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rinU10 ORIGINAL Critique de autor Achille Mbembe ‘Trapugio Marta Langa Revisio L Baptista Coelh concergio cRAFica Rui Silva |wewalfaiataria.org PAGINAGKO Rita Lynce MPRESSAO Guide — Artes Grificas ons de La Découverte | Paris © 2014 Antigona | direitos reservados para Portugal 14 EpIGho Outubro 2014 ISBN 978-972-608-254-5 Rua Gustavo de Matos Sequeira,n.°39,1° 1250-120 Lisboa | Portugal |t +351 23 324 4370 info@antigona.pt | wwwantigona.pt Para Sarah, Léa e Aniel, também para Jolyon e Jean (+) Nao nos livraremos facilmente dessas eabecas de homens, dessas orelhas cortadas, dessas casas queimadas, dessas invasées géticas, deste sangue fumegante, dessas cidades que se evaporam pelo fio da espada. AIME CESAIRE, Discurso sobre o Colonialismo INTRODU! O devirnegro do mundo Quisemos escrever este livro & semelhanga de um rio com miltiplos afluentes, neste preciso momento em que a his t6ria e as coisas se voltam para nés, e em que a Europa deixou de ser o centro de gravidade do mundo. Efectiva mente, este é 0 grande acontecimento ov, melhor diriamos, a experiéncia fundamental da nossa época. Reconheca mos porém que a vontade de medir as implicagées e as consequéncias desta reviravolta da ainda os primeiros passos*, De resto, tal revelacao pode ser-nos dada alegre mente, pode suscitar perplexidade ou fazer-nos mergu- Thar num tormento ainda maior. De uma coisa temos a certeza: esta desclassificacio, também ela carregada de erigos, abre possibilidades para o pensamento critico. Tentaremos, aqui, em parte examiné-los. * Dipesh Chakrabarty, Provncializing Europe. Postcolonial Thought and Historical Diference, Princeton University Press, Princeton, 2060; Jean Comaroffe Jaln Comarof, Theory rom the South orhow EuroAmeri Is Brolving toward jrca,Paredigm Publishers, Londres 2032, etn par tivulara introducio; Arian Appadurai,TheFutureas Cultural Fact. Essays on the Global Condition, Verso, Londres, 2013e Kuan-Hsing Chen, sia 1s Method. toward Deimperialization, Duke University Press, Durham, 2010; Walter D. Mignolo, The Darker Side of Wester Modernity. Global Futures, Decolonal Options, Dake University Press, Dzham, 201, Para apreender com mais exactidio a importancia destes perigos e possibilidades no é de mais recordar que, de uma a outra ponta da sua histéria, o pensamento europeu sempre teve tendéncia para abordar a identida- de nao em termos de pertenca miitua (co-pertenca) a um ‘mesmo mundo, mas antes na relagio do mesmo ao mesmo, de surgimento do ser e da sua manifestagio no seu ser primeixo ou, ainda, no seu proprio espelho?. Em contra: partida, interessa compreender que, como consequéncia directa desta légica de autoficcio, de autocontemplacio sobretudo, de enclausuramento, o Negro e a raca significado, para os imagindrios das sociedades europeias, a mesma coisa’. Designacées primérias, pesadas, pertur- badoras e desequilibradas, simbolos de intensidade crua e de repulsa,a sua aparicio no saber e no discurso moder- nos sobre o homem (e, por consequéncia, sobre o huma- nismo e a Humanidade) foi, se nio simultaneo, pelo menos paralelo; ¢, desde o inicio do século xvi, consti- tuiu,no conjunto,o subsolo (inconfessado e muitas vezes negado}, ou melhor, o mticleo complexo a partir do qual © projecto moderno de conhecimento— mas também de governacio — se difundiu‘. Um e outro re Aravamnadan, Enlightenment Orenalisn. evn he isthe Noa Universiy of Chicago Pres Chicago, ors angols Bernier, eNowvelle division del Terre par d ou races hommes qu habiten uma de Sa Abril de 684, pp.s3-43 Se Peabody ee Stovall he Calo pp. vz. Ver ambém Charles W Mil The Radel Contac, Corse thi ‘Maing men: Elighteoment ideas of ace 394 James Delbourgo. «The Newtonian sive bey Facal Beigheed ¢ Nicholas Hudson, arom nation to race the egos of eral oa 29.0 32996-PR 147 364 duas figuras gémeas do delirio que a modernidade pro duziu (capitulos 1 ¢ 2). A que se deve entao este delirio, e quais as suas mani- festacbes mais elementares? Primeiro, deve-se ao facto de o Negro ser aquele (ou ainda aquele) que vemos quando nada se vé, quando nada compreendemos e, sobretudo, quando nada queremos compreender. Em qualquer lado onde apareca, 0 Negro liberta dinamicas passionais ¢ provoca uma exuberincia irracional que tem abalado 0 proprio sistema racional. De seguida, deve-se ao facto de que ninguém — nem aqueles que o inventaram nem os que foram englobados neste nome — desejaria ser um negro ou, na pratica, ser tratado como tal. Além do mais, como explicou Gilles Deleuze, «ha sempre um negro, um judeu, um chinés, um mongol, um ariano no delirio», pois aquilo que faz fermentar o delirio so, entre outras coisas, as racass. Ao reduzir 0 corpo ¢ 0 ser vivo a uma ques- tao de aparéncia, de pele ou de cor, outorgando a pele ¢ a cor oestatuto de uma ficcdo de cariz biol6gico, os mun- dos euro-americanos em particular fizeram do Negro e da raga duas versdes de uma ‘mica e mesma figura, a da loucura codificada®. Funcionando simultaneamente como categoria originaria, material e fantasmagérica, a raga tem estado, no decorrer dos séculos precedentes, na origem de indimeras catastrofes, e tera sido a causa de devastagdes fisicas inauditas e de incalculaveis crimes e camnificinas’ > Gilles Deleuze, Deus régimes de fous. Testes et entretens, 2975-1995, Minuit, Pars, 2003,p.25 Miriam Eliy-Feldon, Benjamin Isaac ¢ Joseph Ziegler, The Origins of Racism inthe West, Cambridge University Press, Cambridge, 2009, Frantz Fanon, Pele Negro M neas. Edufba, Salvador, 2068. ‘Traciugao de Renato da iveia | liam Bloke Modisane, Blame Me on History, Duton, Nova lorque,3965. VERTIGINOSO CONJUNTO Trés momentos marcaram a biografia deste vertiginoso conjunto. O primeiro foi a espoliagao organizada quando, em proveito do tréfico atlantico (século xv ao x1x), homens e mulheres originérios de Africa foram transformados em homens-objecto, homens-mercadoria e homens-moedat. Aprisionados no calabouco das aparéncias, passaram a pertencer a outros, que se puseram hostilmente a seu cargo, deixando assim de ter nome ou lingua prépria. Apesar de a sua vida e o seu trabalho serem a partir de entio a vida e o trabalho dos outros, com quem estavam con- denados a viver, mas com quem era interdito ter relagbes co-humanas, eles nao deixariam de ser sujeitos activos?, O segundo momento corresponde ao acesso a escrita € tem inicio no final do século xvtt1, quando, pelos seus préprios tragos, os Negros, estes seres-capturados-pelos- -outros, conseguiram articular uma linguagem para si, reivindicando o estatuto de sujeitos completos do mundo vivo. Tal periodo, pontuado por iniimeras revoltas de ‘Walter Johnson, Soul ly Soul Life Inside the Antebellum Slave Ma Harvard University Pess,Cambridge. Mas. x099; fan Baucom, Spec ters ofthe lente. Pnance, Capital, Slavery. and the Philosophy of Histo Dake Univesiy Press, Dusham, 2005 Acerca destes debates ver John W. lassingame, The Slave Community Plantation Life the Ane belts South Oxford University Press, Nova Torque, 1972; Eugene D Genovese, Rol Jordan, Ro The World he Stoves ‘Made, Pantheon Books, Nova Torgue1974 Dorothy Porter ary Negro Writing 350-187, Black Classic ress Bal Limore,i995 Esobretudo john Emnes Liberation Hitoriogrp American Writers and the Challenge of History, 794-1861, University oF North Carolina Press, Chapel Hil, 2004, Stephen G. Hall, A Fatzfil Assur ofthe Race. African American Historical Writing in Nineteenth Century America University of North Cerolina Pres, Chapel Hil, 2009. ‘ratandorse das Antilhas em particular, ver Patrick Chamoiseau © Raphadl Confiant, Letts eréles tacts antlaises e continentales, 1635-1975, Haier, Paris, 1991, No mando africano de lingua ingles, esta entrada efecrus-se,come no Haitno decorrer do século xr Ver, escravos, pela independéncia do Haiti em 1804, por com- bates pela aboligo do trafico, pelas descolonizacdes afti- canas e lutas pelos direitos civicos nos Estados Unidos, viria a completar-se com o desmantelamento do apartheid nos tiltimos anos do século xx. O terceiro momento (ini cio do século xx1) refere-se a globalizacio dos mercados, a privatizacao do mundo sob a égide do neoliberalismo e do intrincado crescimento da economia financeira, do complexo militar pés-imperial e das tecnologias electré- nicas e digitais. Por neoliberalismo entenda-se uma fase da histéria da Humanidade dominada pelas industrias do silicio € pelas tecnologias digitais. O neoliberalismo é a época a0 longo da qual o tempo (curto) se presta a ser conver- tido em forca reprodutiva da forma-dinheiro. Tendo 0 capital atingido o seu ponto de fuga maximo, desenca- deou-se um movimento de escalada. O neoliberalismo baseia-se na visio segundo a qual «todos os acontecimen- tos e todas as situacdes do mundo vivo (podem) deter um valor no mercado». Este movimento caracteriza-se também pela produgio da indiferenca, a codificacao paranéica da vida social em normas, categorias e nitme- ros, assim como por diversas operacbes de abstrac¢ao que pretendem racionalizar 0 mundo a partir de légicas empresariais', Assombrado por um seu duplo funesto, © capital, designadamente o financeiro, define-se agora como ilimitado, tanto do ponto de vista dos seus fins porexemplo,S.EK.Mahay,Abantu Besiowe, Historica and Biographical ‘Writings902-2944, Wits University Press, Joanesburgo, 2009. Ela ocor retum poco maistarde na mundo franeSfono.A tal espeito,ver Alain Ricard, Naissonce du roman african: Fé Couchouro (1900-1968), Pré- sence africaine, Pari, 2087, % Joseph Vogl Le Spectre di capital, iaphanes, Paris 2013 p.152, Ver Béatrice Hibou, La Bureaucrtiation du monde Ttrenolibrae, La Découverte, Paris, 2012, como dos seus meios®. Ja nao dita apenas o seu prop: regime de tempo. Uma vez que se encarregou da «fabri 10 de todas as relacdes de filiacion, procura multipli- car-se «por si mesmo» numa infinita série de dividas estruturalmente insoliveis™ JA nio ha trabalhadores propriamente ditos. Jé s6 exis: tem némadas do trabalho. Se, ontem, o drama do sujeito era ser explorado pelo capital, hoje, a tragédia da multi dio é nao poder jf ser explorada de todo, é ser objecto de humilhagdo numa humanidade supérflua, entregue a0 abandono, que ja nem é util ao funcionamento do capi- tal. Tem emergido uma forma inédita da vida psiquica apoiada na meméria artificial e numérica e em modelos cognitivos provindos das neurociéncias ¢ da neuroeco nomia. Nao sendo os automatismos psiquicos ¢ os tecno- ogicos mais do que duas faces da mesma moeda, vai-se instalando a ficgio de um novo ser humano, «empresi- rio de si mesmo», plastico e convocado a reconfigurar-se permanentemente em funcio dos artefactos que a época oferece's Este novo homem, sujeito do mercado ¢ da divida, acha-se um puro produto do acaso natural. Tal espécie de «forma abstracta sempre pronta», como diz Hegel, capaz de se vestir de todos os contetidos, étipica da civilizacao da imagem e das novas relagdes que ela estabelece entre 0s factos e as ficgSes"S, Apenas um entre os outros ani- mais nfo tem nenbuma esséncia propria a proteger ou salvaguardar. Nao tem, « priori, nenhum limite para a Ver Joseph Vogl. op. cit, pp. 166 eseguintes. id, p83 ep. 376 Ver Roland Gori e Marie José Del Volgo, Esilés de inte. La médecine ct a payehlatrie cu service du nouvel ordre conor Deno 2008. Ver, deste ponto de vista, Francesco Masci, LOrdrerigne a Berlin, El tions Alia, Paris, 2013 modificacéo da sua estrutura biologica ¢ genética”, Distingue-se, em varios aspectos, do sujeito tragico ealie: nado da primeira industrializacdo. Em primeiro lugar, é um individuo aprisionado no seu desejo. A sua felicida- de depende quase inteiramente da capacidade de recons truir publicamente a sua vida intima e de oferecé-la num mercado como um produto de troca. Sujeito neuroeco- némico absorvido pela dupla inquietacdo exclusiva da sua animalidade (a reprodugio biolégica da sua vida) e da sua coisificacdo (usufruir dos bens deste mundo), este coisa, homem-méquina, homem-cédigo e homer procura antes de mais regular a sua conduta em fungio de normas do mercado, sem hesitar em se auto-instru- mentalizar e instrumentalizar outros para optimizar a sua quota-parte de felicidade. Condenado a aprendiza- gem para toda a vida, a flexibilidade, ao reino do curto prazo, abraca a sua condicao de sujeito soltivel e descar- tavel para responder a injungao que lhe é constantemen- te feita — tornar-se outro, Actesce a isso o facto de o neoliberalismo representar a época na qual capitalismo e animismo, durante muito tempo obrigados a manter-se afastados, tendem final- mente a fundir-se. Passando doravante 0 ciclo do capital a ir da imagem para a imagem, a imagem tornou-se um factor de aceleracao das energias instintivas. Da poten- cial fusdo do capitalismo e do animismo resultam algu- mas consequéncias determinantes para a nossa futura compreensao da raca e do racismo. Desde logo, os riscos sistematicos aos quais os escravos negros foram expostos Ver Pierre Dardot e Christian Laval, La Nouvelle Ralson du monde. Esai surlasocéténéolibérale, La Découvert, Pais, 2009, Ver também Roland Goris. dspositif de éifcation de Phumain conversa com Philippe Schepens), Semen Remue de sémio-lnguitgue des textes et dzcours, n° 30 2012,9p. 5776 durante o primeiro capitalismo constituem agora, se nao a norma, pelo menos 0 quinhio de todas as humanida- des subalternas. Depois, a tendencial universalizagio da condicio negra é simulténea com a instauracio de priti- cas imperiais inéditas que devem tanto as légicas esclava- gistas de captura e de predacio como as légicas coloniais de ocupagio e exploragao, ou seja, as guerras civis ou razzias de épocas anteriores'®. As guerras de ocupagao € as guerras anti-insurreccionais visam nao apenas captu- xar e liquidar o inimigo, mas também levar adiante uma distribuicéo do tempo e uma atomizagao do espaco. Uma parte do trabalho consiste agora em transformar o real em ficgio ea ficcao em real; a mobilizagao militar aérea, a destruigio de infra-estruturas, os golpes e feridas sio acompanhadas por uma mobilizacio total através das imagens’. Elas fazem agora parte de dispositivos de uma violéncia que se desejava pura. Alias, captura, predacdo, exploragdo e guerras assimé- tricas seguem lado a lado coma rebalcanizagao do mundo ea intensificacdo de praticas de zonamento — eviden- ciando uma inédita cumplicidade da economia com a biologia. Em termos concretos, tal cumplicidade traduz- se na militarizacdo das fronteiras, na fragmentacdo de territ6rios e na sua divisdo, bem como na criagio, no inte- rior dos estados existentes, de espacos mais ou menos auténomos, por vezes subtraidos a todas as formas de ® Ler Frangoise Verges, Homme pridateur-Ceque nous enselgne Tesdlavege surnotre temps, Albin Michel, Paris, 2031. ' Veros traballos de Stephen Graham, Cities under Sieg. The New Milta- ty Urbanis, Verso, Londes 2010; DereGregory «Frema viewtoa kl Drones and late modern war», Theory, Culture & Society, vol. 28, 2°78 20n,, pp. 188-215; Ben Anderton, «Facing the future enemy. US coun: ‘erinsurgency doctrine and the preinsurgents Theor, Culture & Society, vol. 38, 3° 7, 2012, pp. 216-246; e Eyal Weizman, Hollow Land, Israel's Architecture of Occupation, Verso, Londres, 2033 16 soberania nacional, mas operando sob a lei informal de um sem-fim de pequenas jurisdig6es e de grupos arma dos privados, ou sob a tutela de entidades internacionais, com o pretexto de fins humanitérios, ou, simplesmente, de exércitos estrangeiros*°, Estas priticas de zonamento vém, geralmente, acompanhadas por toda uma rede transnacional de repressio: quadriculacdo ideolégica das s, contratacao de mercenarios afectos a luta as guerrilhas locais, formacao de ucomandos de caca>, recurso sistematico a prisdes em massa, tortura ¢ execucées extrajudiciais®. Gracas as priticas de zona- mento, um ¢imperialismo da desorganizacao» manufac tura desastres e multiplica um pouco por todo o lado as condigdes de excepeao, alimentando-se da anarquia. A custa de contratos de reconstrugao e sob o pretexto de combater a inseguranca e a desordiem, empresas estran- geiras, grandes poténcias e classes dominantes autécto- nes arrecadam as riquezas e as minas dos paises assim avassalados. Transferéncias macicas de fortunas para interesses privados, desapossamento de uma parte cres- cente das riquezas que lutas anteriores tinham arrancado ao capital, pagamento indefinido de divida acumulada, % Alain Badiou, eLa Grace, les nouvelles pratiques impériales et la xbinvention dela politiques, Lies, Outubro 2083, pp.39°47.Ner ainda, Achille Mberabe, «Necropoliticss, Publie Culture, ol 15,1, 2003 Naomi Klein, La Stratégie du choc La montée d'un capitalisme du déastre, ‘Actes Sud, Ares, 2008 (2007]; Ad Ophir, Michal Givoni, Sati Hanafi (Gir). The Power efInclusive clusion. Anatomy of Israel Rule in the Osu pied Palestinian Tertories,Zone Books, Nova lorque, 2005; Eyal Weir David H. Ucko, The New Counterinsurgeney Era. Transforming the US Military for Modere Wars, Georgetown University Dress, Washington, DC 2009; Jeremy Scahill, Blackwater. The Rise ofthe World’ Most Powerful ‘Mereenary Army, Nation Book, Nova Torque, 2007; Job A. Na, Le at Soup wth a Knife Counterinsurgency Lessons from Malaya and Chicago University Press, Chicago, 2009; Grégoire Chamayon, Théorie du drone, La Fabrique, Pats, 2013, a violencia do capital afligem agora, inclusive, a propria Europa, onde vem surgindo uma nova classe de homens e de mulheres estruturalmente endividados** Mais caracteristica ainda da potencial fuséo do capita lismo e do animismo é a possibilidade, muito distinta, de transformacéo dos seres humanos em coisas animadas, em dados digitais e em cédigos. Pela primeira vez na his. toria humana, o nome Negro deixa de remeter unica mente para a condicao atribufda aos genes de origem africana durante o primeiro capitalismo (predacbes de toda a espécie, desapossamento da autodeterminacio e, sobretudo, das duas matrizes do possivel, que so o fut ro € 0 tempo).A este novo caracter descartivel e solivel, sua institucionalizagéo enquanto padrao de vida ¢ sua generalizacio a0 mundo inteiro, chamamos o devir- -negro do mundo. A RAGA NO FUTURO Sendo o Negro e a raca duas figuras centrais (ainda que negadas) do discurso euro-americano acerca do chomem», sera possivel pensar que a desclassificacao da Europa ea sua consequente inscri¢ao na categoria de simples pro: vincia do mundo determinara a extincio do racismo? (Ou deveremos pensar que, se a Humanidade se tornar fungivel,o racismo vai reconfigurar-se nos intersticios de uma nova linguagem — assoreada, molecular ¢ fragmen tada — acerca da cespécie»? Se colocarmos a questao nes- tes termos, nao corremos o risco de esquecer que o Negro ea raca nunca foram elementos congelados (capitulo 1 2% Maurisio Lazzarato, La Febrigue de Phomme endeté, Amesterdao, Pars, Pelo contrério, sempre fizeram parte de um encadeamen- to de coisas, elas préprias nunca acabadas. Aliés, 0 seu significado fundamental foi sempre existencial.O nome ‘Negro em particular libertou, durante muito tempo, uma extraordinéria energia, ora como veiculo de instintos inferiores e de forcas cadticas, ora como signo luminoso da possibilidade de redencdo do mundo e da vida num dia de transfiguracao (capitulos 2 e 5). Além de designar uma realidade heteréclita e miltipla, fragmentada — em fragmentos de fragmentos sempre novos —, este nome assinalava uma série de experiencias histéricas desola doras,a realidade de uma vida vazia; 0 assombramento, para milhdes de pessoas apanhadas nas redes da domi nacio de raca, de verem funcionar os seus corpos e pen- samentos a partir de fora, e de terem sido transformadas emespectadores de qualquer coisa que era ¢ nfo eraa sua propria vida’ (capitulos 3 € 4). Enio é tudo. Produto de uma maquina social e técnica indissocidvel do capitalismo, da sua emergéncia e globa- lizagio, este nome foi inventado para significar exclusio, embrutecimento e degradacio, ou seja, um limite sempre conjurado e abominado. Humilhado e profundamente desonrado, o Negro é,na ordem da modemidade, 0 tinico de todos os humanos cuja carne foi transform: coisa, e 0 espirito, em mercadoria — a cripta viva do capi tal. Mas — e esta é a sua manifesta dualidade —, numa reviravolta espectacular, tornou-se o simbolo de um desejo consciente de vida, forca pujante, flutuante e plis: tica, plenamente engajada no acto de criacao e até de viver em varios tempos e varias historias ao mesmo tempo. A sua capacidade de enfeiticar e, até, de alucinar multipli- cou-se. Algumas pessoas niio hesitariam em reconhecer ® Didier Anzieu, Le Mot Pecu, Dunod, Paris, 1995, -31 9

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