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Colegio LESTE Fiddor Dostoiévski CRIME E CASTIGO Romance em seis partes com epilogo Traducio, preficio e notas Paulo Bezerra Gravuras Evandro Carlos Jardim v fete aX Roskiens Kerr E Raskdlnikov foi dirgto ao prédio do canal em que morava Sénia. Era um prédio de trés andares, velho ¢ verde. Procurou o zelador e recebeu dele indicacées imprecisas de onde morava o alfaiate Kapiernatimov. Depois de encontrar no canto do patio a entrada de uma escada estreita e escura, final- mente subiu ao segundo andar e chegou a galeria, contornando-a do lado do patio. Enquanto perambulava no escuro e procurava atdnito onde poderia ficar a entrada do apartamento de Kapiernatimov, eis que uma porta se abriu a trés passos dele; ele a agarrou maquinalmente. — Quem est ai? — perguntou assustada uma voz feminina. — Sou eu... vim visité-la — respondeu Raskolnikov ¢ entrou na mi- niiscula antessala. Numa cadeira quebrada, em um castical de cobre torto, havia uma vela. — Eo senhor! Meu Deus! — exclamou Sdnia com voz fraca e ficou co- mo que pregada ao chao. — Como eu passo para seu quarto? Por aqui? E Raskélnikov entrou 0 mais rapido no quarto, procurando nao olhar para ela Um minuto depois Sénia entrou com a vela, colocou-a no castical e postou-se diante dele, totalmente desconcertada, toda tomada de uma intra- duzivel inquietacao e, pelo visto, assustada com sua visita inesperada. Suibi- to um rubor lhe brotou no rosto palido ¢ até lagrimas apareceram nos olhos... Pla sentiu ndusea, e vergonha, e docura... Raskélnikov virou-se rapidamen- sentou-se numa cadeira A mesa. Com uma olhada conseguiu percorrer lee por alto todo 0 quarto. Era um quarto grande mas extremamente baixo, o tinico que.os Ka- picrnatimov alugavam, e na parede a esquerda havia uma porta fechada que se comunicava com © apartamento. Na parede oposta, a direita, havia mais ina porta, sempre hermeticamente fechada. Ali j4 ficava outro apartamen- a, do vizinho, com outro ntimero. © quarto de Sénia parecia uma espécie de galpao, tina © aspecto de um quadrado muito irregular, o que Ihe dava iia aparéncia feifssima. Uni parede com trés janelas, que davam para 0 sanal, cortava o quarto de um modo meio obliquo, razio por que um dos o, sumia em profundid: cantos, formando um Angulo terrivelmente agud — Até quando morava em sua casa? de sorte que nao dava para distingui-lo direito sob iluminagio fraca; ja 0 outed oo canto formava um Angulo excessivamente obtuso. Em todo esse quarto gram ne a ecletol z . Zs. = it ~ <3 bli s 1, € Claro! — pré i quase nao havia moveis. No canto, @ direita, ficava a cama; a0 lado, ma pronunciou com voz entrecortada, e tanto a ex- ress pressdo do rosto como o som da voz tornaram a mudar repentinamente. Ele “ tomou a olhar ao redor. : — A senhora o aluga dos Kapiernaimov? — Sim... ue ficava a cama, a0 P perto da porta, uma cadeira. A mesma parede em q da porta que dava para 0 apartamento de estranhos, havia uma mesa to: de tiras de madeira, coberta por uma toalha azul; junto 4 mesa, duas ca lo agudo, ficava a oe Z — Eles estao 1a, di ‘da no vazio. E , do out lado da porta? ras de vime. Depois, & parede oposta, mais perto do ang comoda pequena, de madeira ordinaria, que parecia perdi tudo o que havia no quarto. Um papel de parede amarelado, surrado escurecia por todos os cantos; pelo visto no inverno ali era timi cheirava a gas carbanico. A pobreza era visivel; nem cortinado havia na Sénia olhava em siléncio para o seu hospede, que examinara seu q to com tanta atencao ¢ sem-cerimnia, ¢ Por Yiltimo comegou até a treme pavor, como se estivesse diante de um juiz ¢ senhor do seu destino. = Eu cheguei tarde... JA so onze horas? — pergyntou ele, ainda Jevantar a vista para cla. i 50 — balbuciou Sénia. — Ah, sim, sao! — € romou-se de stb pressa, como se nisso estivesse toda a saida para ela. — O reldgio do vi — Sim... Eles também moram num quarto igual a este. — Todos em um quarto? —Em um quarto. —Eu S u veria medo de passar as noites em seu quarto — observou ele com — Sio 0s gagos? — Sao : Ele é gago ¢ coxo também. Ea mulher também... Nao € que penis: mas € como se nao romanian tudo. Ela é boa, muito. Eele é um ex-servo. Tem sete filhos, mas s6 o mais velho gagueja, os outros sao sim- plesmente doentes.... mas n&o gaguejam... E. como o senhor sabe ar eles? — acrescentou ela‘com certa surpresa. a — Seu pai me contou tudo. acabou de bater... eeu mesma ouvi... S40. Vim visité-la pela tiltima vez —continuou Ras brio, embora fosse a primeira vez que a yisitasse —, € possivel que ew! b torne a Vela. “ — O senhor... esta partindo? _— Nao sei... amanha tudo... — Fntdo o senhor nao estaré amanba em casa de Catierina Ivanov . Nao parava de contar a seu respeito... E de ‘pmo a senhora foi para a rua as seis horas e voltou a meia-noite, e de como vaticrina I r anovna ficou de joelhos junto a sua cama. Sénia ficou acanhada. — Hoje me pareceu vé-lo — cochichou ela indecisa. — Quem? — Meu pai. 0, vole pa tado, enquanto ela ainda continuava em pé a sua frente. 2% quel Sente-se — pronunciou com um — tremeu a voz de Sonia. ae Nao sei, Amanha de manha tudo... Mas 0 problema nao 6 ess vim para dizer uma palavra... Ele ergueu para ela seu olhar pensai uia pela rua, ali ao lado, na esquina, entre nove e dez horas, eine Wane # Ons dicithg (ind lose de Bue endo ir A casa de Catierina Ivénovna... i — A senhora estava passeando? tivo e sabito notou que estava ae "— por que a senhora esta em pé? baixa ¢ carinhosa, repentinamente modificada. Ela sentou-se. Ele ficou por volta de um mi dade e quase com piedade. _— Comoasenhoraé magrin| — Sim — sussurrou Sénia com . ‘ s nia com voz entrecortada, t : i , tornando a : ‘har-se ¢ baixando os olhos. aa perenne inuto a fita-la com amahl — Catierina Ivénovna por pouco nao lhe bateu, e diani eu Ja ouco nao lhe bat ie ante do seu pai, ha! Vejaccomo € sua mao! Totalmente parente. Os dedos parecem de morta. Ah, ni 2 Ah, nao, o que esti dizendo? De onde o senhor tirou isso? 1 olhou para ele até melo assustada, Segurou a mio dela. Sonia den uum sorriso fraco. Nao! — Mas ett sempre (ui assim == clipse cla. Faria gosta del. — Dela? Sim, cla-a-ro! — arrastou SOnia em tom queixoso & sofrido, cruzando de imediato os bragos. — Ah! o senhor a... Seo ue ed fila é tal qual uma crianga... A mente dela é igualzinha a de an ae : sofrimento. E como era eee — generosidade... que bondade! ai de nada, de nada... ah! senor nfo sabe de Tat enivessedesesprada naa ¢sofrendo Suas pobres faces tornaram a ruborizar-se, 0 tormento ¢$- hhaviam ferido terrivelmente no intimo, que ar alguma coisa, dizer, interceder. -alar assim, manifestou-se subi- torcia os bragos. tampou-se nos olhos. Via-se que 2 ela sentia uma terrivel vontade de extravas: Uma compaixao insacidvel, se € que S€ pode fi todos os tragos de seu rosto- i aan Por que Ce me vem com essa! Meu Deus, a E ni mo que batesse, € dail? O que é que tem? Osenhor nao sabe de nada, je nac a a ah, como é infeliz! E doente... Ela esté atrés de justiga que deve haver justica em rudo, ¢ exige... E ainda mete uma injustiga. Ela mesma nao percebe como Como uma Ela é tio infeliz... pura. Ela acredita muito que a atormentem, ela nao co! j 2 sempre impossivel que @ justiga esteja 208 homens, e se irtita, 5 a a crianga, como uma crianga! Ela é justa, justat E da senhora, 0 que vai ser? Sonia langou um olhar interrogativo. ' Biles ficaram nas suas costas. & verdade que também antes tudo fica 9 falecido, quando estava de ressaca, ia procuré-la e pedir va nas suas Costas, € dinheiro, Mas ¢ agora, 0 que vai Nao sei — pronunciou Sénia com tristeza acontecer? Ples vio continuar la? Nao sei, é naquele apartamento que eles deve permanecer; s6 que ensando em ndo permitir mais, 6 que a senhoria disse, hoje, € alguém owviu, que ests P ca propria Catierina lvanovna diz que p40 ficar =e see ide onde vem essa valentia toda? Ela conta com 3°60" ora? ah ago, nao fale assim!... bs somos unidas, vivemos € comum ‘ ow até irritada, tal qual acordo. — Sénia de repente voltou a inquietar-se e fic i i uutro passarinho. — Sim, mas que jeito ela vai excitada e inquictamy = perturbada, © ste 4 ld nem mais um minuto. a se zangaria uma candria ou ©} dar? Ento, que jeito, que jeito dar? — perguntava ela — E como chorou, como chorou hoje! Esta com a raza0 Pet nhor nao notou? Perturbada; ora se preocupas como uma crian¢a, cons aa x amanha tudo esteja bastante bem, que haja o que comer e tudo... ora toree ‘9s bragos, escarra sangue, chora, de vo Mas depois valta a consolar-se, ests depose jgora o xenhar € 6 seu vusilio & repente comega a bater com a cabega nt parede feito uma desesperada Selmiavpanecanca no senbor: cligcue que ela vai arranjar um pouco de dinheiro emprestado em algum lugar, vai embora para a sua cidade, comigo, vai abrir um colégio interno para mogas. nobres e me colocar como inspetora, e comegaré para nés uma vida comple tamente nova, maravilhosa, e me beija, me abraga, me consola, e acredita tanto! Acredita tanto nessas fantasias! Entao, por acaso se pode contraria- -la? E passou o dia de hoje inteirinho lavando, fraca como esta arrastou com as proprias mos a tina para o quarto, arquejando, e acabou caindo na cama; e note que de manh3 ngs duas jé tinhamos ido ao mercado, comprar uns sapatinhos para Pélierchka e Lénia, porque os delas esto rasgados, 6 que 0 nosso dinheiro nao deu para as despesas, faltou muito, e ela escolheu uns sapatinhos tao bonitinhos, porque ela tem gosto, o senhor nao sabe... E ali mesmo, na venda, comecou a chorar, diante dos comerciantes, porque o di- nheiro nao tinha dado... Ah, como dava pena ver! — Bem, depois disso da até para entender que a senhora... viva assim — disse Raskélnikov com um riso amargo. —E por acaso 0 senhor nao tem pena? Nao tem pena? — tomnou a in- vestir Sénia. — Mas 0 senhor mesmo, eu sei, 0 senhor lhe deu até o tiltimo centavo, ainda sem ter visto nada. Mas se tivesse visto tudo, meu Deus! E quantas, quantas vezes eu a levei as lagrimas. Inclusive na semana passada! Oh, eu! A apenas uma semana da morte dele. Agi de maneira cruel. Ah, como foi doloroso passar o dia inteiro me lembrando disso! Sdnia chegou até a torcer os bragos pela dor da lembranga. — A senhora é que é a cruel? — Sim, eu, eu! Cheguei l4 naquele dia — continuou, chorando —, 0 falecido disse: “Lé para mim, SOnia, estou com uma dor de cabega, lé para mim... esse livrinho aqui” — ele estava com um livrinho, tinha tomado em- prestado a Andriéi Semiénitch, o Liebezidtnikov, que mora la, e estava sem- pyre conseguindo uns livrinhos engracados. E eu respondi: “Esta na minha hora de ir” — eu nao queria era ler, porque tinha ido la principalmente para mos- trar umas golinhas a Catierina Ivanovna; Lisavieta, a vendedora ambulante, tinha me vendido barato as golinhas ¢ uns manguitos, bonitinhos, novinhos, © bordados. Catierina Ivanovna gostou muito deles, ela os vestiu e ficou se olhando no espelho, e gostou, gostou muito deles: “Me dé de presente, Sonia, por favor”, diz ela. Pediu por favor, ¢ os estava querendo muito. E onde ela iia usd-los? Pois bem: estava apenas se lembrando do passado, da época fe- lia! Olha-se no espelho, admira-se a si mesma, ma nao tem nenhum, nenhum seatido, coisa nenhuma, ¢ ha quanto tempo! Mas nunca pede nada a ninguéms Corplhosa, é mais facil ela dar tudo 0 que tem, mas naquele momento pe- din == de tanto que havia stado! Mas cu fiquei com pena de dar; "Para que asenhora quer iss qué”. Ab, isso eu ndo foi doloroso, dolore: foi doloroso pelas golinhas, mas por eu ter ness que agora eu restituiri Oh, ew... mas qual! Essa Lisavieta, ~ sim... Eo senhor por acaso a conhecia? — perguntou surpresa. — Catierina Ivanovna es — disse Raskélnikov, calando e sem responder 4 pergunta. — Oh, no, nao, nao! — E com um ge por ambas as maos, como se insistisse que no. __ Mas € até melhor se morrer. Nao, nao é melhor, nao é mel ela assustada ¢ sem se dar conta. Fas eriangas: Oh, isso eu ja nao ser exclamou ast vezes, ¢ ele s6 fizera — E se, ainda com Catierina Ivanovna viv hospitalizada, 0 que «Ai, o que esté dizendo, o que estd dizendo — eo rosto de Sénia contr Como nao pode acont cruel. — A senhora nao esté res ser delas? Vao todas em bando pai 4 cabeca na parede em algum lugai ram... Vai cair, ser criangas — Oh, nio!... confrangido de Sénia. Ela o ouvia, olhando p jando os bracos num pedido mudo, como se 8 Raskdlnikov levantou-se ¢ pos-se a andar pelo de um minuto. S6ni melancolia. 0, Catierina Ivanovna?” so para ela eu ter negado, como deu pena de ver. nao da para juntar algum dinheito? _Foi assim mesmo que faleiz “Parag “Tevia ter dito a ela! Ela me olhou de um jeito, ¢ como do, eu o percebi. Ah, acho rad, repararia tudo, todas aquelas palavras dita” que diferenca isso faz para 0 senhor! a vendedora ambulante, a senhora conhecia? SOnia com certa logo vai morrer — td com tisica, na fase agudas 9 inconsciente Sénia o segurou hor, melhor coisa nenhuma! > Para onde a senhora vai levé-los a ndo ser para 4 Sia 1 Sonia quase em desespero € pos sa ideia lhe havia ocorrido muitas € muitas, sos na cabega. Via-se que ¢ repisd-la. a, a senhora adoecer ¢ for” isistia ele impiedosamente. vai acontecer entao? — i | Isso nao pode acontecer! ~ -aiu-se num sustO terrivel. ecer? —continuou Raskélnikev com um risinho guardada contra isso, esta? Entio, o que vai ra.a rua, ela vai tossir e pedir, e bater com a r, como hoje, enquanto as criangas chor recolhida a uma delegacia, a umihospitalymorter'® as -! — escapou finalmente-do:peite ara ele com arsuplicante € ¢1 udo dependesse dele. 7 quarto. Transcorreu corel Deus nao vai permiti ja estava em péyderbragos ¢ cabeca’ baixos, em terrivel Jo sibito diante deta Para um caso de necessidadet = ’ ho abominavel. O que entao a a6 vex 20 primeiro paso por esse camin! ominia, pelo visto, s6 a toca= niantinha? Nao era a perverséo! Toda essa ign! da nao havia penetrado nenhuma g0% Ii'em pé diante dele ela era reals” no-canal, ir para UM "ya mecanicamente; em seul coragao ain “(la verdadeira perversao: isso ele percebias a “Bla tem trés saidas — pensava ele — atirar-se _ manicémio ou. mente entregar-se 4 perversdo, que entorpece a jazaore petrifica © coragao.” A ultima ideia era-a mais abomindvel para ele; masele ja era cético, era jovems dado-a abstragées es portanto, cruel, € por isso ndio podia deixar de cr ou seja, a perversao, fosse: mais provavel- “Mas seré sivel que até essa criatura, que ainda ¢ * fundando-conscientemente nesse fosso abominavel, fétido vgse afundamento j4 tenha comegado cla s6 conseguiu aguentar-se até ago va porque 0 vicio ja nao Ihe parece t80 2 a 5 Tamou ele como ha pouco 0 fizera Sonia. _-Naoyo que a impediv até agora de atirar-se no canal foi a ideia do pecado, e elas, aquelas:.. Seela cu... Mas quem disse que ela jé-n40 enlouqueceu? até agora nao enlouquec Fstard em si consciéncia? Por acaso pode-se falar do jeito que ela fala? Por a ela? Por acaso 6 acaso pode-se raciocinar em s8 consciéncia como raciocin possivel viver & beira da perdigao, em cms mesmo de um fosso fétido que ja ora e dar de ombros, € tapar os ouvidos 20s avisos do perigo? milagre? Na certa esté. Por-acacs ou... final er quea ultima saida, que isso ¢ verdade — exclamou cle de si para si—, ser pos: Snserva a pureza de espirito, acabe 2 Sera possivel que” bominavel? Nao, nao, i ti—o est arrastand: © que ha com ela, estaré esperando por um so tudo isso nao sao jndicios de loucura?” Ele se deteve com obstinacao nesse pensamento. E comecou a examin: Esse desfecho até lhe = agradava mais que qualquer outro. 4-lo de forma mais atenta. i — Entao, S6nia, tu rezas muito a Deus Sonia calava, ele aguardava a resposta em péa seu lado. oO que seria eu sem Deus? —sussurrou de pronto e-com energia; lane : cando-lhe subitamente um olhar breve com seus olhos chamejantes, & aper tou fortemente a mao dele. a “Bem, é assim mesmo!” — pensou ele. __E Deus, 0 que faz pot ti em troca disso? — continuo ele, perscrue a perguntou-lhe. tando. Sonia fez longo siléncioy;como se N40 conseguisse responder: Sew peit® fraco-arfava todo de agitagao. ~ Cale-set Nao faga perguntast Orenhor nlietentesse merecimentoles exclamon de chofre, olhanda past ale event’ irada assim mesmo!” — insistiu ele de si para si. — Faz tudo! _— sussurrou ela atropelando as palavras, mais uma-ver baixando.a vista. Eis o desfecho! Eis também a explicacao do desfecho!” — resolveu ele consigo mesmo, examinando-a com uma curiosidade avida. Era com um sentimento novo, estranho ¢ quase malsao que ele exami- nava aquele rostinho pilido, magro, anguloso e irregular, aqueles déceis olhos anuis, capazes de brilhar com aquele fogo, com aquele sentimento severo, enérgico, aquele corpinho pequeno ainda trémulo de indignacdo e ira, e tudo isso Ihe parecia cada ver. mais estranho, quase impossivel. “Ela nao regula es - a bem! Nao regula!” — decidiu firmemente com seus botoes. Sobre a. comoda havia um livro qualquer. Cada vez/que passava ao lado a0 seu vaivém ele 0 notava; agora pegou € passourlhe:a vista. Era o Novo estamentovem tradugo russa- O livro era velho, usado, encadernado em couro. De onde veio isso? — gritou ele do outro:canto:do-quarto. Bla con- tinuava em.pé.no mesmo lugatya-trés passos da mesa. — Trouxeram para mim —respondeu ela, como-que 2 contragosto ¢ sem olhar para ele. — Quem trouxe? — Lisavieta trouxe, fui eu que pedi. Lisavieta! Estranho!” — pensou ele. A cada instante tudo em Sdnia ia assumindo um aspecto cada vez-mais estranho e maravilhoso para ele. Le- vou 0 liyro.a.luze se pos.a folhed-lo. = Onde esta a passagem que fala de Lazaro? —perguntou de siibito. Sénia olhava obstinadamente para 0 chao € nao respondia. Fstava em pé, meio de lado para a mesa. — Appassagem sobre a ressurreicao de Lazaro, onde esta? Procure para mim, S6nia. Ela olhava de esguelha para ele. __ Bt procurando no lugar errado... esté no Quarto Evangelho... = sussurrow elaseveramente, sem se mover na diregao dele. le Encontra-me essa passagem-elé para mim — disse.cle, sentou-se, plantow os.cotovelos narmesa; apoiow a cabega nas maose fixou.o olhar para um lado, soturno, preparando-se para ouvir. im trés semanas sejas bem-vinda a sete verstas daqui!?? Estarei la, acho ety, se ndo acontecer coisa pior ainda” — balbuciou ele de si para si « verstae de Peteraburge fleava o famoso mantednna de Udiétonia, (N da ED Sonia caminhow indecisa para a mesa, depois de ouvir desconfiada o estranho desejo de Raskélnikov. Alids, pegou o livro. _ Por acaso 0 senhor nao-o leu? — perguntow ela, olhando-o.atraw da-mesayde-soslaio. Sua voz ia ficando cada vezmais severa. __ Ha muito tempo... Quando estudava: Lis —E,na igrteja, nao ouviu? _ Eu... ndo ia digreja.E tu, vais com frequéncia? — N-nao — sussurrou Sénia. Rask6lnikov riu. __ Entendo... EntZo nao vais ao enterro do teu pai amanha? — Vou. Na semana passada também fui: Assisti A missa das. almas. — Para'quem? —Para Lisavieta. Ela foi-morta a machadadas: Os.nervos dele iam-se-irritando cada vez-mais. A ca codar. — Tw e-Lisavieta-eramvamigas? _— framos... Bla-crajusta... me visitavas..raramente... nao podic cuas Ifamos e.... conversdvamos. Ela verd Deus. : 3 Soavam estranhas para ele essas palavras livrescas, e mais uma novi de: certos encontros secretos com Lisavieta, ¢ as duas nao regulando bem. “Neste caso nds mesmos acabamos imbecis! E contagioso!” — ele. — Lé! — exclamou num dtimo, de modo persistente c irritante. ae Sonia continuava vacilando. Seu coragao batia forte. Por algum motivo ido se atrevia a ler para ele. Ele olhava quase atormentado para aquela*“loue anfeliz™. - — Para que lhe serve isso? O senhor nao acredita, nao rou-the baixinho e como se ofegasse. _— Lat Eu quero! — insistiu ele. — Jé que lias para Lisavieral a S6nia abriu o livro e encontrou a passagem. Suas maos tremiam, fall yaelhe.avoz.Duas vezes comegou, € nada de conseguir pronunciatas pri silabas. p “fistava enfermo Lézaro, de Betania...”?3 — finalmente pronunciou eli ‘com esforco, mas de stibito, a partir da terceira palavra, a voz comecou a vibrat partiv-se como uma corda excessivamente esticada. Fla perdeu 0 flee peito confrangeu-se. 4 As citagGes do Evangelho segundo Jodo (11, 1) obedecerao ao texto de A BIE : aés por Jodo Pereita de Mieida (1628-1691) ¢ publicada Sagrada, traduzida para o portugt 4994, (N. do T) cla Sociedade Biblica do Brasil, edigin covtata © atrialianta. | Em parte Raskélnikov compreendia por que Sénia nao se decidia a ler para ele, e quanto mais 0 entendia mais parecia grosseiro e irascivel na sua insisténcia. Ele compreendia-bem demais:como era dificilpara,ela, nesse momento, revelar eevidenciar todo 0 sew intimo.Compreendeu que, em rea~ lidade, esses sentimentos pareciam constituir 0 segredo verdadeiro dela ¢, talvez, j4 antigo, talvez originado em plena adolescéncia, ainda no seio da familia, ao lado de um pai infeliz ¢ uma madrasta enlouquecida pelo sofri- mento, entre criancas famjntas, gritos e exprobagées revoltantes. Mas, ao mesmo tempo, agora ele sabia, e sabia de certo, que ela, ainda que sentisse melancolia ¢ temesse alguma coisa terrivel ao comecar a ler, todavia, por outro lado, sentia pessoalmente uma angustiante vontade de ler, a despeito de toda a melancolia e de todos os temores, ¢ fazé-lo precisamente para ele, para que ele ouvisse, ¢ precisamente agora — “acontecesse 0 que acontecesse depois!”... Isto ele leu nos olhos dela, compreendeu pela’emogao exaltada que ela reve- lava... Ela se dominou, controlou o espasmorna:garganta,a'voz queembargara no-inicio do capituloe continuou a ler o capitulo 11 do Evangelhovsegundo Joao. E assim 0 leu atéo-versiculo 19. “Muitos dentre os judeus tinham vindo ter com Marta e Maria, para as consolar, a respeito de seu irmio. Marta, quando soube que vinha Jesus, saiu ao seu encontro; Maria, porém, ficou sentada em casa. Disse, pois, Marta a Jesus: Senhor, se estiveras aqui nao teria morrido meu irmao. Mas também sei que, mesmo agora, tudo quanto pedires a Deus, Deus to concedera.” Nisso ela voltou a parar, pressentindo, com pudor, que sua voz iria tre- mer e novamente embargar... “Declarou-lhe Jesus: teu irmao ha de ressurgir. Ew sei, replicow Marta, que ele hd de ressurgir na ressurreicao, nowltimo dia. Disse-lhe Jesus: Ex sow aressurreic¢ao ea vida.2* Quem cré em mim, ainda que morra, vivera; e todo o.que vive e cré em mim, nao morrera, eternamente. Crés isto? (E, como que tomando félego, Sénia leu com forca e intensidade, como se ela mesma con- fessasse em alto e bom som:) Sim, Senhor, respondeu ela, eu tenho crido que tu és 0 Cristo, 0 Filho de Deus que devia vir ao mundo.” Ela fez mengao de parar, ia levantando rapidamente os olhos para ele, mas se dominou 0 mais rapido que pode e continuou a leitura. Raskélnikov ouvia sentado e imével, sem se voltar, com os cotovelos plantados na mesa e olhando de lado. Chegaram ao versiculo32. “Quando Maria chegou ao lugar onde estava Jesus, ao vé-lo, langou- se-he aos pés, dizendo: Senhor, se estiveras aqui, meu irmao nao teria mor- 4 Todos os grifos do texto aebre Lazaro sito de Dostoiévski, (N, do T.) | tido. Jesus, vendo-a chorar, ¢ bem assim os judeus que a acompanhavam, agi- tou-se no espirito e comoveu-se. E perguntou: Onde o sepultastes? Eles lhe responderam: Senhor, vem, ¢ vé. Jesus chorou. Ent&o disseram os judeus: Vede quanto 0 amava! Mas alguns objetaram: Nao podia ele, que abriu os olhos ao cego, fazer que este nao morresse?” Raskélnikov virou-se para ela e ficou a olha-la com emogao: 6, € isso mesmo! Ela ja tremia de fato, de corpo inteiro, em yerdadeiro estado febril. Ele esperava por isso. Ela se aproximava da palavra que narra milagre mais grandioso e inaudito, e o sentimento de um imenso triunfo apossou-se dela. Sua voz se fez sonora como metal; o triunfo e a alegria soaram nela e Ihe deram forca. As linhas se embaralhavam diante dela porque a vista estava escurecida, mas ela sabia de cor 0 que estava lendo. No tltimo versiculo: “Nao podia ele, que abriu 0s olhos ao cego...” — ela, que baixara a vor, transmitiu com calor e veeméncia a divida, a censura e a blasfémia dos incréus, que dentro de um instante, como atingidos por'um raio, cairiam prostrados, desatariam ” em choro e creriam... “E ele, ele — também.cego e incréu—, ele também 4 ouvird neste instante, ele também crera, sim, sim! agora mesmo, agora mes- mo” — sonhava ela, e tremia de alegre expectativa. — “Jesus, agitando-se novamente em si mesmo, encaminhou-se para 0 tamulo; era este uma gruta, a cuja entrada tinham posto uma pedra. Entao ordenou Jesus: Tirai a pedra. Disse-lhe Maria, irma do morto: Senhor, ja chei- ra mal, porque ja € de quatro dias.” Monte Ela acentuou com energia a pronincia da palavra quatro. ~ “Respondeu-lhe Jesus: Nao te disse eu que se creres verds a gloria de Deus? Tiraram, entao, a pedra. E Jesus, levantando os olhos para 0 céu, dis+ sez Pai, gracas te dou porque me ouviste. Alids, eu sabia que sempre me ou» ves, mas assim falei por causa da multidao presente, para que creiam que tu” me enviaste. E, tendo dito isto, clamou em alta voz: Lazaro, vem para fora, Saiu aquele que estivera morto (ela leu em vor alta ¢ extasiada, tremendo @ ” gelando, como se estivesse vendo com os proprios olhos), tendo os:pés eas maos ligados com ataduras, ¢ 0 rosto envolto num lengo. Entao Ihes:orde nou Jesus: Desatai-o ¢ deixai-o ir. Muitos, pois, dentre os judeus que tinham vindo visitar Maria, vendo que fizera Jesus, creram nele.” — Kis tudo sobre a ressurreigao.de-Lazaro — sussurrou.cla,.com var entrecortada e severa, e ficou imével,-virada para um lado; sem se atrever © como se sentisse vergonha de levantar 0s olhos para eles Seu tremor febril 4 muito se extinguia no castigal torto, HN ainda continuava. O toco de vela | © quarto miseravel unr assassino e uma deve minando frouxamente naqt sa, que se haviameunido estranhamente-durante a leitura.do:livro-eterno. Transcorreram uns cinco minutos ou-mais. — Eu vim aqui tratar de um assunto— pronunciou stibito Raskélnikov, levantou-se e chegou-se a S6nia. Esta levantou os olhos para ele, em siléncio. O olhar dele estava especialmente severo, e alguma firmeza selvagem se ma- nifestava nele. — Hoje eu abandonei meus familiares — disse ele—, minha mae e mi- nha irma. Doravante ndo vou procuré-las. — Por qué? — perguntou Sénia meio pasma. O encontro recente com a mae e a irmé dele deixara nela uma impressao extraordinaria, ainda que vaga para ela mesma, Ela ouviu quase com horror a noticia do rompimento. a Agora‘eu's6 tenho a ti — acrescentou ele. — Vamos seguir juntos... Eu vim te procurar. Nés dois juntos somos malditos, entéo-vamos seguir juntos! Os olhos dele brilhavam. “E como um louco!” — pensou por sua vez S6nia. — Seguir para onde? — perguntou ela apavorada e recuou involun- tariamente. — Vou li E i Vou 14 eu saber? Sei apenas que é pelo mesmo caminho, isso sei a0 certo, € s6. Um s6 objetivo! Ela olhava para ele e nada compreendia. Compreendia apenas.que ele era terrivelmente, infinitamente infeliz. — Ninguém vai entender se tu safres por af contando — continuou ele —, mas eu compreendi. Preciso de ti, foi por isso que vim te procurar. — Nao estou entendendo... — sussurrou Sénia. — Depois entenderds. Por acaso nao fizeste a mesma coisa? Também ultrapassaste... conseguiste ultrapassar. Cometeste um suicidio, arruinaste a vida... a propria (tanto faz!) Tu poderias viver com espirito e razao, mas vais ferminar na Siénnaia... Mas nao podes aguentar-te, ¢ se ficares s6 acabaras enlouquecendo, como eu. J agora pareces uma louca; entao, precisamos seguir juntos, pelo mesmo caminho! Vamos! — Por qué? Por que motivo 0 senhor diz isso?! — pronunciou Sénia, conturbada e estranhamente emocionada com as palavras dele. Por que motivo? Porque nao se pode continuar assim — eis por que motivo! E preciso, por tiltimo, julgar de modo sério e direto e nao ficar cho- ‘indo feito crianga e gritando que Deus nfo vai permitir! E 0 que aconteceré se amanha realmente te internarem num hospital? A outra esta com o juizo perturbado e tisica, logo vz morrer, ¢ as criangas? Sera que Polietchka nao inorrend? Nao me digas que por aqui nie viste criancas nae eeauing « mies botam para pedir esmola? Fiquei sabendo onde moram essas maes € que situagao. Lé-as criangas nao podem continuar criangas. L4.um-met desete anos é devasso ¢ ladrao. E olhe que-as criangas sio a imagem de to: “Delas € o reino de Deus”. Eleordenou que n6s as respeitassemos e ama * semos, elas so a.futura humanidade... — Ento, entao 0 que fazer? — repetiu S6nia, chorando histericame te e torcendo os bragos. — O que fazer? Esmagar o que for preciso, de uma vez por todas, € si e-assumir 0 sofrimento! O qué? Naovestas entendendo? Depois vais-ente der... A liberdade e.0 poder, principalmente o poder! trémula e todo.o-formigueiro!... Eis. objetivo! Lembra-te disso! isso que eu te recomendo! Talvez eu esteja falando contigo pela tiltima-vezsSe ama= nha eu nao vier, tu mesma ouvirds falar de tudo, e entéo lembra-te de te direi quem matou Lisavieta. Adeus! Sdnia estremeceu toda de susto. 5 — Por acaso o senhor sabe quem matou? — perguntou ela, gelando di horror e olhando assustada para ele. 3 — Sei e te direi... A ti, sé a ti! Eu te escolhi. Nao é para pedir perdaa 7 que eu virei, mas simplesmente para te dizer. Eu te escolhi hé muito tempo para te dizer isso, eu cogitei isso ainda quando teu pai me falava a teu respele to e Lisavieta estava viva. Adeus. Nao precisas dar a mao. Amanha! Ele saiu. Sénia olhava para ele como para um louco; mas ela mesmi estava feito louca e percebia isso. Estava tonta. “Meu Deus! Como ele sabe Mas, ao mesmo tempo, 0 pesamento nao lhe vinha a cabeca. Nao havia jeit Nio havia jeito!... “Oh, ele deve ser terrivelmente infeliz!... Largou a mae a irma. Por que motivo? O que terd acontecido? E 0 que eletera em ment © que teré dito a ela? Ele beijou os pés dela e disse... disse (sim, ele disse i claramente) que jd nao podia viver sem ela... Oh, Deus!” Sénia passou a noite toda com febre e delirando. Ora se levantava if um salto, chorava, torcia os bracos, ora voltava a mergulhar num sono bril e sonhava com Pélietchka, Catierina Ivanovna, Lisavieta, a-leitura Evangelho e ele... ele, com seu rosto palido, com os olhos chamejantes.. | Ihe beijava os pés, chorava...| Oh; Deus! Atras da porta a direita, aquela mesma porta que separa Sonia do apartamento de Gertrud Karlovna Resslich, havia um quarto eat Gene hiomnine tempe vaio, due perteneia ao apartamento da senhotit Resslich ¢ esta o oferecia para alugar, xados no portio de entrada do prédio las que davam para o canal. Ha muito - a i esse quarto inabitado. Entretanto, durante todo o tempo da conver- sa, do out i cee to lado da Porta, no quarto vazio, o senhor Svidrigdilov esteve Postado e escutando as escondidas. Depois que Raskélnikov saiu, maneceu um pouco, meditou, saiu na ponta dos : tiguo ao : i 3 vazio, pegou uma cadeira e a trouxe em siléncio para bem junto ia po 6ni: : po = ae dava para o quarto de Sénia. A conversa lhe parecera atraen. 'e e significativa, e ele gostou mui i : > muito, muito — tanto que tr: i “ 5 ansferiu a cadei- ra para, é i d : i A futuro, talvez até no dia Seguinte, nao tornar a passar pelo dis sabor de ficar uma hora inteira é ; em pé, e acomodar-se com mai: ‘ais confort para obter um prazer pleno em todos os sentidos, . © as papeletas nas vidracas das jan tempo S6nia se acostumara a consi- ele per- pés para 0 seu quarto, con:

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