Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
RIO DE JANEIRO
2004
DANIEL MAURÍCIO VIANA DE SOUZA
RIO DE JANEIRO
2004
Em memória de minha querida
mãe: Marialva Viana de Souza
AGRADECIMENTOS
p.
INTRODUÇÃO 6
1. MUSEU 8
1.1 Síntese Histórica 8
1.2 Perspectivas Conceituais 11
1.3 Museus de História 13
2. EXPOSIÇÃO MUSEOLÓGICA: mais que uma prática, a identidade
do museu 17
2.1 Objeto Musealizado 17
2.2 A Prática Expositiva: métodos e implicações 22
3. OBJETO MUSEALIZADO, MUSEUS HISTÓRICOS E EXPOSIÇÃO:
Contornos de uma representação 28
3.1 Caminhos para a exclusão 28
4. A SOCIEDADE DO ESPETÁCULO 34
4.1 Inversão e Falsificação: a teoria do espetáculo 34
4.2 Cultura e Ideologia 39
BIBLIOGRAFIA 48
INTRODUÇÃO
Na sociedade atual, torna-se cada vez mais evidente a presença de uma ordem
cuja estrutura constrói-se a partir de relações mediadas pela lógica do mercado. A
teoria da “Sociedade do Espetáculo”, tal como postulada por Guy Debord, procura
desenhar o mapa dessa sociedade repleta de discursos ideologicamente moldados
segundo interesses do capitalismo, naquilo que se pode chamar de sua fase mais
abrangente. A instituição museológica – sobretudo a histórica – como espaço de
representação das ações do indivíduo no mundo, inserido nesse contexto de
sublimação da lógica do mercado em detrimento do ser social enquanto ator
histórico, torna-se mecanismo legítimo do privilégio ideológico das classes
detentoras dos meios de produção.
Os novos aparatos técnicos oferecidos pela tecnologia contemporânea, trazem
uma série de facilidades para a implantação da exposição museológica, do ponto de
vista dos materiais e das possibilidades museográficas. Toda essa parafernália,
entretanto, deveria proporcionar maior estrutura para a construção de discursos
comprometidos com a real situação histórica-cultural da sociedade. Ao contrário, o
que se percebe na prática é a propagação de narrativas que afastam o museu de seu
compromisso enquanto instituição voltada à memória social em sua heterogeneidade.
Os museus históricos, balizam suas abordagens em recortes espaço-temporais,
arbitrariamente condicionados à legitimação de vultos e interesses privilegiados. Tal
procedimento, constitui-se no esvaziamento da reflexão crítica do sujeito enquanto
ser histórico, em um processo de alienação que visa destituí-lo do seu posto de
construtor da história.
A ‘teoria do espetáculo’ constitui-se embasamento teórico cuja principal
característica é a lógica da padronização. Tal afirmativa justifica-se considerando o
projeto espetacular de difundir uma imagem de inclusão incondicional no universo
do consumo, disfarçando o afastamento do indivíduo e sua produção. Essa
perspectiva desdobra-se em uma abrangência maior que se reflete no campo cultural,
7
1. MUSEU
tipo de museus que será de especial importância para a nossa análise: os museus de
história.
O processo de expansão das instituições msuseológicas, se deu sem que ainda
se tivesse pensado em definições e conceitos a seu respeito. Sob esta perspectiva, e
considerando a trajetória de seu desenvolvimento, serão analisadas adiante definições
conceituais do museu enquanto espaço de representação, onde há uma contradição
marcante entre o discurso e a prática, sobretudo no que se refere à questão social.
1
O conceito de Hegemonia aqui citado, refere-se ao proposto por Gramsci, onde a função hegemônica
exercida pelo grupo dominante, encontra-se permeada pelo consenso, obtido pela persuasão,
representando uma dominação estritamente ideológica, não havendo assim, uso da força e nenhum outro
método coercitivo.
15
exatamente por esse movimento de retirada do objeto do seu contexto inicial, ou seja,
uma separação de sua realidade primeira que vem a acarretar em uma
recontextualização, que por vezes chega a ser definitiva.
A coleta do objeto em um contexto estranho à sua origem, implementado pelo
museu, explica o motivo da expressão “objeto museológico” trazer em si uma falha
semântica, já que se assim fosse, pressupor-se-ia que o objeto já fizesse parte desde
seu surgimento do universo museológico. Acontece com esse objeto muitas vezes,
uma transfiguração tal que a verdade museológica a qual ele passa a representar, não
corresponde em nada, ou muito pouco, a sua própria.
A discussão acerca do objeto musealizado, passa pela análise de seu caráter
concreto e simbólico. O objeto no espaço museal adquire “status” de signo de
processo culturais, ou seja, ele representa algo, um fato, uma idéia, ou alguém que
em algum momento foi determinante, na trama de relações de um grupo social. Sob
esse ponto de vista, Scheiner (1994) ressalta que “não sendo possível musealizar
pessoas, musealizam-se as coisas em que essas pessoas estão representadas”
(ibidem, p. 42).
Além de representações simbólicas de um contexto, os objetos musealizados
podem também ser entendidos como representações fragmentadas de um tempo que
não se congela, mas que se captura por meio da leitura das cargas simbólicas
atribuídas ao objeto-signo de tal tempo. Esse corte na relação espaço/tempo se
configura uma arbitrariedade, uma vez que essa reinterpretação do objeto/produto
cultura, segundo Lima (1997)
Essa deve ser uma preocupação sempre pertinente para o museólogo sabendo
que ao lidar com a prática da exposição está lidando com “uma realidade que se
prende ao social, território onde além da difusão cultural e outras ações, promove a
produção e circulação de significados” (LOUREIRO, 200, p. 27). Não se pode
conceber que haja exposição museológica que não trabalhe a questão das
significações e re-significações, como argumenta Loureiro:
Muito cuidado deve se tomar para que não se adotem procedimentos que
afastem as ações expositivas museológicas daquilo que lhe confere, segundo
Scheiner (2000), a característica de obra aberta, ou seja, onde o conteúdo existente
soma-se ao do espectador, em um movimento que possibilita ao museu “contribuir
de forma expressiva para o conhecimento humano, com ênfase na qualidade social”
(idem). Segundo a perspectiva de Loureiro (2000) amparado em Bezzeg (1991) por
sua vez baseada em Lukács, a exposição quando “(..) não se pauta mais por dar a
conhecer os relacionamentos gerais, mas apresentar o elemento plástico e simbólico
do Específico o qual não traz em si o Geral e o Singular”, acaba por se configurar
em uma “totalidade fechada, onde essência e aparência não se separam e a
realidade manifesta-se na realidade do visitante” (ibidem, p. 30).
Podemos perceber que não são poucos os desafios para o profissional de
museu que se empenha em fazer com que suas exposições sejam experiências
efetivas e idôneas. Na busca dos meios para se implementar esse projeto da
museologia de uma exposição socialmente comprometida, vários caminhos se abrem
diante do profissional. Hoje, cada vez mais o foco principal da exposição deixa de
ser o objeto – mesmo reconhecendo sua fundamental importância, principalmente em
alguns tipos de museu. A maior ênfase realmente, vem sendo dada aos interesses dos
visitantes, tornando-se assim, parte integral do planejamento das exposições.
Essa é uma perspectiva da museologia contemporânea e que deve ser cada vez
mais desenvolvida teoricamente. Há, entretanto, os percalços que tornam perigosos
certos procedimentos. Por trazer um discurso tão arraigado à questão do social, a
museologia contemporânea defronta-se inevitavelmente com interesses privilegiados,
realidade presente em qualquer grupo social humano:
27
Esse será talvez o maior de todos os perigos que enfrentará o museu do século
XXI: o de superar o apelo formal em detrimento do conteúdo. O de confrontar
espetáculos com a seriedade do papel social, na tentativa de cativar o público, cada
vez mais seduzido pelo poder da imagem. Cabe aqui reproduzir uma passagem de
GABUS (1965), onde já se observa a importância da questão intelectual diante dessa
perspectiva formal:
Fundamental notar que essa afirmação foi realizada em uma época em que a
questão da espetacularização do mundo (segundo o conceito de Debord, que será
estudado nos próximos capítulos) já se apresentava, ainda que de forma incipiente.
28
2
Esta categoria possui, ao longo dos tempos, várias apropriações e interpretações teóricas, fruto dos
diversos estudos e conceituações construídas a seu respeito por diversos pensadores, como Hegel,
Feuerbach e tantos mais. Nos utilizaremos dela neste trabalho, entretanto, no sentido marxiano,
impregnado de conotações políticas e sociais. Segundo Marx: “alienação é a chave da negação da
negação, isto é, da história” (ibidem, 1983)
30
Essa leitura crítica proposta para as instituições museais históricas, não deve
conceber a memória social advinda apenas das classes dominantes, nem tampouco
abarcá-la exclusivamente do ponto de vista do dominado. Ambas constituem com
suas memórias parte integrante das relações sociais, portanto, esse diálogo deve ser
considerado. Aí se encontra o cerne da questão: como trabalhar essas relações de
maneira dialética e construtiva no âmbito do museu? Talvez o primeiro passo fosse
que o espaço museal histórico deixasse de ser “locus” da unicidade histórica, ou da
historicidade hegemônica.
De maneira geral, as exposições museológicas nas instituições museais
históricas, ainda lançam mão de uma museografia onde se destacam memórias
elitizadas. Memórias que são capazes de criar e recriar um passado excludente, assim
invertendo ou forjando a realidade atual. A própria vocação do espaço museológico
histórico, ao trabalhar pela lógica da inversão, encontra-se profundamente
desvirtuada. Desde o discurso proposto por essa instituição, até o espaço físico
propriamente dito, caminham pela via da alienação, ao privilegiarem os símbolos dos
poderes instituídos. Este tipo de discurso impregna todas as vias possíveis da
manifestação museal e o objeto na exposição – escolhido como portador das
representações pretendidas – cumpre de maneira precisa o trabalho da alienação:
4. A SOCIEDADE DO ESPETÁCULO
à medida que mais se contempla, menos se vive, e quanto mais se aceita reconhecer-
se nas imagens dominantes, mais se afasta de sua própria existência.
No mundo do espetáculo, onde coisas sensíveis são substituídas por imagens
selecionadas de um mundo ausente, se encontra o lugar de realização do “fetiche da
mercadoria” (Marx). O mundo da mercadoria é aquele em que não se pode viver
realmente. Um mundo de afastamento dos homens e sua produção, onde o
quantitativo subjuga o qualitativo. Nesta sociedade unificada pelo mercado, “o
espetáculo reúne o separado, mas o reúne como separado” (ibidem, p. 23).
O que transforma o trabalho-mercadoria em uma prática “natural”, alienando
o trabalhador quanto à sua infinita dependência ao mercado e seus dirigentes, é a alta
acumulação de mercadorias, que cria uma falsa falta de necessidade de se preocupar
com a questão básica da sobrevivência, tendo em vista que a abundância lhe parece
uma realidade permitida. Sob o disfarce de consumidor, o operário vai se iludindo
achando que pode como qualquer outro usufruir de tal abundância.
O consumo se torna assim, uma obrigação, condição indispensável de
sobrevivência, já que a mercadoria não só está em toda parte, como não se pode ver
nada além dela. (ibidem, p. 30) O espetáculo não só é resultado do momento em que
a mercadoria ocupou totalmente a vida social, como é também o argumento para
convencer as pessoas do status de consumidores privilegiados:
terreno das lutas por essa libertação inatingível. Essa tendência do urbanismo
espetacular em destruir a cidade, se justifica pelo fato da cidade conter o potencial de
concentração de poder social favorável a uma consciência crítica do passado, estando
assim afastada, a possibilidade de uma cidade construída de maneira a responder
efetivamente às necessidades dos trabalhadores, que assim, reconheceriam-se a si
mesmos e aos seu mundo.
vivido” (ibidem, p. 121). Esse exemplo da arte como manifestação negativa de uma
época fragmentada, é a pura expressão da mudança impossível, vide os exemplos do
Surrealismo e do Dadaísmo, dois dos movimentos que mais representavam o ideal
revolucionário proletário, que acabaram por serem absorvidos pelo sistema artístico
que negavam.
A tendência mais atual da cultura espetacular é a de reunir em uma espécie de
“grupo” ou “tribo” movimentos e ideais artísticos e comportamentais diversos e
heterogêneos em suas essências. Esta perspectiva, traduz-se em uma das mais
perversas maneiras de supressão das diversidades sócio-culturais. Como resultado,
obtemos uma série de híbridos culturais que se constroem a partir de elementos
fragmentados. Esse projeto de construção de identidades a partir de reuniões
fragmentadas,
BIBLIOGRAFIA
OBRAS GERAIS
BAUDRILLARD, Jean. O sistema dos objetos. São Paulo: Perspectiva S.A., 1973.
FERREZ, Helena Dodd & BIANCHINI, Maria Helena S. Thesaurus para acervos
museológicos. Rio de Janeiro: Fundação Nacional Pró-Memória. Coordenadoria
Geral de Acervos, 1987.
50
MARX, Karl. O Capital. São Paulo: Abril Cultural, 1983. 1v., tomos 1 e 2.
STRANSKY, L. A Day with the dead. Natural History Oct 90, 1985.
51
VARINE, Hughes de. Repensando o conceito de museu. In: GJESTRUM, John A.;
MAURE, Marc. Okosmuseumsboka. Comitê Nacional do ICOM para a Noruega,
1998.
TESES E DISSERTAÇÕES
ARTIGOS/PERIÓDICOS
RÖTZER, Florian. Por que a imagem virtual? Correio da UNESCO, São Paulo, p.
36-37, fev. 1997.
ALVES, Marcelo Fonseca. O novo corpo da rua. Coojornal, Rio de Janeiro, 2003.
Seção Opinião acadêmica. Disponível em: <http://www.riototal.com.br/coojornal>.
Acesso em: 21 dez. 2003.
ARAS, Lina M. Brandão de & TEIXEIRA, Maria das Graças de Souza. Os museus
e o ensino de história. Rio de Janeiro. Seção Museologia e História. Disponível em:
<http://www.ufop.br/ichs/perspectivas/anais/GT1603.htm>. Acesso em: 02 jun.
2004.
SÁ, Simone Pereira de. Museus de simulacros. PPGSA, Rio de Janeiro, 1998.
Disponível em: <http://www.ifcs.ufrj.ufrj.br/^ppgsa/museus154_2.htm>. Acesso em:
jan. 2004.