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CHODERLOS DE LACLOS
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PREFÁCIO DO REDATOR
PRIMEIRA PARTE
CARTA I
Bem vês, minha boa amiga, que cumpro a minha palavra, e que
as toucas e laços não ocupam todo o meu tempo; sempre me há de
ficar algum para ti. Mas olha que só hoje vi mais adereços do que nos
quatro anos que passamos juntas; e creio que a orgulhosa Tanvillel terá
maior aborrecimento com a minha primeira visita, em que eu conto
perguntar por ela, do que ela pensou que nos causaria todas as vezes
que vinha ver-nos em Fiorch.
A Mamã consultou-me sobre todos os pormenores; trata-me
muito menos como pensionista do que noutro tempo.
Tenho uma criada de que disponho, e escrevo-te em uma
secretária muito bonita, de que possuo a chave, e onde posso fechar
tudo o que quiser. A Mamã disse-me que a verei todos os dias logo que
ela se levante; que bastará que eu esteja penteada para jantar, porque
estaremos sempre sós, e que então ela me dirá a hora em que devemos
juntar-nos à tarde. O resto do tempo está à minha disposição, e tenho a
minha harpa, o meu desenho e livros como no convento; só não estará
a madre Perpétua para ralhar comigo, e dependerá apenas de mim
estar sempre sem fazer nada: mas como não tenho a minha Sofia para
conversar e para rir, prefiro então ocupar-me dela.
Ainda não são cinco horas; não devo estar com a Mamã senão
às sete: ora aqui está um grande intervalo, para o caso em que tivesse
alguma coisa a dizer-te! Mas ainda não me falaram de nada; e sem os
preparativos que vejo fazer, e a quantidade de costureiras que vêm por
minha causa, julgaria que ninguém pensa em casar-me, e que é mais
um disparate da boa Josefina.
Mas a verdade é que a Mamã me disse tantas vezes que uma
menina deve ficar no convento até casar, que julgo que Josefina tem
razão, visto que ela me fez sair de lá.
Acaba de parar uma carruagem à porta, e a Mamã mandou-
me que fosse ter com ela imediatamente. Se fosse o senhor?
Ainda não estou vestida, a minha mão treme e o meu coração
bate.
Perguntei à criada de quarto se sabia quem estava com minha
mãe: "Ora", disse ela, "é o senhor C..." e ria. Oh! Creio que é ele. Voltarei
com certeza a contar-te o que se passou. O nome já eu sei. Não devo
*Pensionista do mesmo convento.
fazer esperar. Adeus, até daqui a um momento.
Como te vais rir da pobre Cecília! Oh! Como fiquei
envergonhada!
Mas tu terias caído como eu. Quando entrei nos aposentos da
Mamã, vi um senhor vestido de preto, de pé, por detrás dela.
Cumprimentei-o o melhor que pude e fiquei sem me poder mexer do
meu lugar. Podes imaginar como eu o examinava!
"Senhora", disse ele a minha mãe, saudando-me, "trata-se na
verdade de uma menina encantadora, e sinto melhor do que nunca o
valor dos vossos obséquios". A estas palavras tão positivas tomou-me um
tal tremor que não me podia suster; deparei com uma poltrona e sentei-
me nela, toda vermelha e confusa.
Mal eu me tinha sentado, eis que o homem se lança a meus pés.
Então a tua pobre Cecília perdeu a cabeça; eu estava, como disse a
Mamã, verdadeiramente espavorida. Levantei-me lançando um grito
agudíssimo;... Olha, como naquele dia do trovão.
A Mamã soltou uma gargalhada e disse-me: "Então, que tem?
Sente-se e dê o seu pé a esse senhor." Na verdade, minha querida
amiga, o senhor era um sapateiro. Não posso dizer-te como fiquei
envergonhada; por felicidade só ali estava a Mamã.
Julgo que, quando for casada, não voltarei a servir-me daquele
sapateiro.
Hás-de convir que já sei muitas coisas! Adeus. São perto de seis
horas, e a minha criada de quarto disse-me que tenho de me vestir.
Adeus, minha querida Sofia; gosto tanto de ti como quando estava no
convento.
P. S. - Não sei por quem enviar esta carta; por isso espero que Josefina
venha.
CARTA II
No castelo de...
Volte meu caro Visconde, volte; que faz o senhor, que pode o
senhor fazer em casa de uma velha tia cujos bens lhe estão garantidos?
Parta imediatamente; é-me preciso aqui. Tive uma excelente idéia, e
desejo confiar-lhe a execução. Estas palavras deveriam bastar-lhe; e,
muito honrado pela minha escolha, devia vir, com solicitude, receber
de joelhos as minhas ordens.
Mas o senhor abusa das minhas bondades, mesmo depois que
deixou de aproveitá-las; e na alternativa de um ódio eterno ou de uma
excessiva indulgência, a sua felicidade quer que a minha bondade a
conduza. Desejo pois instruí-lo sobre os meus projetos: mas jure-me que
como fiel cavaleiro não correrá nenhuma aventura sem que esta seja
levada ao fim. Ela é digna de um herói: o senhor servirá o amor e a
vingança; será enfim uma astúcia a mais a pôr nas suas memórias: sim,
nas suas memórias, pois eu quero que elas sejam publicadas um dia,
encarrego-me de escrevê-las. Mas deixemos isso, e voltemos ao que me
preocupa.
Madame de Volanges vai casar a filha: é ainda um segredo;
mas desde ontem que estou na posse dele. E quem julga que ela
escolheu para genro? O Conde de Gercourt. Quem diria que eu viria a
ser prima de Gercourt? Sinto-me possuída de tal furor!...
Pois bem! Não adivinhou ainda? Oh, inteligência lenta! Já lhe
perdoou, pois, a aventura da Intendente*? E eu, não tenho razões para
me queixar dele mais ainda, seu monstro? Mas vou-me acalmar, e a
esperança de me vingar lança a serenidade na minha alma.
Decerto já se tem aborrecido cem vezes, tal como eu, com a
importância que Gercourt atribui à sua próxima conquista, e com a tola
presunção que o dispõe a crer que evitará a sorte inevitável.
Conhece as suas ridículas prevenções a favor das educações
claustrais, e o seu preconceito, ainda mais ridículo, em relação à
modéstia das louras. Eu apostaria, de fato, que, apesar das sessenta mil
libras de renda da pequena Volanges, ele nunca faria esse casamento
se ela fosse morena, ou se não tivesse estado no convento. Provemos-
lhe, pois que é apenas um tolo; com certeza há de sê-lo um dia, não é
isso que me preocupa: mas o agradável seria que ele começasse por
aí. Como nós nos divertiríamos no dia seguinte ouvindo-o gabar-se, pois
ele há de gabar-se; e depois, se o Visconde chegar a instruir essa
rapariguinha, será preciso muito pouca sorte se o Gercourt não se tornar
como qualquer outro, a fábula de Paris.
Aliás, a heroína deste novo romance merece todos os seus
cuidados: é na verdade bonita; tem apenas quinze anos, é um botão
de rosa; acanhada, de fato, como já se não usa, e de modo nenhum
afetada: mas vós, os homens, não temeis isso; além do mais, é senhora
de certo olhar langoroso que na verdade promete muito. Acrescente a
tudo isto que sou eu que a recomendo: não tem mais que agradecer-
me e obedecer.
Receberá esta carta amanhã de manhã. Exijo que amanhã às
sete horas da tarde esteja em minha casa. Não receberei ninguém
*Para entender esta passagem, deve saber-se que o Conde de Gercourt tinha
deixado a Marquesa de Merteuil pela Intendente de..., que lhe tinha sacrificado o
Visconde de Valmont, e que foi então que a Marquesa e o Visconde se ligaram um
ao outro. Como esta aventura é muito anterior aos acontecimentos de que tratam
estas cartas julgou-se dever suprimir toda a correspondência que com ela se liga. (N.
do A.)
senão as oito, nem mesmo o Cavaleiro reinante: esse não tem cabeça
para tamanha empresa. Bem vê que o amor não me cega. Às oito
horas outorgo-lhe a liberdade, e as dez voltará para cear com o belo
objeto, pois a mãe e a filha ceiam sempre em minha casa. Adeus;
passa do meio-dia, em breve deixarei de me ocupar do Visconde.
Paris, 4 de Agosto de 17* *.
CARTA III
Ainda não sei nada, minha boa amiga. A Mamã tinha ontem
muita gente a cear. Apesar do interesse que tinha em examinar, os
homens principalmente, aborreci-me muito. Toda a gente, homens e
mulheres, olhava muito para mim, e depois punham-se a falar ao
ouvido; e eu bem via que era de mim que falavam.
Isto fazia-me corar; era coisa em que eu não tinha mão.
Bem queria impedi-lo, pois reparei que, quando olhavam para
as outras mulheres, elas não coravam; ou talvez fosse a pintura que não
me deixava ver o seu embaraço, pois deve ser muito difícil deixar de
corar quando um homem nos olha fixamente.
O que mais me inquietava era não saber o que pensavam a
meu respeito. Creio, no entanto ter ouvido duas ou três vezes a palavra
bonita; mas ouvi muito distintamente dizer acanhada. E isso deve ser
verdade, pois a senhora que pronunciava essa palavra é parente e
amiga de minha mãe.
Pareceu-me mesmo que de repente tinha sentido amizade por
mim.
Foi a única pessoa que falou comigo um pouco durante toda a
noite.
Amanhã ceamos em casa dela.
Ouvi ainda, depois da ceia, um homem que estou certa que
falava de mim, e que dizia a outro: "É preciso deixar amadurecer,
veremos este Inverno." Talvez seja esse que deve casar comigo; mas
sendo assim, não será antes de quatro meses! Bem desejaria saber de
que se trata.
Chegou agora Josefina, e diz-me que está com pressa. Mas
quero contar-te ainda uma das minhas acanhezas. Oh, creio que essa
senhora tem razão!
Depois da ceia puseram-se a jogar. Eu fiquei perto da Mamã;
não sei como isso aconteceu, mas adormeci quase a seguir.
Acordou-me uma estrepitosa gargalhada. Não sei se riam de
mim, mas assim o creio. A Mamã permitiu que me retirasse, e com isso
deu-me grande prazer. Imagina que passava das onze horas. Adeus,
minha querida Sofia; ama sempre muito a tua Cecília. Podes estar certa
de que a sociedade não é tão divertida como a imaginávamos.
Em Paris
CARTA V
A MARQUESA DE MERTEUIL AO VISCONDE DE VALMONT
CARTA VI
7 de Agosto de 17 * *.
CARTA VIII
CARTA IX
1 de Agosto de 17* *.
CARTA X
12 de Agosto de 17* *.
CARTA XI
A PRESIDENTE DE TOURVEL A MADAME DE VOLANGES
13 de Agosto de 17* *.
CARTA XII
13 de Agosto de 17 * *.
CARTA XIII
13 de Agosto de 17* *.
CARTA XIV
Ontem não te escrevi, minha querida Sofia; mas não foi o prazer
o motivo, posso jurar-te. A Mamã esteve doente, e não a deixei em
todo o dia.
À noite, quando me retirei, não tive cabeça para nada; e deitei-
me muito depressa, para ter a certeza de que o dia tinha acabado.
Nunca tinha passado nenhum tão comprido. Não é que eu não goste
da Mamã, mas não sei o que era. Devia ir à Ópera com Madame de
Merteuil; o Cavaleiro Danceny devia lá estar. Bem sabes que são as
duas de quem eu mais gosto. Quando chegou a hora em que devia ir
ter com eles, senti o coração apertado, contra minha vontade. Tudo
me aborrecia, e chorei, chorei, sem conseguir impedi-lo. Felizmente a
Mamã estava deitada, e não podia ver-me. Estou bem certa de que o
Cavaleiro Danceny também ficou aborrecido; mas deve ter-se distraído
com o espetáculo e com toda agente que o rodeava.
Foi muito diferente.
Por felicidade, a Mamã está hoje melhor, e Madame de Merteuil
virá com outra pessoa e com o Cavaleiro Danceny; mas chega sempre
muito tarde, Madame de Merteuil; e quando se esteve tanto tempo
sozinha, é muito aborrecido. São apenas onze horas. É verdade que
tenho de tocar harpa; e depois levarei algum tempo a vestir-me e a
arranjar-me, pois hoje quero estar muito bem penteada. Parece-me que
madre Perpétua tem razão e que uma pessoa se torna garrida quando
vive em sociedade.
Nunca tive tanto desejo de ser bonita como de há alguns dias
para cá, e acho que não o sou tanto como pensava; e depois, junto de
mulheres que se pintam, fica-se a perder muito. Madame de Merteuil,
por exemplo: vejo bem que todos os homens a acham mais bonita do
que eu. Não me importo muito, porque ela é minha amiga. E além disso
ela afirma-me que o Cavaleiro Danceny me acha mais bonita do que
ela. É muito honesto da sua parte ter-mo dito! Até parece que estava
contente em mo dizer. Aí está uma coisa que eu não compreendo. É
porque ela gosta muito de mim! E ele!...
Oh!, foi uma coisa que me deu muito prazer! Por isso, até,me
parece que só de olhar para ele uma pessoa fica bonita. Eu estaria a
olhar sempre para ele, se não tivesse receio de encontrar os seus olhos:
pois, todas as vezes que tal me acontece, fico confusa, e parece que
me dá pena; mas isto nada quer dizer.
Adeus, minha querida amiga. Vou-me pôr diante do espelho.
Continuo a gostar de ti como sempre.
Paris, 14 de Agosto de 17 * *.
CARTA XV
19 de Agosto de 17 * *.
*A carta em que se fala deste serão não foi encontrada. Devemos supor que
é o que Madame de Merteuil propõe no seu bilhete, e de que também se fala na
precedente carta de Cecília Volanges.
CARTA XVII
18 de Agosto de 17* *.
CARTA XVIII
20 de Agosto de 17* *.
CARTA XIX
20 de Agosto de 17* *.
CARTA XX
20 de Agosto de 17 * *.
CARTA XXI
20 de Agosto de 17 * *.
CARTA XXII
20 de Agosto de 17 * *.
CARTA XXIII
CARTA XXIV
O VISCONDE DE VALMONT A PRESIDENTE DE TOURVEL
20 de Agosto de 17 * *.
CARTA XXV
CARTA XXVI
21 de Agosto de 17 * *.
CARTA XXVII
Paris, 23 de Agosto de 17 * *.
CARTA XXVIII
Paris, 23 de Agosto de 17 * *
CARTA XXXIX
24 de Agosto de 17 * *.
CARTA XXX
24 de Agosto de 17 * *.
CARTA XXXI
25 de Agosto de 17**.
CARTA XXXII
24 de Agosto de 17* *.
CARTA XXXIII
Uma vez que receia ser bem sucedido, meu caro Visconde uma
vez que o seu projeto consiste em fornecer armas contra si próprio, e
que deseja menos triunfar do que combater, nada mais tenho a dizer-
lhe. A sua conduta é uma obra-prima de prudência. Seria uma obra-
prima de tolice na suposição contrária; e para lhe falar com franqueza,
receio que o Visconde se esteja a iludir.
O que eu lhe censuro não é o ter deixado de aproveitar o
momento.
Por um lado, não vejo muito claramente que ele se tivesse
apresentado; por outro, sei suficientemente, digam o que disserem, que
uma ocasião perdida se torna a encontrar, ao passo que não se
resgata nunca um passo precipitado.
Mas é de verdadeiro colegial o ter sido levado a escrever.
Desafio-o neste momento a prever onde isso o pode conduzir.
Porventura espera provar a essa mulher que deve entregar-se?
Afigura-se-me que nisso pode haver uma verdade de
sentimento, não de demonstração; e que, para a fazer reconhecer, é
preciso agir pelo enternecimento e não pelo raciocínio; mas de que lhe
servirá enternecer por meio de cartas, visto que o Visconde não estaria
lá para se aproveitar do momento? Mesmo que as suas belas frases
produzam a embriaguez do amor, pode o Visconde ter a pretensão de
que essa embriaguez seja bastante durável para que a reflexão não
venha a impedir-lhe a confissão?
Depois, pense em tudo o que é necessário para escrever uma
carta, em tudo o que se passa antes de a remeter; e veja-se, sobretudo
uma mulher de princípios, como a sua devota, pode querer por tanto
tempo o que ela procura não querer nunca. Esse procedimento pode
dar resultado com crianças, que, quando escrevem "eu amo", não
sabem que dizem "eu entrego-me". Mas a virtude raciocinadora de
Madame de Tourvel conhece muito bem, segundo creio, o valor das
palavras. Por isso, apesar da vantagem que o Visconde tomara sobre
ela na conversação que tiveram, ela venceu-o na carta que lhe
escreveu. E depois, sabe o que acontece? Só pelo motivo de se discutir,
não se deseja ceder força de procurar boas razões, acaba-se por
encontrá-las; dizem-se essas razões, e depois sente-se apego a elas, não
tanto porque são boas, como para não se desmentir.
Além do mais, uma observação que me admiro que o Visconde
não tenha feito, é que não há nada tão difícil em amor como escrever
o que se não sente. Quero dizer, escrever de maneira verossímil: não é
que as palavras usadas não sejam as mesmas; mas não são arranjadas
do mesmo modo, ou antes, são arranjadas, e isso basta. Releia a sua
carta: reina nela uma ordem que a cada frase o denuncia. Quero
acreditar que a sua Presidente não tem instrução bastante para disso se
aperceber: mas que importa? Nem por isso o efeito deixa de frustrar-se.
É este o defeito dos romances; o autor esforça-se em vão para elevar a
temperatura, e o leitor fica frio. Heloísa é o único que pode fazer
exceção; e apesar do talento do autor, esta observação levou-me
sempre a crer que o fundo era verdadeiro. Não é o mesmo quando se
fala. O hábito de trabalhar o seu órgão dá-lhe sensibilidade; a
facilidade das lágrimas aumenta o efeito: a expressão do desejo
confunde-se nos olhos com a ternura; enfim, o discurso menos seguido
conduz mais facilmente àquele ar de perturbação e de desordem que
é a verdadeira eloqüência do amor; e principalmente a presença do
objeto amado impede a reflexão e faz-nos desejar sermos vencidos.
Creia-me, Visconde: ser-lhe-á favorável não escrever mais:
aproveite essa pausa para reparar a sua falta e espere a ocasião de
falar. Sabe que essa mulher tem mais força do que supunha?
A sua defesa é boa; sem a extensão da sua carta e o pretexto
que ela lhe dá para voltar ao assunto na sua frase de reconhecimento,
de nenhum modo se teria traído.
O que me parece ainda que deve convencê-lo do triunfo, é que
ela emprega demasiadas forças ao mesmo tempo; prevejo que ela
acabará por as esgotar pela defesa da palavra e que nenhuma lhe
ficará para a do ato.
Devolvo-lhe as duas cartas, e, se for prudente, serão essas as
últimas até ao feliz momento. Se não fosse tão tarde falar-lhe-ia da
pequena Volanges, que avança bastante depressa, o que muito me
satisfaz. Creio que terminarei a minha tarefa antes do Visconde, e deve
sentir-se feliz por isso. Adeus por hoje.
24 de Agosto de 17* *.
CARTA XXXIV
25 de Agosto de 17* *.
CARTA XXXV
21 de Agosto de 17 * *.
CARTA XXXVI
(carimbo de Dijon)
23 de Agosto de 17* *.
CARTA XXXVII
25 de Agosto de 17 * *.
CARTA XXXVIII
27 de Agosto de 17 * *.
CARTA XXXIX
27 de Agosto de 17 * *.
CARTA XL
CARTA XLI
25 de Agosto de 17 * *.
CARTA XLII
26 de Agosto de 17 * *.
CONTINUAÇÃO DA CARTA XL
O VISCONDE DE VALMONT A MARQUESA DE MERTEUIL
27 de Agosto de 17 * *.
CARTA XLIII
27 de Agosto de 17 * *.
CARTA XLIV
CARTA XLV
29 de Agosto de 17 * *.
CARTA XLVI
29 de Agosto de 17 * *.
CARTA XLVII
De P..., 30 de Agosto de 17 * *.
CARTA XLVIII
(Correio de Paris)
CARTA XLIX
31 de Agosto de 17 * *.
CARTA L
1 de Setembro de 17* *.
SEGUNDA PARTE
CARTA LI
2 de Setembro de 17* *.
CARTA LII
3 de Setembro de 17* *.
CARTA LIII
CARTA LIV
4 de Setembro de 17 * *.
CARTA LV
4 de Setembro de 17 * *.
CARTA LVI
5 de Setembro de 17 * *.
CARTA LVII
5 de Setembro de 17 * *.
CARTA LVIII
7 de Setembro de 17 * *.
CARTA LIX
8 de Setembro de 17* *.
CARTA LX
(Inclusa na precedente)
8 de Setembro de 17* *.
CARTA LXI
7 de Setembro de 17* *.
Nota - Suprimiu-se a carta de Cecília Volanges à Marquesa, porque continha apenas
os mesmos fatos da carta precedente, e com menos pormenores. A carta para o
Cavaleiro Danceny não foi encontrada; ver-se-á qual a razão na Carta LXIII, de
Madame de Merteuil ao Visconde.
CARTA LXII
7 de Setembro de 17**.
CARTA LXIII
9 de Setembro de 17 * *.
CARTA LXIV
9 de Setembro de 17 * *.
CARTA LXV
Ó minha Cecília, que vai ser de nós? Que Deus nos salvará das
desgraças que nos ameaçam? Ao menos, que o amor nos dê coragem
para as suportar! Como descrever-lhe o meu espanto, o meu desespero
à vista das minhas cartas, ante a leitura do bilhete de Madame de
Volanges?
Quem nos terá traído? Sobre quem recaem as suas suspeitas?
Teria a Cecília cometido alguma imprudência? Que faz agora? Que lhe
têm dito?
Tanto eu desejava saber tudo, e tudo ignoro. Talvez mesmo a
Cecília não saiba mais do que eu.
Envio-lhe o bilhete da sua Mamã, e a cópia da minha resposta.
Espero que aprovará o que eu lhe disse. Preciso muito que
aprove também as diligências que fiz desde aquele fatal
acontecimento, pois que todas têm por fim conseguir notícias suas e
dar-lhe as minhas; e, quem sabe?, talvez voltar a vê-la, e com maior
liberdade do que nunca. Põe na sua idéia, minha Cecília, que prazer
seria voltarmos a encontrar-nos, podermos jurar-nos de novo um amor
eterno, e ver nos nossos olhos, sentir nas nossas almas que esse
juramento não será desmentido? Um momento tão doce, que mágoas
não fará esquecer? Pois bem!
Tenho esperança de que tal momento surja, e devo-a a essas
mesmas diligências para que suplico a sua aprovação. Que digo; eu?
Devo essa esperança aos consoladores cuidados do mais; terno dos
amigos; e o único pedido que lhe faço é que permita; que esse amigo
seja também o seu.
Talvez eu não devesse confiar tanto sem o seu consentimento;
mas tenho por desculpa a má sorte e a necessidade. Foi o amor que
me conduziu*; é ele que reclama a sua indulgência, que lhe pede que
perdoe uma confidência necessária, e sem a qual ficaríamos talvez
separados para sempre. Conhece o amigo de que lhe falo; é-o
também da mulher de quem a Cecília tanto gosta. É o Visconde de
Valmont. O meu projeto, ao dirigir-me a ele, era primeiro o de lhe pedir
que conseguisse de Madame de Merteuil encarregar-se de uma carta
para a Cecília. Não julgou ele que esse meio fosse bem sucedido mas,
na falta da Marquesa, responde pela sua criada de quarto, que lhe
deve obrigações. Será ela quem lhe entregará esta carta e a Cecília
poderá dar-lhe a resposta.
Este auxílio não nos será de qualquer utilidade, se, como supõe o
Visconde, a Cecília partir em breve para o campo. Mas nesse caso ele
próprio deseja servir-nos. A dona da casa é parente dele, que
aproveitará esse pretexto para a visitar ao mesmo tempo. E será por seu
intermédio que poderemos trocar a nossa correspondência. Deu-me
mesmo a certeza de que, se a Cecília o consentir, ele conseguirá
arranjar maneira de nos vermos sem o perigo de se comprometer.
Agora, minha Cecília; se tem amor por mim, se lamenta a minha
má sorte, se, como espero, toma parte nas minhas mágoas, recusará a
sua confiança a um homem que será o nosso anjo tutelar? Sem ele,
ficarei reduzido ao desespero de nem mesmo poder suavizar as tristezas
que lhe causei. Elas terão fim, espero-o; mas, minha terna amiga,
prometa-me que não se entregará demasiado a tais tristezas, que não
se deixará vencer por elas.
A idéia da sua dor é para mim um tormento insuportável. Daria a
minha vida para a fazer feliz! Bem o sabe. Possa a certeza de ser
adorada levar alguma consolação à sua alma! A minha tem
necessidade da certeza de que perdoa ao meu amor os males que a
obriga a sofrer.
Adeus, minha Cecília, adeus minha terna amiga.
9 de Setembro de 17 * *.
*O Cavaleiro Danceny não fala verdade. Tinha já feito essa confidência ao senhor de
Valmont antes desse acontecimento. Ver Carta LVII.
CARTA LXVI
9 de Setembro de 17 * *.
CARTA LXVII
9 de Setembro de 17 * *.
CARTA LXVIII
10 de Setembro de 17 * *.
CARTA LXIX
10 de Setembro de 17* *.
CARTA LXX
11 de Setembro de 17* *.
CARTA LXXI
CARTA LXXII
Paris, 11 de Setembro de 17 * *.
CARTA LXXIII
(Junta à precedente)
CARTA LXXIV
Paris, 15 de Setembro de 17 * *.
CARTA LXXV
Está aqui uma boa amiga da Mamã, que eu não conhecia, que
parece também não gostar muito do senhor de Valmont, embora ele
tenha muitas atenções para ela. Tenho receio que ele se aborreça
depressa da vida que levamos aqui e que regresse a Paris; isso seria
lamentável. Deve ter muito bom coração para ter vindo expressamente
a fim de prestar um serviço ao seu amigo e a mim! Bem desejaria
testemunhar-lhe o meu reconhecimento, mas não sei como fazer para
falar; e mesmo que achasse ocasião para isso, ficaria tão
envergonhada que não saberia que dizer-lhe.
É só com Madame de Merteuil que eu falo livremente, quando
falo do meu amor. Talvez mesmo contigo, a quem digo tudo, eu ficasse
envergonhada, se fosse a conversarmos. Com o próprio Danceny tenho
muitas vezes sentido, contra minha vontade, certo receio que me
impedia de dizer tudo o que pensava.
Estou bem arrependida agora, e daria tudo para encontrar o
momento de lhe dizer uma vez, uma única vez, quanto o amo...
O senhor de Valmont prometeu-lhe que, se eu me deixasse
conduzir, arranjaria maneira de nos tornarmos a ver. Eu farei tudo o que
ele quiser; mas não posso conceber que tal seja possível.
Adeus, minha boa amiga, não posso escrever mais.*
Nota - Nesta carta, Cecília Volanges narra com muitos pormenores tudo o que lhe diz
respeito nos acontecimentos que o leitor conhece do fim da Primeira Parte, Carta LXI
e seguintes. Julgou-se oportuno suprimir essa repetição. Por fim, fala do Visconde de
Valmont, e exprime-se do seguinte modo:
Afirmo-te que é um homem extraordinário. A Mamã diz muito mal dele; mas o
Cavaleiro Danceny diz muito bem, e creio que é ele quem tem razão. Nunca vi
homem mais expedito. Quando me entregou a carta de Danceny, estava muita
gente e ninguém viu nada. certo que tive bastante medo porque não tinha sido
prevenida; mas agora estou sempre à espera. Já compreendi muito bem o que ele
quer que eu faça para lhe entregar a resposta. É muito fácil entendermo-nos com ele,
pois tem um olhar que diz tudo o que ele quer. Não sei o que ele faz para isso: dizia-
me no bilhete de que te falei que diante da Mamã fingira sempre não me ligar
importância. Na verdade, dir-se-ia que não pensa nisso; mas todas as vezes que
procuro os seus olhos, estou certa de encontrá-los imediatamente.
*Tendo Mademoiselle de Volanges, pouco tempo depois, mudado de confidente,
como se verá pela continuação destas cartas, não virá a encontrar-se nesta coleção
nenhuma das que continuou a escrever à sua amiga do convento, pois nada
revelariam ao leitor.
CARTA LXXVI
15 de Setembro de 17 * *.
CARTA LXXVIII
16 de Setembro de 17 * *.
CARTA LXXIX
18 de Setembro de 17* *.
CARTA LXXX
CARTA LXXXI
CARTA LXXXII
CARTA LXXXIII
CARTA LXXXIV
24 de Setembro de 17 * *.
CARTA LXXXV
CARTA LXXXVI
CARTA LXXXVII
TERCEIRA PARTE
CARTA LXXXVIII
26 de Setembro de 17 * *.
CARTA LXXXIX
CARTA XC
27 de Setembro de 17 * *.
CARTA XCI
27 de Setembro de 17 * *, à noite.
CARTA XCII
CARTA XCIII
(Junta à precedente)
Não lhe posso esconder como fiquei aflito ao saber por Valmont
a escassa confiança que continua a ter nele. Não ignora que é meu
amigo, a única pessoa que nos pode aproximar: julguei que estes títulos
bastariam; vejo com mágoa que me enganei. Poderei ao menos
esperar que me diga as suas razões?
Não haverá ainda outras dificuldades que a impeçam de ter
confiança nele? Não posso no entanto, sem que mo diga, perceber o
mistério da sua conduta. Não ouso pôr em dúvida o seu amor, sei
também que não ousaria trair o meu. Ah ! Cecília !...
É então verdade que recusou um meio* de me ver? Um meio
simples, cômodo e seguro? E é assim que me tem amor! Uma tão curta
ausência pôde alterar a tal ponto os seus sentimentos!
Mas para quê enganar-me? Para quê repetir que continua a
amar-me, e cada vez mais? A sua Mamã, ao destruir o seu amor,
destruiu-lhe também a candura? Se ela lhe deixou ao menos alguma
piedade, não será sem dor que a Cecília saberá os tormentos horríveis
que me causa. Ah ! sofreria menos ao morrer.
Diga-me pois: o seu coração fechou-se definitivamente para
mim? É certo que me esqueceu inteiramente? Graças à sua recusa,
não sei quando ouvirá as minhas queixas, nem quando lhes responderá.
A amizade de Valmont tinha assegurado a nossa correspondência: mas
a Cecília não quis; achava-a difícil, preferiu que ela fosse mais rara.
Não, não acreditarei mais no amor, na boa fé. Em quem acreditar, se a
Cecília me enganou?
Responda-me pois: é certo que já não me tem amor? Não, isso
não é possível; a Cecília ilude-se a si própria; calunia o seu próprio
coração. Um receio passageiro, um momento de desânimo, que o
amor depressa fez desaparecer: não é verdade, minha Cecília? Ah!
Sem dúvida, e faço mal em a acusar. Como eu seria feliz se me tivesse
enganado! Como gostaria de pedir ternas desculpas, de compensar
este momento de injustiça com uma eternidade de amor!
Cecília, Cecília, tenha piedade de mim! Consinta em me ver;
aceite todos os meios! Veja o que produz a ausência: receios, suspeitas,
talvez frieza!
Um só olhar, uma só palavra, e seremos felizes. Mas quê! Posso eu
ainda falar de felicidade? Talvez esteja perdida para mim, perdida para
sempre. Torturado pelo receio, cruelmente apertado entre a suspeita
injusta e a mais cruel das verdades, não me posso agarrar a nenhum
pensamento; o pouco que conservo de vida é para sofrer e amar. Ah!
Cecília! É a única pessoa que tem o direito de me embelezar a
existência, de ma tornar cara; e espero das suas palavras o regresso à
felicidade ou a certeza dum desespero eterno.
* Danceny não sabe de que meio se trata; repete apenas a expressão de Valmont.
CARTA XCIV
CARTA XCV
28 de Setembro de 17 * *.
CARTA XCVI
CARTA XCVII
Ah! Meu Deus, senhora, como estou aflita! Como sou infeliz!
Quem me consolará na minha dor? Quem me aconselhará na
dificuldade em que me encontro? Este senhor de Valmont!...
E Danceny! Não, a lembrança de Danceny lança-me no
desespero...
Como contar? Como ousar dizer-vos?... Não sei como o fazer. No
entanto o meu coração transborda... Preciso de desabafar com
alguém e vós sois a única a quem posso escrever.
Tem sido tão boa para mim! Mas não espero que o sejais agora;
não sou digna disso; como dizer-vos? Já não o desejo. Hoje foram todos
aqui muito carinhosos para comigo, mas só contribuíram para aumentar
o meu sofrimento. Senti profundamente que não merecia tanta
atenção! Vós, pelo contrário, ralhai-me; severamente, porque tenho
imensa culpa, mas depois salvai-me; se não tiverdes a bondade de me
aconselhar, morrerei de desgosto.
Vergonha. Pois bem! Suportá-la-ei; será o primeiro castigo da
minha falta. Sim, dir-vos-ei tudo.
Sabei pois que o senhor de Valmont, que me entregara até
agora as cartas de Danceny, descobriu de repente que era demasiado
difícil; quis ter uma chave do meu quarto. Garanto-vos que não queria,
mas ele escreveu a Danceny e este concordou; e a mim custa-me
tanto recusar-lhe qualquer coisa, sobretudo desde que a minha
ausência o torna tão infeliz, que acabei por consentir. Não previa a
desgraça que daí resultaria.
Ontem, o senhor de Valmont serviu-se dessa chave para entrar
no meu quarto, enquanto eu dormia; estava tão longe de esperar
semelhante coisa que me assustei ao acordar; mas como falou
imediatamente, reconheci-o e não gritei; e além disso veio-me logo a
idéia de que talvez trouxesse uma carta de Danceny.
Nada disso. Passado um momento quis beijar-me; e enquanto eu
me defendia, como era natural, insinuou-se de tal forma junto de mim,
que não quereria por coisa alguma deste mundo que ele continuasse
naquela posição. Mas exigiu um beijo primeiro. Forçoso foi; que fazer?,
tanto mais que tentara tocar, mas além de não ter podido, ameaçou-
me que, se viesse alguém, lançaria toda a culpa sobre mim; e com
efeito seria muito fácil, por causa da chave. Mas depois nem por isso se
retirou.
Quis um segundo; e desta vez, não sei porquê, perturbou-me de
tal forma... e em seguida foi ainda pior. Oh! Não se faz uma coisa
destas. Enfim, depois..., dispensar-me-eis de dizer o resto; sou tão infeliz
quanto é possível sê-lo.
Aquilo de que mais me acuso, forçoso é que vo-lo diga, é o
receio de não me ter defendido quanto podia. Não sei como foi, não
amo o senhor de Valmont, bem pelo contrário; mas houve no entanto
momentos em que foi como se o amasse. Bem sabeis que isso não me
impedia de ir repetindo que não; mas senti que não estava agindo
como dizia; e tudo isto independentemente da minha vontade; e
depois também, ora, estava tão perturbada!
Se é assim tão difícil a gente defender-se, grande prática é
preciso!
Também é verdade que este senhor de Valmont tem umas
maneiras de falar que não se sabe como responder-lhe, enfim, quer
acreditar que quando partiu eu estava de certo modo zangada, e que
apesar disso tive a fraqueza de consentir que voltasse esta noite; o que
me desola ainda mais que tudo o resto.
Oh! Apesar disso, prometo-vos que o impedirei de entrar. Mal ele
saíra, já sentia como tinha errado ao consentir. O resto do tempo não fiz
senão chorar. Sobretudo a recordação de Danceny fazia-me sofrer!
Cada vez que pensava nele, as lágrimas aumentavam ao ponto de
sufocar, e não podia deixar de pensar nele... E ainda agora, vede o
efeito; eis o papel todo molhado. Não, nunca mais me consolarei,
quanto mais não seja por causa dele... Estava exausta, e no entanto
não dormi um minuto. Esta manhã ao levantar-me, perante o espelho,
metia medo, de transtornada que estava.
A Mamã reparou assim que me viu, e perguntou-me o que tinha.
Desatei logo a chorar. Julguei que me ia ralhar, o que talvez me tivesse
custado menos, mas não. Falou-me com doçura!
Não o merecia, de forma nenhuma. Disse que não me afligisse!
Ignorava o motivo do meu desespero. Como me sentia mal! Há
momentos em que desejo a morte. Não resisti. Lancei-me nos braços
dela aos soluços, e dizendo: "Ah! Mamã, a vossa filha é tão infeliz!" A
Mamã não pôde deixar de chorar um pouco; o que só teve como
conseqüência aumentar a minha dor, felizmente não perguntou por
que razão eu era tão infeliz, pois não saberia que responder.
Suplico-vos, senhora, escrevei o mais cedo que puderdes, e
dizei-me o que devo fazer, porque não tenho coragem de pensar em
nada, não faço outra coisa senão afligir-me. Enviai a carta pelo senhor
de Valmont; mas, peço-vos, se lhe escreverdes ao mesmo tempo, não
lhe faleis no que vos contei.
Tenho a honra de ser, minha senhora, com imensa amizade, a
vossa muito humilde e obediente escrava...
Não ouso assinar esta carta.
CARTA XCVIII
CARTA XCIX
CARTA C
(Junta à precedente)
Deves ser muito imbecil para, tendo partido daqui esta manhã,
não teres descoberto que Madame de Tourvel também partia; ou, se o
soubeste, para me não teres prevenido. De que serve gastares o meu
dinheiro a beber com os criados, e que em vez de empregares o tempo
a servir-me o desperdices a fazer a corte às criadas de quarto, se
apesar disso não fico mais bem informado acerca do que se passa?
Tanta negligência! Mas previno-te de que, se te acontecer uma que
seja neste caso, será a última que terás ao meu serviço.
Informar-me-ás de tudo o que se passar em casa de Madame
de Tourvel, da saúde dela; se dorme; se está triste ou alegre; se sai
muitas vezes e aonde vai; se recebe visitas, e quem; em que passa o
tempo, se se zanga com as criadas, especialmente com a que veio
com ela; o que faz quando está só; se quando lê, lê seguidamente ou
se interrompe a leitura para meditar; e o mesmo quando escreve.
Procura tornar-te amigo do criado que leva as cartas para o correio.
Oferece-te até para fazer esse recado em vez dele; e quando aceitar
não mandes senão as que te parecerem indiferentes, e envia-me as
outras, sobretudo as endereçadas a Madame de Volanges, se alguma
houver.
Procura ser ainda por algum tempo o amante feliz da tua Júlia.
Se ela tem outro, como julgaste, que consinta em se dividir; e não te
aflijas com escrúpulos ridículos, estarás no caso de muitos outros, que
valem mais do que tu. Se no entanto o teu rival se tornar importuno, se,
por exemplo, vires que ele ocupa demasiado a Júlia durante o dia, e
que por isso ela está menos tempo junto da senhora, afasta-o de
qualquer modo; ou procura uma questão com ele; não temas as
conseqüências, responderei por ti. Não deixes essa casa. É pela
assiduidade que se nota e percebe tudo. Se por um acaso algum dos
criados for despedido, apresenta-te para o substituir como se já me não
pertencesses.
Podes dizer nesse caso que me deixaste para procurar uma casa
mais tranqüila e regrada. Faz o possível para que te aceitem. Ficarás do
mesmo modo ao meu serviço durante esse tempo; será como em casa
da Duquesa de...: e, ainda por cima, Madame de Tourvel te virá a
recompensar.
Se tivesses jeito e zelo estas instruções deviam bastar, mas para
suprir a ambos envio-te dinheiro. O bilhete junto autoriza-te como verás
a levantar vinte e cinco luíses do meu administrador; porque tenho a
certeza de que estás sem dinheiro. Empregarás desta quantia o que for
necessário para decidir Júlia a estabelecer correspondência comigo. O
resto será para beberes com os criados. Quando o fizeres, não
esqueças que não são os teus prazeres que eu quero pagar, mas os
teus serviços.
Acostuma Júlia a observar e a contar-te tudo, mesmo o que lhe
pareça demasiado minucioso. Vale mais que ela escreva dez frases
inúteis do que omita uma com interesse; e muitas vezes o que parece
indiferente não o é. Como é necessário que possa ser informado
imediatamente, se acontecer qualquer coisa que te pareça
importante, assim que tenhas recebido esta carta mandarás Filipe fixar-
se em...* com um cavalo; aí ficará até nova ordem; haverá uma muda
em caso de necessidade. Para a correspondência corrente, bastará o
correio.
Tem cuidado em não perder esta carta. Relê-a todos os dias,
não só para te certificares de que não te esqueceste de nada, mas
também para teres a certeza de ainda a possuíres. Faz enfim tudo o
que é preciso, quando se tem a honra da minha confiança.
*Aldeia a meio caminho de Paris ao castelo de Madame de Rosemonde.(N. do A.)
Não terás de que te arrepender se eu ficar satisfeito contigo.
CARTA CII
CARTA CIII
CARTA CIV
Paris, 4 de Outubro de 17 * *.
CARTA CV
CARTA CVI
Paris, 4 de Outubro de 17 * *.
CARTA CVII
Senhor:
CARTA CVIII
CARTA CIX
CARTA CX
CARTA CXI
Conde de Gercourt
CARTA CXII
(Ditada)
Só agora recebi, minha querida filha, a vossa carta de 1/11, e as
doces censuras que contém. Confessai que tivestes vontade de me
fazer ainda mais; e que se vos não tivésseis lembrado de que éreis
minha filha, ter-me-íeis ralhado a valer. Teríeis sido no entanto bem
injusta! Era o desejo e a esperança de vos poder responder eu própria
que me faziam adiar todos os dias; e vedes que ainda hoje sou
obrigada a servir-me da mão da minha criada de quarto. O maldito
reumatismo voltou-me; anichou-se desta vez no braço direito e estou
mesmo maneta. Eis de que vos serve, jovem e fresca como sois, ter uma
amiga tão velha! Pagais pelos meus incômodos.
Logo que as dores me dêem um pouco de descanso, prometo
conversar longamente convosco. Entretanto dir-vos-ei apenas que
recebi as vossas duas cartas, que teriam duplicado, se tal fosse possível,
a minha terna amizade por vós; e que nunca deixarei de compartilhar
intensamente tudo o que vos diz respeito.
O meu sobrinho também está um pouco indisposto, mas sem
gravidade, nada de inquietante; um ligeiro incômodo, que, ao que me
parece, lhe afeta mais o espírito do que a saúde.
Quase não o vemos.
O afastamento dele e a vossa partida tiraram a alegria ao nosso
grupo. A pequena Volanges sobretudo não diz uma palavra e boceja
desalmadamente durante todo o dia. Especialmente de há alguns dias
para cá, dá-nos a honra de adormecer profundamente logo após o
jantar.
Adeus, minha querida filha; serei sempre para vós a amiga, a
mãe, e até a irmã, se a avançada idade me permitisse tal título.
Enfim, estou-vos ligada pelos mais ternos sentimentos.
Assinada: Adelaide, em nome de Madame de Rosemonde.
CARTA CXIII
CARTA CXIV
Paris, 16 de Outubro de 1 7* *.
CARTA CXV
CARTA CXVI
CARTA CXVII
CARTA CXVIII
CARTA CXIX
CARTA CXX
Não tenho a honra de ser conhecido por vós, senhor, mas sei da
inteira confiança que em vós tem a senhora de Tourvel e sei, além disso,
quanto essa confiança é dignamente merecida.
Creio portanto poder, sem ser indiscreto, dirigir-me a vós, para
obter um favor essencial, verdadeiramente digno do vosso santo mister,
e no qual o interesse da senhora de Tourvel se encontra aliado ao meu.
Tenho em meu poder papéis importantes que lhe dizem respeito,
que não podem ser confiados a ninguém e que não quero nem devo
entregar senão nas próprias mãos dela. Não tenho maneira de a
informar disto, porque certas razões, que talvez conheçais por ela, mas
que não me julgo autorizado a comunicar-vos, a levaram a tomar a
decisão de recusar toda a correspondência comigo: decisão que hoje
voluntariamente confesso não poder censurar, visto que ela não podia
prever acontecimentos que eu próprio estava bem longe de esperar e
que apenas foram possíveis pela força sobre-humana que é forçoso
reconhecer neles.
Peço-vos, pois, senhor, vos digneis informá-la das minhas novas
resoluções, e pedir-lhe da minha parte uma entrevista particular,
durante a qual possa, pelo menos em parte, reparar os erros com as
desculpas; e, com este último sacrifício, destruir a seus olhos os únicos
vestígios ainda existentes dum erro ou duma falta que me tornou
culpado para com ela.
Só após esta expiação preliminar ousarei depor a vossos pés a
humilhante confissão das minhas imensas loucuras; e implorar a vossa
mediação para uma reconciliação bem mais importante ainda, e
infelizmente mais difícil. Posso contar, senhor, que não me recusareis as
vossas atenções, tão necessárias e tão preciosas? E que vos dignareis
encorajar a minha fraqueza e guiar os meus passos num caminho novo
que desejo sinceramente seguir, mas que confesso, corando, não
conhecer ainda?
Espero a vossa resposta com a impaciência do arrependido que
deseja reparar o mal feito, e peço-vos que me acrediteis tão
reconhecido quão venerador, Vosso muito humilde, etc.
CARTA CXXI
CARTA CXXII
CARTA CXXIV
A PRESIDENTE DE TOURVEL A MADAME DE ROSEMONDE
CARTA CXXV
Eis vencida essa mulher orgulhosa que ousara crer que me podia
resistir! Sim, minha amiga, tive-a, possuí-a inteiramente; e desde ontem
que nada mais tem a conceder-me.
Estou ainda demasiado cheio da minha felicidade para a poder
apreciar: espanto-me do encanto desconhecido que experimentei.
Será pois verdade que a virtude aumenta o valor duma mulher,
até no momento em que deixa de a ter? Mas não, releguemos essa
idéia pueril para as almas simplórias. Não se encontra quase por toda a
parte uma resistência mais ou menos bem fingida ao primeiro triunfo? E
já alguma vez tinha eu encontrado o encanto de que falo? Contudo,
não é o do amor; porque, enfim, se junto desta mulher espantosa tive
por vezes momentos de fraqueza que se assemelhavam a essa paixão
pusilânime, soube sempre vencê-los e voltar aos meus princípios.
Mesmo que a cena de ontem me tenha, segundo suponho,
levado um pouco mais longe do que contava; mesmo que tenha
partilhado por um momento a perturbação e a embriaguez que
inspirava, essa ilusão passageira estaria dissipada presentemente; e, no
entanto, o mesmo encanto subsiste. Experimentaria até, confesso-o, um
prazer assaz doce em me entregar a ele, se isso não me causasse uma
certa inquietação. Seria eu, na minha idade, dominado como um
principiante por um sentimento involuntário e desconhecido? Não: é
preciso, antes de tudo, combatê-lo e aprofundá-lo.
De resto, talvez já tenha entrevisto a causa! Comprazo-me pelo
menos com esta idéia, e gostaria que fosse verdadeira.
Na multidão de mulheres junto das quais desempenhei até hoje
o papel e as funções de amante, não tinha ainda encontrado
nenhuma que não tivesse pelo menos tanta vontade de se entregar
como eu de a isso a forçar; tinha-me até habituado a chamar
pudibundas às que faziam apenas metade do caminho, por oposição a
tantas outras, cuja defesa provocante cobria imperfeitamente os
primeiros favores que tinham concedido.
Aqui, pelo contrário, encontrei a princípio uma prevenção
desfavorável, fundamentada depois nos conselhos e nas informações
duma mulher odienta, mas sagaz; uma timidez natural e extrema que
fortificava um pudor lúcido; um apego à virtude, conduzida pela
religião, e que contava já dois anos de triunfo; e, para finalizar,
iniciativas súbitas, inspiradas por estes diferentes motivos, tendo por fim
furtar-se à minha perseguição.
Não se trata, pois, como nas minhas outras aventuras duma
simples capitulação mais ou menos vantajosa, da qual é mais fácil tirar
proveito do que vaidade; é uma vitória completa, arrancada por uma
campanha penosa e resolvida definitivamente por sábias manobras.
Nada de espantar pois que este êxito, devido apenas a mim, me seja
mais precioso; e o acréscimo de prazer que experimentei no triunfo, e
que ainda sinto, é a doce impressão do sentimento da glória. Acarinho
esta maneira de ver, que me poupa a humilhação de pensar que possa
depender de qualquer maneira da escrava que submeti: que não
detenho apenas em mim a plenitude da minha felicidade; e que a
faculdade de ma fazer gozar em toda a sua força esteja reservada a
tal ou tal mulher, com exclusão de qualquer outra.
Estas sensatas reflexões regularão toda a minha conduta nesta
importante ocasião; e pode estar certa de que não me deixarei
prender de maneira a não poder, a todo o momento, quebrar a meu
bel-prazer estes novos laços. Falo-lhe já da ruptura, e ignorais ainda por
que meios a ela adquiri direitos; leia, pois, e veja a que se expõe a
sabedoria quando tenta socorrer a loucura.
Estudava tão atentamente as minhas palavras e as respostas,
que obtinha, que espero reproduzi-las com uma exatidão que,
satisfaça.
Verá, pelas duas cópias de cartas aqui juntas, qual o
medianeiro* que escolhera para me aproximar da minha bela, e com
que zelo a santa criatura se empenhou em nos unir. O que é preciso
saber também, e que eu tinha descoberto por uma carta, interceptada
como de costume, é que o receio e a pequena humilhação de ser
abandonada tinham perturbado um pouco a pudicícia da austera
devota; e tinham-lhe enchido o coração e a cabeça de idéias que, lá
por não terem sentido, nem por isso deixavam de ser interessantes. Foi
depois destes preparativos indispensáveis que ontem, quinta-feira, 28,
dia marcado e concedido pela ingrata, me apresentei, escravo tímido
e arrependido, em casa dela, para sair mais tarde coroado vencedor.
Eram seis horas da tarde quando cheguei a casa da bela
reclusa; porque, desde o regresso, a sua porta tem estado fechada a
toda a gente.
Tentou levantar-se quando fui anunciado; mas os joelhos
trêmulos não lho permitiram: voltou a sentar-se imediatamente. Como o
criado que me tinha introduzido tivesse qualquer serviço a fazer na sala,
pareceu impacientar-se e preenchemos este intervalo com os
cumprimentos usuais. Mas para não perder tempo numa ocasião em
que todos os instantes eram preciosos, examinei cuidadosamente o
local; e marquei logo qual seria o teatro da minha vitória. Poderia ter
escolhido um mais cômodo: porque neste mesmo quarto havia uma
otomana.
Mas notei que em face dela estava um retrato do marido; e
receei, confesso-o, que, com esta mulher tão singular, um simples olhar
*Cartas CXX e CXXIII.
lançado por acaso para aquele lado bastasse para destruir num ápice
o resultado de tantos esforços. Ficamos finalmente sós e entrei no
assunto.
Depois de explicar, em poucas palavras, que o padre Anselmo a
devia ter informado do motivo da minha visita, queixei-me do
tratamento rigoroso a que fora submetido; e acentuei particularmente o
desprezo que me tinha sido testemunhado.
Defendeu-se, como esperava; e, como certamente calcula,
apresentei como provas a desconfiança e o medo que eu inspirara; a
fuga escandalosa que se seguira, a recusa de responder às minhas
cartas, de as receber até, etc., etc. Quando começou a justificação,
que seria bem fácil, julguei dever interrompê-la; e para me fazer
perdoar por esta brusquidão, cobri-a logo de lisonjas.
"Se tais encantos", recomecei eu, "produziram uma impressão
tão profunda sobre o meu coração, as vossas virtudes não fizeram
menos sobre a minha alma. Seduzido, sem dúvida, pelo desejo de me
aproximar, atrevi-me a julgar-me digno delas. Não vos censuro por
terdes sido de opinião diferente; mas castigo-me pelo meu erro. Como
o embaraço a forçasse ao silêncio, continuei: "Desejei, senhora, ou
justificar-me aos vossos olhos, ou obter o vosso perdão pelos erros que
me atribuís, a fim de poder ao menos terminar com alguma
tranqüilidade uma vida a que já não dou valor, desde que vos
recusastes embelezá-la."
Aqui tentou responder. "O meu dever não me permitia..." E a
dificuldade de terminar a mentira que o dever lhe exigia não a deixou
acabar a frase. Recomecei então no tom mais terno: "É então verdade
que foi de mim que fugistes?" - "Aquela partida era necessária." - "E
também que me afastais de vós?" - "Assim é preciso." - "E para sempre?"
- "É o meu dever." Desnecessário se torna dizer-lhe que, durante este
curto diálogo, a voz da terna devota estava opressa e que os seus olhos
não se erguiam para mim.
Julguei dever animar um pouco esta cena esmo recente; assim,
levantando-me com ar de despeito, disse então: "A vossa firmeza
devolve-me a minha. Pois bem, senhora, ficaremos separados sim; mais
separados até do que pensais, e tereis então todo o tempo para vos
felicitardes da vossa obra." Um pouco, surpreendida por este tom de
censura, quis replicar. "A resolução que haveis tomado", disse ela... "É
apenas o efeito do desespero", acrescentei com ímpeto. "Quisestes
fazer-me infeliz; provar-vos-ei que o haveis conseguido para além
mesmo dos vossos desejos." "Desejo a vossa felicidade", respondeu. E o
tom da voz começava a anunciar uma emoção assaz forte. Assim,
lançando-me aos seus pés, e com o tom dramático que me, conhece,
exclamei: "Ah, cruel! Como pode existir para mim uma felicidade se vós
a não compartilhardes? Como encontrá-la longe de vós? Ah, nunca,
nunca!" Confesso que, abandonando-me a este ponto, contara imenso
com o auxílio das minhas lágrimas; mas, ou por má disposição, ou talvez
apenas por efeito da atenção penosa e contínua que prestava a tudo,
foi-me impossível chorar.
Por felicidade recordei-me que para subjugar uma mulher todos
os meios são bons; e que bastava impressioná-la com um forte
arrebatamento, para que a impressão permanecesse profunda e
favorável. Supri então a falta de sensibilidade pelo terror; e para tal,
mudando apenas a inflexão da voz, e mantendo a mesma atitude,
continuei: "Sim, faço este juramento a vossos pés: ou vos possuo ou
morro." Ao pronunciar estas últimas palavras, os nossos olhares
encontraram-se. Não sei o que a tímida criatura viu ou julgou ver nos
meus; mas levantou-se com ar assustado e escapou-se dos meus braços
que a rodeavam.
Verdade seja que nada fiz para a reter, porque já notara várias
vezes que as cenas de desespero, conduzidas com demasiada
vivacidade, caem no ridículo quando se tornam longas ou quando só
deixam saídas verdadeiramente trágicas, coisa que eu estava muito
longe de desejar. Entretanto, enquanto ela se esquivava, acrescentei
num tom baixo e sinistro, mas de maneira a poder ser ouvido: "Pois bem!
A morte!"
Levantei-me então; e, guardando um momento de silêncio,
lançava sobre ela, como por acaso, olhares selvagens, que lá por
parecerem alucinados nem por isso eram menos clarividentes e
observadores. O porte pouco seguro, a respiração apressada, a
contração dos músculos, os braços trêmulos e meio levantados, tudo
me provava que o efeito fora tal como o desejava mas, como no amor
só de perto algo se concretiza, e como estávamos um pouco afastados
um do outro, era necessário antes do mais que nos aproximássemos.
Para o conseguir, passei o mais rapidamente possível a uma aparente
tranqüilidade, propícia para acalmar os efeitos desta situação violenta,
mas sem lhe enfraquecer a impressão.
A minha transição foi: "Sou um infeliz. Quis viver para a vossa
felicidade, e estraguei-a. Consagrei-me à vossa tranqüilidade, e
perturbo-a." Em seguida, com um ar calmo mas constrangido: "Perdão,
senhora, pouco habituado às tempestades das paixões, não sei reprimir-
lhes os ímpetos. Se fiz mal em deixar-me levar por eles, pensai ao menos
que é a última vez. Ah, acalmai-vos, acalmai-vos, peço-vos.. E durante
esta longa frase, aproximei-me insensivelmente. "Se quereis que me
acalme, respondeu a bela amedrontada, "estai também mais
tranqüilo".
"Pois bem! Sim, prometo-vos", disse-lhe eu. E acrescentei com
uma voz mais fraca: "Se o esforço é grande, ao menos não será longo.
Mas", acrescentei logo com um ar alucinado, "vim, não é verdade, para
restituir as vossas cartas? Por piedade, dignai-vos aceitá-las. É mais um
sacrifício que me resta fazer; não me deixeis nada que me possa
diminuir a coragem. E tirando do bolso a preciosa coleção, disse: "Eis o
enganador testemunho das afirmações da vossa amizade! Era o que
me prendia à vida; tomai-o. Dai pois vós mesma o sinal que nos deve
separar para todo o sempre."
Aqui, a amante receosa cedeu inteiramente à sua meiga
inquietação.
"Mas, senhor de Valmont, que tendes, que quereis dizer? O passo
que hoje destes não é voluntário? Não é o fruto das vossas próprias
reflexões? E não são elas que vos levaram a aprovar a atitude
absolutamente necessária que tomei por dever?
"Pois bem!", disse eu, "essa atitude impede-me uma decisão." -
"Qual!?" - "A única que pode, ao mesmo tempo que me separa de vós,
pôr fim aos meus tormentos." - "Mas, respondei-me, que decisão é?"
Neste ponto, apertava-a nos meus braços, sem que ela se defendesse;
e calculando, por este esquecimento do decoro, quanto a emoção
devia ser forte e poderosa: "Mulher adorável", disse eu, ousando o
entusiasmo, "não fazeis idéia do amor que inspirais. Nunca sabereis até
que ponto fostes adorada, e como este sentimento me era mais caro
que a minha existência! Que os vossos dias sejam afortunados e
tranqüilos; que se embelezem com toda a felicidade de que me haveis
privado! Retribuí ao menos este desejo sincero com um remorso, uma
lágrima; e crede que o último dos meus sacrifícios não será o mais
doloroso para o meu coração. Adeus."
Enquanto falava assim, sentia o seu coração palpitar com
violência; observava-lhe a alteração do rosto; sobretudo via as lágrimas
sufocá-la, e no entanto só corriam raras e penosas. Só então tomei a
decisão de fingir afastar-me; mas agarrando-me com força: "Não,
escutai-me", disse ela vivamente. "Deixai-me", respondi. "Tendes de me
escutar, quero que me escuteis."
"Devo afastar-me de vós!" - "Não!", gritou ela... Com esta última
palavra lançou-se, ou antes, caiu desmaiada nos meus braços. Como
duvidava ainda de tão feliz êxito, fingi um grande susto; mas ao mesmo
tempo, conduzi-a, ou melhor, levei-a ao colo para o local
precedentemente escolhido como terreno da minha glória; e com
efeito, quando voltou a si já estava abandonada e submetida ao seu
feliz vencedor.
Até aqui, minha bela amiga, achar-me-á, creio, duma pureza de
método que lhe agradará; e verá que não me afastei em nada dos
verdadeiros princípios desta guerra, que já muitas vezes notáramos ser
tão parecida com a outra. Compare-me pois com Turenne ou
Frederico. Obriguei a combater um inimigo que queria apenas
contemporizar; consegui, por meio de sábias manobras, escolher o
terreno e a disposição das forças; inspirei confiança ao inimigo para
mais facilmente o poder alcançar no seu esconderijo; nada deixei ao
acaso, considerando o valor que teria o triunfo e a necessidade de
reservar uma saída em caso de derrota; finalmente, só abri as
hostilidades quando já tinha uma retirada assegurada, de forma a
poder proteger e conservar tudo o que conquistara anteriormente. Eis,
creio, tudo o que é possível fazer; mas receio agora ter-me deixado
amolecer, como Aníbal pelas delícias de Cápua. Eis o que aconteceu
depois. Esperava evidentemente que um tão grande acontecimento
não se passaria sem as lágrimas e o desespero do costume; ora notei a
princípio sobretudo um estado de confusão e uma espécie de
recolhimento; mas atribuí ambos à sua pudicícia, assim, sem me
preocupar com estas ligeiras diferenças, que supus meramente locais,
enveredei pela grande estrada das consolações, convencido de que,
como de costume, as sensações ajudariam o sentimento, e que uma só
ação fazia mais do que todas as palavras, que eu, porém, não deixava
de lado. Mas encontrei uma resistência verdadeiramente assustadora,
menos pela sua força do que pela forma que revestia.
Imagine uma mulher sentada, rígida, rosto imóvel; sem aspecto
de pensar, ouvir ou compreender; de cujos olhos fitos as lágrimas
deslizam continuamente e sem esforço. Assim estava Madame de
Tourvel enquanto eu lhe falava; mas se eu tentava chamar-lhe a
atenção para mim por meio duma carícia, mesmo pelo gesto mais
inocente, a esta aparente apatia sucedia imediatamente o terror, a
sufocação, as convulsões, e alguns gritos entrecortados, mas sem
articular uma palavra.
Estas crises repetiram-se várias vezes, e cada vez mais fortes; a
última foi mesmo tão violenta que fiquei inteiramente desanimado, e
receei por momentos ter obtido uma vitória inútil.
Recorri então aos lugares-comuns do costume, entre os quais se
encontrava este: "Desesperais-vos porque me haveis feito feliz?" A estas
palavras, a adorável mulher voltou-se para mim; e o rosto, se bem que
ainda um pouco alucinado, já tinha no entanto retomado a sua
expressão celestial. "Sois pois feliz?" Afirmei com mais força ainda. "E feliz
por minha causa!" Multipliquei as lisonjas e as meiguices. Enquanto eu
falava os membros distenderam-se-lhe; tombou com moleza, apoiada
contra o sofá; e abandonando-me uma das mãos de que ousara
apossar-me, disse: "Sinto que essa idéia me consola e alivia."
Calcula certamente que uma vez colocado no bom caminho,
não o voltei a abandonar; era realmente o que tinha a fazer.
Assim, quando quis tentar um segundo êxito, encontrei a
princípio certa resistência, e o que se passara anteriormente tornou-me
circunspeto. Mas chamando de novo em meu auxílio aquela mesma
idéia da minha felicidade, verifiquei logo o seu efeito benéfico: "Tendes
razão", disse-me a meiga criatura; "só posso suportar a minha existência
na medida em que ela servir para vos fazer feliz. Vou-me consagrar
inteiramente a isso: a partir deste momento entrego-me, e nunca mais
encontrareis da minha parte nem recusas, nem remorsos." Foi com esta
ingênua e sublime candura que me abandonou a sua pessoa e os seus
encantos, e aumentou assim a minha felicidade ao compartilhá-la.
A embriaguez foi completa e recíproca; e, pela primeira vez, a
minha sobreviveu ao prazer. Ao sair dos braços dela caía-lhe aos pés,
jurando-lhe amor eterno; e, é preciso confessá-lo, eu acreditava no que
dizia. Enfim, mesmo depois de nos termos separado, a sua lembrança
não me deixava, e tive de fazer um esforço para a esquecer.
Ah, por que não está aqui para equilibrar o mérito da ação pelo
da recompensa? Mas não perderei nada por esperar, não é verdade? E
espero poder considerar como assente entre nós o feliz acordo que lhe
propus na minha última carta. Bem vê que cumpro a minha parte, e
que, como lhe prometi, os meus assuntos estarão suficientemente
avançados para lhe poder dedicar uma parte do meu tempo. Apresse-
se a despachar esse estorvo do Belleroche, e deixe em paz o dulçoroso
Danceny, para se ocupar apenas de mim. Mas o que faz no campo,
que nem sequer me responde?
Sabe que tenho vontade de lhe ralhar? Mas a felicidade
predispõe à indulgência. E não esqueço, aliás, que ao colocar-me de
novo no número dos seus apaixonados, devo submeter-me às suas
pequenas fantasias. Lembre-se, porém, de que o novo amante nada
quer perder dos antigos direitos do amigo...
Adeus, como outrora... Sim, adeus, meu anjo! Envio-te todos os
beijos do amor.
P. S. - Sabe que Prévan ao fim do seu mês de prisão foi obrigado a
abandonar o regimento? É a novidade do dia em Paris. Na verdade, ei-
lo cruelmente punido por uma patifaria que não cometeu, e a minha
amiga obteve um êxito completo!
CARTA CXXVI
CARTA CXXVII
Se ainda não respondi, Visconde, à sua carta de 19, não foi por
falta de tempo; mas simplesmente porque ela me irritou e a não achei
razoável. Tinha pensado que o melhor era deixá-la no esquecimento;
mas visto que insiste, que parece empenhado nas idéias que sugere, e
que toma o meu silêncio por um consentimento, urge que lhe exponha
claramente a minha opinião.
Tive por vezes a pretensão de substituir sozinha um serralho
inteiro; mas nunca aceitei fazer parte de um. Pensava que o meu amigo
sabia isso. Pelo menos, neste momento, já não o ignora e julgará
facilmente quanto me pareceu ridícula a sua proposta.
Pois quê! Poderia eu sacrificar uma inclinação, e para mais uma
inclinação recente, para me ocupar de si? E ocupar-me como?
Esperando a vez, como escrava submissa, dos sublimes favores
de Sua Alteza. Quando, por exemplo, se quiser distrair por um momento
desse encanto desconhecido que a adorável, a celeste Madame de
Tourvel foi a única a fazer-lhe sentir, ou quando temer comprometer
perante a atraente Cecília a idéia superior que ela conserve de si;
então, descendo até mim, virá procurar prazeres, na verdade menos
vivos, mas sem conseqüências; e as suas preciosas bondades, embora
um pouco raras, bastarão para a minha felicidade.
Vejo que está cheio de si, mas eu também não sou modesta; e
por mais que me olhe, não me acho decaída até esse ponto.
Talvez seja defeito da minha parte, mas previno-o de que possuo
ainda muitos outros.
Em primeiro lugar o de acreditar que o colegial, o dulçoroso
Danceny, só se ocupando de mim, sacrificando-me, sem se fazer valer,
uma primeira paixão, ainda antes de a ter satisfeito, e amando-me
enfim como se ama na idade dele, poderia, apesar dos seus vinte anos,
contribuir bem mais do que o Visconde para a minha felicidade e os
meus prazeres. Permito-me mesmo acrescentar que, se me desse na
fantasia a idéia de lhe dar um adjunto, não seria certamente o
Visconde, pelo menos por agora.
Por que razões?, perguntará. Em primeiro lugar poderia não
haver nenhuma, porque o capricho que me faria preferi-lo, pode
igualmente excluí-lo. Mas quero, por delicadeza, dar-lhe o motivo da
minha decisão. Parece-me que teria de me fazer demasiados
sacrifícios, e eu, em vez de mostrar o reconhecimento que esperaria de
mim, seria capaz de julgar que ainda merecia mais! Bem vê que, tão
afastados um do outro pela nossa maneira de pensar, de nenhum
modo nos podemos unir; e temo que me seja necessário muito tempo,
mesmo muito, antes de mudar de sentimentos.
Prometo avisá-lo quando estiver corrigida. Até lá, creia-me,
pode arranjar outras aventuras e guardar os seus beijos; tem muito onde
empregá-los melhor!...
Adeus, como antigamente, diz? Antigamente, porém, fazia
muito mais caso de mim; não me limitava aos terceiros papéis e
esperava que eu dissesse sim, para estar certo do meu consentimento.
Aceite pois que em vez de lhe dizer também adeus, como
antigamente, lhe diga adeus como agora.
A sua serva, senhor Visconde.
CARTA CXXVIII
A PRESIDENTE DE TOURVEL A MADAME DE ROSEMONDE
CARTA CXXIX
O VISCONDE DE VALMONT A MARQUESA DE MERTEUIL
CARTA CXXX
Por que motivo, minha querida, já não quereis ser minha filha?
Por que é que pareceis comunicar-me que vai acabar a
correspondência entre nós? É para me castigar de não ter adivinhado o
que era tão pouco verossímil? Ou desconfiais que vos afligi
voluntariamente? Não, conheço demasiado o vosso coração para crer
que assim possa julgar o meu. Desta forma o desgosto em que me
mergulhou a vossa carta é muito menos por minha causa do que por
vós!
Ó minha jovem amiga! Digo-vos com tristeza; mas sois
demasiado digna de ser amada, para que alguma vez o amor vos
torne feliz.
Ah! Qual foi a mulher verdadeiramente delicada e sensível que
não encontrou o infortúnio nesse mesmo sentimento que lhe parecia
anunciar tanta felicidade! Saberão os homens apreciar a mulher que
possuem?
Alguns haverá honestos no procedimento e constantes na
afeição, mas, mesmo entre esses, quão poucos se sabem elevar à
altura do nosso coração! Não penseis, minha querida filha, que o amor
deles seja igual ao nosso. Experimentam a mesma loucura; muitas vezes
entregam-se-lhe com mais arrebatamento; mas desconhecem este zelo
inquieto, esta delicada solicitude, que nos obriga a cuidados ternos e
contínuos, cujo único fim é sempre o objeto amado. O homem goza
com a felicidade que sente, e a mulher com a que proporciona. Esta
diferença, tão importante e tão pouco notada, influi no entanto, de
modo bem palpável, na totalidade das respectivas condutas. O prazer
de um consiste em satisfazer os seus desejos, o da outra, principalmente,
em os fazer nascer. Agradar é para ele um meio de chegar ao triunfo;
enquanto para ela é o próprio triunfo. E a coqueteria, tantas vezes
censurada às mulheres, representa apenas o exagero desta forma de
sentir e prova a sua verdade. Enfim, o gosto exclusivo, que caracteriza
particularmente o amor, é no homem apenas uma preferência, que
serve, quando muito, para graduar um prazer, que um outro objeto
enfraqueceria talvez mas não destruiria; enquanto nas mulheres é um
sentimento profundo, que não só destrói todo o desejo estranho, mas
que, mais forte do que a natureza, e independente até do domínio
dela, só as deixa experimentar repugnância e desgosto, onde pareceria
dever nascer a voluptuosidade.
E não deveis pensar que as exceções, mais ou menos
numerosas, que seja possível citar, se oponham com êxito a estas
verdades comuns! Estão até confirmadas pelo consenso geral, que
distinguiu, apenas para os homens, a infidelidade da inconstância,
distinção de que se orgulham, em vez de por ela se sentirem
humilhados; e que, no nosso sexo, só foi adotado por essas mulheres
depravadas que fazem a vergonha dele, e para quem todos os
processos são bons, a fim de se salvarem da penosa sensação da sua
baixeza. Julguei, minha querida filha, que podia ser-vos útil ter estas
reflexões a opor às idéias quiméricas duma felicidade perfeita, com que
o amor ilude sempre a nossa imaginação; esperança enganadora, a
que nos conservamos presas, mesmo quando nos vemos forçadas a
abandoná-la, e cuja perda agrava e multiplica os desgostos já
demasiado reais duma viva paixão! Este papel de vos suavizar as dores,
de lhes diminuir o número, é o único que quero, que posso
desempenhar neste momento. Nos males sem remédio, os conselhos só
podem incidir sobre o regime a seguir. Peço-vos somente que vos
lembreis que lamentar um doente não é censurá-lo. Oh, quem somos
nós para nos censurarmos uns aos outros? Deixemos o direito de julgar
Àquele que lê nos corações; e tenho a ousadia de acreditar que, aos
seus olhos paternais, uma multidão de virtudes pode resgatar uma
fraqueza.
Mas, suplico-vos, minha querida amiga, evitai sobretudo essas
resoluções violentas, que não mostram força mas antes um desânimo
completo, não esqueçais que, tornando um outro possuidor da vossa
existência, para me servir da vossa expressão, não pudestes contudo
privar os vossos amigos do que já antes possuíam, e que nunca
cessarão de reclamar.
Adeus, minha querida filha, lembrai-vos às vezes da vossa terna
mãe, e crede que sereis sempre, e acima de tudo, o objeto dos seus
mais queridos pensamentos.
CARTA CXXXI
Até que enfim, Visconde; desta vez estou mais contente consigo
do que da outra; e agora, falemos amigavelmente, espero convencê-lo
de que, tanto para si como para mim, o acordo que parece desejar
seria uma verdadeira loucura.
Nunca reparou que o prazer, que é com efeito o único fim de
reunião dos dois sexos, não basta no entanto para os unir? E que, se é
precedido do desejo que aproxima, é também seguido do alheamento
que afasta? Uma lei da natureza, que só o amor pode transformar; e o
amor; é possível senti-lo quando se quer?
No entanto é sempre necessário; e seria na verdade
embaraçoso, se se não tivesse notado que felizmente bastava que
existisse dum lado. A dificuldade tornou-se de metade do tamanho, e
nem sequer há muito a perder; com efeito um goza a felicidade de
amar, o outro a de agradar, um pouco menos viva na verdade, mas a
que se junta o prazer de trair, o que provoca o equilíbrio; enfim, tudo se
arranja.
Mas, diga-me, Visconde, qual de nós dois se encarregará de trair
o outro? Conhece a história dos dois batoteiros, que se reconheceram
durante o jogo, nada conseguiremos, disseram paguemos as despesas
a meias; e abandonaram a partida. Sigamos, creia-me, este exemplo
prudente, e não percamos juntos um tempo que podemos empregar
tão bem algures.
Para lhe provar que penso tanto no seu interesse como no meu,
e que não procedo assim nem por irritação nem por capricho, não lhe
recuso o prémio combinado entre nós, de resto bem vejo que uma
única noite nos bastará; e tenho a certeza de que saberemos tão bem
embelezá-la, que a veremos findar com pena. Mas não esqueçamos
que essa mágoa é necessária à felicidade; e por mais doce que seja a
nossa ilusão, não vamos acreditar que possa ser durável.
Como vê, resigno-me, e isto sem que o Visconde tenha ainda
cumprido a obrigação que tinha para comigo, porque enfim, devia ter-
me dado a primeira carta da celeste pudibunda; e no entanto, ou
porque ela representa algo para si, ou porque esqueceu as condições
do contrato, que talvez o interesse menos do que me pretende fazer
crer, não recebi nada, absolutamente nada. No entanto, ou me
engano muito, ou a terna devota deve escrever bastante, pois em que
se há de ocupar quando está só?
Certamente que não tem ânimo para se distrair. Como vê, teria
se quisesse algumas censuras a fazer-lhe; mas deixo-as em silêncio, para
compensar um pouco da irritação que pus talvez na minha última
carta.
E agora, Visconde, só me resta fazer-lhe um pedido; e é tanto
por si como por mim: é o de adiar o momento que também desejo
muito, mas que me parece dever ser retardado até ao meu regresso à
cidade. Por um lado, aqui não teríamos a necessária liberdade; e, por
outro, eu correria um risco: porque bastaria um pouco de ciúme para
prender sem remédio este triste Belleroche, que no entanto agora
parece estar por um fio. Vejo bem que ele já se esforça para continuar
a amar-me; e eu ponho por vezes tanta malícia como prudência nas
carícias com que o sobrecarrego.
Ao mesmo tempo, bem vê que não seria um sacrifício digno de
si! Uma infidelidade recíproca dará um encanto bem mais picante.
Sabe que às vezes lamento que estejamos reduzidos a estes
recursos?
No tempo em que nos amávamos, porque creio que era amor,
eu era feliz; e o Visconde? Mas porque ocupar-me ainda duma
felicidade que não volta? Não, por mais que diga, o regresso é
impossível. Em primeiro lugar, exigirei sacrifícios que não poderia ou não
quereria fazer-me, e que eu talvez não mereça; e depois, como
prendê-lo? Oh, não, não, nem quero pensar nisso; e apesar do prazer
que acho em escrever-lhe, prefiro deixá-lo bruscamente.
Adeus, Visconde.
CARTA CXXXII
Quais são pois, minha bela amiga, esses sacrifícios que me julga
incapaz de fazer, e cujo prémio seria afinal agradar-lhe?
Ah! Dê-mos somente a conhecer, e, se hesitar em lhos oferecer
permito-lhe que recuse as minhas homenagens. Que julga de mim
desde há algum tempo, se, mesmo quando é indulgente, ainda
continua a duvidar dos meus sentimentos ou da minha energia?
Sacrifícios que eu não poderia ou não queria fazer! Supõe-me então
apaixonado, dominado? E o valor que dei ao triunfo, suspeita que o
atribuo à pessoa? Ah, graças ao Céu, não estou ainda reduzido a isso, e
guardo-me para lho provar. Sim, prová-lo-ei, mesmo que seja com
Madame de Tourvel. Seguramente, depois disso, não lhe ficarão
dúvidas.
Foi-me possível, julgo que sem me comprometer, conceder
algum tempo a uma mulher, que tem pelo menos o mérito de ser dum
gênero que raramente se encontra. Talvez também a estação morta
em que veio esta aventura me tenha levado a entregar-me com mais
entusiasmo; e agora que o grande movimento mal recomeça, não é de
admirar que ela me ocupe ainda quase inteiramente. Pense no entanto
que ainda não há oito dias que gozo o fruto de três meses de trabalhos.
Tantas vezes me demorei mais tempo com o que valia muito menos e
não me custara tanto! E nunca a minha amiga me julgou mal por isso.
Mais ainda, quer saber a verdadeira causa da solicitude que
emprego? Ei-la. Esta mulher é naturalmente tímida; durante os primeiros
dias duvidava sem cessar da sua felicidade, e essa dúvida bastava
para a perturbar, de forma que só agora começo a poder observar até
onde vai o meu poder nesse campo. Eis uma coisa que ardia em
curiosidade por saber; e a oportunidade não é tão fácil de encontrar
como se julga.
Em primeiro lugar, para muitas mulheres, o prazer é apenas o
prazer e nada mais do que isso; e para essas, seja qual for o título que
nos concedam, somos simples criados, puros moços de recados, cujo
mérito reside apenas na atividade, e entre os quais o que mais faz é
sempre o que faz melhor.
Numa outra classe, talvez hoje a mais numerosa, a celebridade
do amante, o prazer de o ter arrebatado a uma rival, o receio de que
por sua vez lhe seja roubado, ocupa quase inteiramente as mulheres,
nós contribuímos, claro, mais ou menos para esta felicidade de que
gozam; mas ela depende mais das circunstâncias do que da pessoa.
Vem-lhes por nós, mas não de nós.
Precisava por isso de encontrar, para as minhas observações,
uma mulher delicada e sensível, que se dedicasse unicamente ao amor,
e que, no próprio amor, visse só o amante; cuja emoção, não seguindo
o caminho habitual, partisse sempre do coração para os sentidos; já a
vi, por exemplo (e não falo do primeiro dia), sair do prazer toda chorosa,
e um instante depois reencontrar a voluptuosidade numa palavra que
respondia à sua alma.
Enfim, era necessário ainda acrescentar essa natural candura,
tornada invencível de tanto se lhe entregar, e que lhe não permite
esconder nenhum dos sentimentos do coração.
Ora, concordará que tais mulheres são raras; e julgo mesmo que,
sem esta, nunca me teria sido dado encontrar nenhuma.
Não será pois de estranhar se ela me prender mais tempo do
que qualquer outra; e se a observação que quero fazer sobre ela exige
que a torne feliz, inteiramente feliz, por que me recusaria eu a tal, tanto
mais que isso serve os meus planos, em vez de os contrariar? Mas por
que o espírito se encontra ocupado, segue-se-lhe que o coração seja
escravo? Não, sem dúvida. Mas o valor que não deixo de atribuir a esta
aventura não me impedirá de me entregar a outras, ou mesmo de a
sacrificar a algumas mais agradáveis.
Sinto-me de tal modo livre que nem sequer descurei a pequena
Volanges, a quem afinal dou tão pouca importância. A mãe trá-la para
a cidade dentro de três dias; e desde ontem que arranjei maneira de
assegurar as minhas comunicações: uma gratificação ao porteiro, e
umas bugigangas à mulher, resolveram o assunto. E imaginar que
Danceny não soube encontrar um processo tão simples! E ainda dizem
que o amor nos torna inventivos! Pelo contrário, embrutece aqueles que
domina. E pensa que me não saberei defender? Ah! Esteja tranqüila.
Vou já, dentro de poucos dias, enfraquecer, partilhando-a, a impressão
talvez demasiado viva que experimentei; e se uma só partilha não
bastar, multiplicá-las-ei.
Mas estarei pronto a entregar a jovem colegial ao seu discreto
amante, logo que a minha amiga o julgue oportuno. Parece-me que já
não tem razões para o impedir; e eu consinto em prestar esse insigne
serviço ao pobre Danceny. É, na verdade, o mínimo que lhe devo por
todos os que me prestou. Está agora numa grande inquietação por
saber se será recebido em casa de Madame de Volanges. Vou-o
acalmando o melhor que posso, assegurando-lhe que, dum ou doutro
modo, o tornarei feliz na primeira oportunidade, e enquanto espero,
continuo a ocupar-me da correspondência, que ele quer recomeçar
logo após a chegada da sua Cecília. Já tenho seis cartas dele, e ainda
receberei mais uma ou duas antes desse dia feliz. É preciso que o rapaz
esteja muito desocupado!
Mas deixemos esse par infantil, voltemos a nós; que eu possa
ocupar-me unicamente da tão doce esperança que me deu a sua
carta. Sim, prender-me-á, sem dúvida; nem lhe perdoaria se duvidasse.
Alguma vez deixei de lhe ser constante? Os nossos laços foram desfeitos,
mas não quebrados; a nossa pretensa ruptura foi um erro da nossa
imaginação, os nossos sentimentos e interesses mantiveram-se unidos.
Tal como o viajante que regressa desenganado, reconhecerei que
deixara a felicidade para perseguir a esperança; e direi como
d'Hancourt: -Plus je vis d'étrangers, plus j'amai ma patrie.*
Não fuja mais à idéia, ou antes, ao sentimento que a reconduz
até mim; e depois de termos provado todos os prazeres nas nossas
diversas incursões, regozijemo-nos com a felicidade de sentir que
nenhum deles é comparável ao que experimentáramos e que
reencontraremos mais delicioso ainda.
Adeus, encantadora amiga. Acedo em esperar pelo seu
regresso, mas apresse-o e não esqueça que o desejo muito.
CARTA CXXXIV
CARTA CXXXV
CARTA CXXXVI
CARTA CXXXVII
CARTA CXXXVIII
CARTA CXXXIX
CARTA CXL
Que se passa, minha bela amiga, que não recebo resposta sua?
A minha última carta parecia-me no entanto merecê-la; já há três dias
que a devia ter recebido e espero ainda! O menos que lhe posso dizer é
que estou zangado; deste modo nada lhe contarei das minhas
aventuras.
Acerca do belíssimo efeito da reconciliação; de ter dado lugar a
novas ternuras, em vez de censuras e desconfiança; de ser eu agora
quem recebe as desculpas e reparações devidas à minha candura
caluniada, nada lhe direi; e sem o acontecimento imprevisto da última
noite, nem sequer lhe escreveria. Mas como diz respeito à sua pupila, e
como naturalmente ela não estará capaz de lhe escrever durante
algum tempo, encarrego-me eu disso.
Por motivos que facilmente adivinhará ou não, de há uns dias
para cá que Madame de Tourvel não me podia ocupar o tempo; e
como essas razões não podiam existir na pequena Volanges, tornara-
me mais assíduo junto dela. Graças ao amável porteiro, não precisava
de vencer quaisquer obstáculos; e levávamos, a sua pupila e eu, uma
vida cômoda e regrada. Mas o hábito conduz à negligência; nos
primeiros dias, achávamos sempre as precauções insuficientes para a
nossa segurança; tremíamos ainda detrás dos ferrolhos. Ontem, uma
distração inacreditável causou o acidente que lhe quero contar; e se
pelo meu lado apanhei um susto, a donzela pagou mais caro.
Não dormíamos, mas estávamos no repouso e no abandono
que se seguem à voluptuosidade, quando ouvimos a porta do quarto
abrir-se de repente. Agarrei logo a espada, tanto para minha defesa
como para da nossa comum pupila: avancei e não vi ninguém, mas
com efeito a porta estava aberta. Como tínhamos luz, fiz uma busca,
mas não encontrei vivalma. Lembrei-me então que nos esquecêramos
das precauções habituais; e que a porta, apenas encostada, ou mal
fechada, se abrira por si própria.
Voltei para me juntar à minha tímida companheira e tranqüilizá-
la, mas não a encontrei no leito; caíra ou tentara esconder-se na
alcova: enfim, estava desmaiada e sem outro movimento a não ser
fortes convulsões. Imagine o meu embaraço!
Ainda consegui deitá-la na cama, e até fazê-la voltar a si, mas
ferira-se na queda, e as conseqüências não tardaram.
Dores de rins e cólicas violentas, outros sintomas ainda menos
equívocos, depressa me esclareceram quanto ao seu estado, mas, para
a elucidar, foi preciso revelar-lhe primeiro que se encontrava grávida;
porque não fazia a mínima idéia. Nunca ninguém, antes desta
pequena, conservou tanta inocência, fazendo ao mesmo tempo tão
bem tudo o que é preciso para se desfazer dela! Oh, esta não perde
tempo a refletir!
Mas lamentava-se e vi que era preciso tomar uma decisão.
Ficou então combinado que eu iria imediatamente ao médico e
ao cirurgião da casa, e que os preveniria de que alguém os viria buscar,
contando-lhes tudo, sob segredo; que ela, por seu lado, chamaria a
criada de quarto logo que eu saísse; que lhe confidenciaria tudo ou
não, como quisesse; mas que a mandaria buscar socorro, e proibiria
sobretudo que acordassem Madame de Volanges, delicada e natural
atenção duma filha que teme inquietar a mãe.
Fiz as duas diligências e as duas confissões o mais depressa que
pude, e voltei para casa, donde não saí ainda, mas o cirurgião, que eu
aliás já conhecia, veio ao meio-dia relatar-me o estado da doente. Não
me enganara; mas ele espera que, se não sobrevier qualquer
complicação, ninguém lá em casa dará por nada. A criada de quarto
está no segredo; o médico deu um nome à doença; e este assunto
arrumar-se-á como milhares de outros, a não ser que mais tarde nos
possa ser útil que dele se fale.
Mas haverá ainda interesses comuns entre a minha amiga e eu?
O seu silêncio deixa-me dúvidas; já nem acreditaria nisso, se o meu
desejo não procurasse a todo o custo manter-me a esperança.
Adeus, minha bela amiga: beijo-a, mal-grado o seu rancor.
CARTA CXLI
CARTA CXLII
CARTA CXLIII
CARTA CXLIV
CARTA CXLV
CARTA CXLVI
CARTA CXLVII
CARTA CXLIX
CARTA CL
CARTA CLI
CARTA CLII
CARTA CLIII
CARTA CLIV
Sei, minha senhora, que não gostais de mim; também não ignoro
que fostes sempre contrária à minha pessoa junto de Madame de
Tourvel, e do mesmo modo não tenho dúvidas de que, mais do que
nunca, experimenteis os mesmos sentimentos a meu respeito. Convenho
até que possais julgar justos esses sentimentos.
Entretanto, é a vós que me dirijo, e não receio pedir-vos que
entregueis a Madame de Tourvel a carta que junto aqui para ela, e
ainda solicitar-vos que consigais que a leia e a disponhais a isso dando-
lhe a certeza do meu arrependimento, do meu pesar e sobretudo do
meu amor. Sinto que esta diligência poderá parecer-vos estranha; a
mim próprio ela admira. Mas o desespero apodera-se dos meios sem os
calcular, e, por outro lado, um interesse tão grande, tão caro e que nos
é comum deve afastar qualquer outra consideração. Madame de
Tourvel está à morte; Madame de Tourvel é infeliz; é necessário restituir-
lhe a vida, a saúde e a felicidade. Eis o objetivo a cumprir. Todos os
meios são bons, desde que possam assegurar ou apressar o êxito. Se
rejeitardes este que vos ofereço, ficareis responsável pelo
acontecimento da sua morte, o vosso pesar e o meu desespero eterno,
tudo será obra vossa. Sei que ultrajei indignamente uma mulher digna
de toda a minha adoração; sei que só as minhas torpes ofensas são a
causa de todos os males que ela suporta. Não pretendo diminuir as
minhas faltas nem desculpá-las. Mas vós, senhora, deveis temer tornar-
vos cúmplice impedindo-me de as reparar. Mergulhei o punhal no
coração da vossa amiga, mas só eu posso retirar o ferro da ferida, só eu
conheço os meios de a curar. Que importa que eu seja culpado, se
posso ser útil? Salvai a vossa amiga, salvai-a!
É do vosso socorro que ela necessita, e não da vossa vingança.
Paris, 4 de Dezembro de 17* *.
CARTA CLV
Passei duas vezes por sua casa, meu caro Cavaleiro, mas desde
que abandonou o papel de apaixonado pelo de aventureiro galante, é
impossível encontrá-lo. Todavia o seu criado de quarto assegurou-me
que voltaria a casa esta tarde, e que tinha ordem para o esperar; mas
eu, que estou ao par dos seus projetos, bem vi que o meu amigo não
voltaria senão por um momento, para vestir o trajo apropriado, e que
imediatamente recomeçaria as suas corridas vitoriosas. Ainda bem, e só
devo aplaudi-lo, mas talvez, para esta noite, seja tentado a mudar de
direção. Ignora ainda o caminho que tomaram metade dos assuntos
que lhe dizem respeito; devo pô-lo ao corrente daquele que
desconhece, e depois decidirá. Dedique algum tempo a ler esta carta.
Não será afastá-lo dos seus prazeres, pois, pelo contrário, ela tem como
objetivo permitir-lhe a escolha.
Se fosse eu o depositário de todas as suas confidências, se
tivesse sabido por si a parte dos segredos que fui forçado a adivinhar, a
elucidação teria vindo a tempo; e o meu zelo, menos hábil, não
entravaria agora os seus movimentos. Mas partamos do ponto em que
estamos. Qualquer que seja a decisão que tome, nunca deixará de
fazer a felicidade de alguém.
Tem um encontro para esta noite, não é verdade? Com uma
mulher encantadora e a quem adora? Pois na sua idade, que mulher
não adoramos, pelo menos nos oito primeiros dias! O cenário deve
contribuir também para o prazer. Uma casinha deliciosa, que existe só
para si, deve aumentar a voluptuosidade com os encantos da
liberdade e do mistério. Está tudo combinado, esperam-no e o meu
amigo arde no desejo de chegar! Eis o que ambos sabemos, se bem
que nada me tenha dito. Agora, eis o que não sabe, e de que devo
informá-lo.
Desde o meu regresso a Paris que me ocupava com os meios de
o pôr em contato com Mademoiselle de Volanges, tal como lhe
prometera; e ainda da última vez que lhe falei, tive ocasião de julgar
pelas suas respostas, direi até pelo seu entusiasmo, que contribuía para
a sua felicidade. Sozinho não conseguiria eu resolver esta questão tão
difícil, mas, depois de ter preparado os meios, deixei o resto entregue ao
zelo da sua jovem apaixonada.
Ela encontrou, no seu amor, recursos que faltavam à minha
experiência, enfim, para mal do meu amigo, ela conseguiu o que
desejava. Há dois dias, disse-me ela esta tarde, que todos os obstáculos
estão vencidos e que a vossa felicidade depende só de si.
Há dois dias que anseia por transmitir-vos ela própria a notícia, e,
apesar da ausência da mãe, não deixaria por isso de ser recebido, mas
nem sequer apareceu! E, para lhe não esconder nada, ou por capricho
ou a valer, a criaturinha pareceu-me um tanto zangada por essa falta
de ardor da sua parte. Encontrou enfim um meio de me mandar
chamar e obrigou-me a prometer que lhe enviaria o mais cedo possível
a carta que junto. Pelo zelo que mostrou, iria apostar que se trata dum
encontro para esta noite. Seja o que for, prometi, pela honra e pela
amizade, que lhe faria chegar às mãos a terna missiva durante o dia, e
não posso nem quero faltar à minha palavra.
E agora, jovem, que tenciona fazer? Colocado entre a
coqueteria e o amor, entre o prazer e a felicidade, qual vai ser a sua
escolha? Se eu falasse ainda ao Danceny de há três meses, ou mesmo
de há oito dias, conhecedor do coração dele, sê-lo-ia também das suas
decisões; mas o Danceny de hoje, arrastado pelas mulheres,
entregando-se a aventuras, e tornado, como é costume, um tanto
nervoso, preferirá ele uma donzela tímida, que só tem por si a beleza, a
inocência e o amor, aos atrativos duma mulher experiente?
Por mim, meu caro amigo, parece-me que, mesmo dentro dos
seus novos princípios, que confesso serem também um pouco os meus,
as circunstâncias far-me-iam decidir pela jovem amante. Primeiro, será
mais uma, e depois a novidade, e ainda o temor de perder o fruto dos
seus cuidados desprezando colhê-lo; porque, enfim, por esse lado, seria
de fato uma oportunidade falhada, que nem sempre volta, sobretudo
se se trata duma primeira fraqueza, muitas vezes, neste caso, basta um
momento de zanga, uma suspeita de ciúme, menos ainda, para
impedir o mais belo triunfo. A virtude que se afoga agarra-se às vezes
aos ramos; mas uma vez salva, mantém uma certa reserva e não é já
fácil de surpreender.
E do outro lado, afinal que se arrisca? Nem sequer uma ruptura;
quando muito uma disputa, que, com alguns cuidados, pagará o prazer
duma reconciliação. Que mais resta a uma mulher que se entregou, a
não ser á indulgência? Que poderá ganhar com a severidade? A
perda dos prazeres, sem proveito para a sua reputação.
Se, como suponho, seguir o caminho do amor, que me parece
ser também o da razão, creio que será prudente não se desculpar pela
falta do encontro; deixe simplesmente que o esperem, se se arrisca a
dar uma desculpa é muito possível que tentem verificá-la. As mulheres
são curiosas e obstinadas; tudo se pode descobrir, acabo, como sabe,
de ser vítima de um exemplo disso.
Mas se lhe deixar a esperança, como será alimentada pela
vaidade, só morrerá muito tempo depois do momento propício para as
informações, e então amanhã o meu amigo só terá de escolher o
obstáculo intransponível que o reteve; esteve doente, morto até se for
preciso, ou qualquer outra coisa com que estará igualmente
desesperado, e tudo se arranjará.
De resto, qualquer que seja a decisão que tome, peço-lhe só
que me informe; e como não tenho qualquer interesse, acharei sempre
que fez bem.
Adeus, meu caro amigo.
Acrescento ainda que lastimo Madame de Tourvel; estou
desesperado por estar separado dela; daria metade da minha vida
pela felicidade de lhe consagrar a restante. Ah! Acredite-me, só o amor
nos pode fazer felizes.
CARTA CLVI
(Junta à precedente)
Por que é que acontece, meu caro amigo, que deixo de o ver,
quando não deixo de lhe querer? Não o deseja tanto como eu?
Ah! Agora é que estou triste! Mais triste do que quando
estávamos completamente separados. O desgosto que os outros me
faziam sofrer é agora de si que me vem, e isso custa-me muito mais.
Desde há uns dias que a Mamã nunca está em casa, bem o
sabe; e esperava que procurasse aproveitar esse tempo de liberdade,
mas já nem sequer pensa em mim; sou muito infeliz! Tanta vez me disse
que era eu que amava menos! Eu bem sabia que era o contrário, e eis
a prova. Se tivesse vindo ver-me, ter-me-ia visto de fato, porque eu não
sou como o Cavaleiro; penso só no que nos pode reunir. Merecia que
eu nada lhe dissesse do que fiz para isso, e que me deu tanto trabalho,
mas amo-o demasiado e tenho tanta vontade de o ver, que não posso
fugir a dizer-lhe tudo. E depois, verei se realmente me tem amor!
Trabalhei tão bem que convenci o porteiro, o qual me prometeu
que o deixará entrar como se o não visse todas as vezes que venha, e
podemos confiar nele, porque é muito boa pessoa.
Trata-se apenas de evitar que o vejam em casa; e isso será muito
fácil, se só vier à noite, quando já nada há a temer. Por exemplo, desde
que a Mamã sai todos os dias, deita-se todas as noites às onze horas;
assim teremos tempo de sobra.
O porteiro disse-me que quando quiser vir deste modo, em vez
de bater à porta, deve bater à janela dele e que ele abrirá
imediatamente; e, depois, achará a escada interior; e como não pode
usar luz, deixarei a porta do meu quarto entreaberta, o que sempre o
iluminará um pouco. Tomará cuidado em não fazer barulho,
principalmente ao passar pela porta da Mamã.
Quanto à da minha criada de quarto, não faz mal, porque me
prometeu que não acordaria; é também muito boa rapariga! E para se
ir embora, será o mesmo. Agora, veremos se vem.
Meu Deus, por que é que sinto o coração bater tão forte
enquanto lhe escrevo? É porque me vai acontecer alguma infelicidade,
ou é a esperança de o ver que assim me perturba? O que sinto é que
nunca o amei tanto, e nunca desejei tanto dizer-lho.
Venha, meu amigo, meu querido amigo; para que lhe possa
repetir cem vezes que o amo, que o adoro, que só o amarei a si.
Achei um meio de mandar dizer ao senhor de Valmont que
precisava falar-lhe; e ele, como é um bom amigo, virá com certeza
amanhã, e vou pedir-lhe que lhe mande logo a minha carta...
Esperá-lo-ei pois amanhã à noite, e virá sem falta se não quiser
que a sua Cecília seja muito infeliz.
Adeus, meu caro amigo; beijo-o com todo o amor.
CARTA CLVII
CARTA CLVIII
(Ao despertar)
CARTA CLIX
CARTA CLX
CARTA CLXI
CARTA CLXII
Minha senhora,
Paris, 7 de Dezembro de 17 * *.
CARTA CLXIV
CARTA CLXV
CARTA CLXVI
Minha senhora,
Em conseqüência das ordens que me haveis feito a honra de
dar, encontrei-me com o senhor Presidente de..., comuniquei-lhe a
vossa carta, prevenindo-o de que, segundo os vossos desejos, eu nada
faria a não ser pelos seus conselhos. O respeitável magistrado
encarregou-me de vos observar que a queixa que tendes a intenção
de fazer contra o senhor Cavaleiro Danceny comprometeria
igualmente a memória do senhor vosso sobrinho, cuja honra ficaria
inevitavelmente manchada pela sentença da corte, o que seria sem
dúvida uma grande infelicidade. A sua opinião é, pois, que se deve
evitar semelhante diligência; e que, se houvesse alguma coisa a fazer,
seria pelo contrário tratar de evitar que o Ministério Público tomasse
conhecimento desta infeliz aventura, que já fez demasiado ruído.
Estas observações pareceram-me cheias de sabedoria, e tomo
a decisão de esperar novas da vossa parte.
Peço-vos, minha senhora, que tenhais a amabilidade de, ao
enviar-mas, acrescentar algumas linhas sobre o vosso estado de saúde,
de que receio extremamente a reação a tantas desgraças.
Espero que perdoareis esta liberdade à minha dedicação e zelo.
Sou com respeito, minha senhora, vosso, etc.
CARTA CLXVII
Senhor,
CARTA CLXVIII
CARTA CLXIX
Minha senhora,
CARTA CLXXI
CARTA CLXXII
CARTA CLXXIII
CARTA CLXXV
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