Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
A flexibilidade operacional
das térmicas e os
reservatórios virtuais
marco tavares RAFAEL KELMAN
Sócio da Gas Energy Assessoria Empresarial Sócio da PSR Consultoria
Demanda e oferta flexíveis são opções naturais para a melhor utilização da infra-
estrutura de eletricidade e gás e da redução do custo da energia térmica. Trata-se
desde permitir-se às termoelétricas e distribuidoras a venda de contratos flexíveis
de gás para as indústrias, ao armazenamento de GNL em períodos de excesso de
produção, bem como a gestão cuidadosa dos estoques através de reservatórios virtuais.
40 CUSTO BRASIL
Energia
CUSTO BRASIL 41
Energia
42 CUSTO BRASIL
Energia
de gás (há uma janela com despacho cidade poderia ser indiretamente utilizada tivo. Neste caso, teoricamente, o mer-
térmico ocorrendo em 7 de 10 meses), para armazenar o gás natural na forma cado secundário do GNL flexível seria o
retira-se do reservatório parte das ne- de energia hidráulica. Chamaremos este próprio mercado internacional de GNL
cessidades, pois o consumo nestes mo- armazenamento indireto de “armazena- que pode absorver a carga contratada
mentos é maior que a produção. mento virtual”, que, como veremos, seria aqui e não utilizada pela disponibilidade
Nos Estados Unidos, parte do gás a contrapartida do setor elétrico para secundária de energia hídrica.
natural é suprida por unidades de armaze- oferecer maior flexibilidade ao suprimento Entretanto, embora o GNL possa
namento, principalmente nos meses onde de gás natural ao sistema. propiciar a flexibilidade no suprimento
há necessidade de calefação (de novembro de gás às térmicas, uma característica
a março). O gás é armazenado sob duas GNL e o armazenamento virtual importante é que seu preço depende for-
formas básicas: em tanques artificiais do gás natural temente da antecedência do pedido. Por
– na forma de gás natural liquefeito (GNL) A entrada do gás natural liquefeito exemplo, uma encomenda de GNL feita
ou em ambientes naturais subterrâneos, (GNL) ofertado de forma flexível, pre- com um ano de antecedência poderia
como poços de exploração de gás deplecio- vista para meados de 2009, é vista com ter um preço fixo, pois o vendedor teria
nados, cavernas de sal ou rocha, ex-minas interesse pelo setor elétrico por duas a possibilidade de contratar os hedges
e aqüíferos. Cabe ressaltar que a capaci- razões: 1) os “navios” com entrega de mais adequados contra as oscilações
dade de armazenamento subterrânea é GNL podem ser contratados conforme de preços internacionais. Já uma enco-
muito superior à dos tanques. as necessidades de consumo, e têm, por- menda de GNL feita com três semanas
A cada ano, entre abril e novembro, tanto, o potencial de flexibilizar o supri- de antecedência possivelmente teria um
o gás (excedente) é injetado nos mais de mento de gás natural das termelétricas; preço variável, associado ao custo de
400 “reservatórios” de armazenamento, a e 2) as termelétricas podem ser locali- oportunidade do deslocamento deste gás
maioria localizada na parte leste do país, zadas relativamente perto dos principais em relação ao seu mercado de destino
em regiões perto dos mercados consumi- portos de entrega do GNL, evitando as- (por exemplo, Henry Hub), acrescido de
dores. A capacidade de armazenamento sim investimentos em gasodutos. Desta uma “taxa de urgência”.
total dos EUA é de 88 bilhões de metros forma, o custo final desta energia para Esta antecedência na encomenda
cúbicos, ou 13% do consumo anual. Este o consumidor pode se tornar mais atra- de GNL, desejável para reduzir o custo
volume de gás contém suficiente energia
para suprir toda a demanda de energia
elétrica do Brasil durante um ano, ad-
gráfico 2
mitindo que seja utilizado por térmicas
operando em ciclo combinado.
O armazenamento de gás serve a Simulação da evolução do gás natural estocado num reservatório
vários propósitos: suprimento contínuo supondo uma produção constante de 150 unidades
de gás natural aos consumidores, estabi-
lização da oferta e do fluxo de caixa dos
produtores mantendo o volume de produ-
ção no verão dos EUA (quando o consumo
é menor) e eliminando racionamentos no
inverno e economizando investimentos
em infra-estrutura de transporte (ga-
sodutos) que seriam necessários para
atender a demanda de ponta.
No Brasil não há unidades de arma-
zenamento de gás natural, sejam naturais
ou artificiais. Entretanto, como se sabe,
existe uma enorme capacidade de ar-
mazenamento de energia por meio dos
reservatórios das usinas hidrelétricas.
Investigaremos a seguir como esta capa-
CUSTO BRASIL 43
Energia
de suprimento de gás das térmicas, é de aos 2 mil MW médios pré-gerados) redução de seu custo.
incompatível com a regulamentação é creditada à térmica como uma opção O armazenamento virtual também
atual da operação do sistema, onde o de energia (“call option”) que pode ser dará um incentivo importante para o
ONS tem a prerrogativa de acionar as exercida a qualquer momento. melhor uso da infra-estrutura atual de
mesmas sem aviso prévio. À primeira (5) Finalmente, suponha que algum produção e logística de gás. Por exem-
vista, a única maneira de conciliar este tempo depois o ONS anuncia que pre- plo, se o consumo de gás de uma distri-
conflito entre antecedência na encomen- tende despachar 48 mil MW médios de buidora diminui no fim de semana, ela
da do combustível e incerteza quanto ao energia hidrelétrica e 2 mil MW médios pode aproveitar a “folga” de produção e
momento de despacho da térmica seria de térmica. Como mencionado, a térmica transporte para oferecer o combustível
a construção de reservatórios físicos de pode decidir gerar fisicamente (se, por a preços reduzidos para as usinas térmi-
armazenamento de GNL. Porém, o custo coincidência, um novo “carregamento” cas, que o armazenariam como energia
destes reservatórios pode ser muito de GNL tiver recém-chegado) ou exercer nos reservatórios das hidrelétricas.
elevado, de maneira a permitir que sufi- a opção de usar a energia armazenada. Finalmente, seria também possível
ciente gás seja armazenado para abaste- Neste caso, a térmica faz o procedimen- aproveitar os períodos conjunturais de
cer o período de operação das térmicas, to inverso do item (2): notifica ao ONS redução de preços de GNL nos mercados
que pode ser de alguns meses. que vai utilizar sua energia armazenada, internacionais para comprar e “esto-
É neste ponto que surge o conceito de e o ONS reprograma a geração das hi- car” o gás. Este esquema é análogo às
um reservatório virtual: ao invés de arma- drelétricas para 50 mil MW médios. ofertas de tarifas reduzidas de hotéis e
zenar o gás em um reservatório físico, para É interessante observar que já existe aviões para fins de semana em diversas
posteriormente gerar a energia elétrica, no setor elétrico brasileiro um reserva- cidades do Brasil, como São Paulo.
a idéia é pré-gerar esta energia elétrica tório virtual em operação. No chamado
tão logo cheguem as cargas previamente Acordo de Recomposição de Lastro, a Otimização das encomendas de GNL
programadas de GNL e armazenar esta Petrobras gera energia nas térmicas Ainda no contexto do suprimento a
energia sob a forma de água nas usinas da Região Sudeste e a armazena como partir do GNL, um problema de decisão
hidroelétricas do sistema como créditos créditos de energia no reservatório importante consiste em determinar a
de energia para as térmicas. Os passos a de Sobradinho, na Região Nordeste. O programação do envio dos navios me-
seguir descrevem uma versão simplificada esquema descrito neste artigo é uma taneiros que trazem o gás natural lique-
do esquema de reservatório virtual: extensão deste conceito para todas as feito em cada ano, de forma a atender a
(1) Suponha que acabou de chegar térmicas, todas as hidroelétricas e com demanda de gás e minimizar o custo de
um navio de GNL suficiente para abaste- flexibilidades adicionais. Mais recente- compra do insumo. Como discutido an-
cer 2 mil MW médios de geração térmica mente, a Aneel abriu a possibilidade de teriormente, este problema é complexo
por uma semana. Suponha também que uso deste conceito na Resolução Norma- devido à característica do consumo
o ONS anunciou que pretende despachar tiva No 237/2006. de gás natural pelo setor elétrico, que
50 mil MW médios de hidrelétricas na Naturalmente, o procedimento a depende do despacho feito pelo Ope-
próxima semana. ser implementado envolve aspectos rador Nacional do Sistema (ONS). Este
(2) A termelétrica notifica o ONS que mais complexos e não abordados neste despacho é incerto, na medida em que
pretende pré-gerar 2 mil MW médios; o artigo, como restrições de transmissão, depende da hidrologia, das condições
ONS reprograma a geração das hidre- gerência do armazenamento das diver- de suprimento (equilíbrio entre oferta e
létricas para 48 mil MW médios, para sas usinas hidroelétricas, compatibili- demanda), sendo pouco previsível con-
acomodar a pré-geração da térmica. dade com o mecanismo de realocação forme nos distanciamos das condições
(3) O ONS contabiliza o esvazia- de energia, entre outros. Porém, em atuais. Na retranca anterior mostrou-se
mento dos reservatórios como se as resumo, a utilização do armazenamento que o esquema de reservatórios virtuais
hidrelétricas tivessem gerado os 50 virtual permite, através de uma opera- poderia conciliar esta dicotomia.
mil programados. Em outras palavras, ção de swap, acomodar a necessidade O grande risco para o produtor térmi-
o volume físico de água armazenado de encomendar com antecedência o GNL co neste arranjo é o vertimento de água do
nos reservatórios será maior do que o sem afetar a política ótima de operação reservatório físico: neste caso, a energia
volume contábil armazenado. do sistema, propiciando assim a entrada hidrelétrica “contábil” será vertida antes
(4) A diferença entre o armazena- do suprimento de gás flexível e a possi- da energia “física”. Portanto, é necessária
mento físico e o contábil (que correspon- bilidade de elaborar estratégias para a uma gestão cuidadosa dos “estoques” de
44 CUSTO BRASIL
Energia
Colaboraram: Douglas Abreu, sócio da Gas Energy Assessoria Empresarial; e Mario Veiga Pereira e Luiz Augusto Barroso, sócios da PSR Consultoria
CUSTO BRASIL 45