Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
1. Introdução:
Em que pese sua relevância pedagógica, esta disciplina parece relegada a um plano
secundário na consideração e no interesse de muitos estudantes que, entre outros, apontam
como maiores problemas a superposição de conteúdos e a falta de definição da função da
disciplina. Nesse sentido, as principais acusações feitas por ex-alunos referem-se ao fato de
que os programas de Estrutura centram seus conteúdos nos aspectos legais. Cumpre aqui
ressaltar que essa crítica, talvez, deva-se à forma como essa disciplina foi concebida em sua
origem, no contexto da reforma educacional, pós-golpe militar de 64, na qual seus programas
acabaram por enfatizar o estudo da legislação do ensino (Lei 5.692/71) que, via de regra, foi
ensinada, durante muito tempo, de forma acrítica e descontextualizada, como se a lei tivesse o
poder de, por si só, gerar a escola que aí está e/ou de transformá-la. "Tendo em vista a atitude
formalista e acrítica que predomina no desenvolvimento das programações dessa disciplina, a
legislação acaba por se transformar numa matéria árida, insípida e aversiva". (Saviani,
1978:175)2.
Este trabalho é parte dos resultados de uma pesquisa, que vem sendo desenvolvida
pelas professoras3 de Estrutura e Funcionamento do Ensino da UESC, acerca da trajetória
dessa disciplina, tomando como referência nossas próprias experiências. A preocupação com
a problemática surgiu com a possibilidade de assumir nesta Universidade a referida disciplina
a partir de 1996 e, especialmente, no contexto dos estudos e debates em torno da reformulação
1
Maria Neusa de Oliveira é Professora-Assistente do Departamento de Ciências da Educação da Universidade
Estadual de Santa Cruz -UESC (Ilhéus/BA), onde leciona Estrutura e Funcionamento do Ensino a partir de
1996.
2
SAVIANI, D. Análise crítica da organização escolar brasileira através das leis 5.540/68 e 5.692/71. In:
GARCIA, W. E. (Org.) Educação Brasileira Contemporânea: organização e funcionamento. São Paulo:
McGRAW-HILL, 1978. (pp.174-194).
3
Maria Neusa de Oliveira (que assume, no presente texto, a exclusiva responsabilidade pelas idéias aqui
apresentadas) e Raimunda Assis - Professora-Assistente do Departamento de Ciências da Educação da UESC.
2
2. Referenciais Teórico-Metodológicos
Esse trabalho insere-se numa nova área de estudos e pesquisas, dentro da chamada
“nova sociologia da educação” (Young) que é a “história das disciplinas escolares”4. Tem
como objetivo abordar a história da disciplina Estrutura e Funcionamento do Ensino desde a
sua criação (1969) até os dias atuais, procurando privilegiar a prática e o conteúdo no
contexto da formação do educador, dentro de uma perspectiva sócio-histórica (Young), na
qual o fenômeno analisado é inserido no contexto econômico, político e social, sem contudo
desconsiderar as relações entre fatores internos. De tal forma, conforme sugere Goodson
(1983, apud Santos, 1990: 25)5, que “mudanças a nível macro possam ser ativamente
reinterpretadas no nível micro”. Para isso, ele sugere um modelo analítico baseado nas
seguintes hipóteses: (1) as disciplinas não são "entidades monolíticas, mas amálgamas mutáveis
de subgrupos e tradições"; (2) estas mudam de objetivos utilitários e pedagógicos até se
consolidarem como disciplinas abstratas e acadêmicas, diretamente vinculadas às
Universidades; (3) este processo deve ser analisado "em termos de conflito entre matérias em
relação a status, recursos e territórios" (Godson (1995)6. Isso tem em vista a possibilidade de
compreender o desenvolvimento dessa disciplina como resultante das “contradições dentro do
próprio campo de estudos, o qual reflete e mediatiza diferentes tendências do campo educacional,
relacionadas aos conflitos, contradições e mudanças que ocorrem na sociedade” (Santos,
1990:27). A adoção dessa postura deve refletir “a idéia de que as mudanças em uma disciplina,
ou conteúdo escolar, são condicionadas por fatores internos e externos, que devem ser analisados
dentro de uma perspectiva sócio-histórica” (Santos, 1990: 27).
4
Disciplinas escolares é aqui compreendida como "uma forma histórica particular de sistematizar conhecimento e de
ir além do senso e da experiência comuns" (Young,1989).
5
SANTOS, L. L. de C. P. História das disciplinas escolares: perspectivas de análises, Teoria & Educação, (2):
21-29, Porto Alegre, 1990.
3
Ênfase especial é dada às tendências atuais, que apresenta a disciplina (anos 90) face
às mudanças estruturais - globalização, reestruturação produtiva e neoliberalismo; o
redirecionamento das políticas educacionais; os movimentos dos profissionais da educação; e
a produção intelectual em torno dessa temática.
6
GODSON, I. F. Currículo: teoria e História. Petrópolis: Vozes, 1995.
4
3. Origem da disciplina:
7
SILVA, C. S. B. da. Curso de Pedagogia na Brasil: História e Identidade. São Paulo: Autores Associados,
1999.
8
Os cursos de Pedagogia destinavam-se também à formação de professores para o ensino normal e mediante
determinadas condições lecionar nas séries iniciais do 1º grau.
9
Esse parecer de autoria de Valnir Chagas, juntou-se à Resolução CFE nº 2/69 que fixou os mínimos de
conteúdo e duração do curso de Pedagogia, nortearam a sua organização até a aprovação da nova LDB - Lei
nº 9.394/96. Apesar dos limites impostos pela legislação, isso não impediu que os cursos de Pedagogia, em
5
habilitações no Curso de Pedagogia, habilitações que, supõe-se, vão formar pessoas preparadas
para assumir uma prática pedagógica afinada com esses princípios". (Coelho (1987:10)10.
Naquele momento, confirma Gadotti (1980:55)11 "o pedagogo tornou-se mais um 'policial da
educação' do que um homem formado para criar a educação".
4. Reconstituição da trajetória:
diferentes instituições de ensino superior, sofressem modificações em sua estrutura, na tentativa de amenizar
os efeitos da sua "concepção tecnicista".
10
COELHO, I. M. Curso de Pedagogia: a busca da identidade, In: Formação do Educador: a busca da
identidade do Curso de Pedagogia. Brasília, INEP, Série Encontros e Debates, 1987.
11
GADOTTI, M. Educação e Poder. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1980.
12
MENDONÇA, Ana Waleska P. C. e LELLIS, Isabel Alice O. Da estrutura do ensino à educação brasileira:
reflexões sobre uma prática. In: Educação e Sociedade. (29):122-129, São Paulo, Cortêz, julho de 1988.
6
É nesse sentido, que se observa, após o processo de abertura política, que a disciplina
passa de uma abordagem tecnicista - "pela convivência da teoria do capital humano e a teoria
funcionalista" - com conteúdos que enfatizam a lei com o mero objetivo de impor a reforma
educacional, para uma abordagem crítico-reprodutivista e desta para uma abordagem
histórico-crítica.
Essa análise será concluída após um estudo mais rigoroso dos planos de cursos e do
memorial dos professores: sua trajetória teórico-prática e os pressupostos que apontam nessa
direção em relação ao contexto social, político e econômico e a produção intelectual, nos
diferentes momentos. No decorrer da análise da trajetória surgiram duas dificuldades: a
obtenção das programações desde a introdução da disciplina (em 1969) no curso de Pedagogia
(criado na ex-FAFI, em 1961) e de se contactar com alguns desses professores por já serem
aposentados, como já foi dito anteriormente.
Althusser (1979)13; Baudelot & Establet (1971)14; Bourdieu & Passeron (1975)15; Bowles &
Gintis (1976)16, uma vasta produção teórica nessa perspectiva, proveniente dos cursos de Pós-
Graduação, que passou a ser obrigatória nos cursos de Estrutura tais como: Freitag (1985),17
Rossi (1978),18 Cunha (1975)19 e Nosella (1980)20 só para citar alguns que se tornaram
clássicos na literatura educacional brasileira.
Mas, como reconhece Gadotti (1987:74)21 "A análise crítica da escola capitalista, ao
explicitar o sentido conservador e reprodutor dessa educação, está reconhecendo o valor e as
possibilidades de uma escola socialista". Nesse sentido o papel da educação e do professor
passa a ser questionado como uma atividade que pode ser transformadora. Inspirações teóricas
aparecem ou reaparecem como no caso de Paulo Freire. A leitura de Gramsci começa a ser
incorporada no cenário educacional brasileiro pelos educadores progressistas. E começa-se a
privilegiar a educação e a escola como um espaço de luta, de possibilidades de construção de
uma "contra hegemonia".
13
ALTHUSSER, L. Ideologia e Aparelho Ideológico de Estado. Rio de Janeiro: Graal, 1983
14
Baudelot C. & Establet R. L'école capitaliste en France. Paris: Maspero, 1971.
15
BOURDIEU, P. e PASSERRON, J. C. A Reprodução - Elementos para uma teoria do sistema de ensino.
Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1982.
16
BOWLES, S. & GINTIS, H. Schooling in capitalist América: educational reform and the contradictions
of economic life. Nova York: Basic, 1976.
17
FREITAG, B. Escola, Estado e sociedade. São Paulo: Moraes, 1984 (5ª ed.)
18
ROSSI, W. G. Capitalismo e educação. São Paulo: Cortez, 1978.
19
CUNHA, L. A. Educação e desenvolvimento social no Brasil. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975.
20
NOSELLA, M. de L. D. As belas mentiras. São Paulo: Moraes, 1980.
21
GADOTTI, M. Pensamento Pedagógico Brasileiro. São Paulo: Ática, 1987.
8
O contexto histórico dos anos 80, nos mostra que a crise econômica que lançou seus
primeiros sinais em 73, atinge em cheio a sociedade brasileira. Seus reflexos na educação,
fazem-se sentir na queda do nível de ensino e das altas taxas de evasão e repetência. Nesse
espaço repleto de ambigüidades e contradições os professores de Estrutura iriam explicar os
problemas da seletividade social e econômica e suas possíveis soluções.
22
MELO, G. N. de. Fatores intra-escolares como mecanismos de seletividade no ensino de 1º grau. In:
Educação e Sociedade. Cortez/CEDES, N. 2, jan./1979, pp. 70-78.
23
SAVIANI, D. Educação: do senso comum à consciência filosófica. São Paulo: Cortêz/Autores Associados,
1980.
_______. Escola e Democracia. São Paulo: Cortêz/Autores Associados, 1987.
24
GATTI, B. Democratização do Ensino: uma reflexão sobre a realidade atual. Revista Em Aberto. Brasília:
INEP 8 (44): 3-8, out./dez. 1989.
25
RODRIGUES. N. (1985). Por uma nova escola. São Paulo: Cortez, 1985.
26
MELO, G. N. de. Magistério de 1º grau: da competência técnica ao compromisso político. São Paulo:
Cortêz, 1986 e SAVIANI, D. Competência política e competência técnica. Educação e Sociedade. nº 15,
1983, pp. 111-169.
27
NOSELLA, P. O compromisso como horizonte da competência técnica. Educação e Sociedade. nº 14 1983.
9
Dos anos 90 até os dias atuais, os debates sobre a educação, que tiveram início nos
anos 80, ressurgem com todo vigor trazendo à tona os diferentes sujeitos (sindicatos,
associações e entidades) e as diferentes propostas de mudanças em pauta. De um lado, o
projeto educacional neoliberal do governo FHC que tenta sua hegemonia à custa da exclusão,
do desemprego e da miséria da maioria da sua população; e por outro, o projeto dos
educadores e dos movimentos sociais organizados que tenta resgatar o esforço histórico pela
democratização da educação e da sociedade.
Essas e outras constatações preliminares vieram à tona com mais precisão, por ocasião
da reformulação curricular do Curso de Pedagogia da UESC28 (1996-1997), quando
deveríamos proceder a uma (re) definição dos programas de cursos: (objetivos, conteúdo,
metodologia, bibliografia). Nesse processo questionávamos sobre o nosso trabalho com a
disciplina e que novo tratamento deveríamos lhes dar, bem como a concepção e as possíveis
contribuições da disciplina para a formação do professor/pedagogo no processo de
organização do trabalho escolar, face às exigências da conjuntura atual: desafios e limites.
28
Uma nova proposta curricular para nortear o Curso de Pedagogia da UESC foi aprovada pelo CONSEPE em
1997, dando-se a sua implantação a partir do primeiro período letivo de 1999. A proposta curricular da UESC,
extingue as "tradicionais habilitações" de Orientação Educacional e Supervisão Escolar, privilegiando-se a
formação do "professor pedagogo generalista" - para o exercício da docência na Educação Infantil; no Ensino
Fundamental: 1ª a 4ª séries; e Curso Normal (matérias pedagógicas). O Curso também passou a oferecer as
seguintes "áreas de concentração" (300 horas cada) em caráter opcional: Psicopedagogia; Educação Especial;
Gestão Educacional; Educação de Jovens e Adultos e Trabalho, Educação e Pedagogia.
11
Considera-se ainda que essas mudanças (fatores externos) que ocorrem neste final de
século, na economia, nas relações sociais e culturais e no mundo do trabalho, alteram entre
outras coisas a organização da escola (sua função e estrutura) e o perfil do
trabalhador/educador.
Nos cursos de Pedagogia, essas mudanças orientam-se sobretudo pela ruptura com a
figura do "pedagogo/especialista" para o "pedagogo generalista", dando-se ênfase na
formação de profissionais da educação que tivesse a docência como base. (ANFOPE).
No entanto vale lembrar, que nesse período entrava em curso o redirecionamento das
políticas educacionais face às reformas estruturais de ajuste neoliberal, dentro das exigências
impostas pelos organismos internacionais - FMI, Banco Mundial - nos limites da nova ordem
econômica mundial, e que resultou na mudança de toda institucionalidade da educação no
país. Conforme disse o Ministro Paulo Renato (1996) "toda a institucionalidade da educação
no país mudou nos últimos dois anos". Dessa forma, evidencia-se que uma das mais
arraigadas concepções presentes na história do ensino de estrutura ainda continua presente em
seus programas - a do estudo da legislação da educação. Nesse contexto, a nova LDB - eixo
central dessa disciplina - é o que podemos chamar de institucionalização de uma síntese dos
interesses sociais que lutaram e continuam a lutar pela hegemonia na direção das mudanças
nos sistemas escolares e nas escolas.
Enfim, seguindo essa disputa de projetos, uma gama de produções editoriais colocou em
pauta temáticas como, neoliberalismo, globalização, qualidade total, exclusão, desemprego e
outros. Autores como Pablo Gentili, Gaudêncio Frigotto, Emir Sáder, Tomaz Tadeu da Silva,
Lucília Machado, José Eustáquio Romão são alguns, entre muitos outros, que têm se pautado
numa leitura crítica dessa temática e constam na nossa referência bibliográfica.
29
KUENZER, A. Z. (Org.) A formação dos profissionais da educação: proposta de diretrizes curriculares
nacionais. (mimeo)
12
programa em vigor na tentativa de traduzir esses debates atuais, em conteúdos centrais nos
programas da disciplina.
Entre estas e outras implicações, tornou-se cada vez mais premente uma nova
configuração da disciplina no curso de Pedagogia (e outras Licenciaturas) que culminou numa
"nova" denominação: "Política Educacional e Estrutura do Ensino I e II" e, na redução da
carga horária de 240 para 120 horas, compreendendo o 2º e o 3º períodos letivos do curso.
Nesse sentido, observando a estrutura curricular dos cursos de Pedagogia em outras
Universidades3031 percebemos existir uma certa tendência nessa mudança da denominação da
disciplina, talvez na tentativa de livrá-la dessa carga histórica de "matéria chata" que estuda as
leis educacionais. Mas por outro, parece haver um certo sentido na tentativa de aproximá-la
das disciplinas compreendidas como "fundamentos da educação". É também nesse sentido
que a Política Educacional (até então ausente, pelo menos de forma explícita, nos currículos
dos cursos de formação de profissionais da educação) passa a ser o eixo central da disciplina,
sem contudo perder a ênfase na estrutura e na organização da educação nacional, que não
dispensa a legislação como fio condutor e enquanto institucionalização jurídica das políticas
oficiais.
Conforme o objetivo a que se propôs esse trabalho, dos muitos desafios da vivência
dessa transição, enquanto professora de Estrutura e dada a especificidade da função de tal
disciplina, destaca-se a exigência de se fazer a leitura dos diferentes projetos educacionais que
se desenvolvem nas relações sociais e produtivas de cada época e seus respectivos
fundamentos, e traduzir esses desafios e essas reflexões em termos de conteúdos que melhor
contribuam para a articulação do desenvolvimento e consolidação de relações
verdadeiramente democráticas.
Tais condições leva ao entendimento de que a educação constitui-se uma prática social
que traduz objetivos e interesses, sendo um fenômeno social intrínseco ao contexto sócio-
político e econômico. Nesta perspectiva, a disciplina Estrutura e Funcionamento do Ensino,
desde a sua criação, é portadora de uma história que se relaciona às formas específicas de
organização (estrutural) da sociedade (fatores externos) e dos atores (professores/alunos) que
a (re)constróem no tempo e espaço escolares (fatores internos).
30
USP/SP - Política Educacional e Organização da Educação Básica I e II; UNICAMPI - Política Educacional e
Estrutura e Funcionamento da Educação Básica I e II.
13
Bibliografia: