Sunteți pe pagina 1din 13
Bernardo Kucinski A sindrome da antena parabolica Etica no jornalismo brasileiro I*reimpressio EDITORA FUNDAGAO PERSEU ABRAMO, Midia da excluséo Notas sobre a natureza do espaco ptiblico e dos meios de comunicagao de massa numa sociedade polarizada e de economia dependente, e sobre o papel de cada meio de comunicagio no processo de producao do consenso e na defini¢&o da agenda de discussées. Este texto incorpora algumas colocag6es do artigo “Imprensa e democracia”, publicado em Universidade e Sociedade, n® 15, ano VII, de fevereiro de 1998. Bernarde Kucinski s meios de comunicagao de massa substitufram as pragas puibli- cas na defini¢do do espago coletivo da politica no mundo con- tempordneo, mesmo em pases como 0 Brasil, nos quais ainda ocupam as ruas importantes movimentos sociais e de protesto. Devido ao grau ainda elevado de analfabetismo e ao baixo poder aquisitivo-da maioria da populagiio, a percepgiio popular da politica e da sociedade provém principalmente dos meios eletrénicos de comunicagiio, 0 radio €a-LV, e em menor escala, da leitura de jornais e revistas, os poucos objetos de leitura popular regular. Este ensaio prospectivo tenta examinar a especificidade do espaco ptiblico configurado pelos meios de comunicagao de massa no Brasil, como caso exemplar de uma sociedade elitistae de economia dependente. Exa- mina-se o papel de cada um desses meios na formatagzio desse espago, na criagdo do consenso e na defini¢io da agenda nacional de discusses, com- parando-se com 0 que ocorre nas democracias liberais dos patses centrais As principais conclusées sao: — A estrutura de propriedade das empresas jornalisticas no Brasil re- produz com grande fidelidade a configuragao oli garquica da proprieda- de da terra; na gestio dos jornais predominam as préticas hedonisticas e de favoritismo tfpicas da cultura de mando da grande propriedade rural familiar. Enquanto na maioria das democracias libers um grau substancial de pluralismo ideolégico na imprensa escrita, no Brasil os jornais, propriedade dessa oligarquia, compartilham uma ideo- logia.comum, variando apen is avangadas ha em detalhes nao significativos. Por seu carater documental os jornais sao as bases de partida dos processos de definigao da agenda de discussées ¢ de produgdo.do consenso. — ATV € hegem@nica na formatagiio do espago ptiblico e dominada por uma empresa com forte vecago monopolistica. Enquanto na maio- ria das democracias liberais avangadas a audiéncia de TV & repartida entre diversas redes, ¢ suas programagies tém de se aterao principio da neutralidade politico-partidaria, no Brasil uma rede apenas, sob 0 co- mando da TV Globo, domina a audiéncia ¢ promove os candidatos de prefer€ncia das elites desde as cleigdes para governadores em 1982 (as primeiras apés o fim do regime militar) até as trés campanhas presidenciais, de 1989, 1994 e 1998. Essa rede tornou-se um centro das articulagSes politicas das elites dominantes e de definigéio dos destinos do pais — uma instituinte de hist6ria. 16 Midia da exclusao O radio € 0 mais democratico meio de comunicagdo de massa no il, o mais diversificado e heterogéneo. Mas a distribuigio de sua iedade tem papel decisivo na manutengaio do clientelismo politico ¢ dos currais eleitorais em cidades médias e pequenas. Enquanto nas democracias liberais avangadas as concessdes de radio obedecem a crité- tios formais e suas programagoes também tém de se ater ao principio da neutralidade politico-partidéria, no Brasil as licengas de radio foram con- eedidas por critérios de favoritismo, ou como moeda de barganha politica pelo presidente ou pelo ministro das ComunicagGes. As emissoras de ré- dio tornaram-se assim mAquinas eleitorais de politicos conservadores. — As revistas semanais de informagao preenchem no Brasil uma ne- cessidade importante de leitura, devido 4 sua longevidade e alcance nacional, especialmente entre as classes médias, que ndo compram jor- nais didrios. Ao contrario dos jornais, possuem um universo grande e préprio de leitores distinto do universo dos protagonistas das noticias e mantém com esse ptiblico fortes lagos de lealdade. Nas fungdes de determinagao da agenda e produgio do consenso atuam como usinas de uma ideologia atribufda as classes médias, inclusive no reforgo de seus preconceitos. A lealdade as classes médias fez dessas revistas as condutoras da campanha contra 0 presidente Collor de Mello, que con- fiscara suas poupangas'. — Aesfera ptiblica burguesa desempenha um papel secundario como es- pago de esclarecimento e debate e como meio de informagao para tomada de decisdes das elites empresariais. Enquanto nas democracias liberais é principalmente por meio da midia que os protagonistas sociais informam- see debatem suas idéias, no Brasil a midia desempenha papel mais ideold- gico do que informativo, mais voltado a disseminagZo de um consenso- previamente acordado entre as elites em espagos reservados, e, em menor escala, d difusdo de proposigdes de grupos de press&io empresariais. Essa fungiio de controle é facilitada pelo monopélio da propriedade pelas elites € por uma cultura jornalistica autoritaria e acritica. — A atuagiio do jornalista no Brasil é constrangida por um modo auto- ritario de controle da sua produgao, falta de garantias a liberdade de expressao jornalistica e dimensGes resiritas do mercado de-trabalho. Enquanto nas democracias liberais a busca objetiva da informacao eda 1. Ver a respeito.o artigo "Uma ruptura no padrao complacente”, na p. 169. 17 Bernardo Kucinski verdade a servigo do interesse ptiblico se constitui na ideologia justifi- cadora da atividade jornalistica, no Brasil predominam entre os jorna- listas a autocensura, a descrenga na democracia e uma visao instrumen- talizadora do que seja 0 interesse puiblico. O principio da exclusao O Brasil saltou quase diretamente da condigo de sociedade escravista de cultura oral para uma sociedade pés-moderma também oral, de rédio.e Tv, E por intermédio da TV que as classes B, C, De E perce- bem os assuntos atuais, adquirem novos habitos e desenvolvem uma linguagem comum. Quase todas as residéncias possuem um aparelho de TV e mais de um aparelho de radio. Sob o regime autoritério (1964- 79), amidia foiacess6ria-nas tarefas.de controle social, exercidas prin- cipalmente pela repressao fisica, silenciamento de vozes dissidentes e expurgo de liderangas populares. Sob a democracia, dada a ilegitimida- de das formas coercitivas de controle, a repressao tornou-se instramen- to secundario de controle e a midia passou a ser procurada pelas elites dominantes como o meio principal de controle social. Tentar o controle social por meio da midia numa sociedade demo- cratica € uma proposicao contraditéria em si mesma, pois a natureza intrinsecamente informativa dos meios de comunicagio limita 0 alcan- ce da manipulacao. No Brasil isso foi possfvel em algum grau devido, entre outras razOes, a condig6es culturais, econ6micas e sociais molda- das por 400 anos de um sistema colonial-escravista. Predominam no homem comum estratégias de defesa e de sobrevivéncia baseadas na dissimulagao e redugio de riscos, tais como a subserviéncia, a omissio, a nao-explicitagao de opinides politicas, a auséncia de auto-estima e, especificamente entre jomnalistas, a autocensura c a rentincia 4 autono- mia intelectual em troca de um maior conforto funcional, Na reparticao das rendas nacionais, predomina uma aguda polari- zacdo que divide a populagao em uma grande massa de pobres, de um lado, eem uma minoriade muito ricos, de outro. Apesarde nao cultivar 0 6cio como valor, nossa cultura desvaloriza o trabalho fisico, associa- do & condigo de ser escravo ou de ser muito pobre. Na organizagao politica, o Estado predomina sobre a sociedade civil “nao-civilizada” (Fernanves, 1998). Em toda a América Latina foi o Estado que instituiua 18 Midia da exclusao “sociedade, e nao 0 contrério, Um Estado monopolizado pela elite de ‘exportadores, proprictdrios de terra, banquciros e grupos de pressao de fragdes da burguesia mais bem articulados, como um patrim6nio de elasse, empregado para assegurar a expropriagao continuada do valor do trabalho das classes subalternas ¢ assegurar 0 acesso a subsidios e favores fiscais. O republicanismo no Brasil veio importado por jovens herdeiros dos grandes proprietarios como a tiltima onda européia, um modismo: desprovido de raizes sociais ou culturais, exibido por breves momentos como ornamento de uma elite moldada pela mentalidade do dono de escravos. A auséncia de uma classe significativa de assalariados limi- tou o Ambito da esfera publica e a imprensa apenas chegou ao pais em 1808 (Viera, 1984 e 1988). A exclusao, e nao a aquisigao da cidadan ia, tem sido 0 processo dominante de formagao politica na América Lati- na. A imposigao do consenso previamente acordado pelas elites tem. sido a formula recorrente de acomodagao das grandes divergéncias po- Ifticas e de travessia dos momentos de transigao. A nao-sujeigao ao consenso é considerada subversiva ¢ ilegitima. ‘A economia € viciada, dependente dos mercados externos, uma situagio de subordinagao objetiva, tanto econdmica como ideolégica, aos centros de acumulagao do capital (Carposo e FaLetro, 1970). 0 mercado doméstico é tratado como um problema, nao como um patri- mé6nio, os sal4rios so vistos como custos e nao. como renda. O proble- ma econ6mico central do Estado consiste em garantir os fluxos de pa- gamentos entre a economia nacional e a internacional, e naio-em melho- rar a renda, 0 emprego ou o bem-estar da populagao. Enquanto nas economias centrais a midia dissemina informagao essencial ao proces- so de criagdo de expectativas racionais dos agentes econémicos, base do seu processo decisério, nas economias dependentes o que interessa a oligarquia € 0 acesso privilegiado ao aparelho de Estado e o poder de corromper, valendo-se da midia apenas como balizadora genérica do ambiente politico e de negécios. O Estado responde a press6es cliente- listas ou se move por uma ideologia de verdades autoproclamadas, tais como 0 neoliberalismo, que funcionam como um substituto do conhe- cimento e da discussao racional num espago piiblico. A elite dominan- te, acomodada com o imperialismo, carece de um projeto nacional no sentido propositivo, e governa por default (Munck, 1989; LEFF, 1968). 19 Bernardo Kucinski A exclusio politica extrema, praticada pelo regime militar com 0 apoio das classes proprietarias (Dretruss, 1981), reforgou nossa cultura j4 autorit4ria por um processo de resiliéncia. Deixou de ser oficial a Doutrina de Seguranga Nacional, que considerava 0 povo como o peri- goso “inimigo interno”, mas subsiste o entendimento entre as elites de que 0 povo é uma ameaga permanente. O principio da exclusao explica a preferéncia do regime militar brasileiro pela desmobilizagio ea indi- ferenga das massas, ao contrario do fascismo, que as mobilizou (O’Donnet, 1979 e 1988). Jd suas taticas de autodescaracterizacio, man- tendo eleigdes de fachada e nunea assumindo a proposta formal de dita- dura, mostra que a dissimulacao sobe das classes subalternas e torna-se uma cultura também do Estado e das elites dirigentes. A imprensa burguesa, uma das articuladoras do golpe militar de 1964, apoiou as politicas econdmicas do novo regime e foi complacen- te para com as violagdes de direitos humanos, inclusive seu direito de informar. Jornalistas exerceram regularmente a autocensura, enquan- to seus empregadores designavam funciondrios de ligagao com as au- atritos e toridades repressoras, para reduzir ao minimo os inevitav: evitar a imposigaio da censura formal e material, que obstrui e encare- ce 0 processo produtivo dos meios de comunicagao?. Dissimulagao € estratégias de defesa parecem reger todas as relagGes sociais. As emissdes de radio ¢ TV eram sistematicamente monitoradas, mas sem que houvesse necessidade de censurar, pois se acomodavam aos dita- mes do regime. Houve apenas meia dtizia de punigdes por programag consideradas adversas, durante os 15 anos de regime militar. Apenas al- guns jornais alternativos romperam com a cultura de acomodagiio, sendo por isso submetidos a censura prévia intensa durante longos perfodos. O regime militar implantou a vasta infra-estrutura de telecomuni- cagGes que possibilitou A TV Globo consolidar seu império de midia num territério de tamanho continental. Na sua retirada, deixou a Rede Globo como a nova fortaleza do poder; deixou nos meios de comunica- Go de massa uma cultura de complacéncia e no éthos do jornalista 0 trago da autocensura. Todos esses fatores desempenhariam papel impor- tante durante 0 periodo critico em que se definiu 0 carater da transigao politica, concebida pelas elites dirigentes para ser lenta, gradual e segu- 2. Ver a respeito 0 artigo “A sindrome da antena parabdlica’, p. 49. 20 Midia da exclusao ra, ou seja, excludente. Assim, foram neutralizados os movimentos de abertura oriundos de baixo para cima e superados momentos criticos do processo, Como na campanha das Diretas J4, em 1984, impondo-se em cada fase critica 0 consenso das elites. O processo de producio do consenso E not4vel a auséncia de pluralismo na cobertura, pela midia bra- sileira, de assuntos considerados estratégicos pelas elites dominantes, em contraste com o comportamento da midia norte-americana em questdes semelhantes, ou com seu préprio comportamento na cober- tura do cotidiano. Prevalece nessas questdes uma légica totalitaria pela qual o governo nao pode errar porque o caminho que escolheu, por definigdo, é 0 Gnico possivel. Estarfamos, no que toca aos temas tidos pelas elites como estratégi- cos, perante um exemplo extremo do processo mais geral de “construgao do consenso”, descrito pelo lingiiista Noam Chomsky (1989) ao analisara mfdia norte-americana? Ou se trata de algo de outra natureza? Na democracia norte-americana 0 processo de construgio do con- senso sé obtém éxito completo em momentos excepcionais, quase sem- pre restritos a politica externa — como na Guerra do Golfo, quando 0 valor patriotismo subjuga todos os demais valores da cultura america- na. Mesmo assim, fracassou no caso da Guerra do Vietna. No Brasil, a produciio do consenso parece ser antes um processo politico que se realiza primeiro na esfera do poder, ¢ s5 depois busca a esfera ptiblica como processo medidtico. Dessa iristancia superior, 0 consenso € im- posto A midia ¢ parece determinar 0 préprio padrao da cobertura jornalfstica. Por isso, mostra-se ainda mais agressivo nos momentos decisivos da politica doméstica e naqueles em que os privilégios das oligarquias estdo em jogo, como € 0 caso dos conflitos de terra e da reforma agrdria. Nas campanhas presidenciais, a mfdia assume aberta- mente a candidatura do sistema. Nesse ¢ em outros momentos de ameaga de ruptura, o consenso é produzido extemamente & midia e a ela imposto como parte de uma decisiio de estado-muior das classes proprietarias. Nos Estados Unidos, esse processo é exercido por meio de um sistema sutil, quase imperceptivel, nunca admitido. A originalidade das teses de Chomsky est exatamente em mostrar que, por tras de uma ideologia de 21 Bernardo Kucinski imparcialidade, a midia americana se comporta de modo assimétrico, devido Aexisténcia desses mecanismos invisiveis que ele chama de “filtros”. No Brasil, a ditadura do consenso-é impesta-de modo grosseiro, por editores autoritarios, subservientes aos donos de jornais, “pequenos ditadores que trabalham nos desvaos do poder”, para usar uma expressiio de Alberto Dines (“Cem anos de J'Accuse”. Folha de S. Paulo, 30/01/98). Tanto nos Estados Unidos como no Brasil, € nas questdes que as classes dominantes consideram estratégicas que se vai operar o proces- so de tentativa de construgao do consenso. Alguns mecanismos tam- bém so semelhantes. A dependéncia das fontes oficiais, por exemplo, €um dos filtros mais importantes do processo de construgao do consen- so nos Estados Unidos, conforme Chomsky, e também no Brasil. Mas hé diferengas significativas na intensidade, natureza e freqiiéncia dos mecanismos de filtragem, assim como no éthos e na ideologia dos jor- nalistas. A promiscuidade com os lobbies dos grupos de pressao e entre jornalistas e assessores de imprensa é fendmeno central na midia brasi- leira, mas marginal na midia norte-americana. Nos Estados Unidos, os filtros que Chomsky define sao, em sua maioria, sist¢micos: 0 poder da publicidade, o poder do capital, a ideo- logia da free enterprise. No Brasil, parecem prevalecer mecanismos irregulares e de uso circunstancial: demissdes ¢ expurgos de jornalistas, presses contra empresas jornalisticas que dependem de favores do Estado, compra de matérias ¢ de jornalistas. E como se 0 processo de produgiio do consenso descrito por Chomsky para a mfdia americana fosse legitimado pela real hegemonia de uma ideologia dominante bur- guesa (por sua vez reforgada por esse mesmo processo), enquanto no Brasil terfamos uma produgio_social do consenso sem rafzes numa hegemonia socialmente construfda. Um consenso sem legitimidade. Precondigdes para a construgaéo do consenso Algumas precondigées sao necess4rias para que a midia chegue atal unanimidade justamente em questes estratégicas, incluindo ques- tes intrinsecamente polémicas, como é a da privatizagao de servigos ptiblicos. Essas condigdes so: — Um alto grau de concentragao da propriedade dos meios de comuni- cagdo, em especial o controle cruzado de tipos diferentes de midia porum 22 Midia da exclusao mesmo grupo. Eo que ocorre no Brasil, pois sete grupos familiares repar- tementre si a posse da maioria esmagadora dos meios de comunicag’io* — Osinergismo entre os varios tipos de midia (radio, teleVisao e midia impressa) no plano operacional, sem 0 que nao haveria o predominio de uma Visao em detrimento das demais. Essa mediagao inframidia foi chamada por Gaye Tuchman (1983), ao se referir aos jornalistas norte- americanos, de “rede de factibilidade”, fendmeno pelo qual jomnalistas apdiam-se- uns nos outros com medo dos riscos da cobertura individua- lizada e para adicionar legitimidade a seus relatos. — Alto grau de promiscuidade entre os jornalistas e 0 establishment, incluindo as fontes oficiais, os lobbies dos grupos de pressio, que hoje caracterizam a cena brasileira, e as assessorias de imprensa ou de rela- ¢Ges ptiblicas das grandes empresa: " A comparagio entre as duas midias —a brasileira e a norte-america- na — € interessante na medida em que nos ajuda a entender algumas das diferengas entre esses dois tipos de democracia. De um lado, uma socieda- de pés-industrial, com interesses externos imperiais, mas socialmente he- terogénea, um caleidoscépio de etnias que convivem ac: indo as diferen- gas, a luta participativa e o conflito democratico; de outro, uma sociedade periférica, dependente e elitista, de matriz cultural autoritaria, que esca- moteia suas diferengas e suprime conflitos e divergéncias. A fungao de agenda O processo mediatico de produgao do consenso tem inicio na de- finic¢do da agenda nacional de discussdes. E mediante a inclusao ou exclusao de itens na agenda, ou dos enfoques adotados, que se inicia a construgio do consenso. O fendmeno foi extensamente estudado pela escola funcionalista norte-americana, com base em detalhados estu- dos de campo (McComas e Saw, 1972). Opera principalmente refor- gando crengas previamente existentes. Um exemplo menor mas tipico desse processo foi a tentativa do governo Fernando Henrique Cardoso, em 1997, de fazer dos esporddicos atos de violéncia dos sem-terra 0 tema central da agenda de discussao. O Movimento dos Trabalhadores * Os sete grupos sao: familia Mesquita (O Estado de S. Paulo); familia Frias (Grupo Folha); familia Sirotsky (RBS); familia Civita (Editora Abril); familia Marinho (Rede Globo); familia Nascimento Britto (Jornal do Brasil e familia Saad (Rede Bandeirantes). 23 Bernardo Kucinski Rurais Sem Terra (MST), por meio de ocupagGes de fazendas, havia conseguido erigir a reforma agraria em tema central da agenda de dis- cussées. O governo tentava desqualificar essa reivindicagao, exploran- do sentimentos latentes contra a violéncia. Em geral, 0 processo de definigdo da agenda se dé em duas etapas. Primeiro, abarca os formadores de opinido, que podem ser tanto inte- lectuais ou jornalistas de prestigio como o barbeiro da esquina, depen- dendo do émbito e da natureza do processo. Numa pequena comuni de, esse formador de opinido pode ser simplesmente 0 farmacéutico da e regido, que interage com muitas pessoas € cujas opinides sao ouvids respeitadas. Num processo mediatico de émbito nacional, os principa formadores de opiniao sao os colunistas de destaque e os comentaris| de televisdo. No Brasil, esses jornalistas, ainda que ocasionalmente cri- ticos a aspectos isolados da politica do governo, apdiam sistematica- mente os objetivos midia, falando nas radios e emissoras de TV, e vendem suas colunas em dezenas de jornais em todas as cidades. stratégicos das elites. Ocupam posigGes centrais na Os jornais na definigao da agenda Por suas raizes oligdrquicas, seu caréter documental, alta quatid: de grafica e circulagao entre as elites e os condutores da midia, cabe aos quatro grandes jornais brasileiros de tematica nacional a inicialiva na_ definigdo da agenda de discussdes: O Globo, Jornal do Brastt- ha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo. Esses jornais sao lidos todas as manhas extensamente pelos condutores de programas de radio, servem de pauta para as ordens de cobertura das equipes de TV e para as grandes revistas semanais; sao recortados pelas assessorias de imprensa dos politi- cose das grandes empresas, para circular entre seus quadros dirigentes. rvigos de jornais, além de comprar as colunas de seus comen- A maioria dos jornais das outras capitais assinam os taristas. E interessante observar que com freqiiéncia, por meio de suas agéncias de notf mais acentuadamente ideolégico, com finalidades de persuasao emani- S, OS quatro grandes disseminam material de cunho explicitas do que ousam fazer em suas préprias paginas. ‘A fungiio de definicdo da agenda nacional ¢ tao dominante hoje na politica editorial dos jornais de temdatica nacional, que as manchetes 24 Midia da exclusao dos quatro grandes e mesmo seus layouts so freqiientemente idénticos, levando ao que se poderia chamar de “mesmice jornalistica”, uma apli- cagao extrema do conceito de “factibilidade’” de Gaye Tuchman. A estrutura do mercado dos jornais brasileiros é a imagem refle- xa da estrutura da propriedade agréria, na qual, em cada macrorregiao, poder e prestigio so disputados por duas familias ja envoltas numa cultura de rivalidades e vendetas. Entre os jornais de influéncia nacio- nal, ha dois jornais rivais em Sao Paulo (Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo) ¢ outros dois igualmente rivais no Rio de Janeiro (Jornal do Brasil © O Globo), cada qual controlade por uma grande familia. Essa configuragiio se reproduz.escala abaixo, na maioria das capitais de estado ¢ cidades médias. Em cada uma delas ha dois jornais principais, rivais, propriedades de grupos econémicos e politicos igualmente rivais. Em 1990/91, havia apenas cerea de 30 jornais didrios economica- mente s6lidos no Brasil, com circulagdo total de menos de 3 milhdes deexemplares. A circulagio tipica era da ordem de 50 mil exemplares Outros 80 didrios em pequenas cidades tinham circulagZo média entre 8.000 e 25.000 exemplares. E um grande ntimero de diarios de circulagao diminuta, da ordem de 1.000 a 8.000 exemplares, dependiam totalmente do favoritismo das autoridades locais (Borin, 1992). Desde ento, os jor- nais do interior se robusteceram um pouco, mas sem alterar esse quadro de modo substancial. E na qualidade da esfera publica das comunidades pequenas e médias que se verifica a grande diferenca entre Brasil e Estados Uni- dos. As comunidades menores sao 0 /ocus da democracia participativa nos Estados Unidos, a arena principal da cidadania, possuindo uma imprensa local viva e vigilante. JA nos pequenos e médios municfpios brasileiros, os jornais sao totalmente dependentes da elite local domi- nante e da maquina do Estado, e mais afastados ainda da ética do jorna- lismo liberal. Um exemplo notavel € Rio Branco, capital do Acre, que possui quatro jornais, que nao somam 8.000 exemplares de circulagao Nenhum tem viabilidade econémica, todos vivem dos favores publicos, cada um representando um chefe politico local. Juntos, os quatro jornais brasileiros de maior tiragem (Folha de S. Paulo, O Dia, O Estado de S. Paulo e O Globo) vendem apenas cerca de 1,5 milhfo de exemplares em dias da semana ¢ 2,5 milhdes aos do- mingos. Os dez grandes didrios, incluindo-se os de insergao mais popular, 25 Bernardo Kucinski como Didrio Popular, de Sao Paulo, e Extra, do Rio de Janeiro, ven- dem em conjunto apenas cerca de 2,5 milhGes de exemplares em dias de semana e 3,7 milhdes aos domingos®. Poucos leitores para o tama- nho da populagio é uma das caracteristicas da imprensa escrita numa sociedade de cultura oral ¢ renda polarizada. A circulagio total dos 400 diarios brasileiros é de apenas 6,9 milhdes de exemplares/dia‘, 0 que coloca 0 Brasil em 1022 lugar em ntimero de exemplares por habitante: 45 exemplares por mil habitantes ou um exemplar para cada 23 habi- tantes®. Na Gr-Bretanha a relagao é de uma c6pia para cada quatro habitantes. Sendo 0 pais gigantesco, contendo mais de 5.500 municipios com prefeitos, vereadorese altos funcionsrios, mais de 5.000 grandes empre- sas, cada uma com dezenas de dirigentes, e milhares de outras grandes instituig6es puiblicas e privadas, pode-se inferir que o grossoda circulagao € tomado por essa elite dirigente. A elite dominante é ao mesmo tempo a fonte, a protagonista ea leitora das noticias; uma circularidade que exclui a massa da populagao da dimensio escrita do espago puiblico definido pelos meios de comunicagiio de massa. Mesmo porque, de cada cinco adultos no Brasil, um é totalmente analfabeto e outro € analfabeto funcio- nal, lendo com dificuldade. O cardter auto-referente da circulagdo dos jor- nais nacionais contribui para o cardter excludente da agenda nacional, em cuja definigdo cles desempenham papel decisivo. Valores e cultura jornalistica Os jornais sao geridos hedonisticamente como _uma grande pro- priedade familiar, na qual o gozo pelo exercicio do poder é tao importante quanto © lucro capitalista. Mantém-se os métodos, valores e mentalida- de dos mandatarios iniciais da colonizagao brasileira. Num sistema ba- seado na lealdade pessoal do jornalista aos proprietarios e no poder discriciondrio desse proprietario, o favoritismo editorial ¢ as preferén- cias familiares prevalecem freqiientemente sobre 0 critério abstrato-do “interesse publico”, ¢ até do interesse de classe: 3.IMPRENSA MIDIA. Sao Paulo, Imprensa Editorial, v.3, n? 45/46, jul/Jago. 1998, Levantamento partir de dados do Instituto Verificador de Circulagao (IVC) publicados na revista. 4. PINHEIRO, Vera. Cresce attiragem dos jormais no pais. Jommal ANY, n 129, ago. 1998. 5 ALMANAQUE ABRIL. Sdo Paulo, Editora Abril, 1998, com dados do Grupo de Midia eda 16500. 26 Midia da exclusao em sua mentalidade e escala de valores que 0 jornalista brasilei- ro mais se distingue de seu colega norte-americano. Nos sistemas jornal sticos, as hierarquias também sao formadas por jornalistas, edi- tores, secretdrios de redagiio, subeditores, de modo que 0 controle so- cial da informagao e os mecanismos de supressio ou filtragem de cor- rentes de opiniao dificilmente podem ser operados sem a cooperagao dos préprios jornalistas. Dai a importincia do éthos e da ideologia do jornalista. Na escala de valores do jornalista anglo-sax6nico, predominam os valores verdade, imparcialidade e objetividade. Isso nao significa que sejam efetivamente fiéis & verdade, e sempre objetivos, mesmo. porque essas categorias sdo discutiveis no processo jornalistico, ne- cessariamente subjetivo. Mas significa que esses valores vao consti- tuira ideologiae o referencial do jornalismo anglo-saxOnico, de modoa tornar ilegitimas prdaticas deliberadas de distorgaio da verdade, omissio e parcialidade. Além de nossa matriz cultural autoritaria, condigGes objetivas, entre as quais a regulamentagdio da profiss4o, que colocou na mesma categoria jornalistas e assessores de imprensa, ea precariedade nas relagoes de tra- balho, contribuiram para a perda da demareagao ética do jornalista brasi- leiro. Dos 15 anos de ditadura, herdamos o habito da autocensura, que ainda determina 0 comportamento e 0 éthos da maioria dos jornalistas, nas quest6es definidas pelas elites dominantes como estratégicas. ditores e A hierarquia nas redagGes é dividida horizontalmente: subeditoresleais aos proprieté cobertura nao viole nem os interesses estratégicos da empresa nem as. idiossincrasias e favoritismos da familia proprictéria, O jornalista co- mum, num mercado saturado por 150 escolas de jornalismo, é arbitra- riamente demitido a qualquer incidente menor e nao tem direitos estatutarios A livre opinido e nem garantia de emprego. Atinge a taxa andmala de 30% ao ano a rotatividade nas redagGes, fazendo das de- missGes um instrumento rotineiro de intimidag4o ou controle social. A s comandam, para assegurar que a assinatura das matérias passa a ser um direito a ser conquistado, me- diante demonstragdes de lealdade & casa e confiabilidade, com pro- fundas implicagdes no éthos do jornalista. Sua personalidade publica s6 se constr6i tardiamente, ¢ nao em todos os casos; ficam prejudicadas suas relag6es com fontes, com o processode aquisigao do conhecimentoe 27 Bernardo Kucinski sua responsabilidade pelo texto final, sobre o qual nao tem controle. Ao invés de um perfil ptiblico cada vez mais robusto, instala-se freqiiente- mente entre jovens jornalistas um processo de alienagao crescente e desligamento em relagao ao texto final. Muitos jornalistas t¢m um segundo emprego no aparelho de Esta- do, o que leva @ promiscuidade e & perda da demarcagao ética do jornalismo liberal de espago ptiblico. No Distrito Federal, um tergo dos jornalistas trabalham em alguma institui¢ao do Estado, simultancamen- te ao trabalho de jornalista para veiculos de espago ptiblico. Em Sao Paulo, um terco dos filiados ao Sindicato dos Jornalistas dedicam-se de fato A assessoria de grandes empresas, agéncias do governo e bancos, diretamente ou por meio de microempresas de assessoria e relagdes ptiblicas. As gerag6es mais velhas de jornalistas, moldadas pela ética do jornalismo liberal que prevaleceu durante os primeiros 20 anos do p6s-guerra, foram em boa parte purgadas das redagdes, especialmente a partir da tiltima grande greve dos jornalistas, em 1979. Além do cidadao Kane Se os jomais determinam a agenda, é barao da Tv, Roberto Marinho, quem, em nome de toda a classe proprietdria, define as es- tratégias nos momentos decisivos e as implanta por meio de seu impé- rio de comunicagées. Além disso, cabe a televisio brasileira, em especial ao sistema Globo, o papel de popularizagao da agenda, Num pais de cultura ainda predominantemente oral, é a TV que massifica a agenda, por meio dos recursos da sincronia, da unificagao da linguagem e da emogio. Para isso servem todos os seus programas e formatos, desde 0 Jornal Nacio- nal até as novelas. O sistema Globo é um dos maiores conglomerados de midia do mundo e a tinica rede com dominio hegemé6nico da audiéncia numa sociedade de grande porte e formalmente democratica. Apenas nos regimes totalitarios existem dominios de audiéncia por uma tinica rede compardveis aos da Globo. Foi sob o regime militar que floresceu 0 império de midia de Roberto Marinho (De Lima, 1988; StaRuBHAAR, 1988; Fox, 1988). Desde entao, ele tem sido leal ao projeto das elites de substituir o mando autoritario por uma modalidade de democracia con- 28 Midia da exclusao trolada, na qual a grande massa de trabalhadores seja espectadora e nao protagonista. Gragas a esse poder oriundo de seus vinculos de origem no sistema militar, e exercido em primeiro lugar sobre os préprios poli- ticos, que dependem decisivamente da rede, o sistema Globo acabou por suceder a hierarquia militar na definigao dos objetivos nacionais, quando 0 regime entrou em crise. Foi nos escritérids de Roberto Marinho e nos esttidios da Globo que se definiram as grandes opgGes estratégicas em momentos cruciais da transigo, entre as quais a derrota (ndo conseguida) de Leonel Brizola na campanha para 0 governo do Rio de Janciro, em 1982, eas derrotas da campanha pelas Diretas Jé e das campanhas de Lula. Foi também nos escritérios de Roberto Marinho que se sacramentou a alianga estratégica PFL-PSDB, concebida para durar pelo menos 12 anos, oito sob Fernando Henrique ¢ mais quatro sob 0 falecido Luis Eduardo Magalhaes. ‘A Globo passou a funcionar come quase-partido, ou como think- tank da burguesia, na definigdo das alternativas. Por isso foi chamada, num famoso documentério britanico, de “além do cidadao Kane”. Roberto Marinho € 0 membro mais poderoso da poderosa elite brasil ra. E ele exercita seu poder sem inibigées. Por isso, o Movimen- to pela Democratizagdio da Midia no Brasil 0 chamou “Inimigo Publico Numero Um". Sua rede de TV tem 107 estagdes, das quais seis de sua propriedade direta. Com ela, atrai entre 50% e 60% da audiéncia nacio- nal, Outras redes tm um numero bem menor de emissoras: Bandeiran- tes (79), Record (68), Manchete (18) e CNT (23). Seus indices de au- diéncia sao também muito menores, variando entre 3% e 8% cada. Va- rios programas de hordrio nobre da TV Globo, inclusive 0 seu Jornal Nacional, tém audiéncia média de 45 pontos* e todos os cinco progra- mas de maior audiéncia da TY brasileira sio da Globo. Nao hd nada que se compare a isso nas democracias liberais. Um poder agravado pela incipiéncia da rede publica de TV no Brasil e sua falta de autonomia em relag&o ao Estado. 6. Brazil: beyond citizen Kane, documentario produzide pela TV inglesa Channel 4, em 1992. 7. Dados levantados pelo autor junto as proprias redes. 8.IMPRENSAMIDIA. op. cit. O siteda Rede Globo informa que a audiéncia da emissora nohorario nobre chega a 74% e que “a partipacao da Globo corespondea 75% dototal de verbas destinadas amidia televisao" 29 Bernardo Kucinski O império da Globo inclui ainda 50 estagGes de radio, o sistema Globosat de TV a cabo, o jornal O Globo, revistas, a e participagdes substanciais em indistrias e bancos. A TV Globo é tam- ora Globo e bém a maior produtora mundial privada de seus proprios programas, sendo por isso chamada pelos estudiosos de “monopélio cruzado”. Fatura anualmente US$ 2,5 bilhdes. A TV Globo vai além da mera distorgao consciente dos fatos — ela tenta instituir a hist6ria, determi- nar o destino da nagao. Para isso, cria continuamente uma realidade impostada e, em varias ocasides, assumiu a vanguarda da arte de fal- sear € até substituir a realidade. Nas eleigdes para governadores de 1982, aTv Globo persistiu na transmissdo de resultados eleitorais adul- terados por um programa de computador especialmente desenvolvido- para roubar votos do candidato nacionalista Leonel Brizola. A verdade s6 apareceu porque o Jornal do Brasil fez uma contagem paralela, as juntas elcitorais. A campanha pelas eleigdes diretas de 1984, 0 maior movimento de massas ocorrido no Brasil desde os anos 60, foi ignorado pela TV Globo até 0 ultimo minuto, quando a avalanche de adesdes do campo liberal-conservador tornou 6 movimento quase irresistivel ¢ acabou por colecé-o sob 0 controle das elites. A distoreao pela Globo da campanha eleitoral de 1989 foi instru- mental em derrotar 0 candidato do Partido dos Trabalhadores, Lula Em 1994, além dos dbvios interesses de classe, a Globo tinha seus préprios temores, pois parte de seu império de concessdes de radio TV, e seus projetos de TV a cabo, ndo tinham base legal s6lida e muitas concessGes caducariam nos anos préximos. A legislagio brasileira, mesmo incompleta, nao permite tal concentragdo de canais numa sé empresa. O programa de governo da Frente Brasil Popular propunha a democratizagao dos meios de comunicagao de massa. Mas continua sendo uma questo aberta até que ponto, com todo esse poder, a TV Globo, ou qualquer rede semelhante, consegue instituir a hist6rianum ambiente formalmente democratico. O presidente Collor, que derrotou Lula com a ajuda da Globo, foi por sua vez destituido do poder porum novo movimento de massas que, dessa vez, nema Globo nem os demais meios de comunicago de massa conseguiram frear. 30 Midia da exclusao Concessées de radio como mocda de troca politica O radio € 0 meio mais democratico ¢ mais pluralista da mfdia brasileira, apesar de ser também o que apresenta alguns dos exemplos mais extremos de ma qualidade editorial, autoritarismo ¢ ma-fé jornalfstica. O radio se caracteriza por seu baixo custo operacional, sua multiplicidade natural, cada emissora operando numa tinica freqiiéncia, € pela extrema segmentagio editorial. Hi emissoras s6 para jovens, s6 para esportes, 6 para miisica, s6 para mulheres. O meio radio nao se presta bem ao debate de temas complexos como “divida externa” ou abstratos como “austeridade monetaria” Presta-se, isso sim, ao debate de temas polémicos ¢ do cotidiano, como aborto, violéncia, educagio, transporte e satide. So temas estratégi- cos para as camadas populares e com grande potencial educativo, por- que a longo prazo podem democratizar a matriz cultural da sociedade, ao instituir o habito da discussao, do esclarecimento e da aceitagdo das divergéncias. As elites dominantes, em sua visao sempre curta, nao con- sideram esses temas como estratégicos, 0 que aumenta ainda mais a liberdade com que sao discutidos. Alguns dos mais sofisticados ¢ mais interativos programas da midia brasileira acontecem no radio. E também no rédio que se ten- ta definir hoje um padrao mais acurado e pluralista de cobertura jornalfstica, por meio de emissoras como a CBN (Central Brasileira de Noticias), paradoxalmente também parte do sistema Globo. Por outro lado, constitufram-se, irregularmente, grandes redes de radio religiosas, que lutam pelas mentes e almas dos crentes e catélicos da usado como ins- Nas pequenas cidades do interior, 0 rédio é trumento de controle politico com a mesma desenvoltura com que a Globo atua em Ambito nacional. Por isso, pouco mais da metade das 3.188 concessées de radio foram outorgadas a politicos conservadores enenhuma foi jamais outorgada a movimentos ou entidades popula- res (STADNIK, 1991) Devido a esse controle de classe das concess' dios comunitarias, que, na luta por algum tipo de regulamentagaio, se tornaram um movimento de desobediéncia civil. Finalmente, consegui- ram uma regulamentagao restritiva que limita sua poténcia a 5 Mw, e seu alcance a apenas alguns quarteirdes de uma grande cidade. Em al- s, nasceram as rd- 31 Bernardo Kucinski guns paises latino-americanos, a radio comunitéria € uma tradicao. O radio tem uma audiéncia de 60 milhGes de aparelhos receptores, ou 2,3 receptores em média por residéncia. Cerca de 80% das residén- cias possuem aparelho de radio (OrtRIwaNo, 1986). Para manter sob controle a transigao politica dos anos 80, 0 poder central voltou a usar intensamente as concessGes de freqiiéncias de radio como moeda de barganha politica. Durante sua presidéncia, o general Joao Figueiredo (1979-85) concedeu 634 freqgiiéncias de radio ¢ de TV a congressistas ou a seus protegidos, para garantir a derrota da emenda Dante de Oli- veira, que restabeleceria eleigées diretas para a presidéncia da Reptibli- ca. Seu sucessor, José Sarney (1985-89) distribuiu mais 1.028 freqtién- cias de radio e TV, das quais 539 acongressistas e seus protegidos, para conseguir a extensao de um ano em seu mandato (STaDNik, 1991). Des~ sa forma, a concessao de freqiiéncias de radio e TV no Brasil foi objeto de barganha politica durante o periodo crucial de transigZo politi para impedir que esta escapasse ao controle das elites. Aos movimentos populares e associativos, que se tornaram prota- gonistas importantes do processo de abertura, foram negados todos os pedidos de concessdes. Nenhum sindicato conseguiu sua freqiiéncia de radio. Mas varias freqiiéncias foram concedidas as Igrejas evangélicas, para contrabalangar mais de uma centena de freqiiéncias — a maioria sublocada — concedidas no passado & Igreja Catélica, antes de sua adesAo a Teologia da Libertagdio. Em conseqiiéncia da maciga distribui- Gao de freqiiéncias a politicos clientelistas, o campo conservador obte- ve uma vantagem permanente no mercado das idéias politicas, espe- cialmente durante os periodos pré-cleitorais. A Federagao dos Jornalistas estimou que 188 dos 548 congressis- tas possufam interesses em estagGes de radio ou de TV, diretamente ou por intermédio de parentes (STADNIK, 1991). O préprio presidente da Comisso de Comunicagio Social do Congresso A epoca, deputado Maluly Neto (PFL-sP), possuia uma estagao de TV e quatro de radio. Mais da metade dos congressistas com interesses em emissoras tem suas bases eleitorais no Nordeste, onde o clientelismo politico ainda desempenha papel importante no processo eleitoral O mais notavel exemplo desse “coronelismo eletrénico” € 0 pré- prio ex-presidente José Sarney, hoje senador (PMDB-AP), que controla, diretamente ou por intermédio de familiares e amigos, 20 das 57 esta- 32 Midia da exclusao Ges de radio e de TV do Maranhao. Seus aliados politicos controlam outras 15 emissoras. Como ainda restam 3.000 municipios sem estagaio de radio e vastas dreas “mudas” na Amaznia, 0 potencial de uso das concessées come moeda de favoritismo pessoal ou barganha politica esta longe de ser encerrado. O presidente Itamar Franco (1992-94) o usou com parciménia, mas nao deixou de dar a amigos mais de uma centena de freqiiéncias. O papel das revistas semanais de informagao No panorama da midia brasileira, as revistas semanais emergem como principais usinas ideolégicas dos conceitos e preconceitos da classe média. Em contraste com a debilidade relativa de nosso mercado jorna- listico, em comparagaio com Estados Unidos e Europa, Veja esta entre as maiores revistas semanais do mundo, Sao trés as condigGes que qua- lificam a importancia dessas revistas na esfera piiblica no Brasil, espe- cialmente a Ifder delas, Veja: a) uma circulagio relativamente alta e de carater nacional — cerca de 1,1 milhiio de exemplares no caso de Veja —, sendo cada exemplar lido, em média, por quatro pessoas; IstoE tem mais 330 mil exemplares de circulagio e Epoca, em poucos meses, ja chegava aos 350 mil exemplares”; b) a durabilidade desse tipo de midia, que depois de lida vai para as salas de estar dos médicos e dentistas, ¢ para as bibliotecas das escolas, onde sao usadas por meses em trabalhos escolares; c) uma vitalidade econ6mica que as torna relativamente imu- nes As pressdes dos governos. No processo de imposigao do consenso, essas revistas tm exerci- do um papel fundamentalmente ideolégico, captando, reprocessandoe realimentando os temores das classes médias. S40 muito ligadas a seu ptiblico, que nesse caso nao é formado pelos préprios protagonistas das noticias e sim por uma classe média em constante processo de mutagao, ora se enriquecendo, ora se empobrecendo, conforme o andar das crises econémicas. Portanto, uma classe média mais sensfvel e nervosa do que a classe média norte-americana. Veja foi fundamental na dissemi- nagao do medo da classe média ante uma possivel vit6ria de Lula. Foi também fundamental no processo de impeachment de Collor, que co- 9. IMPRENSA MIDIA, op. Bernardo Kucinski Midia da exclusao meteu 0 crime capital de ter confiscado as poupancas dessa mesma cl: média. Na queda de Collor, 0 processo foi conduzido mesmo pelas re- vistas semanais, Veja e IstoE. As historias de Veja, fortemente editadas, ja refletem todo um exercicio de compactagao do que a classe média pensa, ou do que seus editores julgam que é o pensamento convencional da classe mé- dia. Eugénio Bucci relaciona esta operagao de Veja como usina ideolé- gica da classe média ao modo impessoal como sao produzidas suas matéri: na forma de uma “linha de montagem”. E impressionante, por exemplo, o mimero de cartas e emails que Veja recebe de seus leitores (Bucci, 1989). Além desse vinculo mais estreito com uma base de leito- res comuns, Veja é propriedade de uma empresa multinacional, sem rafzes na tradigao oligarquica dos proprietarios de jornais. Entre as gran- des empresas jornalisticas brasileiras, é a que confere maior autono- mia As redagGes e ao seu corpo de jormalistas. Uma excegiio no “modo oligdrquico” do jornalismo brasileiro. [sto£ tem de acompanhar Veja porque sua receita editorial consiste exatamente em se oferecer como alt mesmo com a revista semanal Epoca, langada pelo grupo Globo em ativa no mercado das revistas semanais. Dificilmente ocorrera 0 1998, pois a familia Roberto Marinho personifica e concentra 0 espirito das oligarquias. Nesse sentido, podemos entender a revista Epoca como uma reagiio da oligarquia ao dominio daesfera das classes médias pelas revistas Veja e IstoE. Perspectivas de democratizagao da midia A conduta dos meios de comunicagaio desde 0 caso Collor sugere que é possivel um padrao mais democratico de jornalismo, a despeito da persisténcia das formas oligarquicas e monopolisticas de proprieda- de dos meios de comunicagao de massa, desde que se modifique a cultura 0 éthos do jornalismo. No plano institucional, os artigos 220 224 da Constituicdo proclamam a total liberdade de informagao e de- terminam a criagaio do Conselho de Comunicagao Social, com mem- bros da sociedade civil, com autoridade para estabelecer critérios de concessdes de freqiiéncias de radio e TV. Essas determinagdes nunca foram cumpridas pela maioria conservadora que domina o Congresso Mas a tecnologia vem contribuindo para a democratizagao, ao permitir 34 a proliferagao de canais, inclusive de TY a cabo,e com isso reduzindo substancialmente o poder de audiéncia da Globo. Apesar do grupo Roberto Marinho ampliar scu dominio nas mais diversas ‘reas e canais ~ de comunicagao, inclusive na TV a cabo, a audiéncia em si se fragmenta, reduzindo a capacidade de manipulacao por sincronismo. O mercado tam- bém esta impondo uma modemidade que limita a manipulagao. Na medida em que ativistas politicos do campo popular se deram conta do papel estratégico do radio e da TV na manutengao da demo- cracia dentro de limites estreitos, ¢ na distorgdo do processo eleitoral, aluta pela democratizagao da midia tornou-se prioridade em sua agen- da. Desde essa tomada de consciéncia, o movimento pela democratiza- cao da midia ja conseguiu duas vit6rias: a regulamentagao, ainda que restritiva, para as radios livres (comunitérias) e a alocagao de quatro canais para uso comunitario em todas as concessGes de TV a cabo. Mas o grande desafio ainda é quebrar 0 monopélio cruzado dos meios de comunicagao e sua propriedade por um pequeno ntimero de grandes empresas Bibliografia Atruusser, L. 1983. Aparelhos ideolégicos de Estado. Sao Paulo, Graal. Bonin, Jair. 1992. Projeto de pesquisa para RDIDP. Sao Paulo, Escola de Comunicagées e Artes/UsP. Mimeogr. Bucci, Eugénio. 1989. Uma razao autoritéria. Teoria & Debate, Sao Paulo, Partido dos Trabalhadores DR/SP, n° 7, jul./ago./set., p. 52-57 Bucci, Eugénio. 1993. O peixe morre pela boca. Sao Paulo, Scritta. CapaRELLI, Sérgio. 1982. Comunicagdo de massa sem massa. Sio Pau- lo, Cortez. Carposo, F. H. e Faterto, Enzo. 1970. Dependéncia e desenvolvimento econémico na América Latina, Rio de Janeiro, Paz e Terra. Cuomsxy, N. 1989. Necessary Illusions. USA, South East Press. Dassin, J. R. 1984. The Brazilian press and the politics of abertura. Journal of Intermerican Studies and World Affairs. v. 26, n° 3, aug. De Lima, Venicio A. 1988. The state, Television and Political Power in Brazil. Critical Studies in Mass Communications, v. 5, p. 108-128. Drewuss, René Armand. 1981. 1964: a conquista do Estado. Petrépolis, Vozes. 35 Bernardo Kucinski Duarte, Celina Rabello. 1987. imprensa e democratizagdo no Bra- sil, So Paulo, puc/sP. Dissertagao de mestrado. FENAJ. 1994. Boletim. Brasilia, v. 3, n° 16, mar. FerNaNpes, Florestan. 1998.A forga do argumento. Sao Carlos, Editora da Universidade Federal de Sao Carlos. Fox, Elizabeth. 1988. Media and politics in Latin America. London, Sage publications. Kucinski, Bernardo. 1991. Jornalistas e revoluciondrios. Sao Paulo, Scritta. Leer, Nathaniel. H. 1968. Politica e desenvolvimento. Sao Paulo, Pers- pectiva. McComps & SHAW. 1972. The agenda setting function of mass media. Public Opinion Quarterly, v. 36, n° 2, p. 176-187. Munck, Ronald. 1989. Latin America, the transition to democracy. London, Zed Books. O’Donnet, Guillermo. 1979. Tensions in the bureaucratic: authoritarian state and the question of democracy. In: Coutisr, D. (ed.) The new authoritarianism in Latin America. New Jersey, Princeton University Press O’Donnet, Guillermo ef alli. 1988. Transigdes do regime autoritdrio. Rio de Janeiro, Biblioteca Vértice. Orrriwano, Gisela Swetlana. 1986. Radiojornalismo no Brasil. Sao Pau- lo, ComArte. Rosas, Fernando. 1991. Political transition in Latin America: the unchallenged imposition of formal democracy. In: The Crisis of Development. Amsterdam, CEDLA. Stapnik, Célia. 1991. Coronelismo eletrénico. Porto Alegre, FAMECOS/ PuC/RS. Mimeogr. Este € 0 estudo seminal sobre as ligagGes entre politicos e concessées de meios cletrénicos de comunicagiio. Srrausnaar, J. D. 1988. Television and video in the transition from military to civilian rule in Brazil. Latin American Research Review. Tucuman, G. 1983. Making aking News. USA, Free Press. Virira, R. A. 1984. Notas visando a fixagao de um conceito de autorita- rismo. Comunicacdo e Politica, v. 1, n° 1, p.43- _ 1988. O exilio de um povo: alienagio da histéria. Comunica- ¢Go e Politica. n° 8, p. 1-108. 36 Paradoxos do jornalismo econémico Publicado originalmente na Revista da Adusp, n° 12, dezembro de 1997. Revisado e substancialmente ampliado.

S-ar putea să vă placă și