rogan porque era nisso que o próprio Rogan acreditava. Será que
você não percebeu como seu marido mudou, com relação a você?
Lily sacudiu a cabeça.
— Rogan não me perdoou. Fizemos uma trégua. Só isso.
— Mas existe ternura entre vocês. Vi o modo como se olham. Na
verdade, é justamente o que mais deixa Alexander furioso. Se
conversar com Rogan, é possível que ele mude de idéia.
— Talvez, mas não posso correr o risco.
— O que vai fazer, então? Não espera manter seu estado em
segredo, espera?
— Não sei o que fazer. — Lily fitou Carina com olhar de súplica. —
Por favor, guarde meu segredo, até que eu tenha pensado em uma
solução. Talvez eu esteja apenas adiando o inevitável, mas ainda
não estou pronta para enfrentar Rogan.
Carina assentiu, sem a menor hesitação.
— Claro. E você quem deve decidir o que é melhor. Prometo não
interferir, desde que você se comprometa a não tomar nenhuma
atitude impulsiva.
— Combinado — Llly concordou, sorrindo.
— Minha cara amiga, precisa ser forte, agora.

O céu estava claro, a temperatura agradável. Era o tipo de dia


que fazia um homem sentir-se o dono do mundo, Rogan pensou.
Esporeou Tarsus ao se aproximar dos portões e dirigiu-se
diretamente para o estábulo, onde desmontou imediatamente.
Sentia-se ansioso, impaciente, e só conseguia pensar em uma
coisa: Lily.
— Rogan — uma voz feminina chamou-o.
— Alyce... Como está?
— Eu me dirigia ao solar das mulheres, quando o vi chegando e
me lembrei de que fizemos uma aposta.

Rogan franziu o cenho.


— Aposta? — indagou.
— Ora, já se esqueceu? — ela choramingou...— Você insistiu em
afirmar que meu cavalo jamais saltaria aquela cerca. Mas ele
conseguiu.
— Ah, sim.., eu me lembro.
Era dificil concentrar-se na conversa.
—Bem —ela prosseguiu com umsorriso - o dia está lindo e você
me prometeu uma longa cavalgada. Era esse prêmio da aposta.
Ele sacudiu a cabeça.
- Acabei de chegar e Tarsus está cansado. Além disso, agora não
é uma boa hora. Por acaso, viu Lily? Rogan teve a impressão de ter
visto um brilho estranho nos olhos de Alyce.
— Sim, eu a vi Não me parecia bem-humorada. Estava no solar.
- Obrigado — ele agradeceu e começou a se afastar. - Pagarei a
aposta um dia desses — afirmou, por cima do ombro.
O sorriso de Alyce foi forçado.
— Está bem.
Apressado, Rogan disparou pelo corredor, mas logo colidiu com
alguém que vinha na direção contrária. Esbarrou no homem e quase
perdeu o equilíbrio. Virou-se a tempo apenas de ver o sujeito
abaixar a cabeça e apressar o passo, como se estivesse se
escondendo.
Rogan perguntou-se se o outro estaria com medo de que seu
senhor o castigasse. Qualquer um que o conhecesse, saberia que
ele não era dado a atitudes impulsivas e, mesmo ainda, violentas.
Se, naquele momento, Rogan estivesse raciocinando corretamente,
a estranheza da situação teria lhe chamado a atenção. Porém, ele
se limitou a lançar um olhar curioso para o sujeito que se afastava
rapidamente, antes de seguir o seu caminho.
Quando chegou no solar, entrou sem se fazer anunciar. Para sua
surpresa, encontrou a esposa e a cunhada muito próximas, como se
sussurrassem algo. As duas se viraram para ele, de olhos
arregalados.
Diante da expressão de culpa de ambas, os instintos de Rogan
puseram-se imediatamente em alerta.
— Esposa, irmã — cumprimentou-as.
Carina incliiu a cabeça e disse:
— Estou exausta. Vou descansar em meu quarto.
Rogan inclinou-se respeitosamente, quando ela saiu. Assim que a
porta se fechou, virou-se para Lily e notou que ela parecia ainda
mais pálida do que antes.
— O que há com você? Está doente? — inquiriu.
— Estou um pouco indisposta, mas não é nada grave — ela
respondeu, agitada;
— Venha sentar-se — ele convidou, mas viu que ela se afastava.

— Acho melhor eu ir me deitar — Lily murmurou. Rogan ficou


surpreso. Lily nunca se mostrara inclinada a cochilos diurnos. Então,
notou as mãos cruzadas, também pálidas, que ela mantinha diante
de si. Estreitou os olhos, estudando-a. Lily estava nervosa. Pior,
estava lhe escondendo algo.
Esforçou-se para falar com naturalidade:
— Tem certeza de que não é nada sério? Quer que mande
chamar um médico?
— Não! — eia respondeu de pronto. — Estou bem. Só preciso
descansar.
— Muito bem. Vou acompanhá-la até o quarto. Lily páreceu
prestes a protestar, mas calou-se. Em silêncio, deixou-se levar até o
quarto.
Definitivamente, ela estava escondendo alguma coisa. O que
poderia ser?
Um sentimento gelado se alojava no peito de Rogan.
— Tire a roupa — falou em voz baixa, assim que entraram no
quarto.
— Por favor, chame a criada.
— Eu mesmo a ajudarei.
— Rogan, não estou tão doente — ela garantiu com um sorriso
forçado. — Não quero atrapalhá-lo.

— Você nunca atrapalha, milady.


Hesitante, Lily obedeceu. Rogan não pôde impedir um arrepio de
desejo, ao vê-la coberta apenas pela combinação fina. Determinado,
afastou tais pensamentos da mente e sentou-se em uma cadeira,
enquanto ela se acomodava na cama.
Cruzando os braços sobre o peito, esperou, querendo saber até
onde sua esposa levaria aquela farsa. Para sua surpresa, Lily
adormeceu em poucos minutos, deixando-o ainda mais confuso.
Rogan pediu que levassem o jantar ao seu quarto, mas comeu
sozinho, pois Lily não acordou. Horas depois, deitou-se ao lado dela,
tentando dormir, a fim de afastar as suspeitas que o
atormentavam .
Rogan despertou de súbito. Seu olhos se abriram e, simplesmente,
ele se lembrou.
Tratava-se do homem de Charolais! Aquele com quem ele
colidira. Seu nome era Phillip... não! Phillippe. Rogan o vira várias
vezes, na Cornualha.
Rogan sentou-se na cama e olhou para Lily. As reações estranhas
dela na véspera.., poderiam ser conseqiênia da presença do tal
Phihippe? Ora, se ela soubesse que ele estava em Kensmouth, sua
agitação estaria explicada.
Olhando para ela, agora, o rosto em repouso, tão angelical,
lembrou-se da irmã mais nova, que tinha a aparência de um
querubim.., e uma alma demoniaca. Um pensamento antigo voltou a
atacá-lo. Seria possível que a beleza de Lily escondesse uma
natureza igualmente corrupta?
Aflito, Rogan perguntou-se se aquela incerteza jamais teria fim.
Levantou-se da cama e pôs-se a andar de um lado para outro.
Sentia-se inquieto, irritado, o coração ameaçava explodir em seu
peito.
Onde estaria Andrew? Precisava do irmão. Conversar com
Alexander estava fora de questão. O duque condenaria Lily, sem
pensar. Rogan precisava descobrir a verdade.
Olhando para Lily, ainda adormecida, ele sacudiu a cabeça. Ela
não lhe daria respostas. Seu comportamento na tarde anterior
deixara isso bem claro. Aquele homem havia se colocado entre eles,
ameaçando a frágil trégua que haviam começado a construir. Teria
o francês ido a Kensmouth a fim de chantagear Lily, talvez com
informações que ela não queria que Rogan soubesse? Ou estaria ali
como amigo, conspirando com ela, a fim de garantir-lhe a liberdade?

Era impossível saber, mas Rogan jurou que descobriria a verdade.

Enquanto isso, permaneceria ao lado de sua esposa, enquánto ela


dormia na madrugada. A dor em seu peito ameaçava sufoca-lo e ele
se perguntou, com desespero crescente, o que faria se descobrisse
que Lily o traira de novo.

Lily despertou com os primeiros raios de sol em seu rosto. Abriu


os olhos, sorriu e estendeu a mão para o marido, deitado a seu lado.
Imobilizou-se mesmo instante, petrificada pela lembrança do bebê
que crescia em seu ventre. Havia se esquecido, apenas por um
momento. Tomada pela angústia, recolheu a mão e sentou-se na
cama.
Sentia-se enjoada, de novo. Ouvira dizer que pão ajudava a
diminuir o desconforto matinal da gravidez, mas não havia nada no
quarto. Aparentemente, depois que se dera conta de sua condição,
a náusea tornara-se mais intensa e constante.
PermaneCeu deitada por muito tempo. Ouviu Rogan levantar-se e
encaminhar-se até o toalete. Ao sentir o cheiro do sabonete que ele
usava para se barbear, não pôde mais controlar o estômago e foi
obrigada a sair rapidamente da cama.
Rogan imobilizou-se, a navalha erguida no ar, observando a
esposa correr para detrás da tela que abrigava o penico.
— Se ainda se sente mal, deveria ficar na cama — disse, quando
ela voltou. — Pedirei que alguém venha ajudá-la.
Lily já ia protestar, dizendo que logo estaria bem, mas mudou de
idéia. Os enjôos matinais eram um sintoma conhecido, que até
mesmo um guerreiro perceberia.
— Obrigada — murmurou, antes de voltar a se deitar.
Rogan terminou de barbear-se e aproximou-se da cama. Ela
ergueu os olhos para fitá-lo, perguntando-se por que seu semblante
se mostrava tão duro e a voz, tão fria.

— Vou fazer uma pergunta, Lily.


Voltando a ser atacada pela náusea, ela assentiu.
— Recebeu algum visitante, ontem?
Uma pergunta muito estranha, Lily pensou. Tentou se lembrar de
quem vira na véspera e, então, respondeu com sinceridade:
— Não.

— Não recebeu ninguém, nos últimos dias?


— Não. Ninguém.
Os olhos dele continuavam fixos nos dela.
— Está mesmo doente?
A pergunta a apanhou de surpresa.
— E claro.
Rogan assentiu.
- Bem, é o que parece. Tenho mais uma pergunta. Lembra-se de
um francês, no castelo de seu pai? Acho que se chama Phillippe.
Lily estava consciente de que o marido a observava atentamente.

— Sim, eu me lembro. Era um dos homens de Catherine. Servia


somente a ela, não a meu pai. Um homem muito desagradável.
Uma sombra obscureceu os olhos cinzentos por um breve
instante, antes que Rogan se afastasse.
— Mandarei uma criada para cuidar de você.
Com isso, deixou no quarto vazio uma esposa cheia de perguntas
e incertezas.

Rogan parou e respirou fundo. Lily estava mentindo. Passou a


mão pelos cabelos, tentando coordenar os pensamentos. Era
evidente que ela estava mesmo doente. Talvez fosse por isso que
seu comportamento fosse tão éstranho.
Mal formulara a idéia, já a descartava. Afinal, já vira Lily enfrentar
crises e dificuldades antes. Ela enfrentara Sybila e, sem dificuldade,
dominara o chalé, em Linden Wood. Diante do duque, que não
escondia os sentimentos negativos que tinha por ela, Lily mantivera
a cabeça erguida. Portanto, era dificil acredítar que uma simples
doença passageira alterasse tanto o humor de sua esposa.
Cerrou os punhos, lutando para conter o impulso de esmurrar as
paredes. Ao ouvir uma voz chamar seu nome, virou-se irritado.
—O que é?
Era Alyce. Rogan quase gemeu de desespero. Não tinha tempo
para ela, no momento. Ultimamente, as estratégias sedutoras de
Alyce o enervavam. Porém, assim que viu a expressão no rost dela,
desistiu de inventar uma desculpa para se esquivar dela.
- Meu Deus, Alyce! O qué aconteceu?
O rosto bonito e sensual apresentava-se mortalmente pálido, os
olhos estavam muito vermelhos e inchados
-— Sêi que vai me odiar, mas estou, com muito medo!
— Alyce, diga o que está se passando!
Rogan a conhecia desde criança e nuncá antes a vira tão
aterrorizada..
— Eu não pretendia fazer mal a ninguém. Era apenas um jogo. Eu
queria protegê-lo, pois vi que você estava se deixando enfeitiçar por
ela. Estava correndo perigo! Eu não tinha a quem recorrer!
O pânico contagiante de Alyce somou-se à noção dé que algo
terrível estava prestes a acontecer, levando Rogãn a perder o
controle. Sacudlndo-a pelos ombros, ele ordenou:
—Fale!
— Venho recebendo mensagens de lady Catherine Craven.
Acreditei que ela poderia me ajudar a livrar você de Lily, mas o que
ela realmente queria era matar você. — Alyce estendeu as mãos em
um gesto de súplica teatral. — Dorvis agia como mensageiro, mas
concordou que nenhum mal deveria lhe acontecer. Ele matou
Catherine para proteger você, por causa das minhas ordens. Rógan,
eu salvei a sua vida. — Após urna pausa acrescentou: — Pensei que
estivesse tudo terminado, quando Dorvis contou que viu o cavaleiro
dela aqui, em Kensmouth...
— Phillippe,o francês — Rogan interrompeu-a.

— Sim. Como sabe?


— Eu o vi.
— Ele veio para se vingar de você, Rogan. Só decidi contar tudo
porque temo pela sua segurança. Dorvis disse que você corre
grande perigo.
— Catherine está morta... Mesmo assim, Phillippe está aqui. Por
quê? — Rogan perguntou a si mesmo.
No entanto, a pergunta que mais o atormentava, Alyce não
poderia responder. Qual seria o papel de Lily em tudo aquilo?
Ocorreu-lhe, então, que talvez fosse Liiy quem realmente
corresse perigo. Tomado pela apreensão, gritou para um criado:
— Chame meu capitão!
Já começava a se afastar, quando lembrou-se de Alyce. Fitou-a
por cima do ombro.
— Você me avisou, mesmo sabendo que isso a colocaria em risco,
também. Por este motivo, vou lhe dar a sua liberdade, mas não é
mais bem-vinda ao meu castelo. Assim que resolvermos a questão
da presença de Phillippe, quero você fora de Kensmouth.
Alyce explodiu em lágrimas, embora Rogan não estivesse certo se
eram de alívio ou de tristeza. Encontrou o quarto vazio e foi
informado por uma criada que sua esposa encontrava-se no jardim.
Ela estava sentada, sozinha e imóvel, as mãos cruzadas sobre as
coxas, as costás rígidas, observando um casal de andorinhas. A
medida que foi se aproximando, Rogan notou que ela não observava
os pássaros, uma vez que seus olhos fixavam-se em um ponto mais
adiante. Parou e esperou. Tal demora permitiu-lhe avistar o perigo
que se aproximava.
Um vulto movia-se por entre a folhagem, rápido e sorrateiro, quase
invisível. E avançava na direção de Lily.
Rogan quase disparou para ela, pois o impulso de protegê-la era
mais forte do que o conhecimento de estratégias de luta. Então,
lembrou-se de que, de onde estava, poderia observar tudo o que
acontecia, sem ser visto por ninguém. E foi com extremo esforço
que se obrigou a ficar ali.

Ainda observando o vulto, soube que era Philhippe, antes mesmo


que o francês emergisse dos arbustos. Quando finalmente notou a
presença do intruso, Lily levantou-se de um pulo. Embora levasse
uma das mãos aos lábios, não sufocou o grito que escapou de sua
garganta. A expressão de horror nos olhos dela, bem como a
maneira
corno ela recuou, deram’ a Rogan as respostas de que ele
precisava. Apesar do desejo gritante de correr para ela,’Rogan
permenceu onde estava, observando e planejandoa maneira mais
eficaz de atacar. A distância não lhe permitia ouvi-los mas Phillipe
conversava com Lily de maneira casual, sem parecer ameaça. Ainda
assim, ela continuava recuando e encolhendo-se.

Deixando o esconderijo, Rogan correu até os arbustos mais


próximos. O curto trajeto foi doloroso, uma vez que Lily ficou fora de
seu campo de visão. Se algo acontecesse a ela, ele jamais se
perdoaria.
Por que ele insistira na tolice de condená-la, de duvidar do caráter
de sua esposa, quando só tivera provas da coragem, da honestidade
dela? Estivera tão absorvido pela amargura, que havia ignorado o
que era óbvio. Até mesmo Andrew enxergara a verdade, mas Rógan
se recusara a vê-la, Agarrara-se ao ódio por ser um grande covarde.
Sim, um Covarde, temendo arriscar-se a admitir seu amor
Cérrando os dentes, agachou e moveu-se por trás da vegetação.
Se Phillippe machucasse Lily, Rogan sabia que sua vida teria
chegado ao fim.
Podia ouvir as vozes, agora. O tom adocicado do francês
encontrava respostas quase histéricas de Lily. Com todo cuidado
Rogan aproximou-se ainda mais.
— Pense nas crianças, cherie Phillippe dizia. —Coisas terríveis
podem acontecer a elas, caso você se negue a cooperar. Estou
vigiando há algum tempo e sei que os três são como filhos para
você. Não acredito que vá permitir que algo de mal lhes aconteça.
Lily estava muito pálida. Rogan queria abraçá-la, protegê-la, livrá-
la não só da presente ameaça, mas de tudo o que ele mesmo lhe
infligira. No entanto, forçou-se a esperar.
— Você não pode fazer mal a eles! — ela protestou.
— Ah, encontrarei um meio. Afinal, não consegui ficar a sós com
você?
— Contarei a Rogan. Ele o matará!
Com prazer, Rogan pensou, desejando atirar-se sobre o patife.
Mas Phillippe encontrava-se muito perto de Lily e não encontraria
dificuldade em tomá-la como refém.
— Ah, chérie, mas ele vai ter de me encontrar, primeiro. E não é
nada fácil me encontrar. Talvez eu até desapareça por algum
tempo, e esperè até que pensem que me esqueci de todos vocês.
Posso voltar logo, ou não. Mas tenha certeza de que voltarei e,
então, vócê perderá uma daquelas crianças. Qual delas? A
garotinha? Non, prefiro o garoto antipático.
Rogan já quase não podia mais controlar a ira
— Só estou lhe pedindo um pequeno favor.
— Pequeno favor! — Lily exclamou. — Meu Deus, você está louco!
Está exigindo que eu mate meu marido!
Agora, o plano de Phihippe ficara claro: matar Rogan e
transformar Lily em uma assassina.
— Não entendo por que resiste tanto, depois de tudo o que ele a
fez passar. Rogan trancou-a naquele chalé horrível. Soubemos das
humilhações que você enfrentou. Ele a despreza. Agora, estou lhe
dando a chance de livrar-se dele, com grandes benefícios. Como
viúva, ficaria rica. Tudo o que tem de fazer é esvaziar este frasco de
veneno no vinho dele.
Após um longo momento de silêncio, Lily inquiriu:
— Por que está fazendo isso? Catherine está morta. Foi você
mesmo quem me contou. Deixe-me em paz. Eu não seria capaz de
fazer mal a Rogan, assim como não faria àquelas crianças.
— Mas deve fazer — Phillippe argumentou, como se discutisse os
benefícios de uma caminhada ao ar livre. — E um plano perfeito! Ah,
Lily, sua irmã queria Rogan, mas também o odiava. Acho que ela
desprezava o poder que ele exercia sobre ela, pois Rogan era a
compulsão de Catherlne.
— Jamais compreenderei por que você a encorajou nessa luta
inútil. Não sentiu ciúme?
Phillippe riu.
— Non, chérie, nunca fui ciumento. Ma petite e eu tinhamos um
entendimento muito especial. Ninguém a conhecia como
eu.Ninguém sabia acalmá-la, alegrá-la, ler seus humores, como eu.
Rogan não passava de um objeto que ela desejava possuir. Perdê-lo
foi a única dor que ela sofreu. Quando estava à beira da morte, ela
implorou que o mandasse para o outro mundo, para ficar ao lado
dela. Eu adorava Catherine! Ela era uma deusa. Que justiça iria ser
melhor do que mandar Rogan para minha pobre e, pela sua mão,
Lily?
— Não farei isso
— Nesse caso, perderá a todos aqueles que ama pois vou matá-
los,, um a um, até você concordar.
De seu esconderijo, Rogan viu Lily cobrir o ventre com as mãos e,
finalmente, compreendeu. As oscilações de humor, o recolhimento
dela, os enjôos. Lily estava grávida e Rogan compreendia seus
temores. Lembrou-se das palavras odiosas que haviam provocado
aquele medo. Quando dissera que tiraria dela os filhos que tivesse,
queria fazê-la sofrer. Agora, sabendo que seu filho crescia no ventre
de LiIy, descobria-se incapaz de sequer pensar em afastar mãe e
filho.
Foi então que a grande oportunidade surgiu. Philhippe afastou-se
de Lily, apenas alguns passos, mas o suficiente. Rogan apanhou
uma pedra e atirou-a do outro lado do jardim, átingindo uma árvore.

O ruído despertou a atenção de Phillippe, que virou-se, alerta,


naquela direção. Aproveitando o momento de distração, Rogan
atirou-se sobre o francês.
Lily gritou. Phillippe fitou-a, confuso. Quando finalmente percebeu
a presença de Rogan, era tarde demais. O senhor do castelo já o
imobilizava, prendendo-lhes os braços atrás das costas e
pressionando-lhe o pescoço.

— Lily, entre! — Rogan gritou.


O ímpeto de matar era poderoso. Rogan estava consciente de que
bastaria um pequeno movimento para quebrar o pescoço do vilão.
Lily obedeceu e desapareceu dentro do castelo. Então, Rogan
concentrou-se no homem que lutava para se desvencilhar. Philiippe
era alto, mas bastante magro, o que facilitou a tarefa de Rogan, Em
questão de segundos, o francês estava deitado de bruços, o rosto
colado ao chão, totalmente imobilizado.
— Ouvi bem, quando ameaçou minha família? Rogan inquiriu,
pressionando um joelho nas costás de Phillippe. - Disse que mataria
todos aqueles a quem minha esposa ama, até que ela concordasse
em cooperar com o seu plano?
Trêmulo,Rogan pressionou mais e mais, até que o outro já não
pudesse respirar. Foram os gritos de seus homens que o
despertaram do transe assassino. Soltando Philhippé, entregou-o
aos soldados.
— Graças a Deus! Milady nos encontrou a tempo! Está ferido,
milorde?
— Por aquele idiota?Ele só sabe se aproveitar dos fracos.
Alexander apareceu no jardim, exigindo explicações sobre o que
estava acontecendo.
— Explicarei mais tarde — Rógan garantiu. — Por ora, basta saber
que tivemos um pouco de avéntura, por aqui. Agora, acredito que
minha esposa esteja precisando de mim.
— É só no que todos conseguem pensar! Naquela maldita mulher!
—- o duque trovejou. — Durante o dia inteiro, Carina me atormenta
por causa dela, chamando-a de irmã e fazendo beicinho quando me
recuso a ouvir as qualidades maravilhosas da sua esposa! Por Deus,
Rogan, será que todos neste castelo enlouqueceram? Já se
esqueceram do que ela fez?
Rogan limitou-se a sorrir.
— Não posso responder pelos outros, irmão, mas eu já não me
importo com o que ela fez. Lily é minha esposa. Agora, se me der
licença...
Alexander segurou-o pelo braço.

— Está dizendo que a perdoou? — inquiriu, incrédulo.


— Sim. E não me olhe desse jeito. Prefere que eu me arraste em
um mar de infelicidade, pelo resto da vida, ou que perdoe e seja um
homem feliz?
— Você a ama! Não negue.
- Não! — Rogan prostou, fingindo-se chocado, mas então ergueu
uma sobrancelha, irônico — E claro que não vou negar. Agora, por
favor, dê-me licença Acho que estas palavras cairão melhor em
ouvidos mais delicados que os seus.
Deixando Alexander boquiaberto, Rogan encaminhou-se para o
castelo
-Rogan! — Phillippe gritou de súbito. - - - -
Rogan virou-se, encarando o prisioneiro cercado de soidados,
todos com suas espadas apontadas.
—Irei me juntar a ela, fracassado— o francês declarou com um
arremedo de sørriso.
Em seguida, Phillippe atirou-se sobre uma das espadas.
— Não! — Rogan gritou, mas era tarde demais. - Com expressão
satisfeita, o francês tombou no chão. O soldado cuja espada matara
o prisioneiro, olhou para a lâmina ensangüentada e, então, ergueu
os olhos aflitos para seu senhor. -
— Eu... eu sinto muito, milorde... Não percebi. Rogan sacudiu a
cabeça.
- Ele quis morrer —- acalmou o pobre homem. Então, após um
silêncio chocado, ordenou: — Tirem-no daqui.

Assim que entrou no castelo, Rogan deparou com a expressão


aterrorizada de Lily. Segurando-a pelos ombros, disse:
— Phillippe atirou-se contra a espada de um de meus soldados.
Ela suspirou aliviada, sem desviar os olhos dos dele. Rogan deu-
se conta de que jamais deixaria de ficar fascinado por aquela
tonalidade azul-esverdeada.
— Venha — murmurou, puxando-a pela mão.
Embóra ela hesitasse, Lily deixou-se levar até o quarto, onde
Rogan falou sem preâmbulos:
— Sei sobre o bebê.
O terror voltou a atacá-la.
— Como? Carina contou?
— Não, Liiy. Descobri sozinho. E não estou errado, estou?
— Não. Eu teria lhe contado...
— Não, meu amor — ele a interrompeu com um sorriso triste. —
Você tinha medo de me contar, pois lembrava-se de que eu disse
que não permitiria que você criasse nosso filho.
Lily desviou o olhar e, imediatamente, lágrimas correram por suas
faces. Rogan voltou a segurá-la pelos ombros.
— Esqueça aquilo, Lily. O que eu disse foi somente para fazê-la
sofrer. Eu não teria coragem de fazer uma coisa tão bárbara.
Prometo nunca separá-la de nosso filho.
Ela se limitou a fitá-lo, em silêncio.

— Fui um grande tolo — Rogan continuou, secando as lágrimas de


Lily com a mão.
Ela pousou a mão delicadá sobre a dele.
— Vai permitir que o bebê fique comigo, em Linden Wood?
— Você ficará aqui, em Kensmouth, assim como o bebê. Está
compreendendo, Lily? Não me deixe.
— Então, você me perdoa? — ela inquiriu em um sussurro. A
verdade era que Rogan a perdoara havia muito tempo, mas não se
dera conta disso
— Simplesmente, não consigo mais condená-la, Lily. Todos os
dias, sou testamunha do seu amor, da sua generosidade e dà sua
força. Não posso mais acreditar no meu ódio.
Por um momento, ela o fitou de olhos arregalados, os lábios
movendo-se como se ela quisesse dizer algo, mas não fosse capaz
de articular as palavras. Então, voltou a ser a Uly que Rogan
conhecera no jardim de Charolais, incapaz de reprimir ou disfarçar
os próprios sentimentos. Rindo e chorando, ao mesmo tempo,
atirou-se nos braços dele. Uma voz vinda da porta interrompeu-os:
— E pensar que fiz uma longa viagem por nada. Você dois não
parecem nem um pouco interessados na mais importante missão de
minha vida.
- Andrewl Rogan virou-se para a porta e deparou com o jovem
padre, apoiado no batente, com um sorriso maroto. Imediatamente,
lembrou-se de que estava furioso com o irmãó.
— Onde você se meteu? E como se atreve a desaparecer sem a
minha permissão?
— Permissão? — Andrew repetiu, franzindo o cenho. — Não
respondo a você, lembra-se? Sou um padre, não um criado.
— Deixe-me terminar por você. Responde somente a Deus.
— Exatamente. E atrevo-me a dizer que nosso Todo-Poderoso
Criador está muito satisfeito comigo.
— Pois eu, não. Quero uma explicação.

Lily pousou a mão no braço do marido.


— Rogan — murmurou, em um pedido de calma. Ele lhe lançou
um olhar que deixava claro que sua ira não passava de encenação.
— Em vez de explicar, vou lhe mostrar — Andrew falou, antes de
estender a mão e puxar uma figura envolta por uma capa com
capuz para dentro do quarto.
Rogan não gostou do mistério.
— O que é isso? — inquiriu.
— Elspeth! — Lily gritou no mesmo instante.
A frágil criatura retirou o capuz, revelando o rostinho angelical,
emoldurado por cachos dourados.
Ainda não satisfeito com a cena diante de seus olhos Rogan
segurou Lily, impedindo-a de correr para a irmã. Então, voltou a
encarar Andrew.
— Explique — ordenou com voz enganosamente suave.
O irmão manteve-se calmo.
- Ouça o qué ela tem a dizer, Rogan.
— Para quê? Ela vai recitar mais uma porção de mentiras?
Desvencilhando-se, Lily aproximou-se de Elspeth.
— Conte-nos a verdade, Elspeth — pediu. .— Não tenha medo.
— Eu não sabia que ela queria matá-lo — a menina falou
depressa. — Catherine disse que papai só o mandaria embora.
— Catherine está morta —Rogan informou-a em tom rude.
Os olhos de Elspeth se arregalaram e ela fez o sinal da cruz.
— Bem, então, está tudo terminado e ela está nas mãos de Deus.
Rézarei para que Ele tenha piedade de sua alma. Então, fitando Lily
nos. olhos, contou: — Na’véspera do seu casamento, Catherine me
disse que lorde Rogan a havia violentado. Queria que eu dissesse
que a vítima era eu, porque ninguém acreditaria nela.
— No que Catherine estava correta -- -Lily concordou.-
— Eu me recusei a mentir e ela me deixou em paz. Achei que
estava tudo resolvido. Na noite do casamento, ela me procurou
novamente.., com aquele homem...

— Phillippe? — Lily indagou.


— Sim. Disseram que, se eu não mentisse, Phiilippe mataria você.
Eu sabia que ele seria perfeitamente capaz de fazer isso. Catherine
estava enlouquecida. Ah, Lily, eu menti, mas só para salvar a sua
vida.
Rogan ficou horrorizado, pois não imaginara que alguém, nem
mesmo Catherine, pudesse forçar uma criança a fazer tal coisa.
Andrew disse:
— Elspeth veio até aqui para revelar a verdade, mesmo antes de
saber da morté de Catherine. Ela mentiu para salvar Lily, mas sente-
se terrivelmente culpada por Isso. Aconselhei-a a esclarecer toda a
história, para que Deus, que já a perdoou lhe dê forças para que ela
possa perdoar a si mesma. —-Aproximando-se de Rogan, sussurrou:
— Ela esta muito frágil, irmão. Por favor, não a destrua. --
Rogan permaneceu em silêncio, enquanto Lily tomava a irmã nos
braços. Diante do olhar de súplica da esposa, ele finalmente cedeu.
Pousando a mão na cabeça de Elspeth, declarou:
— Não se preocupe mais, pequena.Descobri que a vingança deve
ser deixada nas mãos de Deus. E os responsáveis por todo esse
sofriménto já se foram. A morte deles nos deixa em paz. — Olhando
para Lily, acrescentou: —Além do mais, apesar de tudo o que nos foi
tirado, hoje, recebi minha recompensa em dobro.
- Que diabos... — a voz de Alexander ecoou no corrredor,
sobressaltando a todos. Ignorando os demais, ele avançou para
Andrew. — Você chega e não tem sequer a cortesia de
cumprimentar a mim, primeiro?
Andrew sorriu.
— Peço desculpas, irmão, mas -tinha questões urgentes para
tratar. Deixe-me apresentar-lhe lady Elspeth, de Charolais, nossa
parente.
Alexander- parecia prestes à explodir de raiva.
— Você não está a par da situação.. — Andrew -começou, mas o
duque segurou-o pela gola da camisa e ergueu-o do chão.
— Foi você quem a trouxe?
— Bem, Rogan, talvez fosse melhor você explicar — o màis jovem
implorou.
Rogan suspirou.
— Alexander, ponha-o no chão. Isso é ridículo! Caso não se
lembre, fui eu a vítima da garota. Portanto, se não se importa,
prefiro utilizar meu próprio julgamento. Acontece, que Elspeth foi
tão inocente quanto Lily, nessa conspiração. Ela fez o que tinha de
fazer, para salvar a vida da irmã.
Alexander olhou para Rogan, depois para-Andrew e, finalmente,
para Lily, antes de soltar o mais novo.
— Agora, se nos derem licença — Rogan declarou, segurando
cada irmão por um braço e conduzindo-os para a porta.
Então, virou-se para a cunhada, que o observava, apreensiva.
Lily tomou as mãos da irmã entre as suas.
— Viu, querida? Está tudo bem, agora. Como lorde Rogan, não
deve mais se preocupar. Vá com Andrew e ele a levará a um quarto
confortável. Verei você mais tarde.. — Com lágrimas nos olhos,
murmurou: — Ah, Elspeth, estou tão feliz por tê-la perto de mim,
novamente.
Depois de oferecer um sorriso tímido para Rogan, Elspeth saiu do
quarto. Como os irmãos voltassem a protestar do corredor, Rogan
fechou a porta com estrondo.
Virou-se para Lily e explicou:
— Eles acabarão desistindo.
Ela sorriu.
— Vocês formam um grupo bastante incomum.
— Ninguém nesta família sabe cuidar da própria vida.
— Sinto-me grata a Andrew por ele ter se intrometido. E a você,
pelo que fez por Elspeth. Pobre criança!
— Sim, ela já sofreu demais, assim como nós. — Rogan puxou Lily
para si. — Bem, você vai me dar um filho!

- Isso o agrada?
— Você sabe que sim. Apesar de tudo, você me agrada rnuito Lily.
O sorriso dela alargou-se.
— Será um ótimo pai.

— Serei? Você não me poupa elogios, esposa. Pensei que, agora,


fosse me castigar. Afinal, ficou provado que-você sempre foi
inocente e eu a puni injustamente.
Ela estreitou os olhos.
- Está tentando pedir desculpas? —- perguntou. Rogan apertou-a
nos braços.
— Como posso compensa-la por tudo o que fiz? Lily atirou a
cabeça para trás a riu alto.
—Você me deu uma vida com a qual nunca sonhei, devolveu o
amor que eu julgava perdido e, agora, um filho. O que mais uma
esposa poderia desêjar?
— Então, não vai exigir que eu me ajoelhe? Não vai fazer
nenhuma êxígência?
— Já me perdoou, Rogan, e recebeu minha irmãzinha de braços
abertos. Era tudo o que eu desejava.
O sorriso de Rogan foi amargo.
_ Tolinha! Sou eu quem tem de pedir perdão
Lily refletiu sobre o último comentário e, então, um sorriso
lânguido curvou seus lábios.
- Bem, há uma coisa que desejo.

- Qualquer coisa.
-Gostaria que as crianças ficassem aqui, conosco. Oliver
continuaria a ser treinado por você, e Anna e Lizzie seriam
educadas como irmãs do nosso bebê.
— Isso você já tem. Só terá de ser prática na questão dos
casamentos das meninas. Não posso dá-las a homens que esperam
casar-se com moças nobres, mas tenho certeza de que poderemos
conseguir maridos honestos e honrados para as duas.
-— Quero que se casem por amor — Lily afirmou. — como eu.
Rogan afagou-lhe os cabelos.

— Tem idéia de como virou minha vida de cabeça para baixo,


desde oprimeiro instante em que a vi?
— Eu? — Lily era toda inocência. — Não, mas por favor, conte-me!

— Ora, você me conquistou no momento em que me confundiu


com meu irmão. Fiquei encantado e acho que nunca deixei estar. E
sempre estarei. Já me resignei ao fato.
— Ora, você não parece muito feliz com isso — Lily choramingou,
fingindo-se magoada.
— Muito pelo contrário, esposa. — Rogan inclinou-se e beijou-a de
leve nos lábios. — Você me deu tanto, Lily! Nunca se esqueça disso.
Prometo não me esquecer, também. Você é a minha vida. Vou
cuidar de você, honrá-la e, sim, confiar em você para sempre.
Ela suspirou, colando o corpo ao dele e oferecendo-lhe os lábios
para outro beijo. Dessa vez, beijaram-se com ardor, selando as
promessas de amor e fidelidade de toda uma vida.
Horas depois, deitados nos braços um do outro, Rogan segurou o
rosto de Lily entre as mãos, forçando-a a encará-lo. Então, disse,
simplesmente:
— Eu te amo.

VENENO DA TRAIÇÃO

JACQUELINE NÁVIN está muito entu iasmada por participar do aniversário de dez anos da
Harlequin Historicais. Lê romances históricos á duas vezes esse tempo — no mínimo!
— e mal pode acreditar que suas histórias estão, ‘agora, entre’ os livros maravilhosos que adorou por
tanto tempo.
Publicar ‘uni romance era um sonho distante, até qu&’The Maiden and Lhe Warrior foi publicado
pela Harlequin Historicais, em março de 1998. Nascida na Filadélfia e formada na Universidade da
Pensilvânia, onde se tornou PhD em Psicologia, vive em Maryland, dividindo seu tempo entre a
família, os livros e’ seu consultório.
Você pode escrever para ela, na P.O. Box 1611, Bel Air, MD 21014. ,; ,

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